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Da Investigação às Práticas

On-line version ISSN 2182-1372

Invest. Práticas vol.8 no.2 Lisboa Sept. 2018

https://doi.org/10.25757/invep.v8i2.139 

ARTIGOS

Documentação e fotografia pedagógica na ação e no desenvolvimento profissional do educador de infância: uma reflexão na senda da supervisão pedagógica

Pedagogical documentation and photography in the professional action and development of the early childhood educator: a reflection on the way of pedagogical supervision

Documentation et photographie pédagogique dans l'action et le développement professionnel de l'éducateur en maternelle: une réflexion à partir de la supervision pédagogique

Las fuentes de información y las percepciones sobre una alimentación saludable en una muestra de la comunidad universitaria

 

Lídia FreitasI; Clara CraveiroII

I, EB1/PE/C de Santana

IIEscola Superior de Educação de Paula Frassinetti

Contacto

 


Resumo

O presente artigo tem como objetivo constituir um olhar reflexivo sobre um projeto de investigação que desenvolvemos e em que pretendíamos ampliar a compreensão acerca de como poderá a documentação pedagógica, baseada na fotografia e na reflexão sobre os seus significados, tornar-se um meio potencializador da ação e do desenvolvimento profissional do educador de infância? Utilizando uma metodologia de investigação qualitativa, desenvolvemos um estudo de caso múltiplo, em que aplicámos as técnicas de análise documental, observação participante, inquérito por entrevista e análise de conteúdo. Neste estudo, dadas as potencialidades encontradas quer para a observação, documentação e divulgação da ação pedagógica, quer para a supervisão, investigação e teorização, as quais são fundamentais para o desenvolvimento profissional, sugere-se que a fotografia pedagógica poderá constituir um meio potencializador da ação pedagógica e do desenvolvimento profissional do educador de infância.

Palabras chave: Documentação pedagógica, Fotografia pedagógica, Educação de infância, Supervisão pedagógica.

 

Abstract

This article aims to provide a reflective outlook on a research project that we developed in which we wanted to increase the understanding of how the pedagogical documentation, using photography, can constitute a means of potentiating action and professional development of the childhood educator? Using qualitative research methodology, we developed a multiple case study, in which we applied the techniques of documentary analysis, participant observation, interview, and content analysis. In this, given the potential found either for observation, documentation and dissemination of pedagogical action and for the supervision, investigation and theorization, which are fundamental for professional development, we suggested that pedagogical photography may constitute a means of potentiating pedagogical action and professional development of the early childhood educator.

Keywords: Pedagogical documentation, Pedagogical photography, Childhood education, Pedagogical supervision.

 

Résumé

Cet article vise à fournir une réflexion sur un projet de recherche que nous développons et avec lequel nous avons voulu élargir notre compréhension de la façon dont la documentation pédagogique, basée sur la photo et la réflexion sur ses significations, peut constituer un moyen de catalyser l'action et le développement professionnel des enseignants de l'école maternelle. En utilisant une méthodologie de recherche qualitative, nous avons élaboré une étude de cas multiples, dans laquelle nous avons appliqué les techniques d'analyse de documents, d'observation participante, interview et analyse de contenu. Dans cette étude, considérant les résultats obtenus tant par l'observation, la documentation et la diffusion de l'action pédagogique, comme par la supervision pédagogique, recherche et théorisation qui sont essentielles au développement professionnel, nous suggérons que la photo pédagogique pourrait être un outil utile pour l'action pédagogique et  le développement professionnel de l'éducateur en maternelle.

Mots-clés: Documentation pédagogique, Photographie pédagogique, École maternelle, Supervision pédagogique.

 

A MOLDURA TEÓRICA

Contextualizar a ação pedagógica do educador de infância, o qual se encontra em processo de desenvolvimento profissional, situando processos de educação e de supervisão em que este participa poderão trazer contributos relevantes. Nesse sentido a fotografia pedagógica poderá constituir um meio potencializador da ação pedagógica e do desenvolvimento profissional se for utilizada no âmbito dos mesmos. Tal poderá verificar-se especialmente se este profissional tiver em conta o caso da abordagem de Reggio Emilia enquanto contexto ligado à educação de infância onde a fotografia tem vindo a ser utilizada sistematicamente podendo, nesse sentido, constituir um caso inspirador da utilização desse meio de documentação, pelo que a sua análise nos pareceu essencial na investigação a efetuar.

A ação pedagógica e o desenvolvimento profissional do educador de infância foram então contextualizados no quadro de uma sociedade que se transforma, de instituições educativas orientadas para “educar para o desenvolvimento humano” (Silveira, 2005, p.25) e de educadores de infância que procuram desenvolver a sua ação num sentido pedagógico. Tal sucede quando este tem em conta a legislação, o perfil e as orientações estabelecidos para a sua profissão, com especial destaque para as ações referidas pelo Ministério da Educação (2016) de Observar – Registar – Documentar; Planear - Agir – Avaliar e Comunicar - Articular (Ministério da Educação, 2016), as áreas de conteúdo e as metas de aprendizagem estabelecidas.

O desenvolvimento de projetos e a “intenção de transformação do real” (Silva, 1998 in Ministério da Educação, 1998, p.93) que lhe está subjacente são outros aspetos a serem tidos em atenção, bem como o ambiente educativo. Este último, por constituir-se “como suporte ao trabalho curricular do/a educador/a” (Ministério da Educação, 2016, p.5-6), oferece possibilidades ao nível da organização, utilização, alteração e participação das crianças, o que poderá favorecer a “autonomia da criança e do grupo” (Ministério da Educação, 2016, p.26) e a responsabilização pelo que é comum a todos. A implementação de uma rotina educativa parece revestir-se também de grande importância e deverá ter em conta a articulação e complementaridade das componentes letiva e de apoio à família de modo a “recriar atividades de animação socioeducativa diferenciadas na dinâmica e conteúdo das atividades pedagógicas” (Vilhena, 2002, p.16).

A atenção à integração social e cultural como aspeto essencial do processo educativo é também aconselhada, uma vez que a apreensão do sentido da cultura escolar parece marcar o início da aprendizagem ao longo da vida, (Ministério da Educação, 2016). A colaboração com pais e encarregados de educação e com a comunidade educativa é também considerada relevante, pois a colaboração destes no trabalho educativo a desenvolver com as crianças, é um fator de enriquecimento das situações de aprendizagem (Ministério da Educação, 2016).

Enquanto “profissionais do desenvolvimento humano” (Formosinho, Oliveira-Formosinho, & Machado, 2010, p.12), os educadores de infância encontram-se em processo de desenvolvimento profissional. Este parece ter subjacente, segundo Craveiro (2007), “uma aprendizagem contínua” (Craveiro, 2007, p.57) e parece referir-se a “um processo evolutivo e experiencial que reúne possibilidades para adquirir novos conhecimentos, competências e destrezas para melhorar e tornar mais habilitado, eficaz e competente o desempenho profissional.” (Craveiro, 2007, p.57) Em nosso entender, os processos educativos e supervisivos em que participam poderão dar um valioso contributo nesse sentido, quer pela ligação do conceito de supervisão à qualidade da educação de infância, referida por Bairrão (1998) como uma dimensão de aspetos processuais, quer pela ligação do mesmo à qualidade do desempenho do educador de infância, entendido no sentido referido por Oliveira-Formosinho (2002) de “apoio [...] escuta [...] colaboração [...] envolvimento [...] experimentação refletida através da ação […] requer teorização, práticas e pesquisa” (Oliveira-Formosinho, 2002, p.12).

Segundo Vieira (2009), enquanto “teoria e prática de regulação de processos de ensino e de aprendizagem em contexto educativo formal” (Vieira, 2009, p.199) a supervisão pedagógica parece remeter para a interligação entre ação e reflexão e abarca tanto práticas de autosupervisão como de “supervisão pedagógica acompanhada” (Vieira, 2009, p.201). A reflexão, a partilha de perspetivas e ações em equipa parecem ser essenciais nesse contexto, bem como o desenvolvimento de competências profissionais dos docentes neste âmbito. A análise, discussão, avaliação coletiva e aceção do conceito de competência num sentido “humanista e desenvolvimentista” (Gouveia, 2007, p.57) proposto por Gouveia (2007) parece ser fundamental para que ocorra a transformação da ação dos docentes no sentido de possibilitar “reais e efetivas mudanças no modo como planificam, executam e avaliam o seu trabalho”. Orange (2011) parece também reconhecer a importância do debate e o valor didático da problematização, defendendo que “na prática, mesmo para os especialistas, a troca de argumentos constitui uma ajuda preciosa” (Orange, 2011, p.56).

Day (2001) considera a importância da reflexão e da ação para a aprendizagem de adultos, que «aprendem quando lhes são proporcionadas oportunidades regulares para a reflexão, com base nas “experiências vividas.” Aprendem fazendo e beneficiam com as situações que combinam a ação e a reflexão.» (Day, 2001, p.60) Expressa que a progressão dos docentes no desenvolvimento profissional implica “envolver-se em diferentes tipos de reflexão, na investigação-ação e na narrativa, ao longo da sua carreira” (Day, 2001, p.84) e “exige um compromisso emocional e envolve a mente e o coração.” (Day, 2001, p.84)

Nesta linha, Schnell (2007) considera que a fotografia pedagógica poderá ser um dos meios utilizados para esse efeito. Uma vez que, como refere aquele autor (2007), a “arte de fotografar = escrever (grafar) com a luz (foto)” (Schnell, 2007, p.2) se constitui como arte e forma de ver o mundo “devemos observar com um olhar de profundidade e crítico buscando as várias linguagens da foto, seja como documento, como representação, como lembrança de uma época.” (Schnell, 2007, p.3).

Sontag (2012) refere-se à fotografia, como “uma marca, um rasto direto do real [...] um acontecimento” (Sontag, 2012, p.150). Atribui às fotografias o valor de “artefactos” (Sontag, 2012, p.73), de “citação” (Sontag, 2012, p.25), de “instrumento que permite conhecer” (Sontag, 2012, p.95), de “conferir importância” (Sontag, 2012, p.34) que possibilita o “acesso à experiência, a uma ilusão de participação” (Sontag, 2012, p.19), sendo “forma de comprovar a experiência e também, de a negar” (Sontag, 2012, p.18). Este meio “transforma o passado num objeto de carinhoso respeito” (Sontag, 2012, p.75), “transmuta, num momento, o presente em passado” (Sontag, 2012, p.74) e constitui “um meio de difundir o entendimento e a tolerância” (Sontag, 2012, p.112). Baseados na citação que efetua de Gernsheim (1962), quando este refere que a “fotografia é a única «linguagem» compreendida no mundo inteiro e, ao aproximar todas as nações e culturas, une a família humana” (Gernsheim, 1962 citado por Sontag, 2012, p.185), pensamos que este meio poderá auxiliar as instituições educativas e o educador de infância na sua missão de educar no sentido do desenvolvimento humano.

A expressividade nas fotografias parece ser, segundo Berger (2013a, in Berger & Mohr, 2013), fundamental na realização de sequências de imagens, ideias, realidades e experiências em relatos e descrições que poderão ligar o particular com o geral em termos de experiências. Percecionando-as como possíveis contribuições à história, afirma que com a sua invenção “adquirimos un nuevo medio de expresión más estrechamente asociado a la memoria que ningún outro.” (Berger, 2013a in Berger & Mohr, 2013, p.280). Na sua visão, na fotografia expressiva as aparências deixam de ser mensagens que têm de ser adivinhadas e tornam-se elucidativas, o que parece ser facilitador da emoção, partilha, compreensão e comunicação. Mohr (2013 in Berger & Mohr, 2013) fala-nos sobre a questão de realizar ou não determinada fotografia. Aponta razões como dúvidas de caráter ético, existência de algo mais urgente a fazer e consciência de que por vezes é preferível registar a experiência na memória e não num suporte para que, embora esta não se materialize, se enquadre no que refere como “el tema no fotografiado” (Mohr, 2013 in Berger & Mohr, 2013, p.78).

A associação da fotografia à investigação científica foi constatada em várias obras e estudos que foram integrados na moldura teórica do trabalho de projeto. Para além da constatação de Berger (2013b in Berger & Mohr, 2013) de que a fotografia tem sido utilizada na investigação científica em áreas como a medicina, a física, a biologia, entre outras, encontrámos diversos estudos em que foi considerado o contributo da fotografia para a realização de pesquisas em áreas como a sociologia, a antropologia, as tecnologias de informação e comunicação, as artes, a educação e também a educação de infância.

Foi neste contexto que conhecemos a perspetiva de Sá-Chaves (2002) em que a autora se refere a estratégias de supervisão reflexiva, entre as quais através de portfolios reflexivos e mostras de fotografia pedagógica (Sá-Chaves, 2002). Pensamos estar patente a sua conceção sobre fotografia pedagógica, que adotámos para esta investigação, ao mencionar a existência de “fotografias referentes a momentos daquelas mesmas práticas, enquanto representações autênticas de situações vivenciadas […] em contexto de ação” (Sá-Chaves, 2002, p.74), reportando-se quer a situações concretizadas “no interior da sala de aula, quer em outros espaços da escola/jardim-de-infância ou, ainda, em atividades educativas desenvolvidas no âmbito das comunidades suas envolventes.” (Sá-Chaves, 2002, p.74). Deste modo, a ideia de que a fotografia pedagógica se refere, essencialmente, a um conceito de fotografia que nasce no quadro da ação pedagógica parece ser reforçada, pelo que consideramos ser adequado o uso dessa terminologia para designar fotografias que são realizadas no contexto da ação pedagógica. Sá-Chaves (2002) refere ainda o interesse pelo registo com fotografia pedagógica constatado, a possibilidade de aceder a uma diversidade de “momentos de prática pedagógica que […] todos os seus supervisandos vão carinhosamente registando como ilustração, como memória, […] como prova daquilo que, por vezes, se torna difícil explicar apenas por palavras” (Sá-Chaves, 2002, p.74). A associação da fotografia, reflexão e supervisão parece-nos ser manifesta quando se refere às estratégias referidas, pelo que consideramos que a utilização do referido meio poderá ser profícua no âmbito da ação pedagógica e da supervisão pedagógica reflexiva.

Num tempo em que, segundo Sergiovanni (2004) as escolas se esforçam por ser comunidades, no sentido em que são construídas com base em redes de significado, num forte sentido de pertença e identidade comum, reconhecemos a importância da construção de uma forma de comunidade descrita pelo autor, designada por comunidade de memória. Esta distingue-se por ser formada a partir de laços criados com base num entendimento prolongado e proporciona aos seus elementos um ambiente caraterístico, pois pertencer a uma comunidade de memória “ampara-nos quando enfrentamos situações difíceis, estabelece ligações quando não estamos fisicamente presentes e proporciona-nos uma história que cria sentido e significado.” (Sergiovanni, 2004, p.82). Seguindo estas linhas de pensamento, pensamos que, por refletir aspetos e valores da cultura escolar, a fotografia pedagógica poderá auxiliar a formar comunidades educativas de memória por possibilitar que a ação pedagógica desenvolvida seja prolongada na memória individual e coletiva, que os laços interpessoais, o entendimento prolongado, o apoio e as ligações ao contexto possam ser construídos e perdurar além do tempo e do espaço em que a ação pedagógica ocorre e em que sejam descritas e preservadas histórias que confiram sentido e significado aos seus elementos.

A análise da abordagem de Reggio Emilia (1999) para a educação de infância pareceu-nos ser fundamental para esta investigação, enquanto contexto ideológico em que a fotografia é utilizada com diversas finalidades, em que são descritas várias formas de utilização da fotografia, em que podem ser encontradas algumas referências teóricas que consideramos nas nossas práticas e em que, por tudo isto, poderíamos encontrar algumas potencialidades da fotografia pedagógica para a ação pedagógica e para o desenvolvimento profissional do educador de infância.

Malaguzzi (1999 in Edwards, Gandini, & Forman, 1999a) revela que desde a génese da referida abordagem estiveram patentes as intencionalidades de “reconhecer o direito de cada criança a ser um protagonista e a necessidade de manter a curiosidade espontânea de cada uma delas em um nível máximo [e de] aprender com as crianças, com os eventos e com as famílias” (Malaguzzi, 1999 in Edwards et al., 1999a, p.62). Subjacente à experimentação e à documentação nesse contexto encontrava-se a “necessidade de revelarmos em toda a sua força a imagem de uma criança competente” (Malaguzzi, 1999 in Edwards et al., 1999a, p.103), para que documentários, arquivos e exposições refletissem “uma história de adultos, projetos, currículos que emergem mas, acima de tudo […] sobre as crianças.” (Malaguzzi, 1999 in Edwards et al., 1999a, p.103) Para Rinaldi (1999 in Edwards et al., 1999a) a imagem das crianças constitui uma referência fundamental das interações nesse contexto, evidenciando “não tanto […] a criança no sentido abstrato, mas […] cada criança em relação a outras crianças, professores, pais, sua própria história e circunstâncias sociais e culturais.” (Rinaldi, 1999 in Edwards et al., 1999a, p.116)

As formas de interação promovidas em Reggio Emilia parecem ter implicações ao nível do bem-estar, da segurança, da participação e da aprendizagem. As experiências e as linguagens simbólicas são tidas como componentes essenciais na educação das crianças, encontrando-se na base da construção e desenvolvimento do currículo e dos processos de aprendizagem. Vecchi (1999 in Edwards et al., 1999a) refere serem explorados “todos os tipos de técnicas, tais como pintura, desenho e trabalhos com argila – todas as linguagens simbólicas.” (Vecchi, 1999 in Edwards et al., 1999a, p.130).

A documentação destas experiências parece ser considerada parte essencial das funções e da ação pedagógica dos educadores, estando a fotografia entre os vários meios utilizados para essa finalidade e sendo frequentemente descrita em associação com processos de exploração das linguagens simbólicas das crianças, investigação individual e coletiva, desenvolvimento de projetos, comunicação e envolvimento dos encarregados de educação e comunidade (Edwards, 1999 in Edwards et al., 1999a). A valorização de diversa documentação parece ser patente nas palavras de Malaguzzi (1999 in Edwards et al., 1999a) ao reportar-se à existência de “arquivos que atualmente são uma arca do tesouro do trabalho das crianças e do conhecimento e das pesquisas dos professores.” (Malaguzzi 1999 in Edwards et al., 1999a, p.85).

As fotografias são mencionadas por Vecchi (1999 in Edwards et al., 1999a), como forma e instrumento de documentação considerados imprescindíveis. Wien, Guyevskey & Berdoussis (2011) explicitam que a documentação pedagógica requer atitude de questionamento e de atenção constante dos docentes ao que é expresso pelas crianças, bem como empatia emocional e intelectual entre estes. Indicam cinco aspetos caraterísticos da progressão dos docentes que a aprendem a utilizar: 1) desenvolver hábitos de documentação, 2) desenvolver segurança na divulgação a um público recontos de atividades, 3) desenvolver competências em literacia visual, 4) tornar visível a aprendizagem e 5) partilhar teorias visíveis para interpretar e favorecer o desenho do currículo.

São diversas as situações em que são mencionadas algumas formas de utilização da fotografia, num conjunto de outros meios de documentação por autores que se reportam à abordagem de Reggio Emilia. Ao longo da obra de Edwards et al. (1999a) é apresentado um leque variado de fotografias, as quais se enquadram nas diversas temáticas que vão sendo apresentadas e veiculam ideias que parecem ser relevantes no contexto da mesma. Desse modo, podemos visualizar crianças em experiências e brincadeiras; diversas produções artísticas realizadas pelas mesmas; diferentes fases do desenvolvimento de projetos; interação entre crianças e adultos no âmbito de projetos, diferentes espaços das escolas e da cidade; visitantes; reuniões de professores e outros profissionais; situações de formação de professores, entre outras situações. As fotografias fazem igualmente parte de exibições que são construídas de modo a serem expostas nos diversos espaços das escolas de Reggio Emilia ou no exterior das mesmas. Como exemplo, destacamos a exibição itinerante denominada The Hundred Languages of Children, que Edwards, Gandini, & Forman (1999b in Edwards et al., 1999a) explicam ter sido construída coletivamente “para contar às audiências dos Estados Unidos sobre seu trabalho” (Edwards et al., 1999b in Edwards et al., 1999a, p.24) e que constitui “uma amostra […] que descreve o processo educacional através de fotografias; exemplos de pinturas, desenhos, colagens e estruturas construtivas das crianças e scripts explanatórios e painéis.” (Edwards, et al. 1999b in Edwards et al., 1999a, p.24). O contributo de diferentes formas de documentação – em que se inclui a fotografia – é referido também para recontar atividades e projetos, para a avaliação das aprendizagens realizadas ao longo dos mesmos e para a sua divulgação por Gandini (1999 in Edwards et al., 1999a) e Forman (1999 in Edwards et al., 1999a). A sua importância para as crianças parece ser reconhecida por Edwards (1999 in Edwards et al., 1999a) pois, em seu entender, quando estas revivem “momentos passados através de fotografias e de gravações em fita, […] são profundamente reforçadas e validadas por seus esforços e recebem um incentivo à sua memória, o que é fundamental nesta idade.” (Edwards, 1999 in Edwards et al., 1999a, p.164). Neste sentido, pensamos que a documentação poderá produzir um efeito semelhante nos educadores de infância, que poderão, através dela e, em especial da fotografia, voltar de alguma forma à memória dessas vivências, reconstruí-las e analisar de uma perspetiva diferente a ação pedagógica realizada e registada, refletindo-a, discutindo-a e problematizando-a, o que nos parece ser essencial para transformar a sua ação pedagógica e progredir no seu desenvolvimento profissional.

Katz (1999 in Edwards et al., 1999a) refere a possibilidade de a utilização de fotografias em conjunto com outros meios de registo para a apresentação, documentação e exposição do trabalho das crianças em Reggio Emilia poder constituir uma importante forma de incentivar o envolvimento parental no contexto dessas escolas. Consideramos que se o educador de infância utilizar o referido meio de forma sistemática, poderá também divisar aspetos que vão permanecendo ou se vão transformando relativamente à sua prática profissional, às suas referências, às teorias pessoais e ao contributo de experiências para o seu desenvolvimento humano e profissional, e compreender, como as crianças, “quem foram, quem são e quem estão se tornando” (Leekeenan & Nimmo, 1999 in Edwards et al., 1999a, p.264).

Na atividade profissional do educador de infância o envolvimento em processos de comunicação é frequente no âmbito da comunidade educativa. Entendemos que nesses processos as “cem linguagens”, cuja utilização é considerada essencial para as crianças de Reggio Emilia e de outras instituições educativas que nela se inspiram, poderão ser também de grande utilidade ao educador de infância para expressar e comunicar experiências vividas. Através das linguagens fotográficas intrínsecas à fotografia pedagógica, também o educador de infância poderá representar, documentar, expressar e comunicar ideias, experiências, histórias, recordações e reflexões, atribuindo às crianças o devido protagonismo.

Assim, a utilidade da fotografia no sentido que tem vindo a ser realizada em Reggio Emilia parece ser manifesta, pois a análise desta abordagem indica, o seu enquadramento num conjunto de meios usados para a elaboração de documentação pedagógica, investigação, (re)definição de currículos e comunicação na educação de infância, procurando evidenciar a centralidade das crianças nos processos educativos e as formas de interação social promovidas no âmbito da comunidade educativa.

 

METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO

Definimos para esta investigação a questão de partida: como poderá a fotografia pedagógica constituir um meio potencializador da ação e do desenvolvimento profissional do educador de infância? Estabelecemos como objetivo geral ampliar a compreensão acerca da questão de partida. Determinámos ainda os seguintes objetivos específicos: I) conhecer de modo mais aprofundado a temática em estudo; II) encontrar potencialidades da fotografia pedagógica para a ação do educador de infância; III) encontrar potencialidades da fotografia pedagógica para o desenvolvimento profissional do educador de infância; IV) associar linguagem verbal e linguagens fotográficas na descrição dos casos em estudo; V) verificar a presença de alguns aspetos considerados fundamentais – ação das crianças, trabalho em equipa, participação das famílias e ambiente educativo – nos casos a apresentar; VI) realizar inferências a partir de aspetos semelhantes encontrados nos vários casos.

A abordagem qualitativa de estudo de casos, segundo Morgado (2012), possibilita “estudar fenómenos no seu contexto real” (Morgado, 2012, p.63) “apreender a situação na sua totalidade e, de forma reflexiva, criativa e inovadora, descrever, compreender e interpretar a complexidade do(s) caso(s) em estudo” (Morgado, 2012, p.63), clarificando “a problemática em que se enquadra(m) e, inclusive, produzindo novo conhecimento sobre o(s) mesmo(s).” (Morgado, 2012, p.63).

O presente estudo baseia-se num estudo de casos múltiplo segundo Martins (2008), baseado em Yin (2001). O estudo de caso múltiplo segundo Martins (2008), baseado em Yin (2001), permite “a construção de uma teoria […] a partir dos resultados comuns aos casos analisados” (Martins, 2008, p.14), bem como a generalização da teoria daí resultante “para explicar e prever fenômenos assemelhados” (Martins, 2008, p.14), através de uma análise cruzada de casos. A construção de uma forte estrutura teórica reveste-se de grande importância na realização do estudo de caso múltiplo, já que esta se tornará “mais tarde o instrumento para generalizar para casos novos.” (Yin, 2001 citado por Martins, 2008, p.13-14)

Considerando o trabalho de projeto em desenvolvimento, a seleção de três casos da nossa atividade profissional, em que a fotografia pedagógica tinha sido utilizada, foi efetuada de modo a ampliar as probabilidades de generalização do mesmo, tendo em conta o que é referido por Alves-Mazzotti (2006) sobre a aceção desta terminologia, quer em termos naturalísticos(Alves-Mazzotti, 2006), quer em termos analíticos (Alves-Mazzotti, 2006). Neste contexto, é pertinente explicitar que a generalização naturalística requer que a descrição dos casos seja elaborada visando “oferecer oportunidade para a experiência vicária, isto é, pode levar os leitores a associarem o que foi observado naquele caso a acontecimentos vividos por eles próprios em outros contextos” (Alves-Mazzotti, 2006, p.648) e então decidir “se as interpretações, hipóteses, insights apresentados naquele estudo podem ser aplicados ao caso de seu interesse” (Alves-Mazzotti, 2006, p.650). A generalização analítica requer que a seleção dos casos seja efetuada com base numa lógica de replicação em que poderão ser encontrados, através de uma análise que deverá ser feita de forma cruzada, “resultados semelhantes nas diversas unidades investigadas (replicação propriamente dita) ou […] resultados diferentes em razão de fatores previamente antecipados pelo pesquisador (replicação teórica)” (Alves-Mazzotti, 2006, p.646).

Foram definidas abordagens metodológicas distintas para cada um dos três casos que integram o estudo de caso múltiplo, com vista à exploração de diferentes tipologias e de diferentes técnicas de recolha de dados.

Por se reportar a um projeto que constituía apenas parte da ação pedagógica desenvolvida com esse grupo, pensamos que o caso alusivo à participação de um grupo de crianças no seu percurso educativo em creche corresponde à designação de microetnografia. Esta é referida por Morgado (2012) como o “estudo de uma pequena unidade de uma organização” (Morgado, 2012, p.67) e por Bogdan e Biklen (1994) como estudos de caso que são “realizados seja em unidades muito pequenas de uma organização […], seja numa atividade organizacional muito específica” (Bogdan e Biklen, 1994, p.94).

Por centrar-se na observação de um grupo específico de uma instituição durante algum tempo, pensamos que o caso referente ao acompanhamento de um grupo de crianças durante o seu percurso educativo em creche se enquadra na tipologia de estudo de caso observacional. Segundo Morgado (2012), este baseia-se na observação participante e no estudo de “uma organização […], um determinado aspeto específico de uma instituição (o funcionamento de uma aula, […] um grupo disciplinar), uma atividade ou conjunto de atividades da organização” (Morgado, 2012, pp.66-67) ou combinar todos estes aspetos.

O caso alusivo à divulgação por um grupo de educadoras de infância da ação pedagógica desenvolvida num Jardim de Infância enquadra-se, na nossa ótica, na tipologia referenciada por Tinoco (2004) como histórias de vida cruzadas, pois nestas “o material de estudo é constituído pela acumulação de histórias […]: o material recolhido é fundido num só texto; sobre esse texto proceder-se-á a uma análise de conteúdo […] consoante os objetivos do projecto.” (Tinoco, 2004, p.5)

As técnicas de análise e recolha de dados utilizadas foram a análise documental; a observação participante; o inquérito por entrevista e a análise de conteúdo por nos parecerem as mais congruentes com as tipologias de estudo de caso a explorar, com as fontes de informação a considerar, com os dados a recolher e a apresentar e as especificidades dos casos a analisar.

No estudo de caso múltiplo foram considerados dois contextos de investigação: um estabelecimento que funcionava apenas com a valência de creche e outro que funcionava apenas com a valência de jardim de infância.  Uma vez que as experiências em que os estudos de caso se basearam já tinham terminado ou estavam em fase de finalização à data da definição desta investigação, pensamos que estes podem ser considerados estudos retrospetivos que foram desenvolvidos num panorama de reflexão e de problematização. Lembramos que a finalidade do estudo de caso múltiplo a realizar era “instrumental” (Stake,1999 citado por Morgado, 2012, p.66), ou seja, tinha em vista aprofundar o conhecimento acerca da temática da nossa questão de partida de modo a aumentar a compreensão sobre a mesma.

O estudo de caso múltiplo

Recorrendo à metodologia referida, foram então construídos e apresentados três casos em que a utilização da fotografia pedagógica por educadores de infância constituiu o elemento determinante para a sua integração no estudo de caso múltiplo. Estes reportavam-se, tal como temos vindo a mencionar: I) à participação de um grupo de crianças num projeto da comunidade educativa; II) ao acompanhamento de um grupo de crianças no seu percurso educativo em creche e III) à divulgação por um grupo de educadoras de infância da ação pedagógica desenvolvida num jardim de infância.

Com o estudo do primeiro caso investigámos a utilização da fotografia pedagógica para a documentação, a análise crítica e a divulgação da ação pedagógica realizada no âmbito da participação de um grupo de crianças que se encontrava na faixa etária entre os dois e os três anos num projeto da comunidade educativa. Este, subordinado ao tema A Água, fazia parte de um projeto mais amplo, desenvolvido nas instituições educativas que integravam a Educação de Infância e o 1º Ciclo do Ensino Básico existentes no município em que foi concretizado. Ao longo da sua apresentação colocámos em evidência a centralidade do desenvolvimento de projetos na atividade profissional do educador de infância; a articulação entre as atividades proporcionadas no âmbito da temática atribuída; a conformidade das experiências realizadas com as áreas de conteúdo a considerar no seu desenho curricular; a importância de divulgar à comunidade educativa a ação pedagógica desenvolvida para a valorização da ação realizada pelas crianças e para a sua integração nessa comunidade, e ainda, a indispensabilidade da participação desta instituição educativa para cumprir o objetivo de abarcar no projeto todas as instituições educativas do município.

Optámos por iniciar o estudo de caso múltiplo a partir da situação descrita anteriormente para que a nossa aprendizagem desta metodologia constituísse uma progressão, e também pela referência a projetos comuns aos três casos uma vez que estes são essenciais na ação pedagógica do educador de infância. Utilizámos a fotografia pedagógica, predominantemente, com a função expressiva, tal como é entendido por Berger (2013 in Berger & Mohr, 2013, p.83) quando refere que “la fotografia es todavia para mí, más que ninguna outra cosa, un medio de expressión” e de administração de prova (Bardin, 2011), o que decorreu especialmente das fontes de informação e das técnicas de recolha e análise de dados utilizadas. Sendo este baseado quer na descrição efetuada por uma das educadoras de infância que fazia parte da equipa pedagógica que acompanhava o grupo de crianças (que aqui assume também o papel de investigadora), quer em fotografias pedagógicas e vídeos pedagógicos em que o projeto tinha sido focado, sentimos a necessidade de articular as descrições com as imagens fotográficas de forma densa de modo a que a triangulação de dados pudesse ser baseada na congruência entre as duas linguagens utilizadas. Assim, a utilização das técnicas de recolha e análise de dados designadas por análise documental e análise de conteúdo parecem-nos ter sido indicadas neste estudo de caso, uma vez que a ação pedagógica descrita sugere concordância com a ação pedagógica visível nas imagens fotográficas selecionadas e apresentadas.

Sublinhamos, ainda, que este projeto constituiu uma referência marcante a vários níveis, dos quais destacamos a preparação da continuidade educativa das crianças que nele participaram e que puderam estar com crianças de outras instituições educativas do município. Relativamente ao nosso desenvolvimento profissional, a sua operacionalização coincidiu com uma fase de reintegração nesta comunidade educativa municipal, tendo sido facilitador da mesma. De referir também que o Projeto A Água decorreu num ano letivo em que eram recentes e visíveis marcas negativas deixadas por este elemento, tanto na natureza como na comunidade. Deste facto resultou uma mais clara e consciente aceitação da importância da água, reconhecendo que é possível transformar situações imprevistas em oportunidades de compreender e transmitir que, tal como indicava o lema do projeto, Água é vida!.

Com o relato do segundo caso, analisámos a utilização da fotografia pedagógica para a documentação, supervisão, reconstituição e apresentação do percurso educativo de um grupo de crianças na faixa etária correspondente à valência de creche, (desde que estas iniciaram a frequência de uma instituição educativa até que atingiram o limite de idade permitido para a referida valência).

Os nossos dados indicam que a utilização da fotografia pedagógica no âmbito de processos de autosupervisão do educador de infância, de “supervisão pedagógica acompanhada” (Vieira, 2009, p.201) e de supervisão das crianças como um dos fatores que produz efeitos na qualidade da educação de infância. Averiguámos que a simultaneidade do desenvolvimento do enquadramento teórico da presente investigação, da ação pedagógica com o referido grupo de crianças e da recolha de dados com fotografia pedagógica no âmbito da aplicação da técnica da observação participante durante a fase final desse percurso influenciou a realização de alguns registos fotográficos sobre a experiência, decorrentes de estudo, reflexões e problematização.

Nele aplicámos técnicas de recolha e análise de dados designadas por observação participante, análise documental e análise de conteúdo. Foram consultadas e tidas em conta diversas fontes de informação: uma das educadoras de infância da equipa pedagógica; crianças; registos da educadora de infância; Projetos Curriculares de grupo; fotografias pedagógicas e vídeos pedagógicos. Através destas, o percurso educativo em creche foi reconstituído dando especial relevo a aspetos como: o grupo; a equipa; a fotografia pedagógica; o processo educativo e ambientes pedagógicos; o desenvolvimento de projetos; a participação das famílias e o interesse pela fotografia pedagógica, bem como a apresentação de fotografias pedagógicas que foram realizadas e/ou apresentadas, de modo a suscitar reflexão, contando também com o contributo de registos das crianças para a descrição de um dos projetos desenvolvidos.

Consideramos que este estudo de caso influenciou a concretização da nossa ação pedagógica com maior enfoque nos interesses das crianças; na realização de algumas fotografias pedagógicas; na compreensão da temática do trabalho de projeto e no nosso desenvolvimento profissional e humano.

A subsequente apresentação do terceiro caso tinha em vista analisar a utilização da fotografia pedagógica por um grupo de educadoras de infância para a divulgação da ação pedagógica desenvolvida num jardim de infância. Neste sentido, foi realizada a reconstituição de uma experiência com a utilização da fotografia pedagógica como um meio preferencial para o registo, a análise, a autosupervisão, a “supervisão pedagógica acompanhada” (Vieira, 2009, p.201) e para a divulgação aos pais e encarregados de educação dessa ação pedagógica.

Foram aplicadas técnicas de recolha e análise de dados designadas por análise documental, inquérito por entrevista e análise de conteúdo. Como fontes de informação, considerámos o grupo de educadoras de infância que participou nas experiências (à exceção da educadora de infância que no trabalho de projeto foi também a investigadora); as gravações em áudio das entrevistas; as fotografias pedagógicas e vídeos pedagógicos existentes.

Conhecemos assim as perceções das educadoras de infância acerca de aspetos positivos para alguns dos intervenientes nessa experiência. Encontrámos diversas potencialidades da fotografia pedagógica para a ação (pedagógica) e para o desenvolvimento profissional do educador de infância nas suas descrições. Averiguámos também, que as entrevistadas deram continuidade à utilização da fotografia pedagógica após a conclusão da experiência de utilização coletiva desse meio no âmbito da sua atividade profissional, o que constitui, na nossa ótica, um indicador do reconhecimento das suas potencialidades nas vertentes em estudo. Consideramos alguns dos contributos essenciais para esta investigação, quer em termos de expressão de perceções, opiniões e informações acerca da experiência a reconstituir e apresentar, quer em termos de indicação de outros aspetos ou situações que não tivessem sido focados nas entrevistas e que vissem como pertinentes.

Durante todas as entrevistas observámos algumas expressões nas educadoras de infância que associámos a emoções positivas. Foi possível testemunhar entusiasmo na partilha de experiências em que a utilização da fotografia pedagógica se verificou, bem como a valorização da ação das crianças e da equipa, a colaboração de pais e da comunidade educativa para o desenvolvimento de atividades e experiências. Foram utilizados termos como “marcante” e “marca”; referidas ligações afetivas que permanecem relativamente à instituição, às pessoas e à comunidade em que estas decorreram e transmitidas representações positivas das mesmas. Consideramos evidente a associação da fotografia pedagógica à visão, à perspetiva, ao observável, ao registo, à recordação, ao “carinho”, asserções que vão no sentido do que constatámos ter sido referido por Sontag (2012) e Sá-Chaves (2002) em relação à fotografia e à fotografia pedagógica.

Constatámos ainda nas suas descrições que a divulgação através do meio em análise implicou melhoria da ação pedagógica; trabalho científico de investigação; respeito pelas orientações existentes e desenvolvimento de competências de documentação, confirmando as indicações formuladas na moldura teórica por Wien, Guyevskey & Berdoussis (2011). Entendemos que, tal como é preconizado em Reggio Emilia, o centro desta experiência é (ou são) a(s) criança(s) pois parecia ser no sentido do seu desenvolvimento humano que a equipa pedagógica desempenhava a sua missão de “profissionais de desenvolvimento humano” (Formosinho, Oliveira-Formosinho, & Machado, 2010, p.12) e que, como foi referenciado, tudo aparentava ter sido pensado e realizado em função das crianças que frequentavam o jardim de infância.

 

DISCUSSÃO DE RESULTADOS

Foram encontradas, quer ao longo da construção do enquadramento teórico, quer da descrição e análise dos vários casos, diversas potencialidades para a fotografia pedagógica tanto ao nível da observação, documentação e divulgação da ação pedagógica como ao nível da supervisão, investigação e teorização, associados ao desenvolvimento profissional. Tal facto leva-nos a advogar a ideia de que a fotografia pedagógica poderá constituir um meio potencializador da ação pedagógica e do desenvolvimento profissional do educador de infância.

Na descrição dos casos em estudo foram associadas linguagem verbal e linguagens fotográficas de modo a amplificar as possibilidades de compreensão das experiências descritas e de generalização do estudo de caso múltiplo.

Possivelmente a presença de alguns aspetos considerados fundamentais – ação das crianças, trabalho em equipa, participação das famílias e ambiente educativo – foi verificada em profundidade na análise cruzada dos casos apresentados.

Foram realizadas algumas inferências a partir de aspetos semelhantes encontrados nos vários estudos de casos, das quais salientamos a constatação de que a fotografia pedagógica tinha sido utilizada pelos educadores de infância participantes nas experiências no sentido de potencializar a sua ação pedagógica e o seu desenvolvimento profissional e a possibilidade de integração das fotografias pedagógicas realizadas e apresentadas em categorias temáticas constituídas pelos quatro aspetos mencionados anteriormente.

Em termos gerais, a análise cruzada dos três estudos de caso, que integravam o estudo de caso múltiplo, evidenciou na nossa ótica, a consonância entre a moldura teórica elaborada e as práticas pedagógicas descritas no âmbito de processos educativos e de supervisão ligados à educação de infância. Parece sugerir que a fotografia pedagógica poderá ser utilizada no sentido de referir (descrever), aferir (verificar) e inferir (produzir conclusões que poderão ser validadas), o que poderá revelar-se de grande utilidade para o educador de infância. Adicionalmente, os nossos resultados parecem indicar que a fotografia pedagógica poderá salientar a importância da valorização das crianças, da educação de infância e das linguagens fotográficas na formação de comunidades educativas de memória que reconheçam a singularidade de uma ciência que se constrói dia-a-dia na senda do desenvolvimento humano.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento do trabalho de projeto, a que nos temos vindo a reportar, constituiu uma oportunidade de reflexão; de investigação; de partilha de experiências; de progresso na aprendizagem e na compreensão; de redefinição de metas; de aperfeiçoamento de práticas; de desenvolvimento de “linguagens”, que constatámos ser exequível através da utilização da fotografia pedagógica.

Estamos conscientes de que nele existem algumas limitações, relacionadas com a densidade da investigação; a impossibilidade de ter representada a faixa etária dos cinco aos seis anos de idade nos casos selecionados; o feedback de pais e de assistentes operacionais acerca das suas  experiências ter sido fornecido de forma indireta; o recorte das imagens fotográficas de modo a salvaguardar identidades; evidenciar a ação em detrimento da expressão, e a impossibilidade de mencionar a autoria das fotografias pedagógicas apresentadas por forma a garantir o anonimato dos participantes nas experiências.

Como sugestões para investigação futura, seria pertinente conhecer as perceções de pais e encarregados de educação acerca da relevância da utilização das fotografias pedagógicas em diversas situações ao longo dos percursos educativos dos seus educandos.

Do desenvolvimento do projeto de investigação consideramos que a fotografia pedagógica poderá constituir um meio catalisador da ação pedagógica e do desenvolvimento profissional do educador de infância, dadas as potencialidades encontradas quer para a observação, documentação e divulgação da ação pedagógica, quer para a supervisão, investigação e teorização. Pelas suas potencialidades para referir, aferir e inferir, poderá ainda contribuir para a valorização das crianças, da educação de infância e das linguagens fotográficas na formação de comunidades educativas de memória que reconheçam a singularidade de uma ciência que se constrói dia a dia na senda do desenvolvimento humano.

 

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(Recebido em maio de 2017, aprovado em outubro de 2017)

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