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CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES  no.40 Lisboa jun. 2020

https://doi.org/10.15847/cct.jun2020.040.doss-art04 

ARTIGO ORIGINAL

 

Rompendo uma clandestinidade legal: génese e evolução do movimento dos cuidadores e das cuidadoras informais em Portugal

Breaking a legal clandestinity: Genesis and evolution of the caregiver movement and informal caregivers in Portugal

 

José SoeiroI; Mafalda AraújoII

[I]Universidade do Porto, Portugal. e-mail: josemourasoeiro@gmail.com.

[II]University of Amsterdam, The Netherlands. e-mail: mafaldagomesdearaujo@gmail.com.

 

 


RESUMO

Capaz de forçar a discussão política em torno de uma das dimensões mais importantes do trabalho reprodutivo não remunerado, o movimento dos cuidadores informais em Portugal rompeu com as lógicas da invisibilidade que circunscreviam a sua existência, resgatando do plano do «natural» o seu trabalho gratuito com restrições importantes, na prática, à sua liberdade social. Neste artigo, procura-se historicizar o passado recente do movimento dos cuidadores e cuidadoras informais em Portugal, analisando os seus processos de formalização, as suas alianças sociais, as suas estratégias mediáticas, as suas reivindicações e os seus repertórios de ação. Pretende-se, a partir do estudo dessa experiência de ação coletiva, traçar a trajetória da evolução recente dos cuidados informais como um problema social, que mobilizou diversos agentes políticos e desencadeou um processo legislativo que conduziu à aprovação de um Estatuto do Cuidador Informal.

Palavras-chave: cuidados informais; movimentos sociais; associativismo; reconhecimento; feminismo; Estatuto do Cuidador Informal.


ABSTRACT

Capable of forcing a political discussion around a crucial dimension of unpaid reproductive work, the informal carers’ movement in Portugal disrupted the logic of invisibility that was circumscribing its existence, rescuing its free-work from a “taken for granted” existence, which entailed serious restrictions, in practice, to their social freedom. In this article, we seek to historicize the recent past of the informal carers’ in Portugal, analyzing its process of formalization, its social alliances and its media strategies, its claims and repertoires of action. From the study on this collective action experience, it is traced the trajectory of the recent evolution of informal care as a social problem, which mobilized several political agents, and triggered a legislative process that led to the approval of an Informal Caregiver Statute.

Keywords: informal care, social movements, associativism, acknowledgement, feminism, Informal Caregiver Statute.


 

Talvez se possa dizer do surgimento de um movimento de cuidadores e cuidadoras informais em Portugal aquilo que Bourdieu declarou acerca das mobilizações de desempregados em França. Trata-se de um verdadeiro “milagre social”, por arrancar “à invisibilidade, ao isolamento, ao silêncio, em suma, à inexistência” (Bourdieu, 1998: 122) um grupo de pessoas cujas condições materiais e subjetivas tenderiam, precisamente, a contribuir para o afastamento da ação coletiva. A dispersão e atomização social das cuidadoras, as circunstâncias que as remetem para uma espécie de confinamento doméstico que tende a isolá-las de redes de sociabilidade mais alargadas, o registo fatalista em que se vivencia a prestação de cuidados como um encargo necessariamente decorrente das obrigações familiares, a ausência de um antagonista claro contra o qual opor-se ou ao qual dirigir-se, a própria escassez ou mesmo ausência de tempo para si e para outras tarefas para além das que decorrem da assistência prestada aos outros, são tudo fatores que concorrem pesadamente para a improbabilidade sociológica de um tal movimento. E no entanto, contrariando dificuldades estruturais e disposições conformistas, ele irrompeu no nosso país.

A primeira conquista deste movimento, como notou Bourdieu acerca dessa outra experiência de meados da década de 1990, “é o próprio movimento” (1998: 122). Isto é, a transformação de uma experiência vivida de forma isolada e frequentemente num registo de sofrimento numa identidade de luta, a criação de espaços de encontro e o estabelecimento de um programa de objetivos comuns. Mas além disso, esse movimento conseguiu alcançar, no espaço de tempo relativamente curto que aqui analisaremos (entre junho de 2016 e julho de 2019), não apenas o “direito a existir” mas também uma rápida centralidade no debate público e no campo político.

Se as premissas presentes nos movimentos por uma cidadania dos cuidados (Casas-Cortes, 2019) podem ter bases comunicantes com as que subjazem ao regime familialista de organização dos cuidados (centralidade da família e dos cuidados não-profissionais; relações não mercantis de apoio, de reciprocidade e de solidariedade intra e intergeracional; divisão sexual do trabalho reprodutivo), valerá a pena assinalar também o quanto a sua existência pode contribuir para repensar esse mesmo regime e as relações que nele se estabelecem entre Estado, «sociedade civil secundária», família e redes de solidariedade no campo dos cuidados (Santos, 1990; Ferreira, 2000).

Assim, analisaremos o modo como se construiu a temática dos cuidadores e cuidadoras informais como um problema público, o quadro de oportunidades políticas que foram potenciadas, o surgimento de uma galáxia de coletivos e de organizações social e politicamente mobilizadas, o tecimento de amplas alianças, os mecanismos de formalização e institucionalização que se iniciaram, os repertórios de ação mobilizados, a agenda de reivindicações e o processo político-legislativo desencadeado por este movimento. O que pretendemos apresentar é mais do que um mero inventário de acontecimentos e de episódios. É, acima de tudo, uma reflexão sobre as estratégias postas em marcha e sobre as possibilidades que este processo abriu no sentido de se repensar a própria organização social dos cuidados no nosso país.

 

Breve nota metodológica

Nas próximas linhas, procuraremos retomar o fio dos acontecimentos que explicam a estruturação desta experiência de mobilização em torno dos cuidados informais e oferecer uma interpretação sobre o percurso, as tensões e as características deste processo de subjetivação coletiva. Por cuidados informais entendemos aqui aqueles que são prestados por familiares e amigos (vizinhos, nomeadamente), a tempo inteiro ou de forma parcial, sem remuneração ou contrapartida mercantil, e que incluem atividades de assistência na alimentação, na higiene pessoal, em tarefas básicas de saúde e de manutenção quotidiana ou no apoio emocional, por exemplo (Cès et al., 2019; ILO, 2018; Lopes et al, 2017; Lopes, 2017; Alves, 2015; São José, 2012). Optámos por falar em subjetivação coletiva para acentuar a dimensão processual da constituição de um movimento de auto-representação pública dos cuidadores e cuidadoras informais enquanto ator coletivo, no período entre 2016 e 2019, que terá como principal resultado organizativo a constituição de uma Associação Nacional de Cuidadores Informais, mas que compreende, como apontaremos, uma galáxia de alianças mais vasta.

Do ponto de vista metodológico, sublinhamos quatro elementos fundamentais sob os quais assenta a análise que aqui propomos a debate.

Em primeiro lugar, foi realizado um levantamento exaustivo de todas as iniciativas públicas organizadas pelos promotores da petição pela criação de um Estatuto do Cuidador Informal e, mais tarde, pela Associação Nacional de Cuidadores Informais (ANCI). Essa identificação assentou na análise quer das notícias da imprensa no período identificado (junho de 2016 a julho de 2019), quer de uma cronologia criada por uma das protagonistas deste movimento e primeira presidente da ANCI, cronologia essa que traduz a seleção dos momentos significativos identificados pelos próprios protagonistas destas ações. Nesse levantamento procurou caracterizar-se as iniciativas tendo em conta: i) os repertórios de ação mobilizados; ii) o número de participantes; iii) as alianças estabelecidas em cada ação; iv) e o eco mediático produzido.

Em segundo lugar, foi feita a transcrição e análise de conteúdo de todas as intervenções realizadas no debate público sobre as «Medidas de Apoio ao Cuidador Informal» que ocorreu em fevereiro de 2018 no Parlamento e que contou com a participação e o testemunho de dezenas de cuidadores e cuidadoras informais. Esse material é de uma enorme riqueza: pelo conteúdo do conjunto de narrativas biográficas de uma amostra muito plural de cuidadores e cuidadoras informais (do ponto de vista territorial, etário e de grupos de pessoas cuidadas) mas também pelo valor performativo do discurso, num contexto em que tomar a palavra não era apenas um ato narrativo, mas era já uma ação de inscrição política, a partir da experiência subjetiva, do tema dos cuidados informais.

Em terceiro lugar, fez-se o levantamento de todas as iniciativas legislativas (projetos de resolução, projetos de lei e propostas de lei) relativas ao tema dos Cuidadores Informais, procedendo-se a uma análise categorial (apresentada de forma mais detalhada pelos autores num outro artigo) a partir da identificação das principais questões levantadas pelas organizações de cuidadores e cuidadoras informais e de uma tipologia sobre as respostas de política pública apresentadas pelos agentes políticos, num enquadramento para os cuidados informais que oscila entre um eixo mais familialista, assente no reconhecimento dos cuidados por via de transferências diretas às famílias; e um eixo mais baseado na desfamiliarização destes cuidados pelo reforço da sua provisão profissional, seja diretamente pelos serviços públicos, seja através do incremento de respostas sociais do setor particular e cooperativo financiadas pelo Estado.

Em quarto lugar, este trabalho foi complementado com o registo áudio de conversas (preferimos o termo a entrevistas, para reforçar a importância e o valor epistemológico do caráter convivial e pouco hierárquico desses momentos de troca de conhecimentos e de confronto de interpretações) com três das pessoas que estiveram na origem deste processo, isto é, da criação da petição e, posteriormente, da Associação Nacional.

Por último, vale a pena sublinhar que a reflexão que aqui se oferece à discussão resulta também – e precisamente – dessas conversas e da nossa participação e observação implicada em alguns dos processos aqui descritos. O reconhecimento da experiência social da luta como fonte de produção de conhecimento, de re-significação e de trabalho cognitivo coletivo é para nós um instrumento epistemológico de autodefesa dos investigadores e investigadoras contra as armadilhas da «curiosidade diletante» e da «confiança arrogante» na prática científica (Santos 2018: 60). Assim, a triangulação de saberes e de experiências – que se somam aos mecanismos de objetivação sociológica que nos são dados pela observação rigorosa das técnicas e dos protocolos de cientificidade da disciplina – desenvolveu-se no processo de escrita deste artigo, mas far-se-á sobretudo, assim o desejamos, no debate e na interação que ele possa suscitar por parte dos seus leitores e leitoras.

 

Trabalho reprodutivo e lutas sociais pela cidadania dos cuidados

O movimento das cuidadoras e dos cuidadores informais não é um processo isolado na luta pelo reconhecimento e visibilização do trabalho reprodutivo. De facto, já nas décadas de 60 e 70 do século XX, a luta pela visibilização social do trabalho reprodutivo (principalmente o doméstico) tornou-se então, no entendimento de algumas autoras feministas, no «principal campo de batalha para as mulheres», denunciando-se a divisão sexual do trabalho e as dimensões opressoras, ao nível do género e das políticas sociais, subjacentes a essa divisão (Federici, 2013: 72). Ao tornar evidente a produtividade da “fábrica social” (James, 2012: 51-2), ao descrever “como a força de trabalho é produzida e reproduzida quando é diariamente consumida na fábrica ou no escritório”, a identificação desse “trabalho das mulheres” pretendia enfatizar o quanto esta realidade as colocava as numa posição social considerada “degradante”: a de serem “as funcionárias pessoais dos homens”.

A reivindicação em torno de um salário doméstico era, no quadro destes movimentos e destas correntes políticas, uma luta com o alcance estratégico de promover uma transformação radical do modelo de reprodução social existente. Contrariando a institucionalização das mulheres no lar (Federici, 2013: 94), esta era uma proposta tática com vista à transformação deste destino forçado; isto é, tinha como objetivo retirar da clandestinidade política o trabalho feminino não reconhecido com vista a extingui-lo (e não a reificá-lo) enquanto trabalho não livre, imposto, gratuito, embora socialmente útil e produtivo. Segundo Silvia Federici, a campanha pelo salário doméstico teria também o mérito de criar uma identificação coletiva e uma mobilização em torno de um objetivo concreto: o de rejeitar o trabalho doméstico enquanto trabalho gratuito subjacente a uma suposta missão de género que as mulheres deveriam concretizar.

Não faltam, na literatura sociológica e particularmente nas perspetivas feministas, reflexões também sobre a questão dos cuidados. Elas foram sendo propostas a partir de uma crítica feminista da economia centrada no chamado «trabalho produtivo» (Waring, 1988; Ferber e Nelson, 1993), trabalhando analiticamente com conceitos como a «racionalidade dos cuidados» (Waerness, 1987), desenvolvendo considerações sobre o problema de saber como «cuidar dos cuidadores» (Kittay et al., 2005), a partir de uma perspetiva que procurou problematizar a própria «lógica dos cuidados» (Mol, 2008), ou da sugestão de uma «economia púrpura» como visão alternativa aos paradigmas dominantes na macroenomia, capaz de tratar o cuidado como um bem público e um direito humano básico (Ilkkaracan, 2013).

Também a afirmação da categoria de «cuidador» e de «cuidadora» informais foi analisada tendo em conta as disputas com os profissionais e as lutas pela valorização dos conhecimentos endógenos, produzidos pela experiência «a partir de dentro», através dos grupos de «auto-ajuda», apresentando-se assim os cuidadores informais como sujeitos de um conhecimento rival ao dos «especialistas» externos (Barnes, 2005). Os próprios movimentos das pessoas com deficiência produziram, nas últimas décadas, um questionamento das políticas centradas numa abordagem médica da dependência, do baixo nível de apoio e de serviços disponibilizados, que abrangia também uma crítica à desconsideração dos cuidados nos paradigmas dominantes e aos obstáculos à autonomia das pessoas cuidadas (Fontes, 2016). Por outro lado, vários estudos sobre o «trabalho do cuidado informal» procuraram estimar o seu peso económico e identificar os aspetos subjetivamente positivos e negativos da experiência informal de cuidar (Keating et al, 2013; Alves, 2015; Cès et al., 2019)

As lutas sociais e políticas em torno desta questão foram também abordadas abundantemente a partir da ética dos cuidados (Gilligan, 1982), das teorias da justiça (Fraser, 2008) e do reconhecimento (Fraser e Honneth, 2013), dos cuidados como dimensão da democracia (Tronto, 2013) ou dos conflitos em torno dos mecanismos de silenciamento e invisibilização dos cuidados e das lutas pela sua regulação na esfera formal da política, nomeadamente tendo em conta diferentes «regimes emocionais» (Dahl, 2017). Finalmente, no contexto dos ativismos contra a precariedade um pouco por toda a europa, coletivos feministas propuseram, no caso do Estado espanhol, um novo termo, «cuidadanía» (uma cidadania dos cuidados) para interpretar estas disputas. Como escreve Maribel Casas-Cortes (2019), este novo signo altera radicalmente o prefixo da palavra cidadania e, com isso, a sua etimologia: o lugar dianteiro do conceito deixa de ter por base a cidade, cedendo prioridade agora ao reconhecimento dos cuidados como a raíz de uma comunidade. Desenha-se, portanto, uma nova conceção de cidadania (e de imaginação de direitos fundamentais a ela associados) que chama a si a construção coletiva de laços de solidariedade e relações cuidadoras, ou cuidadosas, realçando e reconhecendo a vulnerabilidade da vida humana num contexto de precariedade social crescente, e a importância do reforço da interdependência como ato disruptivo das lógicas atomizadoras neoliberais [3](Gilligan, 2003; Puar, 2012; Tronto, 2013; Lorey, 2015).

A premissa basilar que é coincidente nos dois movimentos – da ética dos cuidados e do ativismo contra a precariedade – assenta na noção de relacionalidade; isto é, inerente à condição humana está a interdependência mútua para a satisfação das mais básicas necessidades, à conquista de «uma vida que valha a pena ser vivida». O reconhecimento desta relacionalidade surge assim como proposta fundamental para uma ética «feminista» dos cuidados, contrariando a racionalidade económica de um modelo que desvaloriza as disposições cuidadoras (associadas a uma «ética feminina») como uma «fraqueza moral», por oposição à independência e à auto-governação (associadas ao «masculino»), que privilegia as conquistas individuais, que despromove a criação de laços afetivos e que prepara mais para “uma vida autónoma de trabalho [4]” do que para “uma interdependência de amor e cuidado” (Gilligan, 2003: 17, tradução livre). A ética dos cuidados ou a luta pela cidadania cuidadora pode ser entendida, deste ponto de vista, como uma prática de resistência, na qual todas as cidadãs e cidadãos são simultaneamente cuidadoras/es e receptoras/es de cuidado, sendo esta reciprocidade, interdependência e reconhecimento mútuos condição essencial para a construção da igualdade social (Tronto, 2013: 29). É também ela que, implicitamente, parece permear as mobilizações dos cuidadores e cuidadoras.

 

Cuidados informais, modelo familialista e políticas públicas

Partindo das tipologias relativas à configuração dos Estados de bem-estar propostas por Esping-Andersen, Pedro Adão e Silva (2002) chama a atenção para a especificidade do modelo característico dos países do Sul da Europa, argumentando pela necessidade de um quarto modelo, para além dos três identificados pelo sociólogo dinamarquês (corporativo, liberal e social-democrático): o de tipo familialista. Nestes países, caracterizados pela criação tardia de um Estado-Social e pela doutrina social do catolicismo, as famílias são chamadas a preencher uma lacuna deixada pela fraca provisão de serviços públicos disponíveis e acessíveis às mesmas: é este o modelo de reprodução social «familialista» que configura a formação social portuguesa. Em Portugal, este modelo de “welfare mix pluralista” (Ferreira, 2000) traduz-se numa estruturação da prestação de cuidados com uma das menores taxas de cobertura ao nível dos cuidados profissionais (Lopes, 2017), ao mesmo tempo que se estima que 80% dos cuidados sejam prestados por cuidadores informais (Lopes et al, 2017). Entre o papel fundamental exercido pela sociedade-providência (Santos, 1993) e as respostas privadas financiadas pelo Estado, que impulsionou um Terceiro Setor que é na realidade uma “sociedade civil secundária” (Santos, 1990), o desenho de políticas públicas tem vindo a desenvolver-se, nas últimas décadas, através de dois eixos fundamentais (Lopes, 2017). O primeiro diz respeito às transferências monetárias diretas do Estado para as famílias, como é o caso do subsídio por assistência à terceira pessoa e do complemento por dependência. Estas medidas compensatórias – destinadas a “ajudar as famílias a amparar os custos adicionais” por prestarem serviços não remunerados na qualidade de cuidadores principais – são, contudo, tão reduzidas que servem essencialmente para acudir a situações de pobreza e carência económica. O segundo pilar assenta na provisão de cuidados pelos serviços públicos (o Serviço Nacional de Saúde, particularmente no âmbito dos cuidados de saúde primários e das equipas de cuidados na comunidade) ou pelo setor semi-privado de cuidados, protagonizado pelas Instituições Privadas de Solidariedade Social (IPSSs) – com as quais o Estado celebra acordos de cooperação, através dos quais financia as entidades que detêm e gerem os equipamentos e as respostas, e no qual assenta a Rede de Serviços e Equipamentos Sociais (RSES). Esta resposta, na qual o Estado aparece essencialmente como co-financiador (a par das famílias, que pagam também uma comparticipação) tem um peso relevante no Orçamento do Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social: em 2019, estes acordos de cooperação entre o Estado e estas entidades do setor social privado correspondiam a 1.531,7 milhões de euros.

Ora, o movimento dos cuidadores e das cuidadoras informais procurou inscrever na agenda política não apenas o reconhecimento do seu papel na ecologia dos cuidados (Nunes, 2019), mas também uma reflexão sobre a insuficiência ao nível daquele primeiro eixo da resposta pública, isto é, das transferências diretas às famílias pela prestação não-remunerada de cuidados ou aos indivíduos pelas situações de dependência; e um questionamento da forma como esses apoios se articulam, ou contrastam, com o investimento público nos cuidados formais, sobretudo aqueles que são providos pelo setor particular e solidário, chamando a atenção para o que consideravam ser uma discrepância entre o financiamento das respostas de institucionalização, por comparação com a aposta na domiciliação e no apoio direto aos cuidadores informais.

Considerando os documentos internacionais e as diretivas europeias produzidas na última década, é indiscutível que o debate público sobre os cuidados informais não começou quando, em 2016, apareceram em Portugal as primeiras manifestações de uma auto-organização dos cuidadores e das cuidadoras. De facto, e só para assinalar alguns exemplos, o relatório da Comissão Europeia Caring and Post Caring in Europe (CE, 2010) assinalava no início da década existirem 9,6 milhões de famílias que proporcionam 35 horas ou mais de cuidados semanais. Em 2011, o Parlamento Europeu aprovou um Relatório que convidava “os Estados-Membros a valorizar e reconhecer o papel dos cuidados informais prestados pelos membros da família” [5]. Também na ONU, o valor das atividades cuidadoras não remuneradas era explicitamente reconhecido pelo Relatório do Secretário-Geral em 2016. A rede EuroCarers, e a Associação «Cuidadores Portugal» nela integrada, vinha insistindo, desde 2015, na necessidade de respostas para os cuidadores informais, quer através da pressão junto dos decisores europeus, quer das instituições portuguesas. Contudo, só muito recentemente esta temática foi objeto, quer a nível europeu, quer a nível internacional, de documentos e relatórios que produziram uma abordagem mais compreensiva do fenómeno, concretamente através do estudo «Informal care in Europe. Exploring Formalisation, Availability and Quality», promovido pela Comissão Europeia em abril de 2018 e, em junho desse mesmo ano, do relatório Care work and care jobs for the future of decent work, da autoria da Organização Internacional do Trabalho. Em Portugal, a centralidade do debate não pode ser desligada da emergência do próprio movimento que aqui procuramos retratar.

 

Quantos são os cuidadores e as cuidadoras informais em Portugal?

Em 2014, o Inquérito Nacional de Saúde estimava que existiam, aproximadamente, 1,1 milhões de pessoas “com 15 ou mais anos [que] prestava[m] assistência ou cuidados informais a outras pessoas que tinham problemas de saúde ou relacionados com a velhice”. Daquelas, “mais de 85% (948 mil) prestava esses cuidados sobretudo a familiares” [6], e 470 mil dedicam-se a estes mais de dez horas por semana. Mas o que é facto é que a verdadeira dimensão dos cuidadores informais permanece, ainda hoje, relativamente desconhecida no que ao nosso país diz respeito. Os dados disponíveis resultam, essencialmente, a partir de quatro fontes.

Por um lado, de extrapolações a partir de estudos noutros países. É o caso, por exemplo, dos números avançados pela Eurocarers (Alves, 2015; Goodwin, 2017), que apontam para a existência de cerca de 8% de cuidadores informais entre o total da população (o que significaria um valor absoluto na ordem dos 800 mil cuidadores em Portugal) e de cerca de 25% de cuidadores “a tempo inteiro” dentro do total das pessoas que prestam cuidados (o que corresponderia a cerca de 200 mil no nosso país). Estima-se que 80% dos cuidados em Portugal sejam prestados por não-profissionais e, destes, a maioria por mulheres [7]. É o caso, também, das projeções da Comissão Europeia, a partir do Inquérito à Qualidade de Vida de 2016, o qual, tomando o critério da prestação de cuidados “uma ou mais vezes por semana”, situa essa percentagem em 13% da população total e em 3,6% entre os trabalhadores assalariados (CE, 2018: 19- 21).

Por outro lado, é possível tentar estimar o número de cuidadores informais a partir de uma realidade relacionada: o número de pessoas dependentes. De acordo com o Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS, 2015: 38), existiam em 2015 cerca de 110.355 pessoas dependentes no autocuidado no domicílio, das quais 48.500 estariam acamadas.

O mesmo tipo de condição poderá ser calculada tomando por referência as prestações sociais destinadas a pessoas dependentes. O Complemento por dependência, “uma prestação em dinheiro dada aos pensionistas que se encontram numa situação de dependência e que precisam da ajuda de outra pessoa para satisfazer as necessidades básicas da vida quotidiana” (ISS, 2019: 4) é atribuído em Portugal a cerca de 220 mil pessoas, distribuídas pelo complemento por dependência de primeiro grau (atribuído a “pessoas sem autonomia para satisfazer as necessidades básicas da vida quotidiana”), de que eram beneficiários, em janeiro de 2020, 178.895 indivíduos e pelo complemento por dependência de segundo grau (destinado a pessoas que, além da dependência de 1.º grau, se encontrem acamadas ou com demência grave), que abrangia, no mesmo período, 40.733 beneficiários. A estes números de pensionistas dependentes pode somar-se o das pessoas a quem é atribuído o Subsídio por assistência de terceira pessoa (uma prestação mensal para compensar as famílias com descendentes, a receber abono de família com bonificação por deficiência, que estejam em situação de dependência e que necessitem do acompanhamento permanente), que totalizavam, em finais de 2019, cerca de 13 mil pessoas.

Contudo, para lá de um conhecimento quantitativo mais rigoroso do fenómeno, ainda por realizar, o que constituiu novidade nos últimos anos não foi apenas uma desclandestinização estatística dos cuidadores informais de pessoas dependentes. Foi sobretudo a emergência, pela primeira vez, de uma voz própria organizada dos cuidadores e cuidadoras informais, que fez com que estes deixassem de ser apenas falados para tomarem, também eles e elas, a palavra no debate.

 

Do espaço online aos Encontros Nacionais: da auto-ajuda à criação de um sujeito político

“Decorria o ano de 2015, quando eu, o Joaquim Ribeiro e a Anabela Lima começámos a comunicar entre nós através das redes sociais. Os três cuidávamos de familiares com demência e partilhávamos a necessidade de obter informação e estratégias para melhor cuidar. Sentíamo-nos frustrados e indignados com a escassez de formação e informação prestada. Considerávamos uma profunda injustiça os cuidadores serem abandonados à sua sorte, sem lhes ser reconhecida a carreira contributiva, direitos laborais ou apoio psicossocial.” [8]

O relato é de Sofia Figueiredo, que viria a ser, pouco mais de dois anos depois, a primeira presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais. Passados poucos meses das primeiras conversas, decorria a campanha para as eleições presidenciais e Joaquim Ribeiro, um dos três cuidadores que partilhavam inquietações através das redes sociais, telefona para um fórum da TSF no qual intervém uma das candidatas à presidência, a eurodeputada Marisa Matias. “O Joaquim telefonou para lá e perguntou-lhe que políticas pretendia adotar relativamente aos cuidadores”, explica Sofia. “No final do programa, a Marisa Matias informou que tinha sido a relatora da Estratégia Europeia de combate ao Alzheimer e outras demências”. Sofia Figueiredo, cuidadora da avó com Alzheimer, aproveitou a deixa e contactou a candidata por e-mail. Combinaram que iriam conhecer-se pessoalmente à margem de uma iniciativa pública da campanha, em Almada. “Propus-lhe organizar um Encontro de cuidadores e ela aceitou”.

O Encontro Nacional aconteceria em julho daquele ano em Lisboa, no Auditório Cardeal Cerejeira, da Universidade Católica de Lisboa. Os contactos e a divulgação foram feitos essencialmente através dos grupos de Facebook que, há alguns anos, vinham sendo criados. Na realidade, os cuidadores e cuidadoras que se encontrariam em Lisboa naquele verão não se conheciam a não ser do espaço virtual. Num contexto em que eram escassas as informações sobre o tipo de apoios de que podiam beneficiar, em que a capacitação para os cuidados parecia ser uma tarefa sob a responsabilidade exclusiva dos próprios e em que a maior parte dos cuidadores tinha grande dificuldade em deslocar-se e em dispor de tempo para sair de casa, foram esses grupos nas redes sociais que criaram os primeiros espaços de sociabilidade, assente essencialmente na troca de informações e de «dicas» sobre como lidar com as patologias, em desabafos sobre o cansaço e as dificuldades e numa dinâmica próxima de grupos de auto-ajuda. Mas foram também esses grupos que, involuntariamente, foram forjando os mecanismos de identificação e o embrião do que poderia chamar-se uma «consciência coletiva» dos cuidadores e das cuidadoras, que viria depois a ganhar corpo, nos anos seguintes, num processo de subjetivação política.

O 1º Encontro Nacional de Cuidadores Informais de Alzheimer e Demências Similares, para o qual foi endereçado um convite a todos os partidos políticos com representação parlamentar, teve a participação de 220 pessoas. Para além de dezenas de testemunhos de cuidadores e cuidadoras, que se iam reconhecendo nos relatos uns dos outros, destacou-se a necessidade de lutar pela criação de um Estatuto do Cuidador Informal (ECI) capaz de dar resposta, ao nível das políticas públicas, a muitas das necessidades identificadas.

Do encontro saiu então uma comissão responsável pela redação de uma petição pública, dirigida ao Governo e ao Parlamento, que seria colocada online no início de agosto de 2016. [9] Ao longo de catorze pontos, a petição dos Cuidadores Informais de Alzheimer e outras demências expôs a sua lista de reivindicações, na qual surgia em primeiro lugar a criação do ECI, para que se reconhecesse “social e juridicamente a condição de cuidar, assegurando os direitos e as necessidades específicas do/a cuidador/a”. Ao nível dos apoios sociais, a petição exigiu: o apoio à terceira pessoa para estes/as cuidadores/as e atribuição do subsídio por morte da pessoa cuidada, bem como a criação de deduções fiscais. Ao nível de apoio psicossocial, sugeriu-se a divulgação de informação e promoção da formação, psicoeducação e aconselhamento para quem cuida, mediante a criação de estruturas de acompanhamento, do fomento de grupos de entreajuda e da criação de equipas de intervenção neste sentido; o reforço da Rede Nacional de Cuidados Continuados para estes efeitos e para o descanso do/a cuidador/a. Ao nível laboral, as exigências fixaram-se na redução de horário laboral para 50% da jornada, sem perda de vencimento, bem como a contabilização do tempo dedicado ao serviço de cuidados informais para efeitos de cálculo da reforma. Seria apenas o início de um percurso.

A evolução cronológica do processo de mobilização iniciado pelos cuidadores e pelas cuidadoras informais [10] que dinamizaram aquela petição pode encontrar-se na tabela seguinte. Ela documenta a evolução da trajetória deste assunto e deste movimento na agenda social e política entre 2016 e 2020.

 

 

Como demonstra a cronologia dos acontecimentos, o Encontro Nacional decorrido em Lisboa foi o início da criação de uma rede e de uma articulação entre pessoas que, até então, nem sequer se auto-designavam como cuidadoras. Provou também o potencial de mobilização em torno dessa categoria. Ao colocarem-se como objetivo a dinamização de uma petição, os seus organizadores e organizadoras estavam ainda a dar início a um processo que os obrigou a traduzir politicamente a sua condição, a formular um conjunto de exigências que cimentavam uma agenda comum e que faziam com que, de uma experiência vivida a partir de um posição de isolamento, pudesse nascer uma subjetividade de luta que identificava simultaneamente os interesses comuns daqueles cuidadores e um interlocutor para eles – o Estado. Do ciberespaço como lugar de encontro e de partilha, emergiu então um «espaço público híbrido» (Castells, 2012), feito da comunicação online mas também, a partir daquele momento, de convocatórias para encontros presenciais que seriam marcados pelo ritmo do processo político que acabava de ser lançado com aquela iniciativa.

 

A construção dos cuidadores informais como um problema público

A construção de uma realidade como um problema público é tudo menos natural ou espontânea. Com efeito, ela remete para um processo através do qual um dado problema social, muitas vezes latente ou experienciado num registo privado e de sofrimento individual, adquire uma dimensão pública, em consequência das múltiplas formas de investimento social e de mobilização coletiva de diferentes atores (Henry, 2009). Para isso contribuiu a estruturação de um campo militante em torno do fenómeno dos cuidados e a capacidade de «marcar a agenda» do debate público, isto é, de criar um processo de visibilidade pública daquele problema social por via da sua inscrição no espaço mediático e nas preocupações dos agentes políticos.

Na sequência do primeiro Encontro Nacional, há uma clara orientação, por parte dos cuidadores e cuidadoras, de introduzir a sua causa no espaço público, recorrendo desde logo a duas instâncias de mediação determinantes para o efeito: a comunicação social e o poder político. Essa operação constituiu, de algum modo, a primeira forma de reconhecimento pela qual o movimento dos cuidadores e cuidadoras lutou: afirmar a existência de uma categoria de pessoas cuja experiência era preciso tornar visível e, consequentemente, garantir uma atenção pública por parte dos media que fosse também uma forma de pressão para que o Estado se sentisse na obrigação de desenhar respostas políticas para esse problema.

A realidade dos cuidadores informais foi assim suscitando – sobretudo na sequência da entrega da petição e da emergência de um interlocutor capaz de representar este fenómeno publicamente na primeira pessoa – um interesse crescente por parte da comunicação social. Desde o início, os media foram identificados pelos cuidadores como um aliado potencial e a atenção dedicada aos seus problemas beneficiou também do «efeito novidade», que permitiu ampliar o impacto das suas ações. Buscando os casos que podiam dar rosto à experiência dos cuidadores, a cobertura das ações promovidas pelo grupo de peticionários assentou no resgate dessas histórias, razão pela qual, mais até do que uma abordagem feita a partir das secções de política, os cuidadores e cuidadoras informais começaram a ser chamados para dar o seu testemunhos em programas classificados como de «entretenimento» ou talk-shows generalistas [11]. Esse espaço mediático contribuiu para trazer para a esfera pública as narrativas biográficas de pessoas que, para utilizar um dos títulos das várias reportagens sobre o tema, foram durante muito tempo “consideradas figuras clandestinas para o governo”. [12]

É impossível compreender a afirmação e o espaço conquistado pelo movimento dos cuidadores sem ter em conta, também, a “estrutura de oportunidades políticas” (McAdam, 1982) em que ele se desenvolveu, isto é, o ambiente político externo no qual ele operou, a relação que estabeleceu com os agentes institucionais, designadamente os partidos políticos e o Presidente da República, a posição estratégica dos aliados que foi capaz de conquistar e a conjuntura política em que se dinamizou, na qual a própria Assembleia da República, pela natureza da distribuição de mandatos e da solução política encontrada entre 2015 e 2019 (um Governo minoritário, sustentado em acordos parlamentares), teve uma grande centralidade. Com efeito, o movimento dos cuidadores e cuidadoras parece ter gerado um aparente consenso sobre a pertinência das suas reivindicações, facto ao qual uma certa predisposição familialista da sociedade portuguesa, aliada ao «apadrinhamento» da causa pela Presidência da República, não serão alheios.

 

Uma galáxia de coletivos e uma ampla política de alianças

A estruturação de um campo de organizações e coletivos informais de cuidadores e cuidadoras foi um processo que resultou de uma crescente interação entre diferentes grupos, representativos de várias das facetas da realidade dos cuidados informais. Apesar de o processo político-legislativo ter sido impulsionado por uma petição organizada por cuidadoras e cuidadores informais de doentes com Alzheimer e outras demências, rapidamente a reivindicação de um Estatuto foi acolhida por uma miríade de outros grupos, que a tomaram também como sua. Esta galáxia de organizações, com diversos graus de formalização e de história passada, acabou por envolver-se no debate legislativo e por tecer, a partir dessa participação, alianças importantes de geometria variável.

Na audição realizada no Parlamento no dia 15 de junho de 2018, no âmbito da apreciação dos projetos de lei do Bloco de Esquerda, do PCP, e dos projetos de resolução do CDS e do PAN, estiveram presentes entidades associadas às várias realidades dos cuidados informais.

Os promotores da petição inicial encontravam-se sobretudo distribuídos por três grupos: a Associação Nacional de Cuidadores Informais (ANCI), o grupo «Peticionários da petição pública pela Criação de um Estatuto do Cuidador Informal da Pessoa com Alzheimer» e o Grupo de Facebook «Estatuto do Cuidador Informal Já». Da área das doenças neurodegenerativas, das demências e do envelhecimento precoce marcaram presença as associações Alzheimer Portugal e Agir no Tempo. Pelas organizações relacionadas com o envelhecimento e os direitos das pessoas idosas estiveram a APRe! - Aposentados, Pensionistas e Reformados, o MURPI - Confederação Nacional de Reformados, Pensionistas e Idosos, o MODERP – Movimento Democrático de Reformados e Pensionistas (ligado à UGT) e a Inter-Reformados (ligada à CGTP). A estes juntaram-se ainda um conjunto de organizações do universo da deficiência, como o Me-CDPD – Mecanismo Nacional para a Monitorização da Implementação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a Associação Portuguesa de Deficientes e a Humanitas – Federação Portuguesa para a Deficiência Mental.

Por último, é importante referir a presença um dos setores que mais se mobilizou neste processo e cujos testemunhos acabaram por ter uma grande repercussão: o das famílias de crianças com deficiência, presentes por via da Associação Pais em Rede, da Acreditar – Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro, do grupo informal «O céu é o limite», do movimento «Filhos sem Voz» e da Familiarmente – Federação Portuguesa das Associações das Famílias de Pessoas com Experiência de Doença Mental. Presentes estiveram ainda a Plataforma Saúde em Diálogo e a associação Cuidadores Portugal.

Apesar da especificidade de cada abordagem e de preocupações e experiências distintas, as mobilizações dos cuidadores acabaram por conseguir unificar estas dimensões dos cuidados informais em palavras de ordem com as quais todos podiam identificar-se. “O que é que nós somos? Cuidadores! O que é que nós queremos? Dignidade!", gritou-se, por exemplo, na primeira manifestação, em setembro de 2017. “Justiça pelo Estatuto do cuidador informal”- resumia um dos cartazes do movimento.

Nesta fase inicial, de facto, do que se tratava era essencialmente de retirar esta realidade da invisibilidade e de uma certa clandestinidade legal, através de reivindicações que, no fundo, articulavam, para utilizar as categorias de Nancy Fraser (2018), a luta pelo reconhecimento (de um segmento da população cujo trabalho não era identificado enquanto tal e que, até ali, não tinha acesso a formas de representação coletiva dos seus interesses enquanto cuidadores) com a luta pela redistribuição (isto é, por um conjunto de políticas sociais capazes de valorizar esse trabalho dos cuidados informais e de o tomar como plataforma de acesso a direitos e a proteção social).

Esta articulação entre reconhecimento e redistribuição é possível de verificar analisando as inscrições das pancartas e dos cartazes – todos eles fabricados manualmente – que os cuidadores e cuidadoras envergavam na concentração convocada pela Associação Nacional de Cuidadores Informais frente ao Parlamento, à qual se juntaram outros grupos informais, no dia em que os projetos de lei dos partidos e a proposta de lei do Governo foram debatidos no plenário da Assembleia da República (tendo acabado por baixar ao debate na especialidade). Nesse dia 8 de março de 2019, podia ler-se nos cartazes: “Basta de ignorarem, os Cuidadores existem”, “Os cuidadores informais trabalham 24 horas, 365 dias por ano! Respeito”, “Os Cuidadores exigem dignidade. Queremos o Estatuto do Cuidador aprovado”.

Nessa iniciativa, era possível perceber como o Estado se tornara já o principal interlocutor em relação ao qual os cuidadores faziam as suas exigências, apontando-se a inexistência de políticas públicas especificamente dirigidas a este grupo social: “Não existe vontade política para apoiar os cuidadores informais. A culpa é do Governo”, “Srs. Políticos: sabem quantos cuidadores existem em Portugal sem qualquer apoio do Estado?”. Por outro lado, os materiais que os cuidadores e as cuidadoras carregavam nessa concentração exprimiam também a dualidade e a ambivalência que atravessa a sua condição (Cès et al, 2019: 10-11), vivida frequentemente na tensão entre um ethos associado à dádiva afetiva (“Só pedimos dignidade e condições para cuidar com amor”) e a constatação das consequências negativas que o exercício dessa atividade de um modo coercivo tem para aqueles e aquelas que a desempenham sem qualquer tipo de apoio e de enquadramento (“Devido ao stress e à exaustão muitos cuidadores encontram-se de baixa médica! Precisamos de ajuda!”). Simbolicamente, em mais do que uma destas ações, foram colocadas no espaço público silhuetas de figuras humanas feitas em cartão, simbolizando aqueles e aquelas que não estavam presentes, precisamente, pela sua condição de cuidadores informais a tempo inteiro.

As alianças estabelecidas não se circunscreveram ao universo de associações e grupos informais relacionados com a questão da dependência, do envelhecimento, da deficiência e dos cuidados. Destacam-se, a esse nível, os contactos estabelecidos com dois intervenentes políticos. A ligação inicial estabelecida com a eurodeputada Marisa Matias, vice-presidente da Aliança Alzheimer Europeia, que tinha sido autora do relatório sobre a iniciativa europeia em matéria de doença de Alzheimer, aprovada em 2011 no Parlamento Europeu com uma larga maioria de votos (646 a favor, 6 contra e 6 abstenções), no qual se instava ao reconhecimento “do papel dos cuidados informais prestados pelos membros da família das pessoas afectadas por estas patologias”. E a relação estabelecida com o Presidente da República, que participou no 2º Encontro Nacional de Cuidadores de Alzheimer e Demências Similares, realizado no Seminário de Vilar, no Porto. Desde esse momento, em que manifestou publicamente o seu apoio à causa dos cuidadores e à aprovação, em Portugal, de um Estatuto, o Presidente constituiu-se como um interlocutor privilegiado do movimento dos cuidadores e das cuidadoras informais. Com efeito, marcou presença num terceiro encontro, realizado em Vila Nova de Cerveira a 8 de setembro de 2018, onde fez a intervenção de encerramento, na qual reiterou o seu compromisso com a luta dos cuidadores. [13] A 5 de novembro desse ano, a Presidência assinalou publicamente o Dia do Cuidador, com um comunicado em que apelava a que fossem vencidos os “preconceitos e obstáculos institucionais à criação do Estatuto do Cuidador Informal” [14] e, em fevereiro de 2019, em parceria com a Associação Nacional de Cuidadores Informais, promoveu um encontro público, no Palácio de Belém, com cerca de 50 cuidadores e cuidadoras informais de todo o país, insistindo na urgência de um Estatuto.

Nesse ano de 2019, a Associação Nacional de Cuidadores Informais, cuja constituição formal havia acontecido no verão de 2018, aglutinando elementos dos vários grupos informais criados até então, fez uma ronda de contactos por todos os partidos parlamentares e logrou constituir-se como a entidade que assumia a interlocução institucional e pública da experiência e das reivindicações dos cuidadores informais. A capacidade de diálogo que foi sendo construída quer com os agentes políticos, quer com os media, foi um fator que potenciou a construção da causa e ampliou o espaço que ela conquistou no debate público.

 

Um repertório de ação eclético e a importância do testemunho biográfico

O repertório de ação dos cuidadores informais neste período foi variado, combinando os formatos mais recorrentes dos movimentos sociais. Entre setembro de 2017 e março de 2019 foram realizadas quatro concentrações em frente ao Parlamento (a 20 de setembro de 2017, a 16 de março de 2018, a 23 de março de 2018 e a 8 de março de 2019). Estas ações foram marcadas por uma diversidade crescente do tipo de cuidadores representados, com uma presença cada vez mais forte dos pais e mães de crianças com deficiência, que foram ganhando proeminência no movimento. Notava-se, por outro lado, uma discrepância entre o número reduzido de pessoas presentes (realidade assumida e justificada pelos organizadores como resultado da dificuldade de a maioria dos cuidadores informais se deslocar e deixar sem apoio a pessoa cuidada), em regra entre as 15 e as 30, e o impacto comunicacional destas presenças no espaço público. Desse ponto de vista, as tomadas de posição dos cuidadores dependeram em grande medida dos media para terem eco na sociedade. De facto, recorrendo à categoria criada por Patrick Champagne (1990) quando falava, a propósito do contexto francês, das «manifestações de papel», poderemos considerar que os happennings políticos dos cuidadores, ainda que acontecendo na rua, tiveram lugar nas páginas dos jornais e nas televisões, pois foi esse o lugar que fez com que eles existissem publicamente e fossem reconhecidos pelo campo político.

Não foi apenas sob a forma de concentrações, no entanto, que a mobilização dos cuidadores informais aconteceu. No dia da entrega da petição, em outubro de 2017, existiu também um cordão humano e, em setembro de 2018, um grupo de cuidadores e cuidadoras realizou uma vigília na escadaria do Parlamento, com o objetivo de pressionar o Governo a incluir verba no Orçamento do Estado para tornar viável o Estatuto do Cuidador.

Em maio de 2019, um novo passo é dado: realiza-se a primeira manifestação de cuidadores informais em Portugal, com cerca de 150 pessoas, que vai da Praça da Figueira, em Lisboa, até ao Terreiro do Paço, numa marcha onde se destacavam balões de várias cores e cartazes desenhados por quem os erguia, e onde vários cuidadores e cuidadoras tomaram a palavra. A 23 de janeiro de 2018, o governo tornou público um relatório sobre as políticas públicas para esta área intitulado Medidas de intervenção junto dos Cuidadores Informais (Lopes et al., 2017), que viria a ser apresentado e debatido em fevereiro desse ano, numa sessão pública promovida pela Comissão de Trabalho e Segurança Social, onde mais de uma dezena de cuidadoras e cuidadoras informais tomaram a palavra para dar o seu testemunho.

A importância do testemunho biográfico deve, de resto, ser destacada como uma das características mais fortes do discurso público do movimento dos cuidadores informais, seja nas suas aparições mediáticas, seja nas manifestações de rua, seja na sua participação em momentos mais institucionais, como as sessões públicas ou as audições parlamentares. Em todas elas, o discurso na primeira pessoa foi sempre dominante. Parece-nos, com efeito, que o ato performativo de contar a sua história deve ser entendido, na construção do movimento, de duas formas. Ele é um mecanismo político (mais ou menos consciente) capaz de tornar público aquilo que tantas vezes é remetido para a esfera privada e individual. Mas é também uma forma de envolvimento que tem, por um lado, a força da subjetividade e, por outro, o efeito terapêutico que é reconhecido aos processos narrativos enquanto formas de atribuição de significado à nossa própria experiência (Gonçalves, 2003: 37). Isto mesmo foi evidente na sessão pública de apresentação do estudo Medidas de intervenção junto dos Cuidadores Informais, realizada em fevereiro de 2018, na qual cerca de uma dezena de cuidadores e cuidadoras tomaram a palavra.

“Desde os dezoito anos que fui mãe e cuido do meu filho há vinte e três anos. Ele nem sequer se sentava, era como um vegetal. Fui eu que tratei de toda a sua reabilitação e tudo particularmente e com ajuda de familiares. (...) Eu moro perto da Ericeira, e venho quase todos os dias para Lisboa e é só o meu marido a ganhar e a trabalhar que nem um mouro, desculpem lá a expressão. E eu a não poder ter vida social, a não poder ter ah... temos que fugir a muita coisa. Ele (apontando para o filho) por vezes quer ir a um concerto ou quer ir a algum lado e não pode ir, porque eu tenho que ir com ele e dois bilhetes são muito dinheiro e nós não temos dinheiro. (...) Há vinte e três anos, eu vou-vos dizer, tinha dezoito anos, eu não estudei, agora tenho quarenta e um anos. Ah? Agora digam-me: o que eu vou fazer da minha vida agora? Com quarenta e um anos, vou lavar escadas? A empregada da limpeza? O que é que vocês têm para mim? Durante vinte e três anos ninguém quis saber de mim! Se eu comia, se eu bebia, o que é que eu era, onde é que eu estava, que ser humano é que eu era. Eu sou um ser humano! Com necessidades também. E não é cento e um euros que me pagam as minhas necessidades. De certeza absoluta.”

(Ana Isabel Almeida, 41 anos, Lisboa)

Relacionando a sua experiência biográfica com o debate em curso sobre o Estatuto do Cuidador Informal, os testemunhos das cuidadoras e dos cuidadores não devem ser lidos apenas como desabafos. Na realidade, a construção narrativa que o ato de contar a sua história pressupõe comporta já uma dimensão de distanciamento face à experiência e, portanto, um potencial de consciencialização e um efeito de politização. De facto, se as narrativas nunca exprimem apenas a factualidade de uma vivência, mas são sim a expressão de uma forma de significação desses momentos vividos (Gonçalves, 2003: 37), então não devemos descurar o quanto elas poderão ter contribuído, também, para um processo de subjetivação política que foi essencial à construção da condição de «cuidador» como uma categoria de mobilização.

“Portanto, eu, o que me fica a mim, ainda, como angústia, e eu já sou ex-cuidadora há quatro anos, é que depois de tudo o que eu passei, depois de tudo o que aconteceu, nós andamos constantemente a tentar que as coisas mudem, que alguém oiça, que alguém se mexa, e o que eu oiço e vejo essas pessoas todas e os problemas são todos iguais!”

(Maria Anjos Catapirra, Grupo de Cuidadores Informais de Doentes de Alzheimer e Doenças Similares)

Se as cuidadoras e os cuidadores informais eram já representados como um grupo particularmente vulnerável, frágil, aquilo para que estes testemunhos vêm contribuir e que não pode ser ignorado (nem pelo saber académico nem pelo fazer político) é o seu auto-retrato enquanto sujeitos políticos precários, e essa experiência partilhada de precariedade é vivida em termos ontológicos, existenciais e materiais (Puar, 2012). O horizonte de certezas e a fonte de equilíbrio que se espera dos cuidadores informais quando essencializadas em categorias (como sendo «a família») torna-se precisamente uma fonte de incerteza e instabilidade, não por si só, mas como consequência do contexto da economia política em que se inserem. Neste sentido, dizia nessa mesma sessão uma cuidadora informal:

“Lamento também, mas estes cuidadores informais de frágil pouco têm. Estes cuidadores informais são muito fortes, são, sim, desamparados e esquecidos por todos nós.”

(Ivone Silva, Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa)

De facto, nos testemunhos públicos das cuidadoras, podem identificar-se muitas das contradições que atravessam a significação subjetiva da experiência dos cuidados e das suas consequências. Neles estão presentes também os fundamentos materiais e simbólicos das principais reivindicações do movimento e a identificação do que seriam, para as cuidadoras, as medidas de política que poderiam responder aos seus problemas, nomeadamente em termos laborais, de apoios sociais e educativos, da consideração do trabalho que desempenharam para efeitos de proteção social e de carreira contributiva futura, da possibilidade de descanso e a ausência de reais oportunidades de reconstrução de uma vida profissional após longas carreiras de cuidados informais.

“A partir do momento em que o diagnóstico foi feito à minha mãe, eu entendo que o diagnóstico foi feito para mim também. Portanto, pesa todos os dias na minha cabeça porque eu não tenho vida pessoal, não tenho, tive que alterar a minha vida em digamos, em cem por cento para poder dar todo o apoio. Eu estou com 45 anos, a minha vida está totalmente alterada (...). Devo dizer que no ano passado, todo o meu período de férias foi usado única e exclusivamente para dar apoio à minha mãe, portanto eu própria não tive férias. Eu para poder cá estar hoje, eu tive que pagar a um cuidador para poder cuidar da minha mãe e custou-me dez euros à hora, para poder pernoitar com a minha mãe. Durante o dia, pediram-me seis euros, como devem perceber isto dá um forte impacto a nível do rendimento.(...) Além disso, no meu trabalho, as pessoas começam a revelar alguma insatisfação porque as entidades laborais, a maioria das pessoas não entende que eu tenho que ter disponibilidade para poder acompanhar a minha mãe. (...) queria só dizer que é urgente que se trate e que se faça porque realmente isto é um ónus demasiado pesado para os cuidadores. Nós precisamos de proteção”.

(Nélida Aguiar, 45 anos, Madeira)

A especificidade de cada caso, que gradualmente foi sendo conhecida à medida que estas audições e manifestações tomavam lugar, criou alianças entre cuidadoras informais até aí atomizadas, aproximando inclusivamente o que poderíamos designar de «subgrupos de especialização» dentro da prática dos cuidados: a multiplicidade de patologias ou de condições de deficiência traz consigo a correspondente diversidade de modos de cuidar, de aperfeiçoar esse ofício, mas também de consequências físicas, materiais e emocionais. Ao mesmo tempo, essa mesma especificidade não impediu que, perante esta partilha de experiências, tomasse lugar um sentimento de comunalidade social e de urgência política.

 

Uma vitória incompleta: a aprovação do Estatuto do Cuidador Informal

O desenvolvimento do processo de reconhecimento legal dos cuidadores e cuidadoras informais iniciado em 2016 começa a adquirir maior concretização em 2018. É em março daquele ano que se debate no Parlamento a «Petição para a criação do Estatuto do Cuidador Informal da pessoa com doença de Alzheimer e outras demências», acompanhada de dois projetos de lei, do Bloco Esquerda e do PCP, e de dois projetos de resolução, do CDS-PP e do PAN, sobre o mesmo tema. As propostas não foram nesse momento votadas e os partidos mostraram-se disponíveis para procurar um consenso e discutir as propostas na especialidade.

Em outubro de 2018, decorria ainda o debate na especialidade daqueles projetos, foi inscrita no Orçamento do Estado uma norma legal que reconheceu a importância dos cuidadores informais, apesar de não contemplar uma verba para concretizar essa intenção e, em fevereiro de 2019, o Governo apresentou uma proposta de lei, que submeteu ao Parlamento, com um conjunto de «medidas de apoio aos Cuidadores Informais». A 8 de março de 2019, a iniciativa do Governo, assim como novos projetos de lei do PSD, do CDS e do PAN, que visavam a criação do Estatuto, baixaram sem votação à Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social para se juntarem às iniciativas legislativas do BE e do PCP que já tinham sido entregues há um ano.

Entre esse momento e julho de 2019, quando o texto final que daria origem ao Estatuto seria aprovado, desenvolveu-se um intenso debate público sobre as várias dimensões e soluções que deveriam dar corpo ao reconhecimento legal dos cuidadores informais. As categorias em torno das quais se fez essa discussão revelam os diferentes entendimentos que os intervenientes tinham sobre sete aspetos fundamentais: i) o estatuto ontológico dos cuidados (concebidos como trabalho coercivo ou como prática afetiva voluntária [15]), ii) a responsabilidade predominante das famílias ou do Estado em assegurar a prestação de cuidados, iii) a definição do universo de cuidadores a quem se deveria dirigir o Estatuto, iv) a articulação entre cuidados formais e informais e o tipo de apoios que deveriam ser desenhados para cuidadores e cuidadoras informais, v) o papel do terceiro setor na provisão de respostas, vi) a retroatividade das medidas a implementar e, finalmente, vii) o processo e o ritmo de consolidação das políticas públicas previstas no Estatuto.

De facto, uma questão preliminar prendia-se com a própria natureza do diploma legal que seria aprovado. A proposta de lei do Governo, bem como a do PCP, apontava para «medidas de apoio» que não eram formalizadas enquanto «Estatuto». Já as restantes, do Bloco de Esquerda, do PSD e do CDS, previam explicitamente a criação de um Estatuto. Sofia Figueiredo, à época presidente da Associação Nacional de Cuidadores coloca assim este debate:

“O Governo anunciou um conjunto de medidas e foi questionado o porquê de não avançar com um Estatuto do Cuidador. O Senhor Ministro Vieira da Silva referiu que não era esse o entendimento do Governo, que não era o Estatuto que era necessário, porque começar com um Estatuto era começar pelo teto. Mas o que nós pretendíamos era um estatuto, porque só o estatuto vai abranger as diversas dimensões que nós pretendemos – nomeadamente a área laboral, a área social e a área da saúde”.

A Ministra da Saúde, por seu lado, explicava a opção do Governo pela necessidade de maturar um processo antes de fechar o seu «edifício legislativo»: “Eu compreendo que a vontade das pessoas seja de dar passos rápidos, mas nós não conseguimos fugir ao tempo e aos caminhos que temos de percorrer e até à necessidade que temos de ir avaliando aquilo que vamos fazendo” [16].

Na verdade, a fixação do termo «Estatuto» acabou por ganhar um grande peso simbólico, dado que foi em torno desse conceito que o movimento foi construindo a sua agenda de reivindicações. A pressão pública e o eco mediático das posições da Associação Nacional de Cuidadores Informais terão pesado na escolha final do poder legislativo. Assim, a Lei 100/2019, de 6 de setembro, que “Aprova o Estatuto do Cuidador Informal, altera o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social e a Lei n.º 13/2003, de 21 de maio” continha quer as alterações legislativas relativas a um conjunto de medidas de apoio, quer, em anexo à lei, o desejado «Estatuto do Cuidador Informal».

Um outro debate que atravessou o processo político-legislativo foi a consideração dos cuidados informais a serem reconhecidos como sendo «trabalho». Esta era, de resto, uma das tensões mais presentes nas intervenções das cuidadoras ao longo do processo, e em particular na sessão da Assembleia da República já mencionada:

“Eu desempreguei-me, só o meu marido é que trabalha e temos cinco filhos. Ah para eu ficar com a Rita e com a Inês e para elas chegarem até onde estão a chegar, eu abdiquei da minha carreira, abdiquei de fins-de-semana, não tenho férias porque o dinheiro não dá, abdiquei de tudo. Porque o subsídio de terceira pessoa são cem euros. Portanto, não dá nem para dois dias de assistência, lá em casa, se eu puser alguém para pagar. (...) O que é que este estatuto me - se vai salvaguardar para mim? Posso ter a reforma antecipada? Vou ter algum, alguma benesse que estes anos - porque ninguém me vai dar emprego. Quem é que vai dar emprego a uma contabilista desempregada há trinta anos? Ninguém!”

(Helena Lagartinho, 56 anos, Lisboa)

Sem que nenhum interveniente político se arriscasse a propor uma equiparação total entre os cuidados prestados informalmente e uma condição de emprego assalariado, a solução que acabou por vingar foi a de um reconhecimento mitigado do trabalho dos cuidadores.

Do ponto de vista de compensação pecuniária, ela aparece na lei sob a forma de um «subsídio de apoio ao cuidador», sujeito a condição de recursos, e que assume a forma de uma prestação social de combate à pobreza dos cuidadores informais, mais do que de uma remuneração de um trabalho entendido enquanto tal. Por outro lado, à ausência de proteção social e de carreira contributiva dos cuidadores e cuidadoras informais, o Estatuto respondeu com a possibilidade de acesso ao Seguro Social Voluntário que, nos casos em que os cuidadores comprovem a sua situação de carência económica, pode dar origem a uma majoração do subsídio de apoio, para apoiar o pagamento daquele seguro.

Estas soluções, como se percebe, oscilam entre a manutenção dos cuidados na esfera da responsabilidade familiar e a tentativa de criar formas de proteção que, do ponto de vista da Segurança Social, equiparem os cuidados a um trabalho que, mesmo não tendo remuneração, deve ser tido em consideração enquanto atividade.

O debate sobre a definição do universo dos cuidadores foi, também, uma expressão do confronto entre a remissão dos cuidados informais ao universo familiar e da esfera privada e, em alternativa, uma concepção dos cuidados informais que pretendia alargar esse conceito também às atividades de apoio prestadas por vizinhos, pelas “«amílias de afetos», pelas redes de proximidade fora dos laços biológicos. Contudo, a solução que acabou por ser aprovada pelo Parlamento foi a da restrição do conceito legal de cuidador informal aos familiares até ao 4º grau, distinguindo-se, dentro destes, a figura do cuidador principal (cuidador a tempo inteiro sem qualquer trabalho remunerado), a quem seriam destinados os apoios pecuniários, e a do cuidador não-principal (aquele que mantém um emprego assalariado), a quem se deveriam destinar outras medidas tendentes a promover a conciliação entre a manutenção do vínculo laboral e a prestação dos cuidados familiares.

A articulação entre cuidados formais e informais foi também um dos campos em que as tensões entre profissionais e familiares se revelou. Por um lado, o Estatuto aponta para um conjunto de deveres dos cuidadores informais que ficam, na prática, sob a tutela de profissionais chamados a acompanhar a prestação de cuidados e a capacitar os cuidadores. Por outro, no movimento de cuidadores assistiu-se a um processo de afirmação desta condição, entre outras dimensões, a partir da reivindicação de que os cuidadores e cuidadoras eram, também eles, detentores de um conhecimento «local» e «específico» que tinha de ser valorizado e não apenas como uma categoria percepcionada em termos dos seus défices (de preparação técnica, de conhecimento profissional ou de validação académica para a prestação de cuidados).

 

Conclusão – ou o reconhecimento por vir

O movimento das cuidadoras e dos cuidadores informais forçou a discussão política em torno do trabalho não remunerado dos cuidados, resgatando-o da invisibilidade, do plano do «óbvio» e da evidência. Emergindo dessa invisibilidade a que estavam votados, e deixando aceso um rastilho através dos seus fóruns de discussão e protestos, os cuidadores e as cuidadoras informais fizeram deslocar o retrato da sua atividade enquanto gesto meramente altruísta e romperam com a sua localização exclusiva no universo do «voluntário». Desnaturalizando a representação dos cuidados como uma prática «abnegada» e assinalando que ela tem também, frequentemente, uma dimensão forte de prática compulsória, colocaram o cuidado informal numa relação dialética em que o universo simbólico do «altruísmo» e da «dádiva afetiva» coabita com a reprodução de relações de opressão e de um padrão de trabalho precário, sem remuneração, sem proteção social e com um défice de apoios públicos. Não negando a componente afetiva dos cuidados, as cuidadoras e cuidadores informais tornaram visível a realidade de uma força de trabalho explorada, ao demonstrarem que operavam na prática numa espécie de substituição forçada do Estado, dada a escassez de respostas públicas para as pessoas dependentes.

Atravessado por tendências diferentes e contraditórias, são identificáveis na agenda do movimento dos cuidadores elementos que apontam quer para medidas que tendem a reproduzir o regime familialista que regula a prestação de cuidados, com as suas divisões sexuais e hierarquias de género, quer para uma transformação desse regime através de uma lógica de democratização e socialização dos cuidados, por via de políticas redistributivas das tarefas, de rendimento e de bens sociais, mesmo que limitadas. A ação coletiva de cuidadores e cuidadoras visibilizou e, em certo sentido, também parece ter questionado o modelo estatal de reprodução familialista isto é, uma organização social dos cuidados marcada essencialmente pela informalidade, pela desigualdade de género, pela condicionalidade no acesso aos apoios sociais e pela baixa taxa de serviços públicos de acesso universal.

Num curto período de tempo, este movimento logrou conquistar a sua principal reivindicação – a criação de um Estatuto do Cuidador Informal, embora os resultados alcançados sejam ainda, em grande medida, do domínio da «lei escrita» e não da «lei na prática».

Na verdade, permanece em grande medida por saber qual é exactamente o objeto e o universo deste reconhecimento trazido pelo Estatuto e o que acabará por ser a tradução em políticas públicas concretas do enquadramento legal aprovado. O desenvolvimento dos projetos-piloto e a regulamentação daquele instrumento legislativo definirão, nos próximos meses e anos, muitas destas questões. A componente dos cuidados que está a ser reconhecida reforçará o entendimento do cuidado como uma disposição, isto é, uma inclinação afetiva, ou como prática, não remunerada, e perpetuada no seio da família (Tronto, 2013)? Os instrumentos de política pública serão pensados numa lógica de apoio à visibilização deste trabalho enquanto prática compulsória (pior do que um emprego, nas palavras de uma cuidadora) ou enquanto forma de dedicação voluntária, altruísta e abnegada? O reconhecimento desencadeado pelo Estatuto será predominantemente um instrumento de afirmação/confirmação de um determinado regime em que os cuidados têm um estatuto social subalterno no quadro de um paradigma familialista, no qual se reproduz uma acentuada divisão sexual do trabalho reprodutivo, ou, pelo contrário, será um dispositivo de transformação desse mesmo regime, designadamente assumindo e codificando legalmente os cuidados como responsabilidade coletiva e partilhada pelo próprio Estado?

Onde um olhar centrado na reprodução social poderia ver os fatores determinantes da dominação, do isolamento e da construção de disposições conformistas, o movimento dos cuidadores e cuidadoras mostrou que a condição de cuidador informal era também a uma oportunidade para construir uma subjetividade de luta e um processo de ação coletiva. Revelou, também, como pode ser ativada uma ética dos cuidados como prática de resistência e de constestação à ordem tendencialmente atomizadora e privatizadora da existência humana, que concebe os cidadãos como agentes individuais equiparáveis a participantes num mercado «livre», onde estas liberdades são tendencialmente medidas pelo poder de compra de cada interveniente. Por outro lado, confrontou-nos com as possibilidades de uma comunidade cuidadora, o que parece exigir um alargamento das políticas públicas já existentes no campo dos cuidados, mas implicar também, provavelmente, o questionamento de uma governação familialista onde escasseiam serviços públicos de acesso universal com qualidade na área dos cuidados.

Reconhecer os cuidados informais, criar mais respostas públicas que possam fazer deles uma escolha e não uma obrigação por ausência de alternativa e cuidar de quem cuida foram, no fundo, objetivos do movimento de cuidadores informais que se estruturou a partir de 2016 em Portugal. As ciências sociais podem ser parte deste processo e contribuir para escolhas políticas mais informadas no que aos cuidados diz respeito (Mills, 1959; McDermont, 2013). Contudo, é provavelmente o desenvolvimento do próprio movimento, as suas escolhas programáticas e estratégicas, as suas alianças e a sua capacidade de influenciar o debate político que acabarão por condicionar decisivamente o caminho das políticas públicas futuras.

 

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Received: 01-02-2020; Accepted: 16-06-2020.

 

NOTAS

[3] Para efeitos de esclarecimento, segue-se aqui a definição de Joan Tronto a este respeito: o neoliberalismo pode ser caracterizado como “o sistema económico no qual as despesas governamentais são limitadas, o mercado é visto como o método preferível para alocar todos os recursos sociais, a proteção da propriedade privada é tida como o mais importante princípio de governação, e os programas sociais limitam-se a servir de rede de segurança” (2013: 37).

[4] «Trabalho», na ótica desta mundivisão, como sinónimo de trabalho remunerado, dito «produtivo».

[5] A nota do Gabinete do Parlamento Europeu em Portugal pode ser encontrada no endereço https://www.europarl.europa.eu/portugal/resource/static/files/Alzheimer_Eurodeputados_apelam_a_mais_accao_da_UE_para_prevenir_e_tratar_doenca_-_19_01_11.doc [consultada a 30 de janeiro de 2020]

[6] Inquérito Nacional de Saúde, 2014: p.296.

[7] cf CE, 2018.

[8] Testemunho recolhido em novembro de 2019.

[9] A petição pode ser encontrada no endereço eletrónico https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=pt82396, acedido em 14 de janeiro de 2020.

[10] Os dados utilizados para a elaboração desta cronologia foram cedidos por Sofia Figueiredo aos autores, a quem é deixado os devidos agradecimentos e referência.

[11] Utilizamos aqui as categorias de classificação por género televisivo adotadas pela Entidade Reguladora da Comunicação Social (cf. ERC, 2016)

[12] Catarina Reis, “Elas são a sombra dos filhos, à espera de uma lei que as proteja”, Diário de Notícias, 31 de outubro de 2018. A reportagem está disponível em https://www.dn.pt/edicao-do-dia/31-out-2018/elas-sao-a-sombra-dos-filhos-a-espera-de-uma-lei-que-as-proteja-10017770.html, consultada a 20 de janeiro de 2020.

[13] Nessa intervenção, o Presidente da República interveio diretamente no debate que então existia entre as pretensões dos cuidadores e uma tendência do setor social para a defesa das respostas por via das instituições, afirmando: “Eu sei que há ou pode haver reticências nesse setor, quanto ao papel dos Cuidadores Informais, mas porque sempre militei nesse setor, em misericórdias e IPSS, estou muito à vontade para poder dizer que essa realidade, que é muito importante não justifica que se esqueça ou adie o drama de pais, filhos, netos, irmãos, primos, vizinhos, amigos que dão 24 horas por dia, todos os dias, todas as semanas, todos os meses”.

[14] No comunicado, disponível em http://www.presidencia.pt/?idc=18&idi=154895, a Presidência da República declara o seguinte: “Não podemos continuar a fingir que não existem milhares de compatriotas que são pais, filhos, netos, sobrinhos, primos, vizinhos, amigos, cuidadores de tantos e tantos outros portugueses. Há milhares de cuidadores informais e cada vez haverá mais. Não podem continuar invisíveis e nessa condição ignorados. Sem vencimentos, sem folgas, sem férias, sem reformas, sem direitos sociais, numa missão também ela sem preço. É urgente conjugar o seu estatuto com o estado social. Assinalo, pois, este dia, renovando o apoio a esta causa e o apelo para que se faça mais, vencendo preconceitos e obstáculos institucionais à criação do Estatuto do Cuidador Informal. É uma causa que sei ser de todos. É uma causa que merece o esforço de todos.”

[15] A este propósito, consultar artigo de (Autor e Autor, 2020).

[16] Declarações de Marta Temido à imprensa, 8.03.2019.

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