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Da Investigação às Práticas

versão On-line ISSN 2182-1372

Invest. Práticas vol.5 no.1 Lisboa mar. 2015

 

ARTIGOS

Liderança em agrupamentos de territórios de intervenção prioritária: imperativos, contingências e lógicas de acção

 

Maria de Fátima Chorão Sanches I;Mariana DiasII

I Unidade de Investigação Educação e Formação (UIDEF)

mfsanches@ie.ul.pt

II Instituto de Educação da Universidade de Lisboa

marianad@eselx.ipl.pt  

Contacto

 


Resumo

Centrado na acção de liderança, este estudo propôs-se identificar as contingências e imperativos inerentes ao processo de implementação do programa TEIP num agrupamento de escolas. Especificamente, pretendeu-se captar a heterogeneidade das lógicas de mudança e identificar modos de apropriação subjectiva da liderança pedagógica e organizacional. Os resultados reforçam a ideia de que implementar um programa novo é construção de complexidade holística, implicando a conjunção integrada de múltiplas estratégias de liderança. Discutem-se os resultados à luz das teorizações iniciais, com relevo para as lógicas de prestação de contas e alguns sinais de ‘balcanização’ organizacional.

Palavras-chave: liderança escolar, políticas de educação prioritária, lógicas de governação de agrupamentos de escola TEIP, contextos de mudança e prestação de contas

 

Abstract

Focusing on leadership, this study aimed to identify the contingencies and requirements inherent to the process of implementing a program for Priority Education Intervention in a school cluster. Specifically, it sought to capture the heterogeneity of change logics and to identify ways of subjective appropriation of pedagogical and organizational leadership. The results reinforce the idea that implementing a new program has a holistic complexity, implying the presence of multiple integrated leadership strategies. The paper discusses the results in light of the initial theories, with emphasis on the logic of accountability and some signs of organizational 'Balkanization'.

Key words: school leadership, policies of priority education, logics of governance in TEIP schools, contexts of change and accountability

 

Résumé

Cette étude, centrée sur l'action de gouvernance, se propose d'identifier les contingences et impératifs inhérents au processus d'implémentation du programme TEIP dans un établissement scolaire, regroupant plusieurs écoles. Spécifiquement, nous nous proposons de capter l'hétérogénéité des logiques de changement et identifier les modes d'appropriation subjective de leadership pédagogique et organisationnel. Les résultats renforcent l'idée que l'implémentation d'un nouveau programme est une construction de complexité holistique, impliquant la conjonction intégrée de multiples stratégies de leadership. Les résultats seront discutés à la lumière des théorisations initiales, soulignant les logiques de responsabilisation et certains signes de "balkanisation" organisationnelle.

Mots clés: gouvernance de l'école, politiques d'éducation prioritaire, logiques de gouvernance dans les écoles TEIP, contextes de changement et de responsabilisation

 


INTRODUÇÃO

Em congruência com directivas da União Europeia no domínio da educação, as políticas mais recentes em Portugal têm apelado ao contributo da liderança da escola e das comunidades locais para a coesão social e uma cidadania escolar aberta à diversidade [1] Contudo, a investigação mostra que estas finalidades, pela sua complexidade, nem sempre são atingidas. Perante os efeitos sociais da presente crise económica, a governação actual das escolas enfrenta imperativos cada vez mais antinómicos entre si. Neste contexto, as opções de liderança tornam-se ambivalentes, entre uma forte orientação para a prestação de contas e uma maior sensibilidade aos condicionalismos sociais e económicos das comunidades escolares. No que respeita a Portugal, pressupõe-se que os problemas sejam mais prementes em agrupamentos situados em zonas de intervenção prioritária, naqueles cuja adesão a programas de apoio impõe metas a atingir para melhoria do sucesso dos alunos. Que contingências se colocam aos líderes educacionais quando imperativos de cidadania se acrescentam aos requisitos de sucesso e eficácia das escolas situadas em “zonas difíceis”? Que prioridades subjazem às dinâmicas de liderança nestes agrupamentos? Que estratégias de liderança adoptar?

Integradas no movimento de territorialização, tendente a pôr em prática promessas reiteradas de descentralização e autonomia das escolas, as políticas de intervenção prioritária iniciaram-se com o Despacho nº147-B/ME/96, sob influência de programas já implementados em outros países, como a Inglaterra ou as ZEP (Zones d´Éducation Prioritaire) em França (van Zanten, 2001). No plano do apoio social, das aprendizagens e da qualificação, impuseram-se metas a atingir, de modo a “elevar os níveis globais de competências, com prioridade para as pessoas menos qualificadas e em risco de exclusão”; instituíram-se novas regras de funcionamento dos agrupamentos; e concederam-se apoios financeiros acrescidos a essas escolas no sentido de diversificar e reforçar recursos humanos e inovar métodos de aprendizagem e de ensino.

Embora de natureza controversa e com resultados aquém dos anunciados na retórica oficial, estas políticas induziram expectativas de melhor qualidade da escola pública; de aprofundamento da democratização da sociedade; de maior equidade social; e, sobretudo, de uma distribuição mais justa das oportunidades educativas. Relativamente a estas finalidades prioritárias, pode dizer-se que os sistemas políticos e escolares têm procurado deixar de ser, na expressão de Bourdieu, “indiferentes às diferenças”. Todavia, apesar do mandato social e educativo consignado à escola, mesmo nos países mais ricos da União Europeia, os programas de educação compensatória ainda não obstaram à persistência das desigualdades e da exclusão social.

À semelhança dos resultados obtidos em outros países (Charlot, 1994; Demeuse et al., 2008), os estudos portugueses referentes quer ao programa TEIP de primeira geração (Barroso, 1997; Canário, 2000; Canário et al., 2000; Costa et al., 2000), quer ao TEIP2 (Abrantes et al., 2011; Correia et al., 2008; Canário 2009; Lopes, 2012) sublinham o carácter limitado destas políticas em vários dos seus objectivos centrais. Ao examinarem os efeitos das políticas de territorialização da educação em Portugal, diversos autores interrogam-se sobre que factores poderão garantir a sustentabilidade destas políticas (Dias, 2013; Sanches & Dias, 2013). Embora sejam já visíveis progressos em termos da melhoria dos comportamentos sociais dos alunos e da retracção quantitativa do abandono escolar, permanecem problemas de proximidade às médias nacionais e de sustentabilidade dos progressos académicos dos alunos em alguns agrupamentos.

Centrada na acção de liderança em agrupamentos localizados em territórios de educação prioritária, a investigação que se descreve propôs-se caracterizar lógicas de mudança organizacional e identificar contingências e imperativos inerentes ao processo de implementação do programa TEIP num agrupamento de escolas Este texto desenvolve-se em torno das seguintes componentes: em primeiro lugar, analisaram-se estudos que equacionam princípios e perspectivas de liderança em relação à eficácia da escola e sucesso escolar dos alunos, sobretudo em contextos de complexidade social. Nas secções seguintes, apresentam-se as especificações do estudo, em termos de objectivos, caracterização do caso em estudo e fundamentação das opções metodológicas subjacentes à descrição e análise interpretativa dos resultados. Finalmente, as conclusões reforçam esta ideia principal: implementar um programa novo é construção de complexidade holística que implica opções controversas de governação da escola e a conjunção de estratégias diferenciais de liderança.

 


LIDERANÇA EM CONTEXTOS ESCOLARES ‘DIFÍCEIS’

Tendo em conta os contextos de governabilidade das escolas situadas em territórios de marginalização social e económica, os estudos empíricos sugerem que a acção de liderança, obedecendo embora a exigências de prestação de contas, não pode ignorar princípios fundamentais de natureza social e ética. Os líderes escolares serão sensíveis e mais atentos às práticas escolares radicadas nos valores de cidadania educativa e social. Impõe-se, neste sentido, a construção de projecto educativo fundado numa ética de cuidado e de cidadania. Preocupar-se-ão, também, em reforçar a congruência entre as práticas organizacionais e pedagógicas dos professores e os objectivos expressos no projecto educativo local. Contudo, é nesta articulação que se poderão encontrar as decisões mais dilemáticas da liderança. Com efeito, a investigação portuguesa mostra, por um lado, que os actores sociais que constituem a comunidade escolar local nem sempre dão o devido valor e reconhecimento à diversidade (Lopes, 2012). Por outro lado, o estudo comparativo entre escolas, desenvolvido por Torres e Palhares (2009), configura lideranças escolares que se orientam entre perfis “forte” e “democrático” e tendem a assumir perspectivas tecnocráticas focadas no desempenho e prestação de contas.

Estudos internacionais sobre liderança em “escolas difíceis” mostraram que a liderança mais eficaz tinha em conta a articulação entre múltiplas prioridades: (1) combate a todas as formas de discriminação e exclusão; (2) tolerância em relação a perspectivas divergentes e aceitação da diversidade; (3) relevância das oportunidades de aprendizagem, tanto no ponto de vista pessoal como organizacional; (4) incentivo à colegialidade interna; e, ainda, (5) colaboração com as comunidades locais, no sentido de exercer influência tanto ao nível local como nacional (Leithwood, Jantzi & Steinbach, 1999). Por outro lado, a investigação sobre vias de superar dificuldades de sucesso escolar e a relação com o papel de liderança (Harris, 2001; Stringfield, 1998) indicia falta de criatividade das escolas e de disseminação das boas práticas. A análise da relação entre organização interna da escola e o sucesso dos alunos sugere ainda a frustração dos professores e os efeitos negativos sobre a motivação dos alunos. Neste aspecto, os professores pareciam assumir um “pessimismo resignado”, revelando mesmo uma “estagnação de visão” profissional que criava obstáculos e resistência à mudança e melhoria das práticas pedagógicas.

Desconexões entre estruturas organizacionais são referidas em outros estudos. Este tipo de disfunção, que Andy Hargreaves designou por “balkanização”, surge nas seguintes situações: (a) os esforços de melhoria seguem em direcções desencontradas; (b) a articulação entre estratégias e finalidades é fraca ou omissa; (c) a comunicabilidade interna tende a ser formal e de tipo burocrático; e (d) a atomização e isolamento funcional das estruturas intermédias impedem práticas fecundas de colegialidade profissional.


Relevância da liderança “distribuída”


O conhecimento actual sobre a eficácia das reformas educacionais releva a influência dos contextos nos quais se desenvolve o trabalho profissional dos professores, enquanto facilitadores do desenvolvimento e sustentabilidade de comunidades de prática e das aprendizagens dos alunos. Esta ordem de efeitos é potenciada quando se dá prioridade às finalidades pedagógicas da liderança. E quando é partilhada com os professores: pela maior proximidade com as aprendizagens e os alunos; pelo poder motivador da organização colegial do trabalho; e, ainda, pela capacidade de inovação que se gera em contexto de comunidades de aprendizagem. Esta perspectiva - de liderança distribuída, partilhada e participativa - é relevante para a motivação dos professores quando impulsionada e apoiada em convergência com as lideranças de topo. Até que ponto se enfatiza esta perspectiva de liderança pedagógica, em função do projecto TEIP?

Importa, ainda, ter em conta que a liderança escolar se exerce em contextos de influência externa, os quais têm impacto, por vezes negativo, nas culturas profissionais dos professores e nos processos de mudança. Sabe-se hoje que a liderança, pensada e exercida como praxis pedagógica, requer autonomia dos professores relativamente a opções de desenvolvimento curricular, uma autonomia profissional construída e fundada em hábitos de colegialidade reflexiva e crítica. No entanto, embora a investigação saliente as virtudes das culturas de colaboração e da liderança partilhada com os professores, enquanto base sustentadora da mudança e sucesso dos alunos, as políticas portuguesas mais recentes tendem a favorecer práticas de lideranças de tipo unipessoal que poderão afectar o ethos das escolas (Sanches, 2009). Com efeito, interacções de natureza competitiva foram identificadas em recentes contextos de reforma da escola e da avaliação de professores (Sanches & Jacinto, 2013). Também Silva e Lima (2011) concluem que a reestruturação das funções e responsabilidades atribuídas a docentes cria situações desafiantes para se criar um clima de trabalho propício ao desenvolvimento profissional dos professores.

Em convergência com estes resultados empíricos, estudos realizados em Inglaterra reforçam a conclusão de que a eficácia da liderança parece residir na combinação de múltiplas estratégias, entre as quais o reforço das aspirações dos professores, dos alunos e das comunidades. Mas é necessário partir do diagnóstico das necessidades das escolas, em fases diferentes do seu desenvolvimento, enquanto organização educativa, e estar em sintonia com os imperativos definidos a nível nacional. Salientam-se apenas algumas conclusões: (1) valorização de uma cultura de escola que seja partilhada por toda a comunidade escolar e educativa, sobretudo em contextos sociais mais problemáticos;(2) empenhamento na definição e implementação de práticas pedagógicas e organizacionais promotoras do sucesso dos alunos; e (3) melhoria do clima de escola, em termos das expectativas e motivações da comunidade educativa (Day et al., 2009).

Em suma, ainda que não haja um modelo único, a investigação tem identificado algumas características associadas à eficácia dos líderes escolares. Sem descurar as de ordem social, são prioritárias as estratégias que dão ênfase ao desenvolvimento e bem-estar da pessoa e à melhoria do rendimento escolar dos alunos. Mas, também, aquelas que adequam as estratégias de liderança às características da escola, aos contextos dos alunos, às necessidades e ideais educativos nacionais. Todavia, é só no seu conjunto que estas estratégias contribuem para mudanças de escola, sejam elas relativas à diversidade cultural ou às práticas da sala de aula.

 


DELIMITAÇÃO DO ÂMBITO DO ESTUDO

Integrando-se num projecto mais vasto [2] que procura contribuir para uma compreensão aprofundada das políticas de educação prioritária, o foco deste estudo incidiu sobre a acção de liderança em agrupamentos situados em territórios de intervenção prioritária (TEIP). São ainda escassos os estudos portugueses com foco particular nos processos organizacionais, em tempo de mudança de políticas educativas. Tendo em conta não só os contextos sociais, mas também as características dos programas de apoio aos agrupamentos TEIP, importa aprofundar o conhecimento das estratégias de liderança em articulação com os problemas quotidianos emergentes nestes espaços escolares.

A problemática que originou o presente estudo de caso assenta em pressupostos segundo os quais a acção de liderança dos agrupamentos TEIP se fundamenta em objectivos especificados no projecto educativo e obedece a regras de acção gestionária e compromissos assumidos com as instâncias governativas centrais. Um primeiro eixo analítico reporta-se ao processo de adesão ao programa TEIP no agrupamento NOVO, aos factores que levaram à adesão ao programa TEIP2 e às expectativas geradas por este programa oficial. Outro eixo analítico equaciona mudanças nas estruturas intermédias de coordenação pedagógica e organizacional.

Baseado em dados provenientes de um agrupamento de escolas TEIP2, este trabalho orientou-se em função dos seguintes objectivos específicos: (a) discernir em que sentido se foram transformando (ou não) as disposições do programa TEIP, tal como foram contratualizadas entre agrupamento e instâncias ministeriais; e (b) captar a heterogeneidade das lógicas de acção subjacentes ao processo de apropriação e implementação desse programa. Tendo em conta estes objectivos, o âmbito deste texto delimita-se na análise das seguintes questões específicas: (1) Como se caracteriza o agrupamento NOVO, em termos de população escolar e profissional? (2) Como se processou a adesão ao programa TEIP? (3) Que implicações surgiram no processo de implementação do programa TEIP? (4) Que orientação de liderança predomina?

 

Processos metodológicos


Em termos metodológicos, esta investigação reflecte a perspectiva designada por epistemologia do particular, que tem dado legitimidade a estudos com ênfase no que é singular, por exemplo, de carácter autobiográfico e estudos de caso. Partindo de um conjunto particular de resultados, esta abordagem permitirá uma “generalização analítica” (Buchanan, 1999), referenciável a teorizações de maior amplitude. Para fundamentar a análise de conteúdo dos dados recolhidos por entrevista, recorreu-se à concepção cognitiva e social das lógicas de acção (Bacharach, Bamberger, & Sonnenstuhl, 1996). Sendo de natureza colectiva e individual, as lógicas de acção não se constituem como realidades imutáveis; pelo contrário, são dinâmicas e hierarquizáveis, estabelecem-se tendo em conta uma relação entre meios e fins; assinalam compreensões grupais no interior da organização; representam formas adaptativas ou de resistência à mudança; obedecem a objectivos particulares e temporários; e reflectem modos específicos, quer de definir situações de conflito, quer de lidar com as contingências experienciadas.

O processo de investigação foi muito facilitado pela abertura e receptividade demonstradas ao longo do tempo, particularmente pelo director e coordenadora da equipa TEIP. Ao longo do ano lectivo 2012-2013, a recolha de dados incidiu sobre diversas fontes de informação. Além de uma entrevista de grupo a cinco coordenadores de departamento, realizaram-se mais três entrevistas ao director, coordenadora TEIP e membro do gabinete de apoio à família (GAF). Foram entrevistas semi-estruturadas, com duração além de duas horas, que se transcreveram verbatim e se orientaram segundo um protocolo constituído pelas seguintes dimensões:(a) enquadramento e construção do projecto TEIP; (b) interacções  externas e internas; (c) estratégias de melhoria; (d) tomada de decisão e mudanças realizadas; (e) práticas de liderança; e (f) sustentabilidade e impacto das políticas TEIP.

Os dados recolhidos foram submetidos a análise de conteúdo que permitiu a identificação de unidades de sentido, definidas em função das respectivas categorias e indicadores, como se ilustra no Quadro 1. Para efeitos da análise inserida neste texto, deu-se prioridade à informação proveniente das entrevistas e notas de campo com o director de agrupamento, a coordenadora do programa TEIP, cinco coordenadores de departamento e duas professoras envolvidas na avaliação interna do agrupamento. O processo interpretativo também se baseou em documentos legislativos reguladores das políticas de intervenção prioritária, em relatórios mais recentes de avaliação externa realizada pelo Ministério da Educação e em documentos produzidos internamente pelo agrupamento, entre os quais o projecto educativo do agrupamento, os planos de melhoria e os relatórios de avaliação interna.

 

Quadro1. Estrutura Exemplificativa da Análise de Conteúdo

Programa TEIP

Acção de liderança

Antecedentes e adesão

® Pontos fortes

® Pontos fracos

® Factores de contingência

 

 

 (Re)negociação

® Compromissos iniciais

® Renegociação

Estratégias

ü Performatividade

ü Carácter imperativo das ‘metas’

ü Rigor na avaliação pedagógica

ü Reestruturação pedagógica

ü Resistência à mudança

Liderança

ü Proximidade

ü Supervisão organizacional


 


CARACTERIZAÇÃO DO AGRUPAMENTO TEIP NOVO

Este agrupamento de escolas, designado por TEIP NOVO, foi criado no ano lectivo 2004-2005, situa-se na área de Lisboa, e é constituído por um Jardim de Infância, por uma escola básica do 1º ciclo e por uma escola básica do 2.º e 3.º ciclos. Aderiu ao programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP2) em 2009-2010. O agrupamento insere-se em área social e económica muito carenciada, com alunos oriundos de diferentes etnias, de alguns Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP) e de famílias itinerantes.A formação académica, ocupacional e profissional dos pais caracteriza-se do seguinte modo: (a) 73% dos pais têm formação escolar; (b) 2% têm formação superior e 10% secundária ou superior; e (c) 4% dos pais exercem actividades de nível superior e intermédio.

Os dados recolhidos em 2011/2012 indicam uma taxa de escolaridade da população em geral muito baixa: cerca de 1% da população é possuidora de um curso profissional médio ou superior e aproximadamente 44% da população não possui qualquer nível de escolaridade. Assinalam-se as baixas expectativas das famílias face à escola, bem como casos de negligência familiar e no acompanhamento dos encarregados de educação da vida escolar dos seus educandos. Como se lê já no relatório interno de 2013, estas características repercutem-se na inserção laboral da população activa e no acesso a empregos qualificados. Um elevado número de pessoas não tem ocupação profissional ou tem apenas trabalhos temporários. Entre a população que trabalha, 2% exerce a sua actividade no sector primário e cerca de 69% no sector terciário, mas em tarefas de baixa qualificação. Esta situação origina desemprego, precariedade económica, habitacional e educacional.

 

Corpo docente e diversidade da população discente


O corpo docente é heterogéneo, num total de 117 docentes, dos quais 46% pertencem aos quadros, 54% são contratados e 58% leccionam há menos de dez anos. Embora os professores sejam, na sua maioria, professores contratados com vínculo anual, já se observa uma crescente atribuição de professores ao quadro de nomeação definitiva. Esta estabilidade crescente foi considerada fundamental para a prossecução das finalidades do projecto educativo, tanto pelo director como pelos coordenadores.

Frequenta as escolas do agrupamento um total de 880 crianças e jovens: 148 da educação pré-escolar (6 grupos); 280 do 1º ciclo (14 turmas); 171 do 2º ciclo (9 turmas); e 242 do 3º ciclo (12 turmas). Os cursos profissionalizantes integram 12 dos cursos de educação e formação, do tipo 2 (Acompanhante de Acção Educativa e Empregado de Mesa); e 27 alunos do Programa Integrado de Educação e Formação, distribuídos por uma turma do 2.º ciclo e outra do 3.º ciclo. Os alunos com necessidades educativas especiais de carácter permanente totalizam 91, em 2010\2011.

A composição da população escolar apresenta forte diversidade cultural:

✔ 34 alunos (7%) de 14 nacionalidades para além da portuguesa.

✔ Predominam os alunos de origem cabo-verdiana.

✔ 74% dos alunos beneficiam de Acção Social Escolar;

✔ 52% beneficia do escalão A e 22% do escalão B.

✔ 26% do total de alunos não beneficiam de auxílios económicos.

 


PROJECTO TEIP NO AGRUPAMENTO NOVO: FACTORES DE CONTINGÊNCIA

Que motivos foram considerados pelo Agrupamento Novo para aderir ao programa TEIP2? Esta questão radica em duas dimensões centrais. Uma respeita aos resultados académicos e disciplinares dos alunos; outra reporta-se às características sociais, económicas e culturais da comunidade escolar, bem como a carências de recursos em áreas críticas da governação deste agrupamento. A análise do relatório de avaliação externa, referente ao ano 2008, indiciava já alguns constrangimentos que desencadearam a necessidade de um programa TEIP. Entre os pontos fracos, assinalavam-se os seguintes: os resultados académicos; deficiente articulação sequencial com as escolas secundárias que recebem os alunos que prosseguem os estudos; e articulação frágil e não sistemática entre os departamentos curriculares. Os constrangimentos são sobretudo de ordem organizacional: (a) número reduzido dos auxiliares de acção educativa face às necessidades do agrupamento, tendo em conta as características da população escolar; (b) número insuficiente de docentes da Educação Especial;(c) reduzida participação da generalidade dos pais e encarregados de educação dos alunos dos 2º e 3º Ciclos do Ensino Básico, apesar das várias estratégias utilizadas pelo Agrupamento para os envolver; e (d) inexistência de Serviços de Psicologia e Orientação.

 

Negociação do programa TEIP com as instâncias ministeriais


A negociação inicial do contrato-programa concretizou-se no ano 2010/2011. Das interacções de regulação emergentes no processo de adesão resultou a aprovação do projecto educativo TEIP em termos da sua natureza, estratégias e objectivos. Esta decisão obedeceu aos seguintes fundamentos:

✔ inserção num bairro social cujas famílias têm baixos níveis de literacia;

✔ existência de problemas económicos, revelando-se na necessidade de 80% da população escolar beneficiar do apoio socioeducativo do SASE;

✔ problemas de indisciplina graves associados a elevado insucesso escolar; e

✔ problemas de relação entre escola e famílias.

A análise das entrevistas confirma a informação proveniente do último relatório de avaliação externa que identificou problemas de estruturação, de articulação, conceptualização e adequação do projecto TEIP à realidade específica da escola. Aparentemente, em termos organizacionais, surgiram dificuldades de vária ordem: desenvolvimento de uma “lógica de projecto”; desarticulação entre estratégias e objectivos; dificuldades no diagnóstico e definição de indicadores sobre o funcionamento da escola; e dificuldades na metas quantificadas. De facto, alguns destes problemas foram confirmados no Agrupamento NOVO, em particular, pelas professoras agregadas à equipa de avaliação interna da escola.

Talvez devido às dificuldades iniciais, tenham sido menos bem acolhidas as propostas de mais recursos humanos, no sentido de resolver problemas e carências do agrupamento. As palavras do director ilustram as seguintes condicionantes e restrições: a negociação que houve foi mais nos recursos que eles iriam encontrar na escola,aí sim, porque nós poderíamos propor que eles nos afectassem 4,5,6 professores e eles afectaram menos. E pedimos também técnicos para o Gabinete de Apoio ao Aluno e à Família, um dos mecanismos que nós temos para intervir junto dos das famílias, se calhar, eles não nos puseram como nós quisemos. Também não nos deram tantas horas que nós necessitávamos para desenvolver os nossos projectos, aí houve negociação. Relativamente à questão da definição de objectivos, isso é uma responsabilidade da escola e eles aí não alteraram. (EDIR, p. 3)

Afinal, a negociação não foi positiva nas questões de recursos que implicavam aumento de verbas; pelo contrário, imperou a posição das instâncias ministeriais. Contudo, respeitou-se a posição da escola no que se referiu à definição dos objectivos a atingir com a implementação do projecto TEIP.

 

Renegociação do contrato TEIP: Ênfase estruturante das metas


A pressão para o sucesso académico dos alunos obrigou, mais tarde, a direcção do agrupamento a solicitar mais recursos. A satisfação por parte do ministério implicou reestruturar o contrato-programa, redireccionar esforços e pôr em prática estratégias de melhoria em consonância com o projecto educativo.

Como actuaram as instâncias ministeriais perante o fracasso inicial do agrupamento em cumprir o contrato estabelecido? Aparentemente, adoptaram posicionamentos de compreensão. Mesmo quando os índices de desempenho dos alunos continuavam abaixo das expectativas e das metas aprovadas, os representantes do Ministério da Educação não tomaram posições rígidas. Neste sentido, as interacções com as instâncias reguladoras do Ministério da Educação caracterizaram-se deste modo: “havia controlo mas não havia as consequências”. Todavia, o director reconheceu que “mais recentemente, as coisas têm sido um bocadinho diferentes”(EDIR, p. 3).

Nesta fase, impunha-se uma liderança que fizesse prevalecer as regras estabelecidas no contrato-programa final. Tratava-se de atingir “metas quantificadas”, “baseadas em resultados”. Esta viragem estrutural requeria uma liderança focada na concretização das metas, agora tornadas mais claras e mais específicas. Como referiu o director,

as coisas não estavam a funcionar, sentimos a necessidade de reformular o Projecto Educativo e já fizemos um contrato-programa com metas muito claras. Se nós não cumprirmos, implicam a saída do Programa TEIP. No final deste ano, temos metas claras, não são metas largas, são metas baseadas em resultados efectivos, quantificadas. (EDIR, p. 3)

O director assume com clareza e vigor esta posição: atingir metas ou sair do programa! Tornou-se um compromisso pessoal e organizacional para o sucesso:

fizemos um contrato que eu assinei, o Conselho Geral assinou, em que eu me comprometo, enquanto director de uma escola TEIP a atingir as metas. Se eu não atingir, saio do programa TEIP. (EDIR, p. 6)

Aceitar e atingir as metas negociadas significava (co)responder à pressão externa. Em consonância com os resultados das avaliações externa e aferida, essa pressão externa funcionou como imperativo interno de melhoria nas áreas a avaliar:

Olhe, por exemplo, nós temos que ter resultados na avaliação aferida ou nas provas, nos exames nacionais, do 4º, 6º e 9º, que têm de ser… têm de ter uma determinada diferença relativamente à média nacional. Se nós não conseguirmos atingir essa diferença, não cumprimos a meta, temos zero valores. Depois, há um indicador que é o indicador que mede a diferença entre a avaliação interna e a avaliação externa, nós temos que diminuir o intervalo entre os valores da avaliação interna e os valores da avaliação externa, se não conseguimos diminuir o intervalo numa determinada percentagem, temos zero nesse indicador. (EDIR, p. 5)

Assim sendo, as metas acordadas com as instâncias reguladoras, inscritas no plano de acção interna do agrupamento, ganharam um alcance e relevância inesperados mas consentidos. Com efeito, satisfazer metas de desempenho impôs-se como factor indiscutível e medida quantificadora, não só do sucesso académico dos alunos, mas também da eficácia da liderança do agrupamento.

 


LÓGICAS DE ACÇÂO E APRENDIZAGENS ORGANIZACIONAIS

O director admite não estar a ser fácil atingir igual sucesso em todas as metas assumidas. Importava, por isso, atacar o problema de raiz, optar por alternativas pedagógicas inovadoras e redefinir prioridades para os alunos dos primeiros anos de escolaridade. As dificuldades inerentes a estas mudanças foram igualmente referidas e analisadas pela coordenadora TEIP:

Nós, nos primeiros anos, acho que andámos a tapar buracos... é um bocadinho a expressão que é: onde é que há insucesso? Onde é que somos avaliados? 6º, 9º e 4º. Então é aí que vamos incidir. Não, não devia ter sido. Quando chegámos aos maus resultados no 4º já fomos tarde, devíamos ter atacado antes. (ECOORD, p. 10)

O processo de dar vida real ao projecto TEIP revelou-se empreendimento complexo. Tratou-se, na prática, de confrontar hábitos profissionais adquiridos e erradicar processos já institucionalizados, substituídos agora por novas regras pedagógicas e organizacionais.

 

Do sucesso ‘artificial’ à lógica de exigência


A renovação do projecto educativo implicou reestruturar o trabalho pedagógico para um desempenho mais eficaz. Quais foram as soluções reestruturantes e as estratégias utilizadas? É o próprio director quem responde a esta questão. Partindo do pressuposto de que “a razão do sucesso é a organização”, renovaram-se estratégias de ordem organizacional: o registo fiel, quantitativo e sistemático das ocorrências disciplinares, além da criação de um gabinete disciplinar. Segundo o director,

em termos organizacionais, para já, (...) não se identificavam as ocorrências, portanto, eu, no 1º ano, fui a escola do país que teve mais ocorrências disciplinares… Isto não é motivo de orgulho, porque eu sistematizei uma forma de registo de ocorrência. Criei um gabinete disciplinar para onde os meninos eram encaminhados (...) Eu quantifiquei até ao pormenor tudo. (...) Não sei se os outros agrupamentos fazem o registo como eu faço. (EDIR, p.35)

A ênfase da liderança recaiu prioritariamente sobre os resultados académicos dos alunos, já que a meta referente às questões disciplinares estava em “fase de resolução” e em linha com a avaliação interna expressa no relatório de 2013.

Assinale-se que a atribuição das classificações dos alunos sofreu uma viragem notória destinada a eliminar hábitos de avaliação dos alunos, dominantes na direcção anterior do agrupamento, que reduziam o número de retenções e reprovações. O discurso dos participantes - director, coordenadora TEIP e coordenadores de departamento - é concordante com esta mudança, embora reconheçam a persistência de alguns efeitos do ‘facilitismo’ avaliativo herdado da liderança anterior. No dizer do director, “a interpretação que se fazia (...) era suposto os alunos não chumbarem, não serem retidos, pronto. Depois chegavam aos exames nacionais e os resultados eram dramáticos, eram calamitosos” (EDIR, p. 5). Essas práticas antigas ainda estão na memória, mas, agora, como algo a que não se pode regressar:

porque nós não podemos esquecer que há trabalho a ser feito na escola. Portanto, isto é também uma escola que, por política anterior, o que interessava era fazer os alunos sair, sair, sair, sair, saísse por tudo e por nada... (EDIR, p.36)

A coordenadora TEIP reconheceu as dificuldades que têm acompanhado tal mudança:

Eu acho que mudou (...) tínhamos muito sucesso interno que não era real. E agora, ao nível da exigência dos comportamentos e tudo, mudou, actuação de regras (...). Portanto, o primeiro ano um bocadinho conturbado, com muitas mudanças. As coisas estão a encaminhar(...). Estes dois TEIP (...) acho que foram experimentais, um bocadinho aprender com os erros. (ECOORD, p. 30)

em suma, a clarificação de regras internas, com a mudança de director e a capacidade de “aprender com os erros”, potenciou mudanças para que a situação começasse a ser revertida em termos da maior proximidade dos resultados entre avaliação interna e externa.

 

Ênfase em práticas de monitorização reflexiva


O insucesso escolar, ainda inferior à média nacional, aconselhou uma atitude de reflexão e incentivo a mudanças pedagógicas. A política pedagógica de maior exigência concentrou-se, sobretudo, nos resultados académicos dos alunos. No dizer do director,

Tornámo-nos mais exigentes (...) Nós começámos a exigir desde a 1ª classe até ao 9º ano, os resultados da avaliação interna estão mais próximos da avaliação externa mas continuamos a ter resultados muito fracos na avaliação externa, continuam a ser muito, muito fracos mesmo. (EDIR, p. 5)

No tempo da anterior directora, o que interessava é que os alunos passassem, e havia uma percentagem que se atribuía às atitudes e valores e uma percentagem para os resultados. Se não me engano, para a parte de atitudes e valores era 50% e para a outra, outros 50%. A certa altura, quando eu tomei posse, achámos que isso tinha que ser repensado, e então, decidimos dar à parte académica 80% e 20% à parte das atitudes e valores. (...) Os alunos sentiram e os pais sentiram que havia aqui uma cultura de exigência e as coisas, resumindo, levaram a um grande choque. (EDIR, p. 15)

Tanto a coordenadora TEIP como o director assumem que o insucesso tem sido difícil de combater. Não será “uma coisa para já”, dizem. Mas acreditam que a “cultura de exigência vai produzir resultados”. É sobretudo o director quem se interroga e considera inexplicável a lentidão em reverter o insucesso, sobretudo porque foram várias as mudanças internas adoptadas: (a) criação de oficinas; (b) foco nas actividades da sala de aula; (c) organização de grupos de nível; e (d) maior número de professores de Português e Matemática, áreas estas que constituem ainda o “principal problema”. Apesar de terem sido introduzidos processos de maior rigor e exigência avaliativa,

para nós é uma perplexidade, porque nós não entendemos o porquê, (...) somos muito rigorosos, cada vez mais rigorosos na avaliação que fazemos aos nossos alunos, também no sentido de aproximar a dificuldade dos testes que se fazem internamente àquilo que é a dificuldade dos exames nacionais, também aquilo que é ensinado. (EDIR, p. 5)

Portanto, a nossa forma é (...) não permitir que os alunos progridam sem saber ler nem escrever. (EDIR, pp. 4-5)

A coordenadora TEIP partilha esta perspectiva crítica, assumindo a necessidade de mudanças pedagógicas mais consistentes e inovadoras:

Ainda não conseguimos saber é como é que fazemos para mudar. O meu ponto de vista tem mesmo a ver com a prática pedagógica muito baseada ainda nas fichas, nos exercícios e no quadro, eu própria faço isso ainda muito, já estou a tentar combater um bocadinho, a pôr mais situações problemáticas, o grupo a resolver. (ECOORD, p. 23)

Assinale-se que, com a recente liderança do agrupamento, se verificou uma mudança de perspectiva, com impacto em práticas de avaliação pedagógica mais rigorosas dos alunos: de uma posição permissiva para outra de maior rigor nas regras de retenção dos alunos sem sucesso.

 

A coordenação TEIP: Uma experiência de aprendizagem


Apesar de ser considerada “necessária e pertinente”, a equipa de coordenação TEIP ocupa um cargo inexistente. A introdução desta nova estrutura está a ocasionar problemas de funcionamento, porque implica mudanças de “hábitos” e de perspectiva. Sendo fonte de novas aprendizagens, esta função, tanto no domínio organizacional como pedagógico, foi considerada

das mais difíceis, porque implica muita mudança e a maioria das pessoas que estão incluídas nestas acções têm alguma dificuldade à mudança e às novas práticas e novos hábitos de funcionar. Eu própria me sinto muitas vezes inibida, tenho que dizer, ‘espera aí que a coordenadora TEIP sou eu, então tenho que coordenar’. (ECOORD, p.35)

A questão da eficácia do funcionamento da equipa TEIP emergiu também nesta entrevista em tom crítico. Sendo uma experiência nova, a coordenadora transmite um discurso autocrítico sobre o funcionamento desta estrutura TEIP:

Esta é das tais questões que nós não estávamos habituados, aí se calhar é uma falha minha, não reunir a equipa mais vezes, não chamar mais vezes a equipa a contribuir para o projecto porque, basicamente, o que é que acontece, vem os relatórios TEIP. A monitorização das coisas sou eu que faço, e é isso que é falha minha, eu vou fazendo porque há sempre um que está ocupado, outro que não pode, faço e vou fazendo e de vez em quando peço ajudas. (ECOORD, p. 34)

Na prática funciona bem porque a maioria da equipa TEIP está tudo dentro do pedagógico, faz parte do pedagógico, há duplicação. Funcionamos muito bem connosco próprias. (...) Parece-me uma pescadinha de rabo na boca, não há muito sentido, se calhar, porque somos os mesmos. Mas também, continuo a achar, não acho que seja aqui importante a questão da equipa porque a equipa está um bocadinho omissa. (ECOORD, p. 37)

Acho que a equipa TEIP não deveria ser por imposição legal mas por uma questão de predisposição das pessoas para trabalhar e colaborarem neste projecto, ou o coordenador escolher a equipa TEIP apesar de também, por exemplo, estar alguém da auto-avaliação,  (...) tem a ver com a disponibilidade das pessoas. (ECOORD, p. 34)

A orientação para novas aprendizagens de tipo organizacional é expressa ainda pela coordenadora TEIP, ao reconhecer que

temos que fazer muitas coisas diferentes, com a intervenção precoce, mais trabalho de equipa, A equipa TEIP não pode ser só equipa de nome, tenho que pensar como pôr a funcionar, se continuar eu, (...) aprendemos muito, eu acho, a monitorizar, que é uma coisa que eu acho que não tínhamos hábito. (ECOORD, p. 24)

Em síntese, as novas estruturas de coordenação TEIP constituíram um domínio de novas aprendizagens. Mas, também, foi questionada a composição e até a sua necessidade. Por um lado, é posta em causa a sua estrutura que parece duplicar outras instâncias organizacionais da escola. Por outro lado, não devendo ser imposta legalmente, a sua composição deveria diferenciar-se e ter como critério experiência em coordenar e uma “predisposição das pessoas” para exercer este mandato.

 


LIDERANÇA ORGANIZACIONAL: MODOS DE REGULAÇÃO

A coordenação dos departamentos, as mudanças na organização didáctica do trabalho dos professores e os problemas da sala de aula constituíram-se objecto da acção prioritária do director. Em última instância, sobressai a sala de aula como lugar pedagógico para onde convergiram os processos de regulação interna. Neste sentido, pode dizer-se que a liderança se tornou mais actuante nos espaços organizacionais, implicando maior proximidade relativamente ao trabalho dos professores.

Supervisão organizacional partilhada? O director assumiu frontalmente o papel de supervisão dos processos organizacionais das estruturas intermédias, com foco particular no desenvolvimento curricular. Embora estas questões fossem também tratadas em sede de Conselho Pedagógico (CP), pretende estar a par da forma como os professores e os diferentes departamentos fazem a sua apropriação do currículo:

Também faço a supervisão e o controlo do desenvolvimento curricular (...). Há determinados directores de agrupamentos de escola que reúnem só com os coordenadores de departamento sem ser em pedagógico, portanto, é uma espécie de conselho de coordenadores de departamento, é um grupo mais intermédio para trabalhar as questões da gestão intermédia precisamente.)

Além disso, a intervenção do CP não se revelou suficientemente eficaz em conseguir mudar as práticas pedagógicas dos professores. É neste sentido que o director perspectiva uma regulação de maior proximidade para garantir o êxito das mudanças na estrutura organizacional intermédia do agrupamento:

nós já discutimos muitas destas questões no conselho pedagógico. Mas parece-me que se está a tornar cada vez mais evidente que é necessário um grupo mais restrito, só com coordenadores de departamento, discutir estas questões pedagógicas. (…) Sobre a hipótese de incluir também os professores nessas reuniões... acho que não são geríveis essas reuniões. Trabalha-se com a gestão intermédia. (pp. 11-12)

Contudo, como a acção do CP não pode abarcar todos os problemas, o director assume trabalhar “com a gestão intermédia”, embora procurando evitar um estilo “policial” de liderança. Antes assumiu uma supervisão partilhada, não só em relação aos professores na sala de aula, como aos coordenadores de departamento. No seu dizer, apenas exerceu funções de supervisão parcialmente, em “sentido restrito”, ora partilhando-a quando observa aulas, ora endossando-a aos coordenadores de departamento. E acrescenta:

Como director, vou todos os dias (...)Vou a todas as salas de aulas, mas depois, o que eu vejo é que o professor sumaria uma coisa, no caderno do aluno está outra, ou sumaria uma coisa mas passa um filme. Portanto, isso é da minha obrigação. Eu já lhe identifiquei o problema mas, por exemplo, uma coisa que acontece, passa a aula toda, os 90 minutos, a escrever no quadro de costas para os alunos aos gritos, isto não é nada! Depois eu entro na sala, está o professor a escrever a matéria e os meninos por cima das mesas, literalmente. Eu peço ao Coordenador de Departamento o favor que intervenha. (EDIR, p. 20)

O diagnóstico das dificuldades de ordem pedagógica e as observações regulares em sala de aula, além do trabalho directo com os coordenadores de departamento, assumiram particular relevância. Importava que os coordenadores adquirissem hábitos de monitorização em função da informação oriunda da avaliação. Mais ainda, que articulassem o resultado dessa análise com a redefinição de estratégias destinadas a optimizar o sucesso académico dos alunos:

Nós apercebemo-nos desta problemática da gestão intermédia o ano passado.

O Coordenador de Departamento é informado e reúne com os colegas de forma a preparar... por exemplo, balanços da avaliação do 1º período. Os departamentos já sabem que têm de trabalhar com os colegas os dados que vão apresentar, e não é só apresentar números (...). O Coordenador de Departamento tem a obrigação de apresentar estratégias de resolução do problema, e isso é trabalhado com o departamento, com o grupo disciplinar em causa. (EDIR, p. 14)

Contudo, há grupos disciplinares que são apreciados pelo seu funcionamento colegial:
há grupos disciplinares e de departamento que trabalham já de uma maneira muito colaborativa, por exemplo, o departamento de matemática e ciências experimentais que trabalham regularmente, (...) é uma tradição. (...) há coisas que eu posso fazer, é criar o tal conselho dos coordenadores de departamento e, se calhar, discutir com eles formas de o trabalho ser mais produtivo. (EDIR, p. 18)

Esta modalidade de supervisão, justificada pelo diagnóstico de disfunções organizacionais e pedagógicas, intensifica a actuação dos coordenadores de departamento junto dos professores menos experientes ou recém-chegados ao agrupamento. Estas formas de regulação interna são corroboradas pela coordenadora TEIP:

Alguns casos ... a direcção aí actua, em termos de aulas em que possa haver mais problemas, pede a colaboração do coordenador de departamento e diz, ‘na aula x e y tu vai ver o que é que se passa, dá ajuda ao colega, vê o que é que é preciso’. (ECOORD, p. 25)

A visão crítica e reflexiva, patente no discurso da coordenadora TEIP, reporta-se também à desconexão entre o trabalho dos professores e os imperativos inscritos no projecto TEIP. Afinal, até que ponto os professores estarão motivados e aptos para estas mudanças pedagógicas neste contexto específico? Como refere a coordenadora,

há professores que não estão preparados para estes alunos porque isto envolve muito maior esforço, mais criatividade sobretudo ao nível da prática pedagógica, criatividade para lidar com conflitos(...).

Aí é que eu acho que está a referir a questão do perfil, de haver professores que lidam melhor com este tipo de escolas/territórios e outros não. (ECOORD, p. 15)

Embora defenda uma supervisão colegial entre professores, na medida em que “não há aulas fechadas”, falta ainda dar o “grande passo”:

Aliás, mesmo em reunião de departamento, analisando os resultados, numa das últimas reuniões eu disse, ‘temos que saber o que é que o professor A faz nas aulas porque eles têm x% de sucesso naquela disciplina, nós não no 2º ciclo, por isso, temos que ir ver a aula dela’. Mas depois ficou no ar porque... falta dar este grande passo.  Eu acho que apesar de tudo, no departamento há um espírito de grande abertura, nós não temos problemas. (ECOORD, p. 20)

Como se revelou nesta análise, parece haver um ambiente positivo e aberto de trabalho nos departamentos curriculares. Contudo, a coordenadora TEIP reconhece os problemas com que se deparam alguns professores e a necessidade de uma supervisão mais próxima dos professores e da sala de aula.

 


AUTONOMIA PROFISSIONAL VERSUS LIDERANÇA SUPERVISIVA

Apesar das directrizes gerais serem convergentes com as novas finalidades e objectivos inscritos no projecto TEIP, não tem sido satisfatório o funcionamento do sector pedagógico intermédio. Emergem até na entrevista do grupo de coordenadores alguns sinais de dissensão entre estes e o director.

Resistência à mudança versus monitorização do desempenho. Como a coordenadora TEIP admitiu, parecia predominar, entre os professores, uma cultura de resistência à mudança. Além disso, nem todos os coordenadores aceitavam pôr em prática as regras de supervisão dos professores. Também o director mencionou este tipo de disfunção organizacional:

não lhe posso dizer que são eficazes (…). Muito sinceramente, vejo que os professores coordenadores de departamento pedem aos professores que façam a planificação do ano lectivo. Mas depois, não fazem o acompanhamento dessa planificação, muitas vezes não fazem (...). Portanto, se o problema é pedagógico, os senhores do departamento têm que fazer um acompanhamento muito mais próximo dos colegas. Se há uma determinada planificação e essa planificação, ao fim de um mês, não está a resultar, se ao fim do 1º período não está a resultar, têm que refazer. Refazer, não digo os conteúdos porque isso são conteúdos programáticos, quanto muito podem definir/ajustar o nível de exigência. Mas podem, com certeza, trabalhar. (EDIR, pp. 13-14)

Em resultado de uma supervisão pedagógica mais directiva, transparece o descontentamento do director. Afinal, parece dominar uma cultura profissional de autonomia, que resiste às mudanças propostas. Neste sentido, os coordenadores de departamento,

lá está, não gostam de se meter na sala de aula. E, portanto (...) dizer ‘tem que haver supervisão!’, ou observação em sala de aula ... senão passo eu a fazer a supervisão (...) basta ver o livro de ponto e pedir um caderno de um menino, que foi o que senhor inspector me disse para eu fazer. (EDIR, p. 21)

Uma certa ironia crítica perpassa no discurso do director. Perante o trabalho ainda pautado por práticas tradicionais dos professores, não bastava ajustar o ‘nível de exigência’. Impunha-se incentivar e reforçar a supervisão didáctica dos professores, dado que, nem sempre, os coordenadores de departamento (CD) cumprem a função de supervisão que lhes cabe.

Estas desarticulações entre estruturas (e no seu interior) determinaram reactivar os subsistemas de supervisão pedagógica. É insistente a preocupação do director neste campo, dado que as práticas dos professores não tinham mudado: “a questão que nós estamos a ver é que (...) as metodologias não têm sido alteradas como deviam ter sido” (p.13). Neste sentido,

Nós decidimos que íamos pedir aos Coordenadores de Departamento que fizessem supervisão pedagógica ... que fossem às aulas observar as aulas dos colegas ou que pedissem aos representantes de disciplina que observassem as aulas dos colegas para ver o que é que, em termos de metodologia, de estratégia estaria a precisar de ser redefinida, ou conversado ou discutido … (EDIR, p. 14)

Contudo, o reforço da supervisão de professores em sala de aula foi entendido como uma forma de directividade que ocasionou divergências entre professores e director:

não chegámos a um entendimento acerca desse modelo de supervisão pedagógica, porque os colegas acham que não pode ser uma imposição da direcção, não podemos obrigar os Coordenadores de Departamentos, os representantes a irem à sala lá observar os colegas, têm de ser os colegas a voluntariarem-se. No meio destas discussões, perdeu-se um ano lectivo em que não se aplicou esta questão, esta metodologia ou esta solução. (EDIR, p. 14)

Mesmo assim, argumenta em favor de uma supervisão mais próxima, da sua parte e dos directores de departamento, no sentido de adequar o desenvolvimento curricular e as práticas lectivas à realidade da população escolar: “ninguém verifica se o professor cumpre o programa, se não cumpre, se a estratégia… eu não duvido que cumpram, agora o que acontece, é assim, a forma como operacionalizam o currículo é que, se calhar, não é a mais adequada” (EDIR, p. 21).

Em suma, o director reconhece não ter chegado a um entendimento com os coordenadores de departamento. Todavia, foi insistente nas seguintes orientações de mudança, em particular na distinção entre escolas TEIP e não TEIP no sentido de ser mais bem compreendida a especificidade do projecto educativo TEIP.

 


SÍNTESE E CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Com foco na acção de liderança, este estudo desenvolveu-se com o objectivo de identificar contingências e imperativos inerentes ao processo de implementação do programa TEIP num agrupamento de escolas. Globalmente considerados, os resultados sugerem que a liderança do agrupamento NOVO se confrontou com algumas fragilidades e obstáculos relativamente a uma implementação bem-sucedida do programa TEIP. Embora os resultados académicos dos alunos não correspondessem ainda aos objectivos e metas desejados, também foi notória uma forte motivação para prosseguir uma política interna de reestruturação organizacional e pedagógica. A análise realizada permite concluir que a liderança adoptou novas perspectivas de governação e se orientou para direcções múltiplas mas convergentes: (a) enfatizar a performatividade e cumprir os compromissos assumidos do programa TEIP, quantificando e atingindo as metas negociadas com o ministério da educação; (b) eliminar os problemas herdados da governação anterior, no que respeitava a um sucesso “artificial” sem correspondência com a realidade; (c) difundir normas de exigência e rigor avaliativo das aprendizagens; (d) reforçar processos de monitorização, no sentido de maior eficácia e melhoria dos resultados dos alunos;(e) incentivar práticas de sala de aula inovadoras e de maior colegialidade profissional; (f) (re)legitimar formas diferenciadas de supervisão dos professores; e (g) clarificar regras de funcionamento interno, com implicações para uma responsabilização profissional colectiva.

Nesta síntese interpretativa, sublinham-se as seguintes dimensões: os imperativos e contingências, internas e externas, que se colocaram à liderança neste agrupamento; as lógicas de acção, feitas de dissonâncias entre finalidades a atingir e aceitação das mudanças; uma certa ambivalência entre, por um lado, uma liderança focada no compromisso e performatividade e, por outro lado, uma liderança que enfrentou hábitos anteriores dos professores que criam obstáculos e resistências. Note-se, por fim, que estas dimensões analíticas não se revelaram mutuamente estanques, antes se entrelaçam no propósito de ter êxito em cumprir as prioridades constantes do projecto educativo do agrupamento NOVO.

Liderança para a mudança: Imperativos e contingências. Em sintonia com outros estudos (Nicolaidou & Ainscow, 2005), a análise sugere uma apropriação complexa de formas diversificadas de liderança nas condições difíceis de governação experienciadas no agrupamento NOVO. Embora não tenha sido posta a hipótese de um ‘efeito de liderança’, este estudo mostrou a relevância de uma liderança instrucional, focada nas actividades da sala de aula (Leithwood et al., 2004; Leithwood & Riehl, 2005). A liderança pedagógica ocupou, efectivamente, um lugar central no processo de implementação do projecto TEIP NOVO, com acento particular na mudança de práticas de ensino, mas foi complementada e reforçada com estratégias para uma articulação organizacional intermédia mais eficaz.

Os resultados da avaliação interna e externa do agrupamento tinham feito sobressair disfunções organizacionais e pedagógicas, interpretadas como principais obstáculos à melhoria dos resultados académicos dos alunos. Ao assumir-se como líder pedagógico, motivado por objectivos de melhoria de desempenho da escola e dos alunos, a liderança do director tornou-se mais convergente com a sala de aula, o lugar pedagógico prioritário da regulação interna. Talvez por isso não se escondeu a crítica e o descontentamento perante professores que não controlavam a indisciplina e o conservadorismo daqueles que não aderiam a práticas novas de ensino.

Supervisão dos professores. Em consonância com estudos sobre mudanças organizacionais e posicionamentos dos professores (Hargreaves, 1995), também no agrupamento NOVO surgiram algumas resistências iniciais à eliminação de hábitos enraizados nas culturas profissionais e de escola. A preocupação com a mudança de perspectiva, por parte dos professores, é legitimada pelas características sociais e familiares da comunidade. Parecia haver professores que ainda não tinham compreendido a natureza especial de um projecto TEIP, não só pelas suas finalidades e estratégias próprias mas, ainda, pelo contexto social em que o agrupamento está inserido. O director não ignorava que a supervisão organizacional e pedagógica era vista por alguns professores como forma de “imposição”. Confronta-se mesmo com a resistência dos coordenadores em permitir a supervisão na sala de aula, o “santuário” dos professores, ainda que realizada segundo uma perspectiva clínica e de desenvolvimento profissional. Como já se verificou em outros estudos (Sanches, 2009), neste agrupamento, procurou-se contrariar uma cultura de fechamento profissional, com pendor individualista, que impede a escola e os professores de beneficiar de práticas colegiais favoráveis à mudança.

Contudo, o reforço da supervisão pedagógica, embora essencial para a mudança de práticas, foi objecto de resistência, porque “os professores são muito detentores da sua própria verdade e não querem, não gostam, preferem não ter intervenção de outros colegas dentro da sala” (EDIR, p. 17). Apesar das excepções que distinguem alguns departamentos, como o da Matemática e das Ciências, este estudo evidencia uma cultura autonómica dominante entre os professores que teve efeitos a vários níveis. Notou-se, neste aspecto, uma autonomia profissional, fechada e de tipo individualizante, contrária à construção de comunidades de aprendizagem (Sanches, 2007), e com reflexo pouco satisfatório nos resultados finais dos alunos, tal como constava do relatório de avaliação de 2013 no agrupamento NOVO.

O sentido colegial incipiente, traduzido na abertura da sala de aula a outros colegas e em práticas conjuntas de monitorização dos resultados, mostra persistirem hábitos de desconexão entre departamentos e entre professores. Neste aspecto, notou-se que as estruturas organizacionais intermédias e mesmo a própria equipa TEIP, conscientes deste problema, procuravam desenvolver estratégias de colegialidade mais profícuas. É a própria coordenadora TEIP quem salienta o facto de que, por vezes, é ela a assumir e a responsabilizar-se pelo trabalho que competiria repartir pelos membros da equipa. Idêntico fenómeno - de sobrecarga de trabalho apenas para os professores mais disponíveis - é confirmado pelo director.

Para obstar à atomização das estruturas pedagógicas e organizacionais, o director considerou seguir o exemplo de outros agrupamentos nos quais se constituiu um grupo mais restrito de coordenação. Contudo, essa verticalização organizacional excluiria ainda mais professores da partilha e do debate de problemas, diminuiria o envolvimento motivador e a compreensão mais profunda e vivida dos professores em relação ao projecto TEIP. Poderia até criar, seguindo Nicolaidou e Ainscow (2005), um sentimento de exclusão e diminuição da autoridade profissional. Mais ainda, a investigação sugere que a verticalização dos processos de interacção não contribui para incentivar, apoiar e desenvolver as comunidades de prática profissional, tão necessárias à inovação pedagógica e a uma liderança colegial nas escolas (Sanches, 2007).

Rumo à melhoria dos resultados académicos dos alunos: processo em transição. Apesar de alguma estagnação dos resultados dos alunos, a perspectiva da coordenadora TEIP é de um optimismo mitigado. Por um lado, expressa satisfação na medida em que, no plano da indisciplina, “já não se sente tanto a necessidade de insistir no “saber ser e estar””. Todavia, no que respeitava ao “saber”, não havia resultados “palpáveis”, “ainda não passou tempo suficiente”, para surgirem resultados efectivos. Será necessário “dar mais tempo”, para que se tornem visíveis melhorias, e seja crescente a proximidade entre resultados internos e da avaliação externa. Enfim, neste terceiro ano TEIP, ainda permanecem dois tipos de problemas: o sucesso académico dos alunos quando em comparação com a hierarquia de avaliação externa de outros agrupamentos; e a melhoria da relação com os encarregados de educação.

Orientação da Liderança. A investigação em escolas com programas de melhoria mostra não existir um estilo único de liderança, mais facilitador das mudanças do que outros. Os líderes estão em constante modo adaptativo ou de reconfiguração, na expressão usada em James e Connolly (2003). Diversificam e tornam contingentes às situações os seus modos de liderar. Neste agrupamento, pode dizer-se que a liderança se exerceu em múltiplos espaços de interacção e, talvez por isso, ganhou configuração compósita, ora sob formas de apoio e motivação, ora assumindo a ‘pressão performativa’, na expressão usada por Stefan Ball.

Identificaram-se modos adaptativos diferenciais perante as contingências internas e externas. Por um lado, desenha-se uma liderança de fidelidade à normatividade externa e prestação de contas, impulsionada pela urgência de cumprir os compromissos assumidos no contrato-programa TEIP. Nesta medida, compreende-se a directividade posta na pressão para o desempenho e supervisão directa dos professores. Por outro lado, identificou-se um pendor democratizante que repudiava a liderança de tipo “policial”, ao afirmar-se “não andar a policiar se as pessoas fazem ou não fazem” (EDIR, p.48). Esboça-se, aparentemente, uma liderança de consideração pela pessoa, expressa na compreensão das situações particulares dos professores; quando, por exemplo, se procura amenizar a pressão da normatividade interna, mostrando-se disponível para ajudar e conceder até algumas “benesses”.

Em suma, identificaram-se lógicas de acção em fases diferenciadas do complexo processo de mudança. Numa fase inicial, emergiram lógicas de resistência à mudança que foram associadas à persistência dos baixos níveis de rendimento escolar dos alunos. Numa segunda fase, adoptou-se uma lógica pedagógica de exigência e de rigor avaliativo, com atenção focada nas áreas definidas para avaliação interna e externa. Coincidente com a liderança do director actual, apoiaram-se práticas de reflexividade crítica e incentivou-se um sentido colectivo de responsabilidade. Contudo, apesar dos esforços e mudanças realizadas até ao final do ano de 2013, o agrupamento NOVO encontra-se ainda em fase de transição, com consciência plena de muito progresso a perspectivar.

 

Investigação futura

 

Este estudo de caso de liderança baseou-se em informação múltipla proveniente de fontes complementares, embora nem todas integráveis nos limites deste trabalho, como, por exemplo, os dados do questionário dos professores. Estas limitações, a superar em trabalhos de maior extensão e numa abordagem comparativa, poderão imprimir maior desenvolvimento e riqueza à compreensão das questões emergentes desta análise.

Os resultados referentes à acção profissional dos professores sugerem novas interrogações e investigação futura mais aprofundada em torno das culturas profissionais, em tempo de mudança em escolas de intervenção prioritária. Para a sustentabilidade destes programas de apoio bastará a existência de regras claras, objectivos bem estabelecidos e a ênfase na prestação de contas? Ou requerer-se-á um perfil próprio para ser professor nestas escolas, como admite a coordenadora TEIP? Será, efectivamente, indispensável a disponibilidade e motivação especial dos professores que desempenham funções de coordenação pedagógica nestes contextos? Até que ponto a atitude destes professores se aproxima de uma perspectiva elitista de ensino, como conclui o estudo coordenado por Lopes (2012)? Relativamente à acção de liderança exercida no contexto deste agrupamento NOVO, foram menos visíveis alguns aspectos a aprofundar futuramente. Este trabalho não responde à questão de saber em que medida se deu relevo aos valores propagados pelas políticas de intervenção prioritária, subjacentes ao projecto educativo da escola. Além disso, mostrou apenas uma liderança focada nas mudanças organizacionais e pedagógicas. Contudo, perante as características da comunidade escolar e educativa, será relevante inquirir, em futuros estudos, qual a predominância que assume uma liderança de pendor social.

 

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Contacto: Maria de Fátima Chorão Sanches, Unidade de Investigação Educação e Formação (UIDEF), Instituto de Educação, Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade 1649-013 Lisboa, Portugal
Mariana Dias, Departamento de Ciências Humanas e Sociais, Escola Superior de Educação de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa, Campus de Benfica do IPL 1549-003 Lisboa, Portugal


(recebido em janeiro de 2014, aceite para publicação em julho de 2014)


NOTAS

 


[1] Na sequência do Despacho de 1996, que inaugura as políticas de intervenção prioritária (TEIP1), o Despacho nº 55/2008 (TEIP2) reitera o papel da “escola pública baseada na promoção da educação para todos, com qualidade, orientada para a promoção da dignidade da pessoa humana, a igualdade de oportunidades e a equidade social é um instrumento central na construção de uma sociedade livre, justa, solidária e democrática”. Em sintonia com a Estratégia de Lisboa, o Quadro de Referência Estratégica Nacional refere que “a escola pública é ainda uma condição básica de coesão social e nacional, de crescimento e de modernização tecnológica do País no âmbito da transição para a economia do conhecimento e a sociedade de informação”.


[2] Projecto PTDC/CPE-CED/114789/2009, financiado pela FCT e coordenado por Mariana Dias (segunda autora do presente artigo), ESE de Lisboa.

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