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CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES  no.39 Lisboa dez. 2019

https://doi.org/10.15847/citiescommunitiesterritories.dec2019.039.rev01 

RESENHA

 

Recensão do livro "Espaço de Urbanização: o Urbano a partir da Teoria Crítica"

Review of "Espaço de Urbanização: o Urbano a partir da Teoria Crítica"

 

 

Carolina HenriquesI

[I]DINÂMIA'CET-IUL, Instituto Universitário de Lisboa, Portugal. e-mail: carolina_henriques@iscte-iul.pt.

 

 

Espaço de Urbanização: o Urbano a partir da Teoria Crítica

Neil Brenner

Rio de Janeiro: Letra Capital, Observatório das Metrópoles, 2018

Em Espaços da Urbanização: o Urbano a partir da Teoria Crítica (2018), Neil Brenner apresenta-nos o olhar da teoria crítica urbana sobre o processo da urbanização, a que assistimos hoje a nível planetário, enquanto revê as bases epistemológicas, teórico-conceptuais e metodológicas desta abordagem à luz das condições contemporâneas do séc. XXI.

Publicado em língua portuguesa com o apoio do Observatório das Metrópoles (Rio de Janeiro), este livro reúne um conjunto de ensaios publicados anteriormente, num esforço de co-autoria com nomes de referência como Margit Mayer e Peter Marcuse (capítulo 2), Bob Jessop e Martin Jones (capítulo 6) ou Jamie Peck e Nik Theodore (capítulo 7), para orientar a reflexão em torno das questões da urbanização capitalista e da teoria crítica urbana.

O livro está estruturado em quatro partes, cada uma correspondente a um momento importante da investigação do autor, desde o início dos anos 2000. Estas quatro partes organizam 12 capítulos, introduzidos por um prefácio escrito pelo autor e um epílogo que enquadra um diálogo entre este e Martín Arboleda, colega do Urban Theory Lab (UTL), que Brenner fundou na Universidade de Harvard em 2011 – um breve manifesto associado ao UTL pode ser lido no capítulo 3.

A primeira parte introduz a questão “o que é teoria crítica urbana?” e responde em detalhe, particularmente na sua relação com a Escola (crítica) de Frankfurt e nas suas aplicações aos estudos urbanos, tendo em consideração as condições iniciais do séc. XXI num contexto que o autor chama de “capitalismo neoliberal” (p. 10).

A segunda parte apresenta uma série de reflexões sobre a restruturação urbana como um processo de reescalonamento. Na concepção do autor, o “urbano” não é apenas um tipo ou unidade territorial delimitada, mas incorpora uma dimensão de desenvolvimento desigual, que é “ constituído interactivamente, contestado politicamente, além de constituído historicamente por escalas mutáveis que se estendem dos nossos corpos à cidade, à região, ao território nacional e ao planeta ” (p. 11). Nesta parte, Brenner discute ainda a necessidade de pensar questões de governação urbana com uma abordagem reflexiva e escalar.

A terceira parte deste livro introduz o contexto dos debates sobre as geografias regulatórias do capitalismo depois da década de 1970 e da formação da crise urbana. Nesta parte, o autor apresenta a necessidade de incluir uma economia política espacializada para estudar o urbanismo neoliberal, conceptualizando este último como um processo híbrido, variado e desigual. Especificamente, no capítulo 6, Brenner, Theodore e Peck elaboram um manancial teórico específico para “ decifrar a dinâmica espacial, político-regulatória e discursiva irregular dos processos de neoliberalização ” (p. 13).

A quarta parte deste livro apresenta produções mais recentes do autor sobre os processos de urbanização planetária no sentido de ampliar a perspectiva crítica das abordagens herdadas da teoria urbana do séc. XX e de questionar os seus pressupostos “metageográficos” – como a dicotomia “urbano” versus “rural”. O desenvolvimento da noção de “urbanização planetária” tem vindo a ser desenvolvido por Brenner em colaboração com Christian Schmid.

No final do livro, um epílogo escrito em forma de diálogo com Arboleda, explora algumas perspectivas sobre os estudos urbanos contemporâneos, sobre a história do capitalismo e sobre a questão urbana.

A leitura integral deste livro proporciona uma excelente introdução à teoria crítica urbana e a sua escrita clara em tom pedagógico torna-o útil a estudantes das áreas de estudos urbanos, planeamento urbano, economia, geografia, sociologia ou outras áreas que queiram aprofundar os seus conhecimentos sobre a condição urbana e sobre a proposta da teoria crítica.

Aqueles que defendem a abordagem da teoria crítica urbana hoje consideram-se descendentes dos trabalhos de académicos do urbanismo “ radical ou de esquerda” (p. 21) durante o período pós-1968, tais como Henri Lefebvre, Manuel Castells ou David Harvey, entre outros.

Segundo o autor, através da “ rejeição de formas de compreensão urbana estatais, tecnocráticas e orientadas pelo e para o mercado ” (p. 21) a teoria crítica urbana difere de abordagens ou correntes dominantes, como podem ser aquelas herdadas pela sociologia urbana da Escola de Chicago. A teoria crítica urbana enfatiza o carácter político, ideologicamente mediado e socialmente contestado do espaço urbano e, por isso, procura também alternativas ao modelo existente em busca de outras formas de urbanização, mais democráticas e justas, que são possíveis, mas que têm sido reprimidas por arranjos institucionais e ideológicos dominantes.

Neil Brenner é professor de Teoria Urbana na Graduate School of Design da Universidade de Harvard. Com uma licenciatura em filosofia, um mestrado em geografia e outro em ciência política, e ainda um doutoramento em ciência política, Brenner personifica a interdisciplinaridade reclamada pelos estudos urbanos e transfere uma outra indisciplinaridade para as suas produções académicas em torno das questões urbanas.

Das últimas produções de Brenner vale a pena destacar o trabalho que tem desenvolvido com alunos e outros(as) investigadores(as) no Urban Theory Lab[2] em Harvard, inspirados pela hipótese Lefebvriana de que a nossa sociedade seria, a dado momento, urbanizada por completo. Em conjunto, este grupo tem desenvolvido projectos, publicações, exposições e podcasts com o pressuposto de que os enquadramentos teóricos que herdámos para produzir conhecimento sobre o “urbano” deverão ser radicalmente reinventados se quisermos compreender as formas de urbanização capitalistas emergentes no séc. XXI.

Neste contexto, e como obra inspirada por todo este trabalho que a antecede, Espaços da Urbanização: o Urbano a partir da Teoria Crítica é no mínimo provocador e afigura-se como uma leitura incontornável para todos(as) aqueles(as) que se dedicam aos estudos urbanos.

 

NOTES

[2] http://www.urbantheorylab.net/

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