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CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES  no.36 Lisboa jun. 2018

https://doi.org/10.15847/citiescommunitiesterritories.jun2018.036.art2 

ARTIGO ORIGINAL

 

DIALÉCTICAS PROJECTUAIS. Os contributos do Bairro de Alvalade para a Estrutura Verde da Cidade de Lisboa

PROJECTAL DIALECTICS. The Alvalade neighborhood contributions to Lisbon's City Green Structure

 

Jorge da Rosa NevesI; Paulo Tormenta PintoII

[I]DINÂMIA'CET-IUL, Instituto Universitário de Lisboa, Portugal. e-mail: darosaneves@sapo.pt.

[I]DINÂMIA'CET-IUL, Instituto Universitário de Lisboa, Portugal. e-mail: paulo.tormenta@iscte-iul.pt.

 

 


RESUMO

O Bairro de Alvalade construído entre 1945 e 1970 incorpora influências do Movimento Moderno, da qual resultaram alterações significativas do modo de observar e conceber o espaço urbano, destacando-se entre estas, a abertura do logradouro a uma lógica de fruição comum e de implementação de uma rede de percursos pedonais necessária à aplicação do “conceito de vizinhança”, de que resultou uma malha de espaços urbanos intersticiais com características particulares.
Este período, coincidiu com a afirmação profissional e social da arquitetura paisagista em Portugal e ao início de atividade dos primeiros arquitetos paisagistas na Câmara Municipal de Lisboa, da qual resultou intensa atividade projetual segundo a matriz doutrinal de Francisco Caldeira Cabral, artística e profundamente ecológica.
Numa perspetiva do estudo da dialética projetual entre a arquitetura e a arquitetura paisagista, exploram-se os contributos circunstanciais de planeamento e de projeto que atuando sobre a definição e a conceção dos espaços urbanos favoreceram, de forma pontual ou agregada, o estabelecimento de uma rede de espaços verdes significativos na Estrutura Verde da Cidade.

Palavras-chave: Bairro de Alvalade, Dialética Projetual, Espaço Urbano, Arquitetura e Arquitetura Paisagista, Estrutura Verde.


ABSTRACT

Alvalade neighborhood, built between 1945 and 1970, incorporates influences from the Modern Movement, which resulted in significant changes in the way of observing and project the urban space. The most important among all was opening the space inside block in a logical of common fruition and implementation of pedestrian paths, both essential to build the "neighborhood concept", which resulted on interstitial urban space network with particular characteristics.
This period matched with the professional and social affirmation of landscape architecture in Portugal and the beginning of first landscape architects' activity at Lisbon Municipal authority, which resulted in intense project activity according to the artistic and deeply ecological doctrinal matrix of Francisco Caldeira Cabral.
Within a perspective of studding the design dialectic between architecture and landscape architecture, the article explores the circumstantial contributions of planning and design that acting on the definition and the design of urban spaces contributed, in a punctual or aggregated way, to the establishment of a significant spaces network in the Green Structure of the City.

Keywords: Bairro de Alvalade, Projective Dialectic, Urban Space, Architecture and Landscape Architecture, Green Structure.


 

Plano de Urbanização da Zona Sul da Avenida Alferes Malheiro e o Plano de Groër

O Bairro de Alvalade com génese no Plano de Urbanização da Zona Sul da Avenida Alferes Malheiro (atual Avenida do Brasil) foi elaborado pelo arquiteto João Guilherme Faria da Costa (1906-1971) entre 1938 e 1945, data da sua aprovação, em plena época de consolidação do Regime do Estado Novo. O ingresso de Faria da Costa na Câmara Municipal de Lisboa em 1938 ocorre após ter estudado no Institut d' Hurbanisme de Paris, no qual obtém o título de urbanista em 1937. Esta formação, complementar à de arquitetura obtida na Escola de Belas Artes de Lisboa concretiza-se por ter ganho uma bolsa de estudo no estrangeiro promovida para os alunos das escolas de belas artes. Na sua estada em Paris conhece Donat-Alfred Agache (1875-1959) e Étinenne De Gröer (1882-1974). (Di Salvatore, 2015: 126)

A elaboração do Plano Geral de Urbanização e Expansão de Lisboa (PGUEL), tal como o Plano de Urbanização da Zona Sul da Avenida Alferes Malheiro, tem início em 1938 e é coordenado desde então por Étienne de Gröer, chamado para ocupar o cargo de «urbanista-conselheiro técnico de câmara» por Duarte Pacheco, à época, Presidente da Câmara Municipal de Lisboa (entre 1938-1943) e, por acumulação de funções, a ocupar igualmente o cargo de ministro das Obras Públicas e Comunicações. Logo no primeiro ano, Étienne De Gröer irá participar no relatório sobre a cidade de Lisboa denominado “Elementos para o Estudo do Plano de Urbanização da Cidade de Lisboa” cuja elaboração é atribuída a António Emídio Abrantes, (Chefe de Repartição Técnica da Planta da Cidade) através da elaboração de um programa preliminar. Étinenne de Gröer mantêm-se no cargo até 1940, retomando a elaboração do Plano de Urbanização da Cidade de Lisboa em 1946, após novo contrato, concluindo-o em 1948 (Brito e Camarinhas, 2007: 183), o qual ficou conhecido como Plano De Gröer. Embora aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa, nunca chegou a sê-lo pelo Governo (Silva, 1986: 379).

Neste Plano, Étienne De Gröer, promove a análise da cidade de Lisboa, enfocando com particular acuidade a insalubridade de algumas zonas da cidade, em particular, os logradouros, em resultado do excessivo prolongamento dos edifícios para o seu interior ou da sua ocupação por construções indevidas, tornando-os pouco arejados e sombrios, com repercussões nefastas nos edifícios circundantes.

A pertinência desta análise, bem como as recomendações daí decorrentes, terá motivado a inclusão e o destaque do Plano De Gröer no Plano Director de Urbanização de Lisboa (PDUL) de 1958, coordenado por Luís Maria Nolasco Guimarães Lobato (1915-2008), Engenheiro-Chefe do Gabinete de Estudos de Urbanização entre Janeiro de 1954 e Abril de 1958. Com a finalidade de constituir uma reserva permanente de ar puro para a cidade, assim como impedir a sua fusão com os aglomerados urbanos circunvizinhos, limitando assim a sua expansão, De Gröer, propõe a criação de uma coroa verde denominada de “Zona Rural”. Para a sua efetivação contribuiriam o Parque de Monsanto, a área do Parque Periférico e a zona do aeroporto, segundo o conceito de “Green Belt” (CML, 1948: 4). Neste Plano, o papel da árvore no contexto do espaço urbano merece igualmente destaque, sendo para o efeito da sua plantação apresentadas recomendações para a largura dos arruamentos e dos passeios, bem como para o recuo das fachadas dos edifícios.

Faria da Costa, conhecedor destas patologias na cidade e das recomendações incorporadas no Plano Geral de Urbanização e Expansão de Lisboa, igualmente com data de início em 1938, como referido, introduz no Plano para a Urbanização da Zona a Sul da Avenida Alferes Malheiro alterações significativas na implantação dos blocos residenciais, propondo logo nas Células Habitacionais 1, 2, as primeiras a construir com casas de renda económica, a abertura do topo do quarteirão, solução que irá proporcionar a ligação entre logradouros e de estes ao edifício escolar colocado ao centro da célula na aplicação do “Conceito de Vizinhança”.

O acabar da privatização do miolo dos quarteirões, quer pela sua organização interna, disposição dos contínuos construídos, destinando-o a locais de recreio, a equipamentos, a áreas verdes e livres destinadas às relações de vizinhança e ao estacionamento, é acompanhado na conceção do edifício pela existência de uma nova fachada que privilegia a relação com o novo logradouro, enquanto espaço de lazer protegido do movimento do arruamento (Lamas, 1993: 286). Para a abertura do logradouro contribuiu igualmente a perceção dos problemas de insalubridade que nestes ocorreram nas zonas de casas de renda económica, por abandono dos logradouros privados (pequenos espaços de cultivo afetos aos locatários) (Costa, 2002: 96), bem como por descuido na manutenção dos espaços comuns de circulação e lazer (Castelo Branco, 2000: 20).

A reivindicação da introdução dos valores da nova urbanística da Carta de Atenas, subjacente ao Movimento Moderno, em que a casa unifamiliar é substituída pelo edifício multifamiliar, edificado em altura como premissa de libertar o espaço urbano (exterior) para outras funções, a que se soma a perceção das situações de insalubridade a ocorrer nos logradouros das primeiras células, terá contribuído definitivamente para uma nova conceção do logradouro nos conjuntos habitacionais ainda por construir, nomeadamente, no Bairro das Estacas (Célula 8), na Av. Dom Rodrigo da Cunha, na Avenida dos Estados Unidos da América e na Avenida do Brasil, onde este, assumindo definidamente a função de espaço de lazer, caminha para a tipologia atual de “Espaço de Utilização Colectiva” (Decreto-Lei n.º 9/2009, de 29 de Maio, Ficha n.º 28).

A delimitação e o atravessamento do Bairro por vias estruturantes arborizadas (as quais em conjugação com o “conceito de vizinhança” levaram à criação de oito células habitacionais), nomeadamente, a Avenida Alferes Malheiro (atual Av. do Brasil), a Avenida dos Estados Unidos da América e a Avenida da Igreja, ambas com sentido aproximado Nascente-Poente, a que se cruzam as avenidas de Roma e do Rio de Janeiro, com sentido perpendicular a estas, permitiu criar importantes corredores verdes na ligação a grandes manchas de vegetação na envolvente deste, nomeadamente, o Campo 28 de Maio (atual Campo Grande) a Poente, a Avenida do Aeroporto (atual Avenida Almirante Gago Coutinho) e a Mata de Alvalade a Nascente, bem como aos Campus do LNEC e do Hospital Júlio de Matos a Norte. Estes eixos constituíram, igualmente, eixos de encontro das arborizações dos arruamentos secundários e dos logradouros, criando assim uma malha verde relativamente densa e de implantação aproximadamente ortogonal.

Esta hierarquização das vias e dos arruamentos, subjacente às funções de estruturação e de atravessamento do Bairro, bem como de distribuição dentro das suas Células Habitacionais, é acompanhada igualmente por uma arborização hierarquizada tendo em atenção o porte das espécies, a largura dos passeios e o afastamento entre as fachadas e os canteiros e as caldeiras onde as árvores seriam plantadas. Segundo Lamas (idem, ibidem: 286), a arborização e presença contínua de canteiros na Avenida de Roma reinterpreta a imagem dos redents de Le Corbusier.

 

Surgimento da Arquitectura Paisagista em Portugal – Concretização da Estrutura Verde

Com o Bairro de Alvalade em construção desde 1945, ocorre a partir de 1950 a chegada à Câmara Municipal de Lisboa dos primeiros Engenheiros Agrónomos com o Curso Livre de Arquitectura Paisagista (que no âmbito deste artigo se passam a designar por arquitetos paisagistas), recém-formados no Instituto Superior de Agronomia pelo curso iniciado em 1942 por Francisco Caldeira Cabral (1908-1992), recém-chegado a Portugal (1939) após ter concluído o curso de arquitetura paisagista em Berlim sob a orientação do Mestre Prof. Wipking (Cabral, 1993: 14). Importa, neste contexto, relembrar o início da elaboração do Plano Geral de Urbanização e Expansão de Lisboa (Coordenado por Étienne De Gröer) e do Plano de Urbanização da Zona a Sul da Avenida Alferes Malheiro (Coordenado por Faria da Costa), ambos em 1938, um ano antes do regresso a Portugal de Francisco Caldeira Cabral.

Em 1935, um ano antes de se ter licenciado, Francisco Caldeira Cabral é indicado pelo Instituto Superior de Agronomia para ocupar o cargo de chefe da repartição de Arborização e Jardinagem da Câmara Municipal de Lisboa, por solicitação desta (CML, 2008: 10), da qual sairá intensa atividade projetual para o Bairro de Alvalade após 1950 por alguns dos alunos do primeiro Curso Livre que ministrou, entre eles, Gonçalo Ribeiro Telles (n. 1922), Edgar Sampaio Fontes (1922-2000), Manuel Sobral dos Campos Albuquerque de Azevedo Coutinho (1921-1992) e Manuel Sousa da Câmara (1929-1992), entre outros.

Regressado a Portugal, Francisco Caldeira Cabral não ocupa o cargo que lhe tinha sido proposto e que tinha motivado a descoberta da Arquitectura Paisagista, por este ter sido entregue ao arquiteto Keil do Amaral (1910-1975) (idem, ibidem: 11).

Inicialmente os arquitetos paisagistas foram chamados apenas para desenvolver projetos de arborização e ajardinamento. Com a constituição das equipas multidisciplinares de urbanismo, passam a ser parte integrante destas e, por reconhecimento das suas competências, a ser reclamados a participar na conceção dos logradouros. Em 1950, Manuel de Azevedo Coutinho e Gonçalo Ribeiro Telles, recém-chegados à Câmara Municipal, são chamados a colaborar nos projetos de jardins e de arborização no Bairro de Alvalade, cujos projetos foram incluídos nos “Estudos de Pormenor”. O logradouro escolar e os espaços verdes de enquadramento aos mesmos no centro das células habitacionais constituem igualmente o campo de ação dos arquitetos paisagistas e, neste âmbito, salientam-se os trabalhos de Azevedo Coutinho nas células 1 e 2 (em 1950), e de Edgar Sampaio Fontes na célula 7 (1954), na célula 4 (1956) e na célula 6 (1956-58) (Bettencourt da Câmara, 2015: 281-282).

Os Estudos de Pormenor que vão reger estas intervenções compreendiam os estudos do edificado das várias unidades morfológicas da área do plano (inserção urbana e projetos dos edifícios), os projetos de especialidade de infraestruturas urbanas e de desenho do espaço público, nos quais se incluía a arborização e as áreas verdes. Estes últimos eram desenvolvidos pelas respetivas divisões da Câmara Municipal de Lisboa, em paralelo com o técnico a quem era atribuído o projeto da unidade morfológica. Entre os projetos que se debruçavam sobre o espaço público incluíam-se os projetos de Jardins, de revestimento de canteiros e de espaços ajardinados, do arranjo dos logradouros, os Projetos de Arborização e os Planos de Plantação (Costa, op cit: 37).

 

Logradouros e espaços intersticiais das Células 1 e 2

A conceção dos logradouros das Células 1 e 2, as primeiras a serem construídas (Tostões, 1998: 194), procurava compatibilizar as áreas de fruição comum, nomeadamente, o percurso pedonal de acesso à escola no centro da Célula Habitacional (aplicação do “Conceito de Vizinhança”) e aos logradouros próximos, e as áreas de lazer arborizadas e com bancos de jardim, em posição central relativamente aos logradouros privados de cultivo afetos a cada uma das casas, localizados a tardoz e de forma adjacente dos edifícios. Exercício complexo, desde logo pela orientação Sul-Norte e reduzido perfil transversal dos logradouros, o que os tornava sombreados durante o período da manhã pela banda de prédios a Nascente e da parte da tarde pela banda de prédio a Poente.

Manuel de Azevedo Coutinho nos projetos desenvolvidos para os logradouros comuns das células habitacionais 1 e 2 (Figs. 1 e 2) procurou resolver os condicionalismos decorrentes da conjugação das atividades previstas para estes, através da utilização de arbustos na separação entre as áreas de cultivo e as áreas de estadia e circulação pedonal, preservando as primeiras do excessivo sombreamento que poderia condicionar desfavoravelmente o desenvolvimento das pequenas produções agrícolas. Por esta mesma razão, as árvores são previstas de forma pontual e nas zonas de maior desafogo do logradouro, destinadas à estadia, geralmente no topo do logradouro, ponto de contacto e de circulação entre os vários logradouros e os percursos pedonais dos impasses dos arruamentos secundários (CML, 1950).

 

 

 

 

Esta conceção, para além de procurar a conciliação dos vários usos, permitiu aumentar significativamente as manchas verdes no interior das células habitacionais e ligá-las à arborização da Avenida da Igreja.

Se no âmbito da arquitetura destas células se procurava racionalizar a habitação, nomeadamente, pela ordenação das comunicações, redução dos percursos, concentração da superfície livre e otimização das afinidades geométricas e correlação dos compartimentos (Tostões, op cit: 63-71), o mesmo se procurou ao nível do logradouro, na medida em que a otimização dos percursos pedonais e a racionalização dos pequenos espaços de cultivo (para a pequena horta), permitiu libertar espaço para fruição, atenuando assim a reduzida área das habitações. Ou seja, a dinâmica e os prossupostos de desenho, permitem pressupor, apesar do desfasamento temporal, uma complementaridade entre a otimização do espaço dentro da habitação e o desenho do espaço de logradouro comum realizado pelos arquitetos paisagistas.

A localização do edifício escolar em posição central da Célula Habitacional contribui igualmente de forma decisiva para a estrutura verde, quer pela arborização e pelos canteiros que estão associados ao seu logradouro quer pelos espaços de jardim e de enquadramento exteriores a estes. A proximidade entre o espaço interior e exterior do logradouro, terá sido explorado no sentido da aplicação do conceito de “continuum naturale ”, através da plantação das mesmas espécies e da hierarquização dos maciços vegetais (Bettencourt da Câmara, 2015: 282).

Manuel de Azevedo Coutinho nas plantações dos espaços verdes dos logradouros escolares das células 1 e 2 tira partido destes ao plantar as árvores de maior porte, permitindo assim criar um “cenário de fundo” relativamente aos jardins que o envolvem no exterior, nas palavras do autor. Na intervenção do “Jardim Eugénio de Castro” (entre a escola da Célula 1 e a Rua Eugénio de Castro), a plantação de arbustos no seu perímetro virado ao arruamento visa proporcionar maior intimidade e proteção relativamente à circulação automóvel, “maior ambiente de jardim”, como descreve igualmente o autor (CML, 1950).

O ajardinamento dos espaços envolventes aos logradouros escolares, para além de constituírem áreas de lazer (como maior probabilidade de serem preservadas pela sua visibilidade) e de descompressão urbana, irão, conjuntamente com a arborização dos próprios logradouros escolares, adicionar-se às conexões existentes entre os logradouros dos blocos habitacionais e destes com os arruamentos secundários, enriquecendo ainda mais a estrutura verde em “forma de malha” que se começava a formar.

A progressiva ocupação dos logradouros destas células por construções clandestinas e para o estacionamento, com a consequente impermeabilização do solo terá levado, por volta do ano 2000, Gonçalo Ribeiro Telles a apresentar um projeto para a sua recuperação. A solução compreenderia a criação de seis talhões no espaço fronteiro a cada edifício (composto igualmente por seis fogos) e outros tantos lugares de estacionamento (um por cada fogo), com vista a garantir a libertação de parcelas de terreno para cultivo, repor o espírito de recreio e produção familiar (e comunitário) e organizar o espaço de estacionamento (Esteves, 2000: 9).

 

Av. Dom Rodrigo da Cunha e o Bairro das Estacas – O novo conceito de logradouro

O conjunto habitacional da Av. D. Rodrigo da Cunha da autoria do arquiteto Joaquim Ferreira (1911-1966), cujos estudos se terão iniciado em 1949, constitui a primeira intervenção do Movimento Moderno no Bairro de Alvalade. Nesta intervenção, os edifícios implantam-se perpendicularmente entre a avenida e aos arruamentos secundários, Rua Conde Ficalho a Norte, e Rua Duarte Lobo a Sul. O desenvolvimento desta solução urbanística terá tido suporte na constatação das situações de ocupação abusiva e de insalubridade que se começavam a verificar nos logradouros das primeiras células com consequente desvalorização das casas dos primeiros pisos, como mencionado anteriormente. Com esta alteração na disposição dos blocos habitacionais a Av. D. Rodrigo da Cunha em vez de constituir um corredor ladeado de prédios de ambos os lados, como acontecia até então, ganha notoriedade pelo maior arejamento e luz. Esta intervenção integrou o projeto de arranjo de logradouros do arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles (Fig. 4), constituindo a primeira realização em que um projeto de arranjo de logradouros é integrado no arranjo habitacional do conjunto arquitetónico (Costa, op cit: 95-96).

 

 

Nesta intervenção, Gonçalo Ribeiro Telles, procura criar um fundo paisagístico “necessário ao equilíbrio da vida moderna e também de enquadramento dos edifícios” em harmonia com a paisagem de Olival envolvente. Na arborização dos logradouros assume os cuidados a ter na proteção dos ventos dominantes de Norte e a relação de proximidade com as fachadas laterais dos edifícios a fim de evitar o seu sombreamento excessivo. Para o efeito, propõe para as faces dos logradouros virados a Norte a plantação de espécies predominantemente de folha persistente, destacando-se entre elas, o Zambujeiro, pela continuidade paisagística que esta permite aos campos de Oliveiras na encosta a Norte (Fig. 5). Para arborização dos topos dos logradouros próximos à avenida, de maior humidade face à topografia do terreno em forma de vale, opta por espécies caducifólias, como choupos, freixos e ulmeiros, evitando assim sombreamento em demasia na avenida e sobre os edifícios durante o período de Inverno (CML, 1953a).

 

 

A observação da representação dos logradouros no seu conjunto, permite-nos especular sobre a intenção de criar clareiras no interior do logradouro para atividades de lazer e reforçar a plantação de árvores nos topos dos mesmos de forma a complementar a arborização do próprio arruamento e assim criar um corredor verde com maior expressão e, consequentemente, de maior valência ecológica.

Este projeto (de 1953) no espaço de fronteira entre as Células 4 e 6 viria articular-se com mais alguns projetos (CML, 1954), com reflexo na efetivação da estrutura verde do Bairro. A sua progressiva execução permitiu criar conectividade entre a Quinta do Narigão e a Mata de Alvalade (atual Parque José Gomes Ferreira) a Norte, com a zona de moradias a Sul (Célula 4) e a Av. do Aeroporto (atual Avenida Almirante Gago Coutinho) a Nascente, e assim criar um importante ponto de ligação entre a Estrutura Verde Principal (Quinta do Narigão, Mata de Alvalade e, mais tarde, Parque da Bela Vista a Nascente) e a Estrutura Verde Secundária (logradouros, pontos de encontro e arruamentos arborizados), como contextualizado no Plano Verde de Lisboa, editada em 1997.

A arborização da Av. Dom Rodrigo da Cunha vai ainda beneficiar em termos de contínuo arborizado para Poente da construção dos espaços verdes decorrentes do “Estudo da Zona de Proteção à Igreja de São João de Brito” da autoria de Faria da Costa (Costa, op cit: 84), que asseguram uma ligação mais direta da Avenida ao Largo Frei Heitor Pinto (projetado por Manuel de Azevedo Coutinho em 1951) e a através deste às avenidas da Igreja (para Poente) e do Rio de Janeiro (para Norte e Sul).

O conjunto habitacional poente da Célula 8, datado de 1949 e da autoria dos arquitetos Formosinho Sanches (1922-2004), Ruy Jervis d' Athouguia (1917-2006), conhecido por Bairro das Estacas, reforçou na altura o ímpeto do movimento moderno no Bairro, não apenas pela qualidade arquitetónica que apresentou, mas fundamentalmente pela divulgação de que foi alvo através da sua dupla distinção internacional no ano de 1954, Menção Honrosa na Bienal de São Paulo e Prémio Municipal de Arquitectura (idem, ibidem: 99).

Neste conjunto habitacional, os topos dos logradouros abertos e a edificação dos blocos habitacionais sobre pilotis permitiu o acesso direto entre os vários logradouros, numa lógica de conjunto, como um só e, consequentemente, gerir o espaço de forma a permitir mais valências. Como refere Tostões (op cit: 64), esta intervenção criou “uma extensa plataforma de jardim prolongada em transparência sob os edifícios”, assumido “De um modo consciente, […] a importância dos valores da topografia, da insolação, do programa, das zonas verdes úteis, da racionalidade e do funcionalismo”. Em termos de desenho e de circulação pedonal, ao remate dos edifícios somam-se percursos multidirecionais e não diretos entre estes, o que não acontecia até então. Nos logradouros das Células 1 e 2, e mesmo na Av. D. Rodrigo da Cunha, os percursos pedonais privilegiavam as ligações entre os edifícios e os arruamentos através dos seus topos, numa lógica mais funcional, mais direta.

Em 1949, Ruy D' Athouguia define na primeira abordagem aos logradouros deste conjunto habitacional uma rede de percursos principais e multidirecionais entre os edifícios, de maior largura, com contornos retilíneos e com implantação, por vezes, em posição oblíqua em relação a estes. Neste projeto, a estes percursos soma uma rede de percursos de traçado orgânico que percorrem os interiores dos espaços verdes, deixando-os abertos ou apenas pontuados com arbustos e manchas de herbáceas, preferencialmente ao centro destes, o que iria permitir uma leitura imediata dos espaços entre os edifícios, bem como a leitura, sem obstáculos, das suas fachadas (Fig. 6). (CML, 1949)

 

 

O projeto de Gonçalo Ribeiro Telles, em 1953, mantém os percursos principais definidos por Ruy D' Athouguia, aos quais adiciona, igualmente, uma segunda rede de percursos complementares, no entanto, fá-los atravessar ou ladear pequenas clareiras proporcionados pela plantação de maciços arbustivo-arbóreos, gerando, no seu conjunto, uma multiplicidade de pequenos espaços de fruição, alguns destes com equipamentos para recreio infantil. Neste projeto, é notória a reinterpretação do espaço de logradouro, nomeadamente, pelo reforço da vegetação no seu topo, na procura de proporcionar maior quietude no seu interior, bem como na criteriosa disposição da vegetação com vista a evitar a sua leitura imediata, mas sim, assegurar a sua progressiva descoberta, o mesmo podendo interpretar-se em relação à leitura das fachadas dos edifícios (Fig. 7). (CML, 1953b)

 

 

Em 1958, Gonçalo Ribeiro Telles, irá retomar este conjunto habitacional desenvolvendo um estudo para as áreas de recreio infantil e juvenil (CML, 1958b), indo ao encontro de um despacho do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa Álvaro Salvação Barreto (1890-1975), que liderou a autarquia entre 6 de março de 1944 e 28 de Março de 1959.

Nota interessante neste conjunto arquitetónico, e diferente para os restantes analisados, prende-se com a inclusão do parque de estacionamento dentro do espaço de logradouro central, marcado em espinha e ao longo da implantação dos blocos habitacionais, ao contrário do que ocorre nos outros conjuntos habitacionais marcados pela influência do Movimento Moderno em que o estacionamento se localiza nos topos dos logradouros.

Em termos de Estrutura Verde, estes logradouros complementam-se atualmente pelo Jardim da Rua Bulhão Pato a Poente, pelo logradouro da Escola Primária (atual Escola Básica de Lisboa, n.º 101) a nascente e por um jardim em cobertura sobre um parque de estacionamento com estrada pela Rua Teixeira Pascoais e saída pela Rua General Pimenta de Castro, igualmente a nascente, que terá sido projetado pelo arquiteto Ribeiro Telles.

 

Os Logradouros da Avenida dos Estados Unidos da América e da Avenida do Brasil e a formalização de corredores verdes

Segundo Ana Tostões, o primeiro momento de Alvalade, de imagem tradicional, é ultrapassado na Avenida dos Estados Unidos da América, concretizando-se como mostruário da mais recente produção arquitetónica da cidade, constituindo uma visão emblemática da “nova Lisboa” (Tostões, op cit: 63-71).

A conceção dos logradouros do lado Norte da Avenida dos Estados Unidos da América, menos condicionada em termos de espaço e sem a necessidade de compatibilizar o lazer com áreas de pequena produção agrícola familiar, propicia abordagens conceptuais igualmente complexas, nomeadamente pela resposta a programas mais exigentes no que diz respeito às áreas de lazer, desde logo, pelo maior número de moradores a que se destina, bem como pela proximidade a uma via estruturante do Bairro e da Cidade.

Se por um lado, a construção dos edifícios em altura sobre pilotis, permitia a continuidade na fruição do espaço urbano, como acontecia no Bairro das Estacas, por outro lado, a pendente dos logradouros e as maiores áreas de sombra decorrentes do maior número de pisos, obrigava à escolha criteriosa da localização das áreas de estadia.

Assim, a conceção dos logradouros, vai acompanhar o mostruário verificado na arquitetura, assumindo maior expressão artística, como se comprova nos projetos de Gonçalo Ribeiro Telles para os logradouros do lado Norte da Avenida entre a Avenida de Rio de Janeiro e a Avenida do Aeroporto (Fig. 8) [3] e entre a Praça Mouzinho de Albuquerque (atualmente Praça de Entre Campos) e a Avenida de Roma, em 1958 (Fig. 9) [4] . Em 1959-60, Manuel Sousa da Câmara projeta os logradouros do Troço entre a Av. Rio de Janeiro e a Av. de Roma, do mesmo lado da Avenida (Fig. 10)[5] . Do lado Sul desta, e um ano antes, Gonçalo Ribeiro Telles desenvolve o projeto entre a Rua Frei Tomé de Jesus e a Rua Diogo Bernardes (Costa, op cit: 120).

 

 

 

 

Da análise dos projetos para os diversos logradouros do lado Norte da Avenida dos Estados Unidos verifica-se não haver lugar à repetição, quer no seio do mesmo conjunto habitacional quer entre os vários conjuntos habitacionais, mas sim lógicas e abordagens conceptuais comuns, entre estas, a localização das áreas de estada numa lógica de articulação com os percursos pedonais e em posição que permita a leitura de todo o espaço imediato (preocupação com a segurança), e em algumas situações, do logradouro imediatamente a seguir, tirando partido das construções dos edifícios sobre pilotis e do desnível do terreno.

A disposição da vegetação sob a forma de maciço arbustivo a envolver e a enquadrar as zonas de estadia e os edifícios que rematam a Norte os logradouros são aspetos comuns entre os projetos de Gonçalo Ribeiro Telles e o de Manuel Sousa da Câmara.

Nos projetos de Gonçalo Ribeiro Telles para estes logradouros verifica-se estarem contemplados parques infantis nos logradouros centrais (Fig. 8 e 9), na sequência do que projetou no Bairro das Estacas em 1953. O Projeto de Manuel Sousa da Câmara embora não formalize um parque infantil, prevê um equipamento igualmente no logradouro central do conjunto habitacional (Fig. 10).

A conceção e os critérios de dimensionamento dos parques infantis vêm a merecer destaque no Plano Director de Urbanização de Lisboa de 1958 (CML, 1958a), cuja equipa técnica já integra a colaboração dos arquitetos paisagistas Gonçalo Ribeiro Telles e Edgar Sampaio Fontes (CML, 1958c).

Da análise deste ponto, merece referência as considerações sobre a localização dos parques infantis, a necessidade de contemplarem mobiliário urbano, serem servidos por iluminação pública, bem como contemplarem vários tipos de equipamentos que deveriam ser previstos e localizados em função idade das crianças e dos jovens a que se destinam, as quais, no seu conjunto, se aproximam muitos da legislação atualmente em vigor, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 379/97, de 27 de Dezembro alterado pelos Decretos-Lei n.º 119/2009, de 19 de Maio e o 203/2015, de 17 de Setembro.

 

Os Logradouros da Avenida do Brasil entre o Campo Grande e a Mata de Alvalade

Datado de 1958 e da autoria do arquiteto Jorge Segurado (1898-1990), o conjunto habitacional da Avenida do Brasil (Célula 3) é considerado como um conjunto carismático da implementação da arquitetura do movimento moderno no Bairro de Alvalade. Como nos conjuntos do Bairro das Estacas e da Avenida dos Estados Unidos da América, os blocos habitacionais apresentam-se dispostos de forma perpendicular à via, proporcionando logradouros abertos a esta e, neste caso, rematados a Sul por pequenas construções de um piso às quais foi alternadamente dado o uso de garagens e de comércio com acesso pelo arruamento secundário a sul (Costa, op cit: 128-129).

O projeto do arquiteto paisagista Manuel Sousa da Câmara elaborado em 1963-64 para os logradouros privilegia a localização das áreas de estar, dispondo-as em posição central face aos limites destes e os bancos de jardim em posição mais próxima da Avenida. Interpreta-se esta disposição como uma resposta às restrições impostas pelas sombras dos edifícios, tendo em conta que estes se encontram abertos a Norte e não a Sul como acontecia nos logradouros do lado Norte da Avenida dos Estados Unidos da América (Fig. 11).

 

 

Neste projeto é ainda possível observar a arborização da Avenida, que dos lados dos logradouros (Fig. 12) irá reforçar a sua componente arbórea sem, no entanto, os ensombrar. Observa-se igualmente a arborização ao longo da Rua Aprígio Mafra, arruamento secundário de circulação interna do conjunto habitacional e de acesso às garagens (Fig. 13), prevista como medida de enquadramento ao limite da Zona Artesanal da Célula 3.

 

 

 

A arborização da avenida de ambos os lados com árvores de grande porte, quando associado aos espaços do Campus do LNEC e do Hospital Júlio de Matos, permitiu criar um importante corredor verde entre os Jardins do Campo Grande e a Mata de Alvalade, considerados pelas suas áreas como fatores atenuadores dos índices de ocupação finais do Plano. A Mata de Alvalade, apesar de implantada mais tarde, tem como fator de dimensionamento desde o início do Plano a população prevista para o Bairro (Costa, op cit: 174).

Com a construção deste conjunto habitacional e dos seus logradouros, reforçam-se as intervenções anteriores já concretizadas entre o Campo Grande e a Mata de Alvalade, ganhando corpo o corredor verde em implementação. Entre estas intervenções, destacam-se, pela dialética projetual e pela área verde resultante, o Jardim do Campo Grande reformado e atualizado nas décadas de 1940 e 1950 pelo arquiteto Keil do Amaral (1910-1975) (Fernandes, 1997: 27); o Hospital Júlio de Matos projetado por Leonel Gaia (1871-1941), projeto inicial de 1912, e por Carlos Chambers Ramos (1897-1969), a partir de 1933 (remodelação), com projetos dos equipamentos finais do arquiteto Raúl Lino (1879-1974) e dos engenheiros Jacômes Castro e Eng. Raúl Maças Fernandes e com o projeto dos jardins do arquiteto paisagista Caldeira Cabral e de Azevedo Gomes (1885-1965) (Castelo Branco, 2000: 2019-2019), este último, Professor Catedrático de Silvicultura do Instituto Superior de Agronomia a partir de 1915.

Imediatamente a Nascente do Campus do Hospital Júlio de Matos, o Campus do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) inaugurado em 1952, com projetos de arquitectura da autoria dos arquitetos Pardal Monteiro (1897-1957), Januário Godinho (1910-1990) e João de Mello Breyner Andresen (1920-1967) e os de arquitectura paisagista de Gonçalo Ribeiro Telles e de Fernão Vaz Pinto [6] , fortalecem ainda mais a componente verde ao longo da avenida e desta para Norte.

Para este corredor e em 1959, Gonçalo Ribeiro Telles desenvolve um projeto a acompanhar os passeios da Avenida entre a Rotunda do Aeroporto e a Estrada da Portela.

A importância crescente deste corredor no âmbito da cidade levou a que o mesmo tenha sido proposto no âmbito do Plano Verde de Lisboa (1997) como integrante do Corredor Semicontínuo da Cidade Moderna entre os Olivais e o Campo Grande. Por outro lado, os espaços verdes intersticiais resultantes das expansões mais recentes do Bairro, que acompanharam a lógica de composição dos diversos conjuntos urbanos, foram integrados no Sistema Descontínuo da Cidade Tradicional, permitindo assim estabelecer pontos de conexão com o interior da Cidade (Telles, 1997: 86-87).

Atualmente, os logradouros do conjunto habitacional da Avenida do Brasil, tal como os demais do Bairro de Alvalade, representam “uma estrutura verde ímpar na cidade de Lisboa”, fazendo parte do Corredor Verde Central da Cidade que integra a Nascente a Cidade Universitária, o Estádio Universitário e o Campo Grande, e a Norte os Campus do LNEC e do Hospital Júlio de Matos (Fig. 14). A abertura deste último irá permitir a ligação do Parque José Gomes Ferreira (atual designação da Mata de Alvalade) e da Quinta do Narigão à Quinta das Conchas e dos Lilases, englobando áreas de recreio e lazer e um parque hortícola. [7]

 

 

A dimensão, localização e, acima de tudo, a multiplicidade de conexões ao nível da estrutura verde que o Bairro incorpora internamente e nos seus espaços de fronteira (Fig. 14), colocam-no numa posição estratégica na Cidade responsável pela ligação entre os Corredores Verdes em implantação, nomeadamente, os Corredores Olivais e Oriental a Nascente e o Corredor Alta Lumiar a Norte, e deste último, ao Corredor Periférico com ligação ao Parque Florestal de Monsanto (Fig. 15), como antevia, em parte, Étienne de Gröer em 1948.

 

 

A Mata de Alvalade e os espaços desportivos nela inseridos no seu extremo poente e próximo à Avenida Alferes Malheiro beneficiou da conceção de Gonçalo Ribeiro Telles (1950-51), de Manuel Sousa da Câmara (1965) e de José Lobo de Vasconcelos e de Leonel Fadigas (1972) (CML, 1951), para além de contínuas intervenções posteriores com vista à sua adequação às solicitações dos novos modos de vida e do projeto de ligação desta à Avenida do Brasil ao longo dos passeios entre a Rotunda do Aeroporto e a Estrada da Portela (1959), como já referido.

 

Pontos de encontro

O projeto para os atuais Largos Rodrigo Cordeiro, Fernando Costa e Cristóvão Aires (Fig. 16), segundo nota explicativa do autor, Gonçalo Ribeiro Telles, assume o carácter quase privativo das ruas (assim consideradas na altura), as quais por não terem saída funcionariam, na prática, como impasses. Face ao trânsito quase inexistente, o projeto assume a pretensão de transformar as placas centrais dos arruamentos nos logradouros dos moradores dos prédios envolventes, vocacionando-o para o recreio. Para o efeito, idealiza a construção de pequenas bolsas para convívio equipadas com bancos de jardim. Com a preocupação de não provocar sombreamento nos meses de Inverno, tendo em conta a pouca largura da rua, o autor propõe espécies arbóreas caducifólias e árvores de pequeno porte para os topos Nascente. Os bancos nas pequenas bolsas de estadia são dispostos perpendicularmente aos arruamentos, de modo a permitir a perspetiva de conjunto do espaço ajardinado (CML, 1952).

 

 

Este projeto de 1952, como outros que poderiam ser referenciados da mesma época, permitiu dotar o Bairro de Alvalade de pequenos espaços de encontro, geralmente localizados segundo uma lógica de proximidade à habitação e de apoio aos percursos entre esta e os edifícios escolares no interior da célula habitacional, ou mesmo nos passeios de maior largura onde o comércio tem maior expressão, numa perspetiva de fomentar a vivência social do Bairro.

Estes pequenos espaços, arborizados e com mobiliário urbano, constituíram pontos com importância na estrutura verde do bairro, na medida em que permitiram estabelecer conetividades e, sobretudo, assegurar a fruição do espaço urbano em conforto, com reflexo favorável sobre a sua segurança. A localização e o sentido de oportunidade de transformar pequenos espaços intersticiais em espaços vivos pode ainda ser interpretada na lógica do percurso (recreio) diário definida no Plano Director de Urbanização da Cidade (1958) (CML, 1958a).

Em termos de conceção e dimensionamento, estes espaços de encontro aproximam-se conceptualmente dos espaços de lazer das partes comuns dos logradouros das Células 1 e 2. Quando inseridos nos logradouros de conceção segundo o Movimento Moderno, ganham outro protagonismo, desde logo, pelo tratamento e desafogo da área envolvente e, por estarem, em muitos casos, em comunhão com áreas com equipamentos infantis, favorecendo a polivalência do logradouro enquanto espaço de recreio multigeracional.

Atualmente, constata-se no Bairro de Alvalade a requalificação de muitos destes espaços (Figs. 17 e 18), bem como a execução de outros no âmbito de intervenções de requalificação pontual ou de âmbito mais abrangente, com aspetos de conceção comuns aos adotados nos projetos da década de 1950, entre estes, a arborização e a instalação de mobiliário urbano, o que permite perspetivar o reforço da estrutura verde e, em algumas localizações, minimizar os efeitos da sua progressiva degradação dentro dos logradouros em resultado da ocupação indevida por construções e por estacionamento abusivo, bem como assegurar a segurança do espaço urbano.

 

 

 

Notas conclusivas

O Bairro de Alvalade, considerado por Costa (op cit: 9-10) como um paradigma do urbanismo em Portugal, por incorporar evoluções e conceitos urbanísticos retirados de diferentes modelos de cidade e fazer a síntese de várias influências, algumas tidas como antagónicas, como a Cidade Tradicional e o Movimento Moderno, pode igualmente ser assim considerado no contexto da arquitetura paisagista, por ter constituído um território de aplicação de técnicas e de soluções ao nível do espaço urbano que, ainda hoje, asseguram um estrutura verde importante na cidade.

Para a concretização da Estrutura Verde no Bairro, terá contribuído de forma preponderante a abertura do logradouro, por consequência da crescente consciência da sua insalubridade na Cidade (Plano De Groër), e a partir de certa altura igualmente no bairro, bem como a aplicação dos conceitos de “zonamento” e de “vizinhança” (Plano de Urbanização da Zona a Sul da Avenida Alferes Malheiro), da qual resultou o desenho de um rede de percursos pedonais de acesso ao edifício escolar e de espaços verdes intersticiais de enquadramento responsáveis pela sua articulação com o edificado.

Tão importante como a abertura do logradouro, constituiu a sua conceção como espaço de lazer, mais condicionada nas primeiras células pela necessidade de compatibilizar a pequena produção agrícola familiar com as áreas de circulação e de lazer, e mais facilitada nos conjuntos habitacionais construídos segundo a Carta de Atenas, a qual permitiu intensa produção projetual pela primeira geração de arquitetos paisagistas formados em Portugal por Francisco Caldeira Cabral que, em paralelo à vertente ecológica, sempre estimulou a componente artística e a relação interdisciplinar entre a arquitetura paisagista e a arquitetura.

Conclui-se, pelos exemplos apresentados, que o Bairro de Alvalade, para além de ser um mostruário da arquitetura como refere Tostões (op cit: 63-71), o é igualmente ao nível da arquitetura paisagista mas, sobretudo, da relação estabelecida entre estas, num período em que os arquitetos paisagistas tiveram de estabelecer pontes com diferentes modos de arquitetar o Bairro.

A análise dos diversos projetos responsáveis pela definição do espaço urbano do Bairro de Alvalade e, em particular, dos que suportam a vegetação, Mata de Alvalade, logradouros, jardins, áreas de enquadramento e arruamentos arborizados, entre outros, permite concluir que a Estrutura Verde do Bairro está profundamente associada ao lazer e à circulação pedonal, sendo possivelmente uma das razões da sua preservação e constante renovação.

Esta renovação que, naturalmente ocorre em regime de diálogo permanente entre arquitetura paisagista e a arquitetura, confirma a relação “quase natural” que deve existir entre arquitetos e arquitetos paisagistas e que está na base da doutrina desta arte em Portugal, desde o seu início por Francisco Caldeira Cabral, perpetuada posteriormente pelas gerações seguintes de arquitetos paisagistas como Gonçalo Ribeiro Telles e Manuela Raposo Magalhães, entre outros (Cabral, op cit: 26).

Por último, conclui-se da análise do Plano Director de Urbanização de Lisboa (1958) e dos projetos de arquitetura paisagista mencionados, que o primeiro poderia constituir-se como a Memória Descritiva dos segundos, face à correspondência que existe entre as recomendações do plano e as descrições e justificações dos projetos. Como os projetos foram elaborados, maioritariamente, antes da apresentação e aprovação do plano, é legítimo pressupor a perceção pelo seu coordenador dos bons resultados que estavam a ser obtidos ao nível do espaço urbano, e em particular nos espaços verdes do Bairro de Alvalade (por ter dirigido a sua construção), aspeto ao qual não será alheio o facto dos arquitetos projetistas Gonçalo Ribeiro Telles e Edgar Sampaio Fontes terem integrado a equipa técnica do Plano, como referido.


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Received: 07-08-2017; Accepted: 11-07-2018.

 

NOTAS

[3] Av. EUA. Projectos dos Ajardinados (Troço Av. do Aeroporto – Av. Rio de Janeiro). Gonçalo Ribeiro Telles, 1958. CML. DST-E. 3ª Repartição – Arborização e Jardinagem. AML.

[4] Av. EUA. Projectos dos Ajardinados (Troço Praça Mouzinho de Albuquerque – Av. de Roma). Gonçalo Ribeiro Telles, 1958. CML. DST-E. 3ª Repartição – Arborização e Jardinagem. AML.

[5] Av. EUA. Projectos dos Ajardinados (Troço Av. de Roma – Av. Rio de Janeiro). Manuel Sousa da Câmara, 1959. CML. DST-E. 3ª Repartição – Arborização e Jardinagem. AML.

[6] Sítio do LNEC ( http://www.lnec.pt/pt/lnec/campus/).

[7] Sítio da Câmara Municipal de Lisboa ( http://www.cm-lisboa.pt/viver/ambiente/corredores-verdes/central).

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