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CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES  no.30 Lisboa jun. 2015

https://doi.org/10.7749/citiescommunitiesterritories.jun2015.030.art04 

ARTIGO ORIGINAL

 

Jovens, formação e mercados artísticos: Dois contextos entre Portugal e Brasil.

Youth, training and artistic markets: Two contsxts in Portugal and Brazil.

Vera BorgesI; Ivan FariaII

[I]DINÂMIA'CET-IUL, Instituto Universitário de Lisboa e Investigadora Associada do ICS, Universidade de Lisboa, Portugal. e-mail: vera.borges@iscte.pt.
[II]
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Brasil. e-mail: ivanxfaria@gmail.com.

 




RESUMO

O objetivo do artigo é discutir os processos de formação, profissionalização e inserção social dos jovens no mercado artístico da cidade de Salvador, na Bahia, e comparar as conclusões preliminares desse estudo com uma pesquisa anterior, realizada em contexto português, junto de mais de uma centena de jovens artistas. Os dados analisados mostram que nos dois contextos, entre Portugal e o Brasil, os cenários das artes têm mobilizado sonhos e expectativas entre os mais jovens. As instituições oferecem mais cursos nas áreas artísticas, mas tal oferta de formação e a sua procura por parte dos alunos tem contrastado com os elevados níveis de “desligamento”, no caso de Salvador, e de desilusão, no caso português, durante o período de formação e inserção destes jovens, agenciadores de mudança no mercado de trabalho.

Palavras-chave: arte, formação, mercados artísticos, juventude.


ABSTRACT

The purpose of this article is to discuss the processes of formation, professional and social inclusion of young people in the cultural market of Salvador, Bahia, and compare it with the findings of the survey in Portuguese context with young actors and dancers. Data analysis shows that the art scene has mobilized dreams and expectations among young people, particularly in the areas of music and dance. Governments have created institutions and courses in the arts sector (integrated and subsequent to secondary education, training), but this offer is contrasted with very high dropout rates. As for employability, labor markets are marked by uncertainty of recognition and remuneration, mobilizing strategies for raising levels of education, creation of social networks, but also migrations in search of work.

Keywords: youth; artistic training; artwork; cultural market.


 

Introdução[3]

No século XXI, a cultura ganha um valor central na economia, num movimento que conjuga os fenómenos da “mercantilização da cultura” e da “culturalização da mercadoria” (Machado, Rabelo e Gomes, 2013). Estes fenómenos apontam que a cultura teria cada vez mais funcionalidade para a dinâmica do capital. De um lado, a chamada “culturalização da mercadoria” manifesta-se por meio do crescente papel que os aspetos culturais desempenham na conformação de objetos e serviços, que investem cada vez mais na produção de diferenciais cognitivos, estéticos, artísticos, etc. De outro lado, o processo de “mercantilização da cultura” aponta para uma versão mais ampla e complexa das tensões apontadas por Benjamin (2012), que já no início do século passado reconhecia o declínio da aura e da originalidade das obras artísticas dada a ascensão das formas técnicas de reprodução em larga escala.

Nos dias de hoje, bens e serviços culturais são produzidos e comercializados, não apenas aqueles lançados pelo mainstream da indústria cultural, os grandes estúdios cinematográficos ou canais de televisão fechada, mas também a música e o audiovisual produzido de forma alternativa, que aproveita o potencial das tecnologias da informação e da comunicação para difundir amplamente as suas produções. As artes do espetáculo, como a dança e o teatro, embora ainda estejam distantes das linguagens citadas quando tratamos de economia (Karpik, 2007), têm sido gradativamente incluídas nas lógicas economicistas do setor cultural, especialmente quando associadas aos mecanismos de financiamento oriundos da iniciativa privada.

O setor das atividades culturais envolve tanto as artes “tradicionais”, música, literatura, dança, teatro, arte visual, cinema, fotografia, arquitetura, como as atividades culturais não facilmente qualificáveis como arte como, por exemplo, contar histórias nas bibliotecas, as festas populares, os artesanatos, a moda, a gastronomia, a televisão, a publicidade, entre outras. Cada um destes campos possui regras e formas próprias para gerir os seus processos de formação, trabalho, organização, produção, difusão e consumo. Apesar da diversidade de contextos de criação e linguagens envolvidas, em comum, estes campos de trabalho têm a incerteza, a informalidade, as possibilidades de criação, a autonomia, o engajamento e a colaboração social dos intervenientes e dos seus públicos.

Particularmente entre os jovens, os mundos artísticos e as suas profissões apresentam-se como mundos encantadores, pela fama e reconhecimento dos indivíduos. As possibilidades de estudar em cursos técnicos, universitários, de iniciação e aperfeiçoamento, fruir e consumir arte parecem ampliar-se. No entanto, quando pensamos na possibilidade de trabalhar com ou viver apenas da arte, a realidade mostra-se mais restritiva. O mundo do trabalho artístico é marcado pela desregulamentação, a volatilidade, o descompasso entre a oferta de mão-de-obra e de postos de trabalho, e as desigualdades das suas recompensas económicas e reputacionais, como demonstrou Menger (1999, 2001, 2012, 2014). Recorrendo à ideia de uma pirâmide, este autor descreve até que ponto alguns alimentam o sonho de muitos, ou seja, aqueles que em número abundante e de uma forma, mais ou menos, permanente se encontram na base. No topo da pirâmide concentra-se um pequeno número de indivíduos que vive da sua renda reputacional, num sistema cada vez mais hierarquizante, contraditório e desigual, alimentado por diversos mecanismos de gatekeeping (Menger, 2005).

Menger considerou que o aumento do número de artistas se deve à aparente inexistência de barreiras para a entrada na profissão – em certos domínios artísticos predomina ainda o discurso do autodidatismo, não se exige licença, graduação ou curso –; a sedução pela autonomia e liberdade de criação e, por fim, a subestimação crónica dos riscos envolvidos e das reais hipóteses de sucesso para aqueles que se encontram na base da pirâmide reputacional. Apesar disso, quando pensamos no universo juvenil, outros setores da economia parecem também não ter conseguido garantir a sua plena inserção socioprofissional.

Os acentuados indicadores mundiais de desemprego e de precarização do trabalho atingem de forma mais contundente os jovens, naquilo que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) denomina “crise do emprego juvenil”. No Brasil, ainda que nos últimos dez anos tenham ocorrido avanços importantes na redução da pobreza e do desemprego, encontrar trabalho e nele permanecer ainda é um desafio para a juventude. Menezes e Uchoa (2013), analisando os dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD) de 2011, identificam que a taxa de desemprego entre jovens com idade entre 15 e 24 anos é de 15,4%, contra apenas 5,2% para indivíduos entre os 25 e 55 anos.

Em Portugal, os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que o desemprego entre os jovens tem diminuído, embora ainda se encontre num nível preocupante, 32,2%. As escassas oportunidades de inserção profissional têm-se concentrado em setores cujo trabalho é marcado pela pouca autonomia, escopo reduzido e altíssima rotatividade dos indivíduos, sobretudo os mais jovens que se veem envolvidos em situações que Ferreira (2014) caracteriza com a expressão “nem-nem”, ou seja, não estudam, não trabalham, não procuram emprego: subcontratados, trabalhadores temporários e, principalmente, crescem os empregos intermediados por terceiros e os trabalhos informais como forma de sobrevivência (Ferreira, 2014). Em tal cenário, nos dias de hoje, a escolha da arte como projeto de vida não parece tão estranha como há alguns anos atrás.

 

Contextualização da pesquisa

No presente artigo pretendemos discutir os processos de formação e de inserção socioprofissional dos jovens nos mundos das artes, tomando como referência dois contextos geográficos, sociais e artísticos. Esses contextos são Salvador, no estado da Bahia, no Brasil, e uma referência comparativa com os principais resultados de uma investigação realizada em Portugal, entre 2009 e 2010, junto de 187 artistas (Borges e Pereira, 2012). A pesquisa realizada em Salvador tem como referência um universo de 221 antigos alunos de duas instituições que oferecem cursos profissionalizantes nas áreas de música e dança: 67 desses alunos formaram-se entre os anos de 2007 e 2013 e dispuseram-se a participar no estudo.

Nos dois contextos, os indivíduos foram convidados a responder a dois questionários online, a fim de se identificar as suas experiências de formação e de trabalho. Os artistas responderam a questões relativas ao início das carreiras, acesso ao emprego e a importância dos contactos; a formação, a evolução do percurso profissional, os rendimentos, tempos de trabalho, vantagens e desvantagens da profissão e dados extraprofissionais, como a mobilidade geográfica e a profissão dos pais.

Os resultados apresentados utilizam as experiências de pesquisa anteriores dos investigadores e os resultados apresentam as estatísticas descritivas mais simples. Na leitura desses resultados, teremos como pano de fundo os estudos que abrangem os dois países (Almeida e Pais, 2013) e os trabalhos produzidos pelo Observatório Permanente da Juventude, em Portugal, coordenados por Vieira et al. (2013) e Ferreira (2014)[4].

A escolha de Salvador, na Bahia, justifica-se porque a cidade tem construído a sua imagem social associada à arte e à cultura do entretenimento, mesclando signos de “africanidade”, de musicalidade e de festividade, sendo o carnaval uma das suas representações mais fortes (Mariano, 2009). A capital tem na chamada “economia criativa”[5] um dos principais motores de desenvolvimento, mas também é uma das cidades com maior índice de desemprego juvenil no país e é marcada historicamente pelo elevado grau de informalidade da sua economia.[6]

Por sua vez, o caso português é caracterizado por um mercado cultural com algumas semelhanças ao mercado brasileiro - nomeadamente, pela incerteza e incapacidade para manter os profissionais ligados ao mercado de trabalho - mas detém outras especificidades que notaremos como, por exemplo, a forte capacidade de persistência dos artistas, a importância da vocação artística e a forte atração exercida pelas profissões ligadas às artes e à cultura, podendo aplicar-se aqui o célebre preceito bíblico: “muitos são os chamados, poucos os escolhidos”. Ilustrámos assim o caso dos arquitetos portugueses (Cabral e Borges, 2010; Borges, 2014), no entanto este preceito aplica-se aos bailarinos e atores inquiridos no âmbito desta investigação. Oferece-se a possibilidade de comparar estas duas realidades com os contextos europeus, alavancados nos desafios e mutações globais dos mundos da arte e da criatividade (Caves, 2000; Borges e Costa, 2012).

Por fim, convém sublinhar que a nossa intenção não é generalizar os resultados das duas pesquisas, mas discutir cada um destes contextos de ação localizada que nos mostram os jovens a fazer “artes”, nos dois lados do Atlântico [7]. Analisar aqui tais processos de formação e inserção destes indivíduos nos mercados artísticos representa afinal um desafio para os investigadores que procuram desenvolver quadros teóricos para o entendimento das mudanças, rápidas e profundas, vividas hoje pelos jovens nos mundos das artes.

 

Da formação artística ao mercado de trabalho

Para o desenvolvimento das suas práticas, um artista precisa de conjugar habilidades técnicas – que alguns preferem denominar talento – às experiências de educação formais e informais e à iniciação profissional, geralmente precoce, mas que exige aprendizagem ao longo da vida. As vocações artísticas são produto de processos específicos de socialização e aprendizagens estéticas, que se dão em espaços como a comunidade, a família, a escola e o trabalho (v. Becker, 1977; Bourdieu, 1996; Delicado et al., 2010). Tal noção contraria a visão comum da existência de um gênio inato ou de uma tendência natural para as artes, que encobriria ou tornaria difusos os processos de aprendizagem.

A formação artística é um processo de construção de habilidades, sensibilidades e significados em torno das artes, de modo consciente e inconsciente, e depende de espaços mais ou menos formalizados. Da formação inicial à inserção profissional no mundo das artes, a formação artística dos jovens envolve um percurso cada vez mais longo, que se alimenta das referências e conhecimentos construídos nas relações com a família, a religião, a escola, os pares, e se consolida e especializa com as experiências educativas em cursos livres de arte e cursos profissionalizantes. Ao mesmo tempo, é um universo que requer a mobilização criativa e inovadora dos seus agentes, que se alimentam de ideias novas e de processos instituintes, tão caros à juventude.

Por seu turno, as novas modalidades de socialização na formação da juventude não retiram à família o seu lugar central, diante da fragilidade de outros suportes institucionais como a escola e as suas dificuldades o trabalho marcado pela instabilidade e precarização. A instância familiar é o “lugar de refúgio” para os jovens com dificuldades financeiras e débil emancipação e autonomia social, como referido por Ferreira (2014).

Ao estudar trajetórias de jovens artistas nascidos em famílias de classes populares, Reis (2012) identificou que a maioria deles não eram filhos de pessoas ligadas à arte. No entanto, aqueles que possuíam familiares ligados à área artística recebiam um apoio mais efetivo nas suas escolhas. Ao acompanharem os desafios inerentes aos processos de inserção no mundo do trabalho, os familiares não deixam de experimentar sentimentos ambíguos de orgulho e de preocupação, de apoio e de resistência. No caso português encontrou-se alguma heterogeneidade ao nível do recrutamento social dos atores inquiridos, o que contrastou com os dados obtidos com os bailarinos. Estes últimos tinham familiares ligados à dança e os pais apresentavam níveis de escolaridade superiores aos dos jovens do teatro (Borges e Delicado, 2010).

No caso brasileiro merece destaque o papel das instituições religiosas na formação artística da juventude mais pobre que vive na periferia das grandes cidades. Diante da escassa oferta de equipamentos e serviços culturais, diferentes vertentes de religiões cristãs católicas e, particularmente, protestantes têm investido na música como instrumento de evangelização de crianças e jovens (Jungblut, 2007). Por seu turno, a Bahia tem uma longa trajetória de investimento em formação artística: a Academia de Belas Artes da Bahia foi fundada em 1877. As Escolas de Música, de Dança e de Teatro foram criadas na década de 1950. E, mesmo quando o foco não é a formação de jovens em cursos universitários, a existência destes é bastante relevante para a constituição do meio artístico (Becker, 1977), formando docentes, artistas, produtores e críticos, profissionais essenciais para a movimentação do setor cultural das cidades [8].

Em Salvador, existem apenas três instituições de referência para oferta de cursos técnicos profissionalizantes em artes. A Escola da Dança da Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB) que oferece o curso técnico em dança, e também cursos ligados ao PRONATEC (assistente de coreógrafo, assistente de produção cultural, agente cultural, fotógrafo, auxiliar de costura cênica, auxiliar de técnico de cena, iluminador cénico). O Centro Estadual de Educação Profissional em Artes e Design (CEEP), que oferece cursos técnicos em artes visuais, documentação musical, gestão de projetos culturais e instrumento musical (subsequente, integrado e ligado ao PROEJA). Por fim, o Colégio Estadual Manoel Novaes que oferece o curso técnico em instrumentos musicais e artes dramáticas (integrado ao ensino médio e ao PROEJA).[9]

A Escola de Dança da FUNCEB é vinculada ao Centro de Formação em Artes da Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB), da Secretaria de Cultura do Estado (SECULT). A escola foi fundada em 1984, inicialmente oferecendo apenas cursos livres ou preparatórios de dança, visando preencher uma lacuna para a formação na área, já que apenas a Universidade Federal da Bahia (UFBA) oferecia cursos regulares de dança com graduação em licenciatura em dança e bailarino profissional.

Em 1988, a escola passou a ofertar sua primeira turma do curso técnico profissionalizante, com duas habilitações básicas: Bailarino para Corpo de Baile (Bailarino Profissional) e Técnico em Recreação Coreográfica Infanto-Juvenil (Técnico em Dança). O curso de Educação Profissional visa formar seus alunos para atuar em grupos de dança como intérprete-criador, na área de coreografia e desenvolver projetos artísticos e culturais em comunidades, organizações não-governamentais. De 2007 a 2013, a escola formou 127 estudantes no curso técnico em dança, correspondendo a 37,6% dos 340 alunos que ingressaram no curso. O perfil de género dos alunos formados mostra que a escola certificou 38 homens (29,9%) e 89 mulheres (70,1%), um significativo predomínio do género feminino.

 

O “desligamento” dos jovens

O índice de desligamento, despreendimento ou abandono dos estudantes em formação merece destaque pois é bastante elevado (62,4%). Segundo os profissionais da escola entrevistados, este desligamento dos alunos deve-se à carga horária elevada do curso, bem como ao desenvolvimento de algumas atividades próprias aos profissionais da dança (com horários de ensaio, de apresentação e viagens), que muitas vezes dificultam a conciliação entre os estudos e o trabalho. Alguns alunos moram em localidades distantes da escola, outros já possuem família, trabalho fixo e/ou não moram com os pais, o que muitas vezes dificulta a continuidade do curso.

No período das festas juninas também há uma significativa evasão dos estudantes, pois muitos(as) dançarinos(as) conseguem trabalho para acompanhar bandas de forró que excursionam pelo Nordeste brasileiro na época, tendo dificuldade em acompanhar o curso após o seu retorno. Mudanças curriculares, fornecimento de almoço, possibilidade de interromper temporariamente os estudos ou aproveitamento de disciplinas cursadas em outras instituições, são algumas das formas utilizadas para reduzir a evasão dos estudantes, similar à situação vivida nos cursos técnicos.

Quanto à idade, os inquiridos têm idades que variam de 20 a 42 anos, com média de 26,9, e 82,5% deles têm até 30 anos de idade. Quase 80% se definem como solteiros e 60% moram com pais e parentes. Quanto ao perfil racial, 82,5% se identificam como pretos ou pardos, índice semelhante ao da composição geral da população de Salvador. Metade mora em bairros periféricos de Salvador, sendo que três vivem e trabalham no exterior, dançando em hotéis e resorts na Europa e Ásia.[10]

No que se refere à escolarização, dentre os 40, seis já possuíam graduação em dança quando ingressaram na FUNCEB, buscando a escola pelo reconhecimento da sua excelência na formação prática em dança e valorização das artes populares. Após a conclusão do curso, 38 (95,5%) continuaram a estudar, incluindo cursos de aperfeiçoamento, técnicos, nível superior ou pós-graduação. Tal dado aponta para a necessidade de formação e atualização permanente do artista, mas também para a importância de se “manter a estudar”, enquanto não surgem oportunidades de trabalho.

Do total de antigos alunos, 28 (70%) iniciaram curso superior e, dentre estes, a maioria se concentra em dança (6), seguidos do Bacharelado Interdisciplinar em Artes (4), Comunicação (3), Fisioterapia, Pedagogia e Administração (2), e diversos cursos como Música, Teatro e Educação Física. Tal como no contexto português, é significativa a sua participação em workshops e cursos de dança, balé, coreografia, iluminação e audiovisual. O elo teórico-prático resulta em maior habilidade prática e domínio dos códigos de competência no campo específico, refletindo-se nas trajetórias profissionais, frente a um mercado cada vez mais competitivo (Borges e Pereira, 2012)

Em relação à formação em música, o CEEP oferta os cursos técnicos em Conservação e Restauro, Instrumento musical e Documentação musical. Os cursos têm também elevadas taxas de evasão e o atraso é comum nos percursos escolares analisados, inclusive por razões profissionais como a participação de turnês com bandas pelo interior do país. Do total de antigos alunos, foi possível contatar 17 deles. A média de idade dos indivíduos é de 28 anos, sendo que 75% têm até 30 anos. Apenas dois deles moram em bairros centrais da cidade, enquanto os demais vivem em bairros periféricos de Salvador. A maior parte deles (80%) se identificam como pretos ou pardos e apenas alguns (19%) são do sexo feminino, tendência oposta à verificada na área de dança.

O mercado artístico mais uma vez se mostra segmentado em termos de género, idade e situação profissional. A título ilustrativo, a pesquisa portuguesa de Borges (2011) revisita outras pesquisas e identifica que nas artes como a música, dança e teatro, há uma diferenciação entre idade e género. A autora citou estudos sobre o mundo musical francês onde se identifica que, na área do jazz, apenas 4% dos instrumentistas são mulheres. Os resultados mostram diferenças de oportunidades nos campos da música e das artes cénicas, e apontam a relevância da variável género para a divisão do trabalho no campo artístico. Na pesquisa brasileira, além das desigualdades de género no curso de música, os perfis das turmas das artes variam bastante, sendo que no turno vespertino é significativo o número de alunos com mais idade e maior nível de escolaridade que buscam o curso com objetivo de aprimoramento e, muitas vezes, por interesse de desenvolver projetos em instituições e comunidades locais.

Já a Escola de Dança da FUNCEB, no Brasil, tem sido, nas últimas três décadas, um importante espaço de preparação para o ingresso nos cursos superiores de dança, mas, sobretudo, tem qualificado uma parcela significativa dos profissionais de dança da cidade e levado muitos dos seus antigos alunos a traçarem carreiras no exterior, como atesta a pesquisa de Reis (2012), sobre trajetórias artísticas “em trânsito” entre a Bahia e a França. Do total de 40 antigos alunos contatados para este estudo, apenas 4 pessoas não estavam a trabalhar no momento da pesquisa, sendo que duas estavam apenas estudando. Daqueles inseridos no mercado de trabalho, 21 (52,5%) atuavam apenas na área artística, 7 (17,5%) conciliam o trabalho artístico com outras atividades, sendo que a maioria (60%) deles tem na atividade sua principal fonte de rendimento. Quase metade dos indivíduos (18) desenvolve atividades de docência de dança (13), de Pilates (4), teatro (1), ginástica e capoeira (1). Os 20% restantes trabalham em outras áreas, como atendimento ao público, comunicação ou educação básica.

Doze deles desenvolvem trabalho como dançarinos em companhias de dança (Balé Folclórico, Balé Jovem, dentre outras). A maioria dos que trabalham como dançarinos(as) atuam em companhias locais ou acompanham grupos musicais. Outros dançam em grupos com maior apelo étnico e racial, que projetam a possibilidade de viajar ao exterior (apresentações em resorts, cruzeiros e companhias de dança folclórica), sobretudo entre as mulheres mais jovens. Ao menos três deles são multiprofissionais, trabalhando com produção cultural, coreografia, iluminação, audiovisual, apontando uma tendência crescente no mundo artístico.

A informalidade é uma marca da atividade profissional dos antigos alunos da FUNCEB, uma vez que apenas 28,5% têm vínculos formais de trabalho. Dos que possuem relações formais de trabalho, apenas dois jovens trabalhavam na área artística, lecionando em escolas públicas. Desse modo, predominam os contratos temporários e o trabalho autónomo, semelhante ao encontrado na realidade dos profissionais de dança. Dos 9 (31%) que têm trabalho com carteira assinada, apenas 3 deles estão na área artística, confirmando a tendência apontada na literatura (Menger, 2014; Thorsby, 2007) em relação ao elevado grau de informalidade que marca as relações de trabalho no setor.

A escola de Dança da FUNCEB desenvolve também um importante papel de formação de redes de apoio para antigos alunos, oferecendo não apenas o espaço físico para ensaios, como o intercâmbio de informações, convites e divulgação de oportunidades de trabalho entre professores, alunos e antigos alunos. Os antigos alunos que possuem formação superior, por vezes, retornam como docentes. A instituição mantém um grupo no Facebook, com mais de seis mil membros, no qual são divulgados eventos artísticos (espetáculos, festivais), atividades de formação (cursos, seminários, encontros, oficinas) e oportunidades de trabalho (audições, seleções para elenco e espetáculos), constituindo-se num importante espaço de sociabilidade e informação para estudantes e profissionais do meio artístico).

Entre as ocupações fora da área artística predominam atividades no setor de serviços e administrativas. Já entre aqueles que permanecem ligados ao setor artístico, as atividades de natureza educativa em escolas, projetos sociais, academias ou escolas de dança são responsáveis pela ocupação dos indivíduos em proporção semelhante às atividades de produção, coreografia e dança em companhias de dança, grupos musicais e espetáculos, incluindo no exterior. Quase metade dos antigos alunos do CEEP (44,1%) tem a área artística como principal trabalho, um índice menor do que os 52,5%, dos antigos alunos da escola de dança. No entanto, entre os formados em música, apenas 33% têm o trabalho com arte como principal fonte de sustento, divergindo bastante dos antigos alunos de dança, com 60% dos sujeitos que contam com a remuneração pelo labor artístico como central para a subsistência.

 

Entre a desilusão e a persistência

No caso português, dos 187 artistas inquiridos 122 são atores e 65 são bailarinos que se dedicam à dança contemporânea [11]. A análise das características sociodemográficas dos artistas indica que a idade média dos bailarinos inquiridos é de 30 anos e a dos atores é de 28. Os bailarinos iniciaram-se na profissão aos 18 anos e aos 19 estabeleceram o seu primeiro contrato de trabalho. Os atores começam a fazer teatro profissional aos 21 anos e o primeiro contrato de trabalho surge aos 23 anos. Mais da metade dos artistas são mulheres (53,6%). Quanto à formação, ressalta que 2/3 concluíram o nível mais elevado de escolaridade geral (ensino superior) e 41,8% realizaram um curso de formação específica; 32% dos bailarinos e 27% dos atores continuaram a desenvolver algum tipo de formação superior, mestrado ou doutoramento. Durante a formação mais longa que os artistas fizeram, 2/3 dos inquiridos afirmaram ter exercido uma atividade ligada às artes. Os artistas estimaram que a experiência adquirida trabalhando no interior de uma organização artística e o “ter jeito” para as artes foi extremamente importante para a aprendizagem da profissão. A experiência escolar foi considerada como importante para a sua integração profissional.

De facto, a participação dos jovens em grupos de atividades artísticas escolares e profissionais está positivamente relacionada com a percepção de tempo investido na profissão artística. Quanto mais esses artistas consideraram importante para a sua formação a participação em grupos e contextos de criação artística, maior é a sua percepção de tempo investido na profissão e mais os artistas trabalham a tempo inteiro nas artes. Aqui reside uma das explicações para o aumento do número de indivíduos que estão associados às artes de forma voluntária ou “à experiência”, como verificámos no trabalho de campo anterior (Borges e Lima, 2014). Estas experiências de trabalho em contexto profissional funcionam como laboratórios de contatos, ativam redes de relações que permitem aceder a fontes de informação privilegiadas sobre projetos. É como “ir aos treinos”, para utilizar as palavras de um dos entrevistados, mas não é um modo de vida permanente (Borges, 2007).

No estudo citado avaliou-se o indicador “ter trabalhado nas artes durante o período de formação” e verificaram-se relações sistemáticas importantes: os artistas que disseram ter realizado trabalhos nas artes durante a sua formação profissional, isto é, aqueles que tiveram a oportunidade de uma experiência profissional, uma formação prática, são aqueles que apresentam menor desilusão face à sua situação profissional e uma maior ligação objetiva ao mercado de trabalho, tendo passado menos tempo fora da profissão. Uma das dimensões que melhor caracteriza a permanência de jovens atores e bailarinos nos mercados artísticos, em condições tão precárias como aquelas que analisámos, é a percepção de que o seu tempo é dedicado à arte e daí retiram, antes de mais, importantes gratificações simbólicas. No fundo, trata-se de uma “ligação subjetiva dos artistas ao mercado de trabalho” (Borges e Pereira, 2012).

Por seu turno, os estudos internacionais realizados demonstram o baixo poder explicativo da formação formal para o sucesso das carreiras dos jovens nas artes (Throsby, 1996, 2012), uma vez que se alargou a um número cada vez mais importante de artistas. No entanto, isso não significa que não se deva insistir/investir neste tipo de formação, até porque facilita outras formas de ligação ao mercado de trabalho. Considera-se, aliás, que o elevado nível de formação formal dos jovens tem efeitos positivos na probabilidade de fazerem a transição para outros mercados, profissões conexas e atividades enriquecedoras (Borges e Pereira, 2012). Já no caso da formação específica, como os cursos e workshops, ficou provado que estes favorecem uma ligação objetiva dos jovens com o mercado de trabalho artístico. Os resultados mostram que quanto mais cursos realizaram maior é a percepção dos artistas de que estão - bem ou mal - a investir o seu tempo nas artes.

O peso dos jovens no domínio do teatro e da dança e o volume de trabalho que parece ocupá-los, mesmo a tempo parcial, pode proporcionar um maior leque de oportunidades e alternativas de trabalho (serão reais?). Os jovens artistas portugueses vivem de forma instável e imprevisível, espartilham o seu tempo entre uma atividade criadora e uma atividade de “suporte” do seu trabalho artístico. Estes artistas são marcadamente persistentes, os seus rendimentos são desequilibrados, durante longos períodos de tempo, acabando por ficar nas artes através de relações contratuais precárias como os “recibos verdes” recorrentes na mesma instituição, o designado trabalho por projeto ou espetáculo e o desenvolvimento de projetos artísticos “feitos em casa”.

A informalidade das artes, que encontramos no contexto português e no contexto brasileiro, e noutros contextos europeus como o francês, valoriza a gestão de tempos de trabalho mais flexíveis mas também uma relação mais autêntica entre a experiência artística e o contexto profissional, que se alimentam mutuamente [12]. A informalidade e a relação entre a arte e a vida social são notadas nos novos modos de participação nas artes, sobretudo nas iniciativas de bairro e até nos apoios nacionais às artes destinados às comunidades locais, como verificámos recentemente (Borges e Lima, 2014; Borges, 2015). No entanto, aquilo que caracteriza os jovens artistas inquiridos é o seu elevado envolvimento (subjetivo) com o mercado das artes.

 

Discussão

Os dois contextos aqui retratados mostram que, de um modo geral, o desafio tem sido formar o artista como um profissional capaz de articular diferentes habilidades. A sua capacidade para improvisar, interpretar e transformar ideias e obras; a capacidade para traduzir e compartilhar ideias de diferentes disciplinas; a capacidade para negociar diferentes perspetivas, metas e interesses para construir projetos; mas também a capacidade para construir redes profissionais, analisar e lidar com as mudanças tecnológicas, culturais, sociais, políticas e organizacionais (Lingo e Tepper, 2013). No mesmo sentido, a discussão da formação artística exige uma nota sobre a importância da transversalidade de campos disciplinares a que os jovens se dedicam e a sua consequente circularidade entre campos de atuação distintos, já notadas por outros autores (Canclini, Cruces e Pozo, 2012).

Por outro lado, os jovens não são apenas subjugados a uma ordem de mercado, mas são também agenciadores frente às suas necessidades e circunstâncias, enquanto “empresários de si próprios” (Menger, 2009). No caso português, a identidade dos artistas no teatro e na dança constrói-se em torno de uma forte vocação que dificilmente encontra plena realização no exercício profissional. A vocação artística dos jovens está muito associada às novas modalidades de formação: como se mostrou acima, analisam-se trajetórias de jovens que leem, comentam, partilham experiências e “gostos” na Internet, no Facebook, onde escrevem e trocam comentários a toda a hora, numa sociedade onde tudo é global. Os jovens inquiridos, “chamados” para o teatro e para a dança, não ficam a tempo inteiro nestes mercados de trabalho, onde parece fácil entrar mas é difícil ficar. Mesmo que sejam apenas “amadores felizes” (Abbing, 2002), sem capacidade para viver da sua arte, a existência destes jovens-fazedores de arte, nos contextos analisados, tem impacto na elevação de uma cultura de inovação e criatividade dos indivíduos nas suas comunidades e promove o valor social e cultural de um território.

Apesar das diferenças, a análise destes dois contextos mostra que as vocações artísticas são ampliadas por via de uma aprendizagem formal, mas também informal, no interior de grupos de amigos, estruturas amadoras, workshops criativos, pela transmissão de valores e de conhecimentos intergeracionais e de encontros em rede, a partir dos quais os jovens se associam e ajudam (Borges, 2011). A importância do “aprender fazendo” ficou provada no caso dos atores e bailarinos e gera competências transversais e experiências múltiplas, durante a formação inicial. É também em situação de formação que os indivíduos fortalecem redes, conhecem novos projetos e outros diretores (Borges, 2002). O cenário de formação artística e inserção dos jovens no mercado de trabalho artístico, em Portugal e em Salvador, é marcado pela inconstância de rendimento e lida com a necessidade de ajustes permanentes entre as vocações dos indivíduos, os objetivos das organizações e as políticas públicas para o setor cultural.

As trajetórias dos jovens de Salvador e dos jovens portugueses inquiridos são marcadas por experiências profissionais variadas e instáveis, dentro e fora do setor artístico. Em geral, os dados das duas pesquisas apontam para um grande número de experiências, a curto prazo, como forma de ter alguma estabilidade financeira que permita desenvolver o trabalho artístico de forma mais livre. Mostrou-se que, em ambos os casos, nos processos de transição para o mundo do trabalho há características que são marcantes nas experiências juvenis de inserção profissional: o adiamento da “plena” entrada no mercado, o prolongamento do tempo e das possibilidades de formação, a gradativa mistura do tempo de trabalho e não trabalho, a concentração da oferta de trabalho no setor de serviços e nas organizações de locação e intermediação de mão-de-obra (terceirização).

Apesar das limitações relatadas, o setor de serviços, que inclui o mercado cultural, é um campo em expansão e oferece possibilidades de trabalho, especialmente para a população mais jovem. Criou-se uma indústria cultural, incrementou-se a formação de profissionais (artistas, técnicos, gestores), a produção de bens e serviços culturais, a sua divulgação e consumo. De acordo com Miguez (2007: 97), “o Banco Mundial estima que a economia criativa já responde por aproximadamente 7% do PIB mundial e que o setor deverá crescer, nos próximos anos, a uma taxa média de 10%”. E, em grande parte, esta economia criativa é mobilizada pelos mais jovens.

 

Considerações finais

Os dados aqui apresentados são circunscritos a Salvador, na Bahia, Brasil, e a uma amostra de mais de uma centena de artistas em Portugal, e devem pois ser interpretados num contexto mais amplo das indústrias culturais e criativas (Caves, 2000; Borges e Costa, 2012; Almeida e Pais, 2013), cujas profissões “chamam” um importante número de jovens e, para aqueles que se encontram no topo da pirâmide, produzem mais valor, dão visibilidade, influenciam a sociedade e a vida de todos os dias. A produção permanente de novidades artísticas, a elevada variedade de outputs dos mercados das artes, a par das novas modalidades de formação e inserção profissional, em progressiva desmultiplicação, têm consequências importantes para a qualidade de vida dos jovens e para a sociedade em geral.

Autores como Menger (2005), Cowen (2000), Segnini (2012), Reis (2012), entre outros, descrevem este lado encantador destes mundos, associados ao sonho, à fama e ao glamour, mas descrevem também o lado sombrio das desigualdades e concorrência, consideradas benéficas uma vez que a sociedade fica – pelo menos aparentemente - com “os melhores”. Como vimos, as trajetórias de transição dos jovens para a vida adulta não são retilíneas e existe um grande número de variáveis e possibilidades sociais a serem conjugadas, como já o mostrara Pais (2006). O ingresso dos jovens no mundo das artes e do trabalho em geral envolve a negociação entre os seus desejos e os dos outros, as suas aptidões, habilidades, formação, condições materiais, conhecimento sobre o campo de trabalho e as expectativas de reconhecimento simbólico e material das ocupações. A flexibilidade e a capacidade de os jovens conhecerem e circularem por diferentes linguagens artísticas e circuitos profissionais consolidam-se como importantes estratégias de sobrevivência profissional nas artes. Por seu turno, descrever o que afeta a ligação e a participação destes jovens nos mercados de trabalho artísticos da dança, do teatro, da música, os seus tipos de emprego, formação, a satisfação e a desilusão nestes universos, as suas expectativas, ajudar-nos-á a propor e a construir políticas de apoio público mais consonantes com estes indicadores e com as aspirações dos jovens.

Os dados discutidos neste artigo sugerem a existência de desencontros entre a importância atribuída à formação e a incapacidade para uma inserção profissional bem-sucedida. Para lidar com a incerteza, os jovens conjugam múltiplos trabalhos, privilegiando aqueles que permitem maior conciliação com o métier artístico e que lhes dão a percepção de continuar nas artes, os estágios, as colaborações e as experiências voluntárias. Além disso, é fundamental manter redes de trabalho a fim de os jovens estarem conectados, visíveis, embora por vezes apenas “subjetivamente” integrados no mercado de trabalho. No caso português, salientou-se a tensão entre a vocação e o exercício persistente, desiludido e subjetivo da profissão; e, no caso de Salvador, destacou-se a tensão entre a formação e o desligamento dos indivíduos, o abandono da formação, misturando-se em ambos os casos a necessidade de os jovens desenvolverem um trabalho mais voltado para a sobrevivência e um trabalho mais autónomo, criativo, ligado ao exercício prático das artes.

A entrada destes jovens nos mundos das artes é por si só um passo importante para a sua formação pessoal, pela valorização do trabalho em conjunto, pela sua associação e convivência com outros em função de interesses artísticos, culturais e laços de afetividade. As artes não são apenas um meio para a obtenção de propósitos gerais de desenvolvimento dos nossos países, mas são um fim em si mesmo e podem ser entendidas como um pilar de desenvolvimento dos jovens nas comunidades onde vivem e trabalham, pois embora sujeitos a uma ordem de mercado, os jovens são agenciadores de mudança, provando que, afinal, “os jogos não estão feitos” (Menger, 2005: 99).

 

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Notas

[3] Uma versão preliminar deste texto foi apresentada pelos autores ao XII Congresso Luso-Afro-Brasileiro (CONLAB) de Ciências Sociais, entre 1 e 5 de fevereiro de 2015, na FCSH, em Lisboa, constando das atas desse encontro com o título “Juventude e mercado artístico: desafios para a formação e o trabalho, no Brasil e em Portugal”.

[4] O Observatório Permanente da Juventude é um programa de investigação e estudos do Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de Lisboa: http://www.opj.ics.ul.pt/.

[5] A economia criativa abrange “um vasto conjunto de atividades – o artesanato, a moda, as indústrias culturais clássicas (do audiovisual, da música, e do livro) e as novas indústrias dos softwares e dos jogos eletrónicos, etc.” (Miguez, 2007: 97).

[6] A taxa de desemprego juvenil (de 16 a 24 anos) na Região Metropolitana de Salvador atingiu seu pior índice em 2003, chegando a 45,7%, decrescendo desde então até atingir a taxa de 31,0 %, em 2011 (Marion Filho; Schumacher; Reichert, 2012).

[7] Considerou-se poder articular estes resultados com conclusões pontuais, obtidas num projeto em curso que promove a análise conjugada de mais de uma centena e meia de organizações culturais. O projeto designa-se “Tratamento analítico de fundo dos dados sobre as estruturas artísticas apoiadas pela DGArtes-Secretaria de Estado da Cultura (SEC)”. Este estudo foi encomendado pela SEC e desenvolvido na linha de investigação Cidades e Territórios, do DINÂMIA’CET-IUL, sob a coordenação de V. Borges, entre novembro 2013 e maio de 2015

[8] A oferta de cursos de nível médio na área de artes é bastante limitada neste contexto geográfico, mas já foi ainda mais restrita. Durante a década de 1990, o ensino técnico profissionalizante passou por período de grande desmobilização na rede pública brasileira, restando pouco espaço para a área artística, que não é vista como prioritária. Nos últimos anos vem acontecendo um processo de reestruturação da rede de ensino técnico e profissionalizante, havendo uma expansão sem precedentes dos Institutos federais de educação profissional, e para um público com fluxo escolar mais irregular e/ou em condição de maior vulnerabilidade social, também houve uma expansão de iniciativas como a criação do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem Urbano), do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Jovens e Adultos (PROEJA) e do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) (MEC, 2011). Tais programas têm oferecido alguns cursos correlatos ao campo das artes com focos diversos, como: artes dramáticas; artes visuais; cenografia; dança; fabricação de instrumentos musicais; instrumento musical; processos fotográficos; produção de áudio e vídeo; produção de moda, dentre outros.

[9] Em 2009, o governo do Estado da Bahia criou o programa “Trilha das Artes”, nos moldes do Projovem, oferecendo cursos de organização e apoio técnico às atividades culturais, em áreas como: agente de cultura e animador cultural, costura cênica, introdução à produção cultural, introdução à fotografia, introdução ao vídeo, cenotécnica. Os projetos artísticos destinados aos jovens mais pobres também encontraram um terreno fértil para expansão na Bahia. Entre as iniciativas do terceiro setor com propósitos profissionalizantes, citamos a Eletrocooperativa, que formava jovens em empreendedorismo cultural; a Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia, que oferece cursos de design gráfico, vídeo, fotografia e webdesign; a Associação Pracatum Ação Social (APAS), que forma jovens nas áreas de gravação digital, técnico de palco e rádio, DJ, sonorização, performance vocal e percussão; e a Rede TV Jovem, com cursos voltados para televisão, como roteiro, edição, fotografia, técnica de áudio, produção para TV e vídeo, interpretação, direção e figurino, dentre outros vários exemplos. Apesar da existência de tais iniciativas, sabe-se pouco sobre as repercussões de tais experiências na inserção social dos antigos alunos, embora se possam destacar os trabalhos de Nascimento, 2005; Reis, 2012 e Segnini, 2012.

[10] O perfil sociodemográfico encontrado se aproxima daquele identificado por Reis (2012), em pesquisa também realizada com dançarinos e músicos formados na Bahia. Em ambos os estudos, a predominância de jovens, negros e moradores de localidades periféricas entre os artistas, sugere um handicap social para seus processos de educação e trabalho, já que se tratam de segmentos tradicionalmente marcados por maior vulnerabilidade social, no Brasil.

[11] A pesquisa foi conduzida através de inquéritos online, e no período de lançamento dos questionários recorreu-se a organizações ligadas à dança e ao teatro, como o Fórum Dança, a REDE, a Escola Superior de Dança, a FERVE (Associação de trabalhadores a recibos, “Fartos destes Recibos Verdes”) e os grupos de teatro.

[12] Ver as experiências artísticas na música rap e eletrónica (Jouvenet, 2012)..

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