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Da Investigação às Práticas

versão On-line ISSN 2182-1372

Invest. Práticas vol.6 no.2 Lisboa set. 2016

 

ARTIGOS

Supervisão Interpares – Um Projeto para a Melhoria das Práticas Curriculares

 

Ana Emília da Fonseca Marques I; Teresa LeiteII

I Agrupamento de Escolas de Avis marques.emi@gmail.com

II Escola Superior de Educação de Lisboa teresal@eselx.ipl.pt  

Contacto

 


Resumo

Neste texto, desenvolve-se o conceito de supervisão interpares como trajeto de melhoria das práticas curriculares, através da apresentação e discussão de um projeto de intervenção que decorreu segundo uma metodologia de supervisão clínica, entre duas professoras de Ciências Naturais do 9.º ano, no ano letivo de 2013/2014. O referido projeto teve como principal objetivo saber se um processo de supervisão interpares, levado a efeito em contexto profissional, pode ser percecionado pelos professores como um contributo para a melhoria das práticas curriculares. Os principais instrumentos de recolha de dados foram as entrevistas semiestruturadas iniciais e finais, com caráter diacrónico, e a observação participante de três ciclos de supervisão clínica. Após cada momento, foi efetuado o tratamento, análise e interpretação dos dados recolhidos através da técnica de análise de conteúdo. Da análise e interpretação dos dados do estudo empírico foi possível concluir que as dificuldades iniciais, sentidas pelas docentes participantes, se relacionavam com a gestão curricular devido, em particular, à extensão do currículo. As mudanças experimentadas durante o processo de supervisão clínica manifestaram-se na criação de ambientes de aprendizagem mais dinâmicos e inovadores, mais direcionados para as formas de aprendizagem dos alunos. As docentes participantes consideraram que o processo de supervisão clínica foi um contributo para o seu desenvolvimento profissional, salientando as práticas colaborativas como facilitadoras do processo.

Palavras-chave: Supervisão interpares, gestão curricular e desenvolvimento profissional.

 

Abstract

In this article we explore the peer supervision as a way to improve the curriculum practices through an intervention project, based on clinical supervision methodology, between two science teachers, 9th grade, in the school year 2013/2014. The main goal was to find out if a peer supervision method, between colleagues, conducted in a professional context, could be perceived by teachers as a contribution to improve their curriculum practices. The main data collection instruments were the initial and final semi structured interviews and the participant observation of three clinical supervision cycles. All data were analyzed and interpreted by categorical analysis. With the analysis and interpretation of collected data of the empirical study, it was concluded that, initially, participating teachers felt that the difficulties were related to curriculum management, highlighting the extent of curriculum content. On major changes, during the clinical supervision process, it was found that the new learning environments were more dynamic, innovative and targeted to students’ oriented approaches. The participating teachers felt that the clinical supervision process was a contribution to their professional development and consider collaboration as a facilitator of the process.

Key words: Peer supervision, curricular management and professional development.

 


INTRODUÇÃO

A necessidade de melhoria da qualidade do ensino é uma expressão recorrente no discurso dos responsáveis pela educação, dos gestores das escolas, dos professores e na opinião pública em geral. Mas o conceito de qualidade é polissémico e a sua aplicação às práticas sociais gera problemas específicos e de complexa resolução (Estrela, 1999)., A noção de qualidade de ensino terá que ser definida, também, em função do conceito de ensino, que tem diferentes aceções e representações quer na literatura, quer no senso comum. Do mesmo modo, a função do professor é entendida de diferentes modos, consoante as finalidades e valores que se atribuem ao ensino.

Não obstante, concordemos com a ideia de que ensinar é a caraterística diferenciadora da profissão docente e a principal função dos professores. Nesse sentido, a melhoria da qualidade do ensino tem que se centrar, inevitavelmente, na ação destes profissionais. Essa ação visa sempre o acesso dos alunos às aprendizagens, mas situa-se no plano dos processos e implica conhecimentos disciplinares, curriculares e didáticos que constituem o saber específico de um grupo profissional, permitindo: “(1) desempenhar adequadamente a ação de ensinar, (2) ser capaz de pensar e teorizar essa ação de modo a (3) dominar os instrumentos da sua efetiva e permanente melhoria” (Roldão, 2011, p. 213). Como esta autora faz notar, o professor não é apenas um prático, tal como não é apenas o transmissor de conhecimento formal. A melhoria da qualidade do ensino exige a conceptualização e análise crítica dessa ação, de modo a tornar possível a sua reorientação e melhoria.

A tradição profissional e a cultura das organizações escolares, porém, não facilitam o desenvolvimento da capacidade e dos hábitos de análise do ensino que poderiam levar a uma efetiva melhoria. A tradição profissional, porque subsiste a confusão entre a lógica da disciplina científica (decorrente da natureza dos conhecimentos de uma dada área do saber) e a disciplina curricular, com a sua didática própria, requerendo formas específicas de organização que garantam o acesso ao conhecimento pelos alunos. A cultura das organizações escolares, porque reproduz condições de trabalho marcadas pela fragmentação de disciplinas, de tempos e de espaços e perpetua formas de trabalho que, tendo um cariz predominantemente individual, não dão a possibilidade de confronto, problematização e questionamento da ação pedagógica.

A mudança de tradições e culturas não se faz por decreto e também não tem sido conseguida através da investigação levada a efeito por académicos sobre os processos e os resultados do ensino. De facto, terão que ser os professores a envolver-se e a empenhar-se na criação de tempos, espaços e modalidades de trabalho conjunto sobre as práticas de ensino que induzam a procura e estudo de informação pertinente e que venham a constituir-se como formas de produção de conhecimento sobre a prática, a partir da análise crítica das formas e objetivos de ensino – terão que ser os professores a mudar as escolas.

Para tal, é necessário que conheçam e reconheçam formas de trabalho colaborativo e de apoio mútuo que têm estado arredadas do quotidiano das escolas e, na verdade, dificilmente são encaixáveis na atual organização do tempo escolar. No entanto, são essas formas de colaboração e apoio mútuo que poderão levar a uma reconfiguração das práticas que dê resposta efetiva a uma população estudantil tão diversificada quanto a atual.

O projeto que aqui descrevemos corresponde ao planeamento, implementação e avaliação de um processo de supervisão interpares, levado a efeito em contexto profissional, visando a melhoria das práticas curriculares de duas professoras de Ciências Naturais (CN) do 3.º Ciclo do Ensino Básico. O processo teve o apoio de um investigador externo à instituição (também professor da mesma disciplina), que se assumiu como observador participante, intervindo apenas em momentos específicos (informação sobre as práticas de supervisão, fornecimento de textos para aprofundamento, apoio à formulação de questões). As duas professoras foram, no entanto, as principais atoras deste processo.

 


CONHECIMENTO DOCENTE, DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL E SUPERVISÃO INTERPARES

A atividade principal de um professor centra-se no ensino - a “ação especializada de promover intencionalmente a aprendizagem de alguma coisa por alguém” (Roldão, 2009, p.55). O ensino é, na definição de Montero (2001, p.148), “um campo de prática, histórica e socialmente configurado pelo fenómeno da escolarização, preexistente aos professores individuais, com tradições e normas que configuram saberes, substância dos processos formativos”. O facto de o ensino existir enquanto prática social muito antes de se produzir conhecimento sistematizado sobre ele (Roldão, 2011) e de se definir essencialmente enquanto ação inserida num processo não tem favorecido o reconhecimento do seu estudo como objeto de conhecimento científico. Predomina ainda na opinião pública e entre os próprios professores a ideia de que se aprende a ensinar com o acumular de experiências diretas de ensino, como se o professor fosse “uma espécie de João Semana da educação, portador de bom senso, saber prático, utilizador de bons manuais devidamente fiscalizados (os conhecidos materiais “à prova de professor”), sabedor dos conteúdos a debitar, e detentor de qualidades de natureza pessoal que garantam um bom desempenho” (Roldão, 2011, p.280). Como a autora faz notar, esta noção de professor e a ideia de ensino que lhe está subjacente entram, no entanto, em óbvia contradição com a perspetiva por todos defendida da necessidade de melhoria da qualidade da educação…

Sendo uma prática social e uma ação intencional, o ensino não se esgota no planeamento e realização dessa ação. Segundo Roldão (2007a) o professor “tem de saber mobilizar todo o tipo de saber prévio que possui, transformando-o em fundamento do agir informado, que é o acto de ensinar enquanto construção de um processo de aprendizagem de outros e por outros – e, nesse sentido, arte e técnica, mas fundada em ciência” (p.101). Como afirma esta autora (2011, p.231), o conhecimento profissional é “a pedra de toque da profissão”.

Montero (2001) define o conhecimento profissional docente como sendo:

Um conjunto de informações, aptidões e valores que os professores possuem, em consequência da sua participação em processos de formação (inicial e em exercício) e de análise da sua prática, umas e outras manifestadas no seu confronto com as exigências da complexidade, incerteza, singularidade e conflito de valores próprios da sua actividade profissional; situações que representam, por sua vez, oportunidades de novos conhecimentos e de crescimento profissional (p.218).

A investigação sobre o conhecimento profissional docente tem vindo a desenvolver-se especialmente no campo da análise e compreensão da prática, utilizando perspetivas qualitativas e interpretativas. Segundo Carter (1990), as abordagens interpretativas pretendem compreender a natureza deste conhecimento, ou seja, a essência da aprendizagem dos professores, das suas decisões e ações em contextos educativos e do modo como os professores constroem o seu conhecimento profissional no exercício da sua atividade profissional.

O conceito de conhecimento profissional docente tem vindo a alargar-se e, atualmente, segundo Verloop, Drier & Meijer (2001), inclui tanto as opiniões conscientes e bem fundamentadas, como as intuições inconscientes e rotineiras. Ben-Peretz (2011), por sua vez, demonstra, pela análise realizada a um conjunto de artigos publicados sobre o tema na revista Teaching and Teacher Education, entre 1988 e 2009, como se passou de uma noção restrita, centrada no modo como os professores conjugavam o conhecimento dos conteúdos a ensinar com princípios e skills pedagógicos gerais, para uma perspetiva focada na forma como o professor integra os conhecimentos e experiências que vai adquirindo ao longo do tempo e nos diferentes contextos. Nesta perspetiva, conhecimento profissional e crenças sobre o ensino surgem irremediavelmente ligadas, tornando difícil estabelecer uma clara distinção sobre a forma como eles atuam e se conjugam no pensamento e na prática dos professores (Richardson, 1996). Na verdade, crenças e conhecimentos têm natureza diferente, uma vez que as primeiras “se referem a valores, atitudes e ideologias pessoais e os segundos a proposições mais factuais” (Verloop, Drier & Meijer, 2001, p. 446). No entanto, se o conhecimento se constrói e reorganiza através da ação e da reflexão sobre ela, é impossível deixar de aceitar que as crenças têm um papel importante na estruturação desse conhecimento.

Com efeito, o conhecimento profissional docente não se desenvolve de forma linear e abstrata. Roldão (2011) carateriza-o como sendo compósito, teorizador e interpretativo, implicando conhecimento dos conteúdos a lecionar e das teorias pedagógicas, mas também processos de incorporação e transformação desses conteúdos e dessas teorias; envolvendo capacidades técnicas, mas também capacidades criativas; exigindo experiência, mas também a análise, questionamento e problematização dessa experiência, de forma a proporcionar a teorização da prática.

De acordo com Montero (2001), os estudos realizados nos domínios do conhecimento prático do professor e do conhecimento didático do conteúdo constituem as contribuições mais relevantes sobre o conhecimento profissional docente.

O conhecimento prático foi desenvolvido por autores como Connelly e Cladinin (1985) e Shön (1992) através da “epistemologia da prática” - a reflexão dos professores nos vários momentos da sua atividade e o modo como esta reflexão promove a construção do conhecimento profissional, ou seja o “conhecimento na acção, reflexão na acção e reflexão acerca da acção” (Shön, 1992). Montero (2001) define-o como “aquele que os professores extraem das situações de aula e dos dilemas práticos com os quais se confrontam ao desenvolver o seu trabalho” (p.171).

O conhecimento didático do conteúdo (Pedagogical Content Knowledge - PCK) insere-se numa outra perspetiva, que procura analisar os diferentes componentes do conhecimento profissional docente e foi desenvolvida por Shulman (1986) numa fase inicial, tendo sido depois continuada por outros autores. Por conhecimento didático do conteúdo entende Shulman (1986, p.8), ‘‘that special amalgam of content and pedagogy that is uniquely the province of teachers, their own special form of professional understanding’’.

O PCK inclui o conhecimento sobre a forma como se organizam os conteúdos de uma dada área disciplinar de acordo com os processos de aprendizagem dos alunos e o conhecimento das estratégias específicas para levar os alunos a aprender esses conteúdos, prevendo dificuldades e conceções erróneas (Verloop, Drier & Meijer, 2001). Este tipo de conhecimento não se confunde, pois, com o conhecimento dos conteúdos, uma vez que implica processos de ensino; e não se confunde com o conhecimento pedagógico geral, uma vez que é específico de cada disciplina.

Os estudos relativos ao conhecimento didático do conteúdo das ciências exatas e experimentais baseiam-se, de um modo geral, nos estudos de Shulman (1986). Driel, Verloop e Vos (1998) exploraram as especificidades do PCK das ciências exatas e experimentais, considerando que para este concorrem também os conhecimentos disciplinares, as crenças sobre como ensinar ciências e, ainda, o conhecimento sobre os modos de aprendizagem dos alunos. Os autores defendem que workshops e acompanhamento supervisionado da prática letiva poderão ser favoráveis para uma construção e reconstrução do PCK, uma vez que possibilitam a mudança das crenças de cada indivíduo de modo construtivo e no contexto da sua prática individual (Driel, Verloop e Vos, 1998).

Ainda no que respeita ao conhecimento específico das ciências exatas e experimentais, Magnusson, Krajcik e Borko (1999), baseados nos estudos de Shulman (1986) e Driel, Verloop e Vos (1998), reúnem um conjunto de conhecimentos que consideram ser fundamentais para o ensino das ciências exatas e experimentais, a saber:

-Conhecimento do currículo de ciências exatas, dos seus objetivos, metas e materiais. Este conhecimento pressupõe também a eficaz gestão do que se pretende com o currículo a nível institucional e a capacidade de adequação ao contexto;

-Conhecimento sobre a natureza das ciências exatas, do seu ensino e a forma como os alunos apropriam esses conhecimentos, sendo que esse conhecimento é fundamental para responder às dificuldades inerentes a determinados conteúdos e vice-versa, de forma contextualizada;

-Conhecimento sobre avaliação em ciências exatas, o qual implica que o professor consiga fazer uma avaliação pertinente e adequada em cada conteúdo, não esquecendo as diferentes metas curriculares e competências, utilizando os instrumentos adequados para o fazer;

-Conhecimento das estratégias de ensino que seguem as orientações disciplinares, incluindo as representações, metáforas, esquemas, analogias, demonstrações e atividades experimentais associadas à natureza da construção da ciência e que, devidamente contextualizado, promove a construção de conhecimento, por parte dos alunos (p.96).

O conjunto de conhecimentos que compõem o saber profissional docente é, portanto, o conteúdo fundamental de qualquer processo de desenvolvimento profissional. Processo simultaneamente individual e coletivo , o desenvolvimento profissional ocorre essencialmente nos contextos de trabalho, centra-se nas aprendizagens dos alunos e na análise das situações de ensino e orienta-se para processos de mudança de práticas, mudança que requer a reorganização de conhecimentos e de crenças (Marcelo, 2009). Como vimos antes, conhecimentos e crenças são fenómenos diferentes, ainda que estreitamente relacionados. Por isso, a aquisição de novos conhecimentos não implica forçosamente a mudança de crenças. Baseado em Guskey e Sparks (2002), Marcelo (2009) salienta que “a mudança de crenças é um processo lento que se deve apoiar na percepção de que os aspectos importantes do ensino não serão distorcidos com a introdução de novas metodolo­gias ou procedimentos didáticos” (p.16) e que surge não pela participação dos docentes em atividades de formação, mas comprovando, na prática, a utilidade e exequibilidade dos novos conhecimentos.

Se o conhecimento profissional docente, nas suas várias dimensões e componentes, se organiza e reorganiza a partir da prática, tal não significa, porém, que a prática, por si só, possa dar origem a essa reorganização. O saber profissional constrói-se e reconstrói-se, como vimos, pelo questionamento e problematização da prática, o que não é compaginável com a rotinização de procedimentos e atitudes. Como avançou Roldão (2005, citada em Roldão, 2007),

Aprende-se e exerce-se na prática, mas numa prática informada, alimentada por velho e novo conhecimento formal, investigada e discutida com os pares e com os supervisores – ou, desejavelmente, tudo isto numa prática colectiva de mútua supervisão e construção de saber interpares (p. 102).

Este excerto reporta-se a uma perspetiva de supervisão que não se confunde com inspeção e não se restringe à iniciação à prática profissional. Marcado não só pelas correntes investigativas sobre conhecimento prático do docente, mas também pelas crescentes necessidades formativas dos professores, o conceito de supervisão evoluiu e alargou-se, associando-se atualmente à noção de acompanhamento e desenvolvimento, fruto da reflexão e análise da prática pedagógica numa lógica não hierarquizada (Alarcão & Canha, 2013). De acordo com estes autores, a supervisão é a “ação de acompanhamento e monotorização das atividades (profissionais, incluindo as pré-profissionais e institucionais) contextualizadas e realizadas por pessoas em desenvolvimento, tendo uma intencionalidade orientadora, formativa” (p. 83).

A supervisão associa-se, assim, à colaboração entre professores e ao desenvolvimento institucional, configurando “a dinamização e acompanhamento do desenvolvimento qualitativo da organização escola e dos que nela realizam o seu trabalho de estudar, ensinar ou apoiar a função educativa, através de aprendizagens individuais e colectivas” (Alarcão, 2009, p. 120). O conceito de colaboração deve, segundo Alarcão e Canha (2013), ser entendido como um “instrumento para o desenvolvimento”, envolvendo diversos atores e exigindo negociação de objetivos e partilha de responsabilidades. Por parte desses atores, implica “atitudes individuais de disponibilidade para acolher o saber e a experiência de outros e para evoluir na interação com eles, questionando o próprio conhecimento” (p. 49). A articulação entre supervisão e a colaboração “conjugam-se na intenção de promover o desenvolvimento e a qualidade” (Alarcão e Canha, 2013, p. 54) se assentarem num trabalho conjunto que permita a interação e a análise de problemas, o questionamento, e a tolerância para a inovação e mudança. Como apontam Vieira e Moreira (2011), uma “supervisão transformadora com os seguintes princípios: indagação crítica, intervenção critica, democraticidade, dialogicidade, participação, emancipação” (p. 10).

O modelo de supervisão clínica, desenvolvido por Goldhammer (1980) e apresentado por Alarcão & Tavares (2003), consiste num ciclo ou conjunto de ciclos, que compreendem a análise consistente de um ato educativo (figura 1). Primeiramente, identifica-se um potencial problema ou situação que se pretende melhorar; seguidamente, há uma observação de aula e, posteriormente, dá-se a análise da observação, individualmente; depois reúnem-se os intervenientes e analisam-se os dados recolhidos referentes à observação, confrontando o problema definido previamente e as considerações da análise da observação projetando-se estratégias de resolução. Cada ciclo finda com o encontro de análise de ciclo supervisivo, em que se faz uma análise e avaliação das várias fases do processo e se projetam novas orientações e/ou mudanças para um situação futura, Alarcão & Tavares (2003).

 

Figura 1. Ciclo de Supervisão de Goldhammer (1980)

 

Segundo Vieira & Moreira (2011), “uma prática de super Visão transformadora assume uma dimensão estratégica, pressupondo uma intencionalidade e um esquema de ação, o qual pode ter diferentes graus de extensão temporal, amplitude ou sistematicidade” (p. 27).

A supervisão pedagógica alicerçada no trabalho colaborativo proporciona a inovação estratégica, sediada em processos bem definidos e contextualizados fomentando uma visão curricular holística ajustada às necessidades sociais de cada momento e ao sucesso educativo dos alunos (Alarcão & Tavares, 2003).

 


METODOLOGIA

A perspetiva das atuais orientações curriculares em CN é apresentar “uma proposta curricular que confere aos professores liberdade e autonomia no desenvolvimento e gestão do currículo, instigando à promoção de estratégias inovadoras de ensino, tanto em ambientes formais como informais” (Martins, 2012, p. 265). Segundo Abelha Martins, Costa e Roldão (2007), a reorganização curricular veio imprimir a necessidade de mudança no modo de ensinar ciências naturais, orientando o ensino para a resolução de problemas e diversidade de estratégias, um ensino “mobilizador de atitudes e valores, saberes, experiencias e outras componentes dos contextos e percursos pessoais, culturais e sociais dos alunos” (p.10). Todavia, os professores sentem dificuldade e/ou receio em tomar decisões curriculares que rompam com formas de ensino tradicionais e com o “programa”, comportamentos que muitas vezes estão enraizados em crenças desatualizadas sobre a natureza das ciências e o modo de as lecionar (Euridice, 2011; Abelha e outros, 2007). Para além disso, a possibilidade e a capacidade de tomar decisões sobre o currículo implicam também um realinhamento estratégico das estruturas de gestão das escolas que proporcione um suporte ajustado às necessidades dos professores. Nos estudos de Abelha e outros (2007) e de Formosinho e Machado (2009), entre outros, verificou-se que a gestão intermédia das escolas tem alguma dificuldade em apoiar os processos de inovação curricular dos professores, nomeadamente através da criação de estruturas colaborativas que fomentem a reflexão sobre o currículo.

Na opinião de Alonso (2004) os professores

querem ser ajudados não só a conceber os seus projectos mas a implementá-los de uma forma real, concreta, no terreno. Querem ser acompanhados por alguém que lhes transmita segurança, lhes dê estímulo, esclareça dúvidas e dê sugestões. Sentem-se esclarecidos ao longo de uma acção de formação, mas depois falta-lhes o suporte continuado na aplicação prática do que aprenderam (p. 170).

Na tentativa de encontrar caminhos que permitissem dar suporte às necessidades de inovação curricular dos professores, procurámos perceber se a implementação de um processo de supervisão interpares poderia ser percecionada pelos docentes como um contributo para a melhoria das práticas curriculares. Assim, definimos como objetivos específicos:

— Conhecer a perceção dos docentes sobre o currículo de CN e as dificuldades verificadas na sua gestão;

— Implementar um processo de supervisão entre professores de CN enfocado na gestão curricular;

— Identificar as mudanças a nível de gestão curricular verificadas pelos professores participantes, durante e após o processo supervisivo;

— Conhecer a representação dos professores participantes sobre o contributo da supervisão interpares para o seu desenvolvimento profissional.

Tendo em conta a questão orientadora e os objetivos, desenhámos um projeto de intervenção na lógica da investigação-ação, considerando, como Latorre (2007), que esta é “uma indagação prática, realizada pelos professores, de forma colaborativa, com a finalidade de melhorar a sua prática educativa através de ciclos de ação e reflexão” (p. 24).

No presente projeto, estes ciclos de ação e reflexão tomaram a forma da supervisão clínica realizada interpares, com o acompanhamento e suporte de um elemento externo que funcionou em situação como “amigo crítico”, quer fornecendo informação e formação relevantes para o trabalho em curso, quer recolhendo e tratando os dados ao longo do processo. Estes dados, por sua vez, eram reinvestidos na própria ação, permitindo a melhoria do processo enquanto este decorria. Traçou-se o seguinte design de projeto, que envolveu diferentes momentos e que passamos a esquematizar na figura 2:

 

Figura 2. Momentos do processo de investigação-ação

 

O projeto foi implementado numa escola EB 2,3/Secundária, abrangida pelo programa de Territorialização de Politicas Educativas de Intervenção Prioritária (TEIP).

Neste projeto, e dada a sua metodologia, a escolha da amostra foi intencional, neste caso duas professoras de CN efetivas, habilitadas académica e profissionalmente para lecionar Ciências Naturais e Biologia e Geologia. A professora Paula [1] é uma das professoras participantes, com cerca de 30 anos serviço, sendo licenciada em Geologia - ramo educacional. A professora Mariana tem 13 anos de serviço e é licenciada em Biologia - ramo educacional. As duas colegas participantes possuem uma vasta experiência, em termos de níveis e disciplinas lecionadas, assim como de cargos de gestão intermédia. Os critérios de escolha da amostra prenderam-se com o facto de, no ano de implementação do projeto, serem as únicas docentes da área a lecionar o mesmo nível de ensino, neste caso 9.º ano, assim como a manifesta vontade de colaboração.

As entrevistas iniciais tinham como objetivo recolher a opinião das docentes sobre o currículo, bem como as suas principais dificuldades em relação a este e permitiram também para situar os seus conhecimentos em relação à supervisão clínica. As entrevistas finais, por sua vez, permitiram identificar as mudanças operadas nas conceções das professores e na gestão curricular e conhecer o eventual contributo do processo para o desenvolvimento profissional das docentes. Optou-se pela entrevista semiestruturada, realizada individualmente a cada uma das docentes participantes.

Depois de transcritas e confirmadas pelas participantes, as entrevistas foram sujeitas a análise de conteúdo. Esta seguiu um processo predominantemente indutivo na construção de categorias e indicadores, embora se tenham mantido os temas básicos do guião.

Após análise dos resultados das entrevistas constatámos a necessidade de aprofundamento da noção de supervisão e de abordagem da prática de supervisão clínica. Desenvolveu-se, assim, uma sessão de formação, na qual se clarificaram alguns conceitos relacionados com a supervisão e se suscitou, também, uma reflexão conjunta sobre as orientações curriculares de CN.

Como a figura 1 mostra, realizaram-se posteriormente três ciclos de supervisão. Os ciclos incluíram as diversas fases (reunião pré-observação; observação com análise de dados e planificação da estratégia da discussão, reunião pós-observação e por fim reunião de análise do ciclo de supervisão), à exceção da fase de pré-observação que apenas ocorreu no primeiro ciclo. As docentes participantes acordaram que as reuniões pós-observação e análise de ciclo, de algum modo já permitiriam planear as mudanças a introduzir nas aulas seguintes, pelo que não haveria necessidade reunião pré-observação em todos os ciclos, permitindo também economizar algum tempo. O principal instrumento de recolha de dados durante os ciclos de supervisão clinica foi a observação participante. A investigadora envolveu-se neste processo de supervisão com as docentes participantes, sugerindo documentos que promovessem a reflexão e criando um clima favorável ao questionamento e análise das situações observadas.

Relativamente às observações de aula, a investigadora participou em todas as observações de aula, e as docentes observaram as aulas intercaladamente. As observações foram feitas de modo naturalista, sem deixar de ter em vista as problemáticas discutidas nas reuniões que as precediam. De acordo com Reis (2011), “para cada observação de aula deverão ser definidos focos específicos (eventualmente negociados entre o supervisor e o professor) evitando observações livres que conduzem a análises pouco claras e precisas” (p. 26). A fase de análise de aulas foi feita individualmente, antes das reuniões pós-observação, seguindo-se uma grelha de análise de observação e autoanálise de aula, que foi previamente discutida com as docentes participantes e que incluía aspetos específicos da observação. Os dados recolhidos relativos às observações das reuniões, onde participavam as três intervenientes, foram analisados e tratados segundo técnica de análise de conteúdo.

 


RESULTADOS

Entrevistas Iniciais

Os resultados da análise das entrevistas iniciais, encontram-se agrupados em três grandes temas que surgem do guião de entrevista, nomeadamente o currículo de CN, a supervisão e o desenvolvimento profissional. Relativamente ao tema Currículo de CN, constata-se que ambas as docentes participantes concordaram que o programa é extenso e que nem sempre é pertinente, devido a alguns conteúdos descontextualizados para a idade e interesse dos alunos.

As professoras concordam que, de um modo geral, o currículo é coerente. No que concerne à gestão de currículo em CN, ambas as docentes referiram não sentirem dificuldades na planificação. Contudo, a professora Paula revelou que a sua planificação é ajustada aos meios e recursos que existem, afirmando: “ (…) [gostaria de] ter mais hipóteses de fazer visitas de estudo, saídas do espaço escola, […] mais intercâmbio com escolas (…) ”. Outra ideia que ambas destacaram foi a necessidade de compensar a falta de tempo e as dificuldades dos alunos na realização de trabalhos extra aula.

A professora Mariana salientou as dificuldades que sente na gestão dos conteúdos devido às alterações impostas pela tutela que levam a uma contínua reorganização do currículo. Segundo esta docente “(…) o teste intermédio abrange a matéria dos 7.º, 8.º e 9.º ano, portanto, obrigava-nos a ter que rever as matérias de 7.º e de 8.º e também as de 9.º, porque aquilo que vai ficando para trás eles também vão esquecendo e realmente foi algo difícil”.

As docentes teceram ainda algumas considerações sobre as dificuldades na avaliação dos alunos que se relacionam com o peso que é dado às avaliações escritas em detrimento da avaliação contínua e da avaliação de atitudes e valores. A professora Mariana revelou também que tem dificuldade em avaliar os alunos, devido à amplitude reduzida da escala de níveis.

Outro aspeto que foi referido pelas duas docentes foi o facto de existir uma decisão coletiva entre professores sobre o peso de cada forma de avaliação, o que de algum modo demonstra que o grupo de área se preocupa em que haja uniformidade de critérios, criando grelhas para esse efeito.

Relativamente ao tema supervisão, verificou-se alguma confusão e desconhecimento dos conceitos de supervisão e modelo clínico, surgindo muitas vezes o equívoco entre supervisão e avaliação de desempenho do professor. De acordo com estas evidências, verificou-se a necessidade de formação antes do processo de supervisão clínica, com o objetivo de esclarecer as professoras sobre estes conceitos e suscitar alguma reflexão sobre as suas práticas e o currículo de CN. A professora Paula mencionou alguns aspetos que considera serem obstáculos aos processos de supervisão interpares, nomeadamente, o trabalho individualista dos docentes, a falta de diálogo e de reflexão entre colegas, e o facto de os conselhos de turma se centrarem, quase exclusivamente, em aspetos administrativos. Esta docente referiu que, geralmente, os docentes têm receio da exposição de aspetos negativos da sua prática pedagógica, conduzindo à sua ocultação, segundo esta professora: “ (…) cada um é muito ciente daquilo que faz […] Só se transmite aquilo que se acha que se deve transmitir, que está bem feitinho, que está organizadinho (…) ”. Apesar dos receios, associados em parte à confusão entre os conceitos de supervisão e avaliação, as docentes concebiam o trabalho colaborativo como cenário promissor para partilha de estratégias e conhecimentos, assim como a reflexão conjunta sobre as práticas.

No que ao desenvolvimento profissional diz respeito, as professoras participantes consideraram que a formação contínua é um modo de desenvolvimento profissional, mas salientaram também a formação que é feita individualmente, através da pesquisa e do diálogo estabelecido entre colegas. Ambas as docentes revelaram expetativas positivas relativamente à participação num processo de supervisão interpares para o seu desenvolvimento profissional. As expetativas relacionam-se com o trabalho conjunto, com a possibilidade de uma análise mais aprofundada das práticas e da experimentação, devido à partilha de diferentes perspetivas.

Em síntese, as entrevistadas consideraram que o currículo de CN é muitas vezes difícil de gerir e esta dificuldade está muito associada à extensão do programa e à falta de recursos. As aulas práticas e experimentais foram referidas como estratégias positivas, porém o tempo e a falta de recursos conduz a um ensino mais normalizado. As professoras consideram que os modos avaliação dos alunos são, por vezes, injustos, facto que associam a uma fraca valorização da avaliação contínua e das atitudes e valores. De acordo com Harlen (1999, citado em Euridice, 2011), o facto de o ensino em ciências exatas e experimentais ser, “muitas vezes, considerado como limitado exclusivamente ao desenvolvimento dos conceitos e conhecimentos científicos” cria dificuldades acrescidas na avaliação (p. 88). Relativamente à supervisão, verificou-se alguma confusão e desconhecimento relativamente aos conceitos e processos e, por vezes, alguns receios relacionados com a exposição do professor. Apesar dos receios e dúvidas, as docentes manifestaram expetativas positivas sobre o possível contributo da supervisão interpares para o seu desenvolvimento profissional.

Das entrevistas iniciais decorreu a constatação da necessidade de (in)formação das participantes sobre o conceito e as práticas de supervisão. Foi agendada uma sessão sobre o tema, orientada pela investigadora, e na qual se trabalharam também alguns aspetos da gestão curricular e das metas curriculares de CN, articulando-os com os processos de supervisão a desenvolver. Esta sessão permitiu desmistificar algumas conceções menos claras sobre supervisão e ultrapassar alguns receios decorrentes da confusão entre este conceito e o de avaliação docente. Nela decorreu também o fornecimento de um texto[2] e de documentos de apoio ao processo de observação.

Ciclos de Supervisão Clínica

Os resultados referentes aos ciclos supervisivos seguem a ordem dos cinco momentos do cenário clínico proposto por Goldhammer (1980, citado por Alarcão & Tavares, 2003), reunindo em cada momento os resultados relativos aos três ciclos, de modo a melhor compreender a evolução e as mudanças experimentadas pelas docentes participantes. Note-se que as reuniões pré-observação foram realizadas apenas no primeiro ciclo.

Reuniões Pré-Observação

As reuniões pré-observação começaram por uma discussão sobre o currículo de CN e as suas implicações no ensino e na aprendizagem, prosseguiram com a conceção e planeamento da aula e, por fim, planeou-se a observação. Na primeira reunião pré-observação, relativa à aula da professora Paula, foram discutidas as competências específicas para a literacia científica do currículo de CN, assim como outras considerações curriculares. A discussão sobre este documento levou à reafirmação das dificuldades que as docentes participantes sentem no que diz respeito à extensão e fragmentação do currículo de CN, à inadequação do currículo em espiral (redundante), ao fraco relacionamento entre os temas e a realidade dos alunos, à pertinência da antiga disciplina de técnicas laboratoriais e às dificuldades na realização de aulas práticas, aspetos que já tinham sido mencionados nas entrevistas iniciais. Demonstraram, também, preocupação com o cumprimento do programa e a inadequação dos exames intermédios ou globais, que são implementados sem respeitar o ritmo de aprendizagem dos alunos. As professoras concordaram que os alunos são de um modo geral pouco autónomos.

Relativamente à conceção e planeamento de aula, a professora Paula descreveu algumas características da turma que dificultavam a sua ação pedagógica, tais como o elevado número de alunos, a agitação quase indisciplinada, a dispersão e a falta de concentração. A professora explicou o tópico da aula e a estratégia que iria utilizar. Por fim, planeou-se a observação, tendo-se definido a questão orientadora e a forma de registo. Ficou definida como questão orientadora da observação: Como verificar o nível de aprendizagem real dos alunos com vista à melhoria do processo de ensino? Para o aprofundamento desta problemática, combinou-se que a investigadora forneceria um texto de apoio. Foi acordado entre as três intervenientes que a investigadora integraria o processo supervisivo em todas as fases.

Na segunda reunião pré-observação, relativa à aula da professora Mariana, discutiram-se aspetos relativos ao currículo de CN, com base num artigo[3] previamente fornecido pela investigadora. Nesta discussão, voltaram a surgir alguns dos problemas de gestão curricular e algumas estratégias que consideram motivadoras para os alunos, nomeadamente os conteúdos relacionados com as CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade). Relativamente à conceção e planeamento da aula, a professora Mariana referiu o tópico e traçou-se a estratégia a utilizar; posteriormente, definiu-se a questão orientadora: será que o reforço de atividades práticas pode melhorar a memorização e o conhecimento dos conceitos? Ambas as docentes partilharam pormenores relativamente à aplicação desta estratégia e os possíveis efeitos nos alunos.

Como referimos anteriormente, as reuniões pré-observação realizaram-se apenas no 1.º ciclo supervisivo, uma vez que nos dois ciclos seguintes surgiram como o culminar das reuniões de análise do ciclo supervisivo.

 


Observações em sala de aula

Após as reuniões pré-observação, realizaram-se, em primeiro lugar, as observações de aula da professora Paula, observada pela professora Mariana e pela investigadora e, depois, a observação de aula da professora Mariana, observada pela prof. Paula e pela investigadora. As professoras e a investigadora, após cada observação, recorreram às grelhas de observação[4] para reunir os dados observados, no sentido de fazerem a hétero e autoanálise das aulas. As grelhas que resultaram destas primeiras observações foram bastante concisas e diretas, não tendo ocorrido grandes inferência ou reflexões por parte das docentes participantes. As segundas análises de aula foram mais completas, tendo as professoras efetuado inferências e comentários, como se pode verificar pelo seguinte registo feito pela prof. Mariana, a propósito da observação de aula da prof. Paula: “A professora tem a preocupação em perceber se os alunos sabem ou não; se perceberam ou não”. Por sua vez, a prof. Paula sugere, em relação à aula da prof. Mariana: “Seria benéfico a professora deixar os alunos errar mais, supervisionando menos?”. O mesmo acontece a nível de autoanálise, uma vez que especificam situações mais contextualizadas e estabelecem já algumas relações entre as estratégias, comportamentos e aprendizagens dos alunos. As análises de aula do terceiro ciclo supervisivo revelaram um progresso ainda mais significativo, na medida em que as grelhas se encontram muito mais completas, relatando aspetos mais direcionados para os alunos e o seu processo de aprendizagem. A prof. Paula também revelou este focus nos alunos e revelou-se mais segura na sua autoanálise. A prof. Mariana a propósito da sua autoanálise referiu: “Verificou-se que o grupo dos rapazes foi mais autónomo do que o das raparigas […] aluno V, no decurso da atividade, sorri... […] aluna J “brilha” na atividade – revela confiança no que está a dizer e fazer. Tem iniciativa.”. Relativamente às hétero-análises, estas foram mais contextualizadas no 3.º ciclo supervisivo, por exemplo a prof. Mariana registou a propósito da aula da prof. Paula o seguinte “A indisciplina diminuiu. Os alunos acabam por estarem mais expostos. Os próprios alunos começam a controlar os colegas e a avisar quando infringem as regras”. Note-se que os registos efetuados pela investigadora mantiveram-se bastante descritivos, particularizando os problemas, mas também valorizando os aspetos de sucesso das professoras de modo a criar o apoio solicitado por estas.

Reuniões pós-observação

As reuniões pós-observação seguiram sempre a mesma linha, começando pela autoanálise da docente, cuja aula foi observada, seguindo-se a hétero-análise e, por fim, a conceção e planeamento da próxima aula. As autoanálises de cada professora centraram-se na apreciação geral da estratégia utilizada; nas características da turma; nas dificuldades na gestão do grupo; nas dificuldades sentidas pela professora e nas incertezas levantadas durante a ação e reação dos alunos.

Na reunião pós-observação, do 1.º ciclo supervisivo, a professora Paula, na sua autoanálise, mencionou alguns aspetos que não teriam corrido bem e a sua dificuldade em reajustar a estratégia no momento em que verifica a sua ineficácia. Revelou, ainda, dificuldade em percecionar o tempo das tarefas e o nível de aprendizagem de cada aluno, visto que a turma é grande e heterógena. A docente manifestou algumas das inseguranças durante a aula e salientou a dispersão e a reduzida atenção dos alunos, entendendo que deverá optar por estratégias mais inovadoras e adequadas às características da turma. Por fim, mencionou que houve uma alteração comportamental dos alunos devido à presença de observadoras. Na hétero-análise, houve concordância com a apreciação geral da estratégia apresentada pela professora Paula. As três intervenientes consideraram que a dispersão da turma e a sua desconcentração não facilita a aprendizagem, pelo que foi projetada uma estratégia designada por “Roda de Conversa”. Já na pós-observação do 2.º ciclo supervisivo, a docente, na sua apreciação geral, não questionou tanto a sua postura, revelando-se mais segura e centrando-se mais no desenrolar da estratégia, constatando o cruzamento de conhecimentos prévios e senso comum dos alunos, assim como envolvimento dos alunos na atividade. A professora Paula verificou que os alunos ainda revelaram algum “desconforto” com a observação de aula. Relativamente à hétero-análise, as colegas consideraram a estratégia muito interessante e confirmaram o envolvimento dos alunos, tendo salientado o desenvolvimento de competências de argumentação e raciocínio. Concordou-se em manter a estratégia, procedendo, no entanto, a ajustes e melhorias no reforço da autorregulação. Dado o interesse das professoras por estratégias mais centradas nos alunos, a investigadora sugeriu uma referência bibliográfica[5]. Na pós-observação do 3.º ciclo verificaram-se progressos relevantes no que respeita à segurança e confiança da docente, no que respeita à estratégia e às reações dos alunos. Nas auto e hétero-análises, constatou-se que a “roda de conversa” teria promovido o desenvolvimento de competências de argumentação e raciocínio dos alunos, assim como o estabelecimento de interações pertinentes em relação ao tema. Salientou-se a postura da professora como mediadora da conversa, tanto a nível de aprendizagens como a nível da participação no diálogo, e verificou-se uma evolução positiva a nível de comportamento e autorregulação dos alunos que, aparentemente, tomaram consciência do seu grau anterior de indisciplina.

Relativamente à 1.ª reunião pós-observação da professora Mariana, a docente começou com uma breve descrição da aula, tendo percebido uma lacuna na aprendizagem por parte dos alunos. A professora também manifestou algumas incertezas face ao contínuo questionamento que faz aos alunos. A professora referiu que é uma turma pequena, que os alunos são calmos, disciplinados e esforçados, sendo, no entanto, inseguros, com pouca autoconfiança e pouca autonomia. Tal como a Prof. Paula, a docente referiu que houve alteração comportamental dos alunos devido à presença de observadoras. Quanto à hétero-análise efetuada pelas participantes, fizeram-se algumas considerações relativamente ao discurso lógico e encadeado da professora e também ao reforço continuado dos conteúdos. Foi discutido se o excessivo reforço não comprometeria a autonomia e o desenvolvimento cognitivo dos alunos. Durante a reunião, surgiram dificuldades que ambas as professoras partilhavam, nomeadamente, a tendência do professor para expor e construir todo o raciocínio, e a dificuldade de verificação do nível de aprendizagem dos alunos através de avaliação contínua. Posteriormente, planificou-se a próxima aula, ponderando-se sobre a possibilidade de implementação de uma estratégia de diferenciação pedagógica, baseada numa atividade prática para melhorar a autoconfiança e a auto estima. Devido a algumas dúvidas relativamente a diferenciação pedagógica, considerou-se relevante fornecer materiais de apoio sobre este tema, a ser discutido na sessão seguinte. Na reunião pós-observação do 2.º ciclo supervisivo, a professora verificou alguma evolução nos alunos, visto que a estratégia da 2.ª aula observada teria sido mais dinâmica e teria promovido alguma autonomia em alguns alunos, mas continuou a verificar que continuavam a não perceber bem os conteúdos. A docente considerou que alguns alunos têm receio de falhar por vergonha e falta de autoconfiança, situação que tem dificuldade em gerir. Na heteroanálise foi concordante o gosto e interesse dos alunos na atividade, parecendo ter contribuído para a melhoria das aprendizagens.

Procedeu-se à leitura de um artigo[6] sobre diferenciação pedagógica como forma de apoio ao planeamento da estratégia a implementar na próxima aula. As professoras concentraram-se em perceber as características dos alunos para desenvolver uma estratégia de diferenciação pedagógica, e em melhorar a autonomia e autoconfiança dos alunos. A estratégia baseou-se na construção de um modelo, em que os alunos trabalhassem em colaboração, mas que evidenciasse as valências de cada aluno. Na última reunião pós-observação, verificou-se uma evolução francamente expressiva, concluindo-se nas auto e hétero-análises que a estratégia experimentada teria sido extremamente positiva, verificando-se que a aprendizagem se desenvolveu a vários níveis: raciocínio, abstração, formulação de hipóteses, resolução de problemas práticos e relacionamento com conhecimentos teóricos. Os alunos manifestaram gosto, interesse e orgulho nas suas construções, tendo surpreendido a professora e as observadoras com a sua autonomia. Esta reunião culminou numa reflexão bastante densa sobre as crenças relativas ao ensino das CN, as dificuldades da gestão curricular em escolas TEIP e as necessidades dos alunos. Na sequência destas reflexões, as professoras concluíram que aulas mais dinâmicas e com atribuição de mais autonomia favorecem a aprendizagem, nomeadamente através da realização de atividades de construção e problematização, o reforço de atividades de interpretação de textos científicos e uma maior atenção aos processos e resultados da avaliação formativa.

Reuniões de análise do ciclo supervisivo

Foram realizadas três reuniões de análise de ciclo, que envolveram as três intervenientes e nas quais foi analisado o decurso das diversas fases dos ciclos supervisivos, numa perspetiva de monitorização, ratificação e análise de processo. Os resultados organizaram-se segundo algumas da fases do ciclo de supervisão clínica, a saber: representações sobre as reuniões pré-observação; representações sobre as observações de aula; representações sobre as reuniões pós-observação e por fim representações sobre a reunião de análise de ciclo de supervisão clínica.

Relativamente às representações sobre as reuniões pré-observação, as docentes, na primeira análise de ciclo, referiam a pertinência da preparação inicial da observação, para além da utilidade da definição de um problema como ponto de partida; apontaram, porém, que teriam tido dificuldades em definir o problema.

No que respeita às representações das docentes sobre as observações de aula, concordou-se que, inicialmente, existira um sentimento de constrangimento por parte da professora cuja aula estava a ser observada, constrangimento esse que desapareceu nos ciclos seguintes. As docentes referiram também que as observações teriam interferido inicialmente nas reações dos seus alunos, situação que também se foi dissipando. Pelo contrário, no terceiro ciclo supervisivo, as professoras salientaram a importância da observação de aula por um observador externo.

No que concerne ao registo de observação, no primeiro ciclo supervisivo verificou-se que as docentes revelaram dificuldade em registar apenas as situações relacionadas com o problema diagnosticado. Esta situação foi-se desvanecendo nos 2.º e 3.ºs ciclos de supervisão, nos quais as várias observações de aula revelaram mais dados e situações mais claras para reflexão. Relativamente às grelhas de análise de observação, as docentes desde logo consideraram que permitiam estruturar a reunião pós-observação, situação que reforçaram na análise do 2.º ciclo, destacando a sua importância para uma análise mais profunda e uma perceção mais clara dos objetivos.

No que respeita às representações sobre as reuniões pós-observação, no primeiro ciclo de supervisão foi salientada a importância do questionamento das estratégias e o confronto que permite aprofundar e melhorar a reflexão. No 2.º ciclo, as docentes destacaram o surgimento de novas perspetivas de ensino e o relacionamento interpares que, segundo elas, gerou partilha e confiança, permitindo ultrapassar os receios iniciais. No 3.º ciclo, consideraram que a reflexão conjunta sobre as observações de aula leva a um questionamento pertinente e ao planeamento estratégico das atividades de ensino, bem como à análise fundamentada dos seus resultados.

Quanto às representações sobre a reunião de análise de ciclo de supervisão clínica, surgiram referências à pertinência destas, mas também a alguns constrangimentos nas várias fases do ciclo de supervisão clínica. Relativamente à pertinência, no primeiro ciclo, as professoras concluíram que esta análise final lhes permitiu verificar que podiam ser mais objetivas na definição do problema; já no 2.º ciclo, adiantaram que o desenvolvimento estratégias foi mais contextualizado devido à maior consciência conseguida através das observações de aulas, sendo a reflexão mais orientada para as reações e características dos alunos. No que respeita aos constrangimentos, as docentes no 1.º ciclo consideraram que as sessões possuem um tempo de duração elevado. Na análise do 3º ciclo, apontaram-se constrangimentos relativos à falta de tempo para trabalhar em colaboração, levando ao individualismo. Como referiu a professora Paula, este problema agudizou-se com a criação dos mega-agrupamentos, nos quais a gestão intermédia “é uma gestão vertical”, dificultando a colaboração entre docentes. Na análise do 3.º ciclo, foram destacadas inúmeras mudanças, que servem também para sintetizar a evolução do processo e os aspetos fundamentais experienciados pelas docentes. Deste modo, as docentes participantes verificaram que progressivamente melhoraram na orientação das estratégias (métodos mais orientados para a autonomia do aluno), melhoraram o conhecimento sobre os processos de aprendizagem dos alunos e puderam verificar aprendizagens efetivas. Abandonaram algumas ideias sobre a eficácia das boas explicações (métodos transmissivos) e consciencializaram-se de que tendem a considerar que os objetivos são cumpridos desde que o professor os aborde, o que nem sempre corresponde à sua consecução pelos alunos. No entanto, as docentes receiam voltar à rotina e acomodação. Por fim, equacionou-se a possibilidade de continuação dos ciclos e a possível expansão do projeto a todos os elementos de área e de outros departamentos.

Entrevistas Finais

Tal como nas entrevistas iniciais, os resultados das entrevistas finais encontram-se agrupados em três grandes temas que surgem do guião de entrevista, nomeadamente o currículo de CN, a supervisão e o desenvolvimento profissional. No que respeita as conceções sobre currículo de CN e a sua gestão, verificaram-se algumas mudanças. Com efeito, no final do processo, as docentes focaram-se essencialmente nos alunos, discorrendo sobre as estratégias que promovem a sua autonomia, a importância do seu envolvimento em atividades experimentais e a exploração de assuntos do seu interesse e, por isso motivantes. Dentro deste tema, a professora Paula refletiu um pouco sobre as crenças relacionas com o ensino, o papel da escola e do currículo para a equidade social. Por outro lado, particularizou a desmotivação que a avaliação provoca nos alunos, uma vez que, para esta docente, a avaliação é seletiva e não formativa. Já a prof. Mariana acredita nas aulas experimentais como primordiais no ensino das CN. Relativamente às limitações do currículo de CN, as professoras voltaram a salientar, com expressividade, a extensão e a centração em conteúdos conceptuais e factuais em detrimento dos conteúdos procedimentais. As professoras sentem-se inconformadas com a fragmentação das abordagens ao conhecimento e assumem que o desenvolvimento de competências específicas não é valorizado atualmente pela tutela. A prof. Paula salientou, nesta entrevista, com clareza, que considera o currículo de CN fragmentado e limitante, na medida em que existe uma falta de articulação entre os conteúdos e as competências específicas. Para esta docente, a operacionalização real das orientações curriculares não é bem conseguida. As docentes referiram ainda as mudanças a nível das práticas curriculares, tais como a melhor orientação das estratégias de ensino e de avaliação, trabalharam mais as competências específicas, experimentaram, ousaram e inovaram, deixando de conceber o currículo como uma listagem de conceitos a transmitir. Apesar da mudança de estratégias, foi possível perceber um receio associado à implementação de práticas das quais não resulta evidência física de transmissão de conhecimentos (caderno diário, fichas de exercícios, seguimento do manual e o cumprimento do programa).

No que respeita à conceção de supervisão, ambas as docentes revelaram mudanças notórias, relativamente à primeira entrevista, até porque ambas manifestaram que a participação neste projeto foi uma oportunidade de conhecimento do processo de supervisão clínica, que desconheciam por completo. As professoras passaram a perceber a supervisão de outro modo, por exemplo a professora Mariana refere que “A supervisão interpares acaba por ser um trabalho de colaboração entre várias pessoas, e também um processo de partilha de experiências, saberes, dificuldades e sentimentos (…) não há ninguém que seja… não há um nível hierárquico (…) “. As vantagens do processo estão essencialmente relacionadas com a produtividade de aprendizagem a pares e com a melhoria de estratégias das práticas pedagógicas, uma vez que as professoras sentiram a segurança necessária para inovar e fugir ao ensino mais normalizado. Todavia, as docentes consideraram que despendiam muito tempo nas reuniões do ciclo supervisivo e por essa razão seria uma sobrecarga de trabalho extra-letivo. Para além disso, ambas as docentes consideraram a relevância da observação de aulas para o aprofundamento da análise sobre as situações de ensino. A professora Mariana, por exemplo, mencionou que com a observação de aulas, passou (…) a estar mais desperta para determinados pormenores, portanto, ainda mais atenta aquilo que se passa na sala de aula, do que, se calhar, estava até ali (…).No entanto, a professora Paula, salientou veementemente a necessidade de previsão de formas de resolver o problema das limitações de horário.

Nas entrevistas finais, destacaram-se ainda vários indicadores que revelaram um aprofundamento dos processos de planeamento estratégico, desenvolvimento e análise do ensino. Por exemplo, a professora Paula mencionou ter percecionado melhor“ (…) como os alunos estruturam, muitas vezes o pensamento, consegui ter muito mais feedback de como é que organizam, o é que eles percebem e o que é que eles não percebem (…)”. As docentes participantes manifestaram também ideias comuns relativas à vantagem da maior consciência do efeito da estruturação formal dos objetivos e estratégias na aprendizagem dos alunos. O desenvolvimento de estratégias de ação centradas na autonomia do aluno foi outro dos contributos do projeto salientado pelas docentes. Ambas consideraram que a supervisão interpares, em contexto colaborativo, foi um contributo para o seu desenvolvimento profissional. A este respeito, voltaram a referir algumas das ideias anteriormente já expressas sobre a importância da partilha entre colegas e o desenvolvimento de sentimentos de segurança que resultaram, em parte, da identificação de preocupações e de problemas comuns.

Em síntese, verifica-se que ocorreu uma mudança a nível das representações das docentes sobre o currículo de CN. O currículo passou a ser encarado de um modo mais dinâmico e estratégico, focado nos alunos e nas suas aprendizagens. As docentes parecem ter abandonado algumas inseguranças devido à partilha de ideias e à supervisão horizontal e aprofundaram a reflexão sobre as suas práticas e as formas de operacionalização do currículo. Percecionaram também mudanças ao nível da sua prática, priorizando as competências específicas em detrimento dos conteúdos factuais e conceptuais. Foram apontadas algumas desvantagens, nomeadamente a duração das sessões de supervisão e a dificuldade em encontrar horários compatíveis para observação e reunião. Com efeito, como alerta Roldão (2007c):

Dificilmente se pode pedir que o trabalho docente colaborativo seja acolhido pelos professores sem que a instituição mude também as suas regras e deixe de permitir que o trabalho docente não seja partilhado nem discutido na sua realização diária (p. 29).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dando resposta aos objetivos iniciais, é possível concluir que:

1. As professoras participantes consideram o currículo de CN demasiado extenso e fragmentado, com uma preponderância de conteúdos factuais e conceptuais em detrimento dos conteúdos procedimentais, essenciais no trabalho experimental, lamentando a extinção da disciplina Técnicas Laboratoriais. Estas características do currículo dão origem a dificuldades na sua gestão em sala de aula. A preocupação do cumprimento do programa leva a que as docentes se concentrem na correção e rigor científico da sua exposição, e ainda na lógica e clareza do seu discurso, tentando que as aprendizagens aconteçam por reforço de explicações dos conteúdos e pela sequência curricular prevista no manual. Estes fatores conduzem, de um modo geral, a uma planificação e gestão curricular centrada na transmissão dos conteúdos e em apresentações esquemáticas das atividades experimentais, pelo que não há verdadeiro envolvimento do aluno. Todavia, as docentes, nas entrevistas iniciais e finais, revelaram algum inconformismo face às práticas que têm vindo a desenvolver, considerando que são desmotivantes para os alunos e para elas mesmas, por subvalorizarem os processos experimentais, o raciocínio e a relação e aplicação com a realidade e com a sociedade e a tecnologia.

2. A componente curricular na qual sentem mais dificuldades é a avaliação. As docentes têm consciência da desvalorização que elas próprias e os alunos fazem da avaliação contínua, centrando a atenção quase exclusivamente nos resultados dos testes. Nas reuniões dos ciclos supervisivos, foi evidente que as professoras reconheciam não ter um real conhecimento sobre o que os alunos sabiam ou não, relativamente ao conteúdo em estudo, num dado momento, conhecimento a que só acediam mais tarde, com a realização do teste. Este desconhecimento parece estar relacionado com a predominância de estratégias transmissivas que focámos anteriormente. No entanto, o reconhecimento desta situação pelas professoras e a preocupação que demonstram com este aspeto estão na base de algumas das propostas de alteração de estratégias experimentadas durante o ciclo supervisivo.

3. No que respeita às mudanças a nível de gestão curricular verificadas pelos professores participantes durante e após o processo de supervisão interpares, elas são visíveis no segundo ciclo supervisivo e, essencialmente, no terceiro. No decorrer dos ciclos, as docentes foram abandonando as crenças prévias sobre o que era um bom professor (“um bom transmissor de informação cientificamente correta”) e, gradualmente, foram direcionando as suas preocupações para as características, interesses e processos de aprendizagem dos alunos, tendo em conta os resultados da aprendizagem durante as aulas, numa perspetiva de avaliação formativa. Ao longo dos ciclos, verificou-se uma maior capacidade de isolar os principais problemas identificados nas observações de aula, permitindo, por sua vez, o planeamento de estratégias diferentes e mais orientadas para os alunos concretos. Esta reorientação parece estar relacionada não apenas com alguma mudança na forma de equacionar o currículo, mas especialmente com as reflexões que resultaram das observações de aula. Sobretudo o último ciclo foi determinante para esta mudança, uma vez que consistiu na experimentação de novas estratégias, as quais decorreram da tomada de consciência pelas docentes dos comportamentos e atitudes dos alunos face aos processos de ensino anteriormente usados. A reação positiva dos alunos às novas estratégias e o nível de raciocínio e autonomia que demonstraram quando lhes foi dada oportunidade para tal, levaram as professoras a reconhecer que era possível cumprir o programa usando estratégias centradas na atividade dos alunos, as quais, para além disso, permitiam uma melhor monitorização das aprendizagens em situação letiva e, portanto, uma regulação mais eficaz do processo de ensino.

4. Quanto à representação dos professores participantes sobre o contributo da supervisão interpares para o seu desenvolvimento profissional, as docentes concluíram que esta induziu o aprofundamento dos seus conhecimentos a nível de planeamento estratégico, desenvolvimento curricular e análise do ensino. Permitiu que as docentes conhecessem melhor os processos de aprendizagem dos alunos e as suas características, tirando o melhor proveito delas para o processo de aprendizagem. Ancorando-nos nas palavras de Alarcão e Tavares (2003), as estratégias “começam a ser de natureza mais específica, mais objectiva e mais relacionada com o impacto do ensino na aprendizagem dos alunos (…)” (p. 82). Por outro lado, o facto de as participantes adotarem uma postura de análise com vista à melhoria e aceitarem partilhar dificuldades, receios e opiniões terá potenciado o sentimento de segurança, desconstruindo algumas crenças anteriores sobre modos de gestão curricular.

Em suma, concluímos que este processo de supervisão interpares, levado a efeito em contexto profissional, foi percecionado pelas professoras como um contributo para a melhoria das práticas curriculares, contributo esse que se verificou essencialmente a nível da estruturação das estratégias focadas na autonomia e nas formas de aprendizagem dos alunos, implicando uma nova atenção à avaliação contínua como forma de monitorização dos resultados e de regulação do ensino. Neste sentido, as professoras desenvolveram conhecimentos estreitamente relacionados com a forma de organização e gestão do ensino numa dada área disciplinar, inserindo-se no Conhecimento Didático do Conteúdo.

Considerações poderão ainda ser tecidas sobre a metodologia desenvolvida. Em primeiro lugar, saliente-se a importância que teve a participação de um elemento que, sendo exterior e tendo uma interferência limitada, funcionou, apesar disso, como catalisador da ação e da análise das situações. O facto de esse elemento ter o papel de investigador, mas ser também um profissional do mesmo ofício (conhecendo a cultura das escolas e o currículo em análise), não nos parece despiciendo. Para além disso, a recolha e análise atempada dos dados permitiu a sua devolução aos participantes em tempo útil para a tomada de decisão, o que parece ter sido fundamental para propiciar a discussão e orientar o planeamento da intervenção subsequente.

Em segundo lugar, a descrição do processo de supervisão mostra que há uma gradual aprendizagem sobre a forma de registo e utilização dos dados recolhidos pelas próprias durante as observações, dados que lhes permitiram, posteriormente, uma reflexão mais aprofundada sobre a situação observada. A observação e a sua análise, por sua vez, deram origem à identificação mais concisa dos problemas, a partir dos quais foi possível formular de modo mais claro e preciso as questões orientadoras das observações seguintes. Os registos das reuniões pós-observação nos 3 ciclos supervisivos permitem identificar uma evolução qualitativa nas formas de questionamento e análise não só das situações observadas, mas também dos balanços que vão sendo feitos sobre as próprias reuniões.

Destas constatações parece possível inferir que, para além das aprendizagens relacionadas com a melhoria da prática pedagógica, ocorreram também aprendizagens relacionadas com a forma de melhoramento dessas práticas. Essas aprendizagens são passíveis de transferência para outras situações e, em última análise, poderão orientar processos futuros de desenvolvimento profissional, orientados para a indagação e a procura fundamentada de novas soluções a partir/para os contextos concretos em que elas são necessárias. Porque articulam o saber formal com o saber experiencial e foram desenvolvidas colaborativamente, através de uma atitude de indagação, estas aprendizagens podem configurar aquilo que Cochran‑Smith e Lytle (1999) designaram como “conhecimentos da prática”.

Este processo mostra ainda que a colaboração entre professores com vista à melhoria das práticas e ao desenvolvimento profissional não é apenas mais um discurso retórico que, de tão repetido, se tornou vazio de sentido. Pelo contrário, é possível, é viável e tem resultados. No entanto, como as docentes participantes frisaram mais do que uma vez, exige tempo e disponibilidade e, para tal, é necessário que as lideranças das escolas criem as condições para que experiências como esta possam ser disseminadas.

 


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Contacto:

Ana Emília da Fonseca Marques, Agrupamento de Escolas de Avis, Estrada Nacional 244, 7480-115 Avis, Portugal / marques.emi@gmail.com
Departamento de Ciências Humanas e Sociais, Unidade de Investigação do Instituto de Educação – UL, Escola Superior de Educação de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa, Campus de Benfica do IPL, 1549 - 003 Lisboa, Portugal /teresal@eselx.ipl.pt

 

(recebido em agosto de 2015, aceite para publicação em junho 2016)

 


NOTAS

 


[1] O anonimato foi mantido, garantindo a privacidade das participantes através de nomes fictícios.


[2]Texto fornecido: Ferreira, S.; Morais, A.M. & Neves, I. (2010). Conceção de currículos de ciências. Análise dos princípios ideológicos e pedagógicos. Revista Educação & Realidade, 35 (1), 283-309


[3] Texto fornecido: Reis (2013). Fatores de Sucesso na Sala de Aula -Discussão em CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) - Estudo de Caso. Les Dossiers des Sciences de L’Éducation, 29, 68-80


[4] A grelha incluía os seguintes tópicos: Problema (s) diagnosticado (s); Planeamento e Preparação (incluía objetivos e recursos); Metodologias de Ensino; Interações professor-alunos; Gestão do Tempo; Diferenciação pedagógica


[5] Texto fornecido: Vasconcelos, C. & Almeida, A. (2012). A prendizagem Baseada na Resolução de Problemas. Porto: Porto Ed.


[6]Santos. L. (2009). Diferenciação Pedagógica: Um desafio a enfrentar. Revista Reflexão e acção. 53/53

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