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GOT, Revista de Geografia e Ordenamento do Território

versão On-line ISSN 2182-1267

GOT  no.13 Porto jun. 2018

https://doi.org/10.17127/got/2018.13.006 

ARTIGO

 

A paisagem nos Planos Diretores Municipais – uma proposta metodológica para a identificação e caracterização de unidades de paisagem no município de Oeiras

The landscape in the Municipal Directors Plans – a methodological approach to the identification and characterization of landscape units in the municipality of Oeiras

 

Nuno, David1

1 Universidade de Lisboa, Instituto Superior Técnico | Departamento de Engenharia Civil e Arquitetura, CERIS; Av. Rovisco Pais 1049-001, Lisboa, Portugal; nunomigueldavid@gmail.com

 

 

RESUMO

O estudo da paisagem tornou-se uma tarefa exigida pela administração central, nomeadamente a incorporação dos princípios da Convenção Europeia da Paisagem nos Planos Diretores Municipais, que estão atualmente em revisão em muitos municípios portugueses. Tendo o município de Oeiras como um estudo de caso, propõe-se uma metodologia para a identificação e caracterização de unidades de paisagem, através de uma abordagem exploratória que combina métodos da estatística multivariada e sistemas de informação geográfica. Os resultados relevam a importância dos modelos probabilísticos, enquanto forma de fazer gerar alternativas, estimulando a participação dos atores locais, especialmente no que toca à importância de construir e discutir alternativas em planeamento.

 

Palavras-chave: Unidades de paisagem, modelos probabilísticos, participação.

 

ABSTRACT

Landscape studies has become a task required by the central administration, namely the incorporation of the European Landscape Convention principles into the Municipal Master Plans, which are currently under review in many Portuguese municipalities. Taking the municipality of Oeiras as a case study, a methodology is proposed for identification and characterization of landscape units, through an exploratory approach that combines multivariate statistics and geographic information systems. The results highlight the importance of probabilistic models to generate alternatives, and to stimulate the participation of local actors, especially regarding the importance of constructing and discussing alternatives in planning.

 

Keywords: Landscape units, probabilistic models, participation.

 

 

1. Introdução

Portugal enquanto Estado Membro do Conselho da Europa, subscreveu no ano 2000 o texto estabelecido na Convenção Europeia da Paisagem (CEP), tendo posteriormente procedido à sua transposição para Lei nacional através do Decreto 4/2005 de 14 de Fevereiro. Entre os vários aspetos que constam na CEP, destaca-se o facto de se ter estabelecido formalmente as bases para uma relação jurídica entre a ‘paisagem’ e a prática do ordenamento do território e urbanismo. Assim, como consta nas medidas gerais definidas pelo Artigo 5º, cada Estado Membro compromete-se a reconhecer juridicamente a paisagem como uma componente essencial do ambiente humano, bem como a definir e aplicar políticas de paisagem[1], através de procedimentos para a participação do público e autoridades com competência. Cada Estado Membro compromete-se ainda a “integrar a paisagem nas suas políticas de ordenamento do território e de urbanismo, e nas suas políticas cultural, ambiental, agrícola, social e económica, bem como em quaisquer outras políticas com eventual impacte directo ou indireto na paisagem.” (CEP, 2000).

Como medidas específicas, constantes no Artigo 6º do texto, é referido como necessário que cada Estado Membro proceda à identificação das paisagens nos seus territórios, sendo estas entendidas como todas as paisagens e não apenas as mais valorizadas ou classificadas. Outro aspeto importante refere-se à análise e caracterização das dinâmicas e pressões a que estão sujeitas, devendo igualmente, cada Estado Membro acompanhar de forma dinâmica as suas transformações.

Tendo por base os princípios da Convenção, a administração central editou nos últimos anos alguns documentos de referência com orientações estratégicas e específicas para a integração da paisagem nos vários níveis de planeamento (e.g. local, regional, setorial e especial). As Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) começaram a exigir aos municípios a integração de estudos sobre a paisagem nos seus planos municipais de ordenamento do território, e de forma generalizada, nos processos de revisão dos Planos Diretores Municipais (PDM), atualmente em curso em muitas autarquias. De acordo com esses documentos, a integração começa com a identificação e caracterização de unidades de paisagem locais (UPL), após o qual será possível definir um quadro de objetivos que, em teoria deverão ser articulados com as opções estratégicas dos PDM e restantes planos municipais, através de processos participativos que envolvem tanto as entidades competentes, como a comunidade em geral.

Este artigo propõe uma metodologia para a definição de unidades de paisagem locais. A abordagem recorre a métodos probabilísticos de análise de dados, favorecendo uma abordagem exploratória que privilegie a existência de mais do que uma alternativa. Com isso pretende-se facilitar as condições para uma reflexão alargada, envolvendo os atores necessários por meio de métodos participativos, e gerando conhecimento proveniente da interação multidisciplinar e interdisciplinar, mas também potencialmente transdisciplinar.

 

 

2. Metodologia

A abordagem metodológica divide-se em duas fases distintas (figura 1). A primeira recorre aos métodos da estatística multivariada e de análise de dados, de forma a gerar um conjunto de soluções alternativas, a partir de um quadro inicial de variáveis quantitativas. A segunda fase parte de uma análise pericial ao conjunto de alternativas, de forma a obter um subconjunto mais limitado que servirá de base a um processo participativo do qual foi possível validar uma solução mais preferida. Partindo de um conjunto alargado de 32 variáveis quantitativas, recolhidas e organizadas por três tipos de suporte estrutural da paisagem, aplicaram-se métodos de síntese de informação, nomeadamente de métodos fatoriais como a análise de componentes principais (ACP) e análise fatorial de correspondências (AFC). A aplicação da ACP pretendeu condensar a informação presente nos dados originais, construindo conjuntos menores de variáveis não correlacionadas e sem perda de informação estatisticamente relevante. A aplicação da AFC possibilitou a interpretação de dimensões latentes, resultantes do agrupamento entre variáveis iniciais, e que de outra forma, não seriam evidentes no conjunto original de dados, permitindo a constituição de um primeiro agrupamento passível de ser interpretado.

 

 

Privilegiou-se sempre o carácter exploratório. Nesse sentido foram gerados dois subconjuntos a partir das 32 variáveis iniciais. Em ambos pretendeu-se condensar a informação e eliminar a redundância. No primeiro subconjunto aplicou-se a ACP a cada tipo de suporte de paisagem, fazendo reter o mesmo número de fatores na AFC de forma a dar o mesmo peso às variáveis provenientes de diferentes suportes de paisagem (e.g. suporte físico, suporte biológico e ação humana). O segundo subconjunto resultou da aplicação sequencial da ACP e AFC diretamente ao quadro inicial de variáveis, desta vez não introduzindo uma discriminação ao número máximo de variáveis a reter. Assumiu-se que os tipos de suporte com mais variáveis selecionadas teriam, à partida, mais peso na formação das unidades de paisagem. Em ambos foram feitas interpretações aos fatores após rotação dos eixos, e apurado o poder explicativo de cada um dos subconjuntos. Por fim utilizam-se técnicas classificatórias, nomeadamente a análise de clusters, tendo-se gerado um conjunto alargado de hipóteses para unidades de paisagem, que derivaram desses dois subconjuntos anteriores. Sobre esse conjunto alargado de hipóteses selecionaram-se quatro cenários alternativos, para posterior validação por parte de um grupo de peritos municipais em ordenamento do território, através de um inquérito. Para a solução mais preferida, são analisados os conteúdos e descrições de cada unidade de paisagem, retirando-se daí ideias-chave para definir o seu carácter. Todos os cálculos e gráficos gerados ao longo desta fase do trabalho foram obtidos com recurso ao software STATISTICA V12, tendo sido os cenários gerados com recurso ao software QUANTUMGIS 2.4.

 

2.1. Estrutura de dados de base alfanumérica e geográfica

Em Planeamento um dos principais fatores condicionantes é a existência de informação estatística credível (e.g. demografia, património, edificado, atividades económicas e meio-ambiente), com desagregação espacial em unidades inferiores à freguesia (e.g. lugar, quarteirão, ou quando possível ao edifício). A informação estatística disponível nos censos da população e habitação desde 1991 contém um elenco considerável de dados com interesse urbanístico e socioeconómico inquestionável. No município de Oeiras, tem-se realizado a compatibilização entre as unidades estatísticas e as unidades de planeamento, no sentido da atualização espacial dessas unidades estatísticas (Cruz, 2008). A desagregação geográfica dos dados dá um sentido prático à delimitação de unidades de paisagem tendo-se optado por fazer uma desagregação espacial harmonizada com a desagregação censitária, de forma a ser possível atualizar facilmente as variáveis de partida e articulá-las com outros níveis de informação tais como o emprego, a habitação, a população residente, o grau de escolarização ou outros, que se encontram organizados por limites estabelecidos ao nível estatístico. Foi utilizada como base, a informação já compatibilizada entre o município e o INE, relativamente às ‘Subsecções Estatísticas’, ‘Secções Estatísticas’ e aos ‘Lugares’ dos Censos de 2011. Os ‘casos’ correspondem na prática a agregações feitas entre o que se poderia designar por ‘quarteirões’ e o ‘conjunto de quarteirões’, onde a informação estatística a esse nível foi gerada tendo por base a menor unidade estatística, ou seja, conjuntos de ‘Subsecções Estatísticas’. Obtiveram-se assim 103 casos, de acordo com a figura abaixo (figura 2).

 

 

A escolha das variáveis foi obtida por consulta à mesma equipa multidisciplinar de peritos do município tendo-se obtido no final, 32 variáveis finais (tabela 1).

 

 

 

3. Análise de dados

As técnicas de ‘análise de dados’ baseiam-se em métodos ‘descritivos’ e ‘explicativos’ da álgebra linear aplicada a conceitos geométricos, designadamente espaço euclidiano, centro de gravidade, distâncias, projeções, etc. (Cruz, 2008). Pereira e Sousa (1998) divide estes métodos em: (i) ‘descritivos’, quando o objetivo é a descrição estrutural do quadro de partida, através da ACP e AFC; (ii) ‘explicativos’ quando o objetivo é a modelação do fenómeno descrito pelos métodos anteriores. Posteriormente os resultados obtidos foram utilizados para agrupar unidades de paisagem através da análise classificatória (e.g. análise de clusters).

 

 

3.1. Análise de Componentes Principais e Análise Fatorial

A ACP é método de redução da dimensão dos dados iniciais, com a vantagem de que permite resumir a informação de várias variáveis correlacionadas em uma ou mais combinações lineares independentes, representando a maioria da informação presente nas variáveis iniciais (Hair et al., 2010). Após aplicação da ACP, verificou-se que a partir do fator 7 é atingida a variância cumulativa superior a 60% na explicação das variáveis originais, sendo este um dos critérios apontados por Hair et al., (2010). No sentido de dar significado aos fatores procedeu-se à rotação dos eixos. Tal permitiu identificar e interpretar cada componente principal a partir dos pesos das variáveis que a compõem. Quanto mais próximo da unidade, em valor absoluto, esse peso estiver, mais forte será a relação entre essa variável e a componente respetiva (Hair et al., 2010). Por oposição, quanto mais próximo estiver do zero menos relação terá com o respetivo fator (Reis, 2001). Dentro das várias técnicas normalmente utilizadas para a rotação dos eixos, optou-se pela rotação ortogonal, nomeadamente a rotação ‘varimax normalizada’. Na interpretação dos fatores consideraram-se ainda as questões ligadas com a estrutura da paisagem, ou seja, com os padrões existentes (tabela 2).

 

 

A análise fatorial pode servir dois objetivos. Dependendo do tipo de análise que se quer efetuar, poderá ajudar à identificação das combinações lógicas e relações entre grupos de variáveis, ou identificar as variáveis mais apropriadas para aplicações de técnicas estatísticas subsequentes (Hair et al., 2010). Assumindo o carácter exploratório da pesquisa, pretendeu-se ainda testar, para a análise de clusters a utilização de todas as variáveis relacionadas com os 7 fatores extraídos e que explicam, cerca de 65 % da variância total, face à hipótese de utilizar um mesmo número de variáveis por tipo de suporte. Obtém-se assim um primeiro grupo de variáveis, designado por ‘grupo 1’ e que correspondem a todas as que foram extraídas da solução com 7 fatores (tabela 3), e um segundo grupo de variáveis ou ‘grupo 2’, obtido por uma análise de componentes principais feita a cada tipo de suporte separadamente e com igual poder explicativo (tabela 4).

 

 

 

De seguida foram aplicadas técnicas classificatórias sobre os dois grupos de variáveis, testando, no grupo 1, o efeito gerado pelo maior peso dado ao suporte ‘ação humana’, por via deste ter um maior número de variáveis disponíveis, face ao grupo 2 em que o peso atribuído às variáveis na análise clusters será o mesmo devido à utilização do mesmo número de variáveis. Depois de ponderado o número ideal de clusters a reter, foram geradas alternativas decorrentes de diferentes métodos classificatórios (e.g. métodos hierárquicos ou não hierárquicos).

 

3.2. Análise de clusters

Numa análise de clusters os grupos não estão pré-definidos. É a própria técnica que permite fazer esse agrupamento. Trata-se de um conjunto de procedimentos estatísticos usados para classificar objetos sem preconceitos, ou seja, sem definir previamente critérios de inclusão em qualquer agrupamento, apenas observando as semelhanças ou dissemelhanças entre eles. O objetivo é obter grupos mais heterogéneos entre si, embora o mais homogéneos possível internamente. A análise seguiu as seguintes etapas (tabela 5).

Os índices de semelhança representam o critério utilizado na definição de clusters, ou seja, do grau de semelhança entre os casos. Nesse sentido foram utilizadas medidas de distância, por serem as mais intuitivas e bastante utilizadas em estudos semelhantes. Utilizou-se a distância quadrática por ser normalmente utilizada em problemas de otimização em que as distâncias tenham de ser comparadas. É também aquela que confere resultados mais coerentes quando se utiliza o método de ‘Ward’ como método de aglomeração como se optou neste caso (Hair et al., 2010). 

 

 

Os métodos de aglomeração podem ser divididos em ‘hierárquicos’ e ‘não hierárquicos’. Utilizaram-se os dois, como forma de comparar resultados. Os métodos hierárquicos foram utilizados primeiro, dado que ao ser possível fazer variar o número de clusters, tendo por base a interpretação visual de dendrogramas e gráficos de distância, foi possível ter maior amplitude na exploração de resultados. Posteriormente utilizaram-se os métodos não hierárquicos tendo por base resultados dos métodos hierárquicos. Com esta metodologia foi possível comparar, numa primeira fase dezasseis soluções diferentes. Dentro dos métodos hierárquicos escolheu-se o método de ‘Ward’ cujo critério de aglomeração é baseado na minimização das variâncias internas de cada cluster. Dentro dos métodos não hierárquicos utilizou-se o método ‘K-Means’. O objetivo deste método prende-se com a minimização de uma soma de erros quadráticos, sendo estes a distância entre uma observação e um ponto de referência em cada agrupamento. A determinação do número de clusters foi apoiada em gráficos de distâncias e dendrogramas (figura 5). Para os dois grupos de variáveis foram observados cinco a seis clusters.

 

 

Dado o número elevado de casos (figura 6), recorreu-se ao SIG para facilitar a apreciação das soluções geradas. Os dados foram carregados para a tabela de atributos de um ficheiro do tipo ‘shapefile’, tendo-se feito a correspondência gráfica necessária (figura 7).

 

 

 

3.3. Validação e escolha das soluções mais preferidas

Aplicou-se um modelo de participação simplificado, através de um inquérito dirigido a um grupo de atores, neste caso um grupo multidisciplinar de técnicos municipais, especialistas em ordenamento do território. O inquérito pretendeu escolher e validar a solução mais preferida, mas também estabelecer as bases para a definição do ‘carácter’ de cada unidade de paisagem nessa solução. A escolha da técnica teve por base o modelo de adequação (figura 8) sugerido por Mosler (2004). O inquérito teve como objetivos os descritos na tabela 6.

 

 

 

Nas duas primeiras perguntas utilizou-se uma escala de Likert com cinco posições, a saber: (1) não concordo em absoluto; (2) não concordo parcialmente; (3) indiferente; (4) concordo parcialmente; (5) concordo em absoluto. Para as opções ‘não concordo parcialmente’ e ‘concordo parcialmente’ é solicitada uma breve fundamentação à resposta dada. A terceira pergunta pretendeu que o inquirido escolhesse apenas um dos quatro cenários gerados na fase anterior tendo sido fornecida informação de suporte à decisão, nomeadamente um quadro síntese com os dois grupos de variáveis em que se baseiam os cenários, bem como uma figura com a delimitação de unidades de paisagem em cada um dos casos. A última pergunta pretendeu que o inquirido, após escolher um dos cenários, sugerisse um nome ou uma ideia que associe a cada um dos clusters do respetivo cenário. Pretendeu-se explorar uma dimensão qualitativa de forma a inferir acerca do que cada indivíduo considera ser o aspeto essencial no ‘carácter’ dessa paisagem. As ideias expressas, bem como todo o conteúdo em bruto, foram posteriormente tratadas numa análise de conteúdo.

 

 

4. Resultados

Este grupo de atores reconhece muita utilidade no processo de delimitação de unidades de paisagem a uma escala supramunicipal, tendo em vista a articulação e integração de políticas setoriais.

 

 

Ao nível local os inquiridos consideram que as unidades de paisagem, são um instrumento útil para análise, diagnóstico e até de gestão ao nível do Plano. As respostas a esta questão distribuem-se de forma igual à questão anterior, inclusive na explicação dada pelos 10% que responderam ‘concordo parcialmente’.

 

 

As respostas dadas à terceira pergunta (figura 11), revelam uma preferência pela única solução com seis unidades de paisagem e correspondente ao cenário B, tendo sido escolhida por 60% dos inquiridos, seguida pelo cenário A, de cinco unidades de paisagem com 30% de preferência. Apenas 10% preferiu o cenário C, igualmente com cinco unidades de paisagem. Nenhum dos inquiridos optou pelo cenário D.

 

 

A resposta à última pergunta, dependia do cenário escolhido pelo inquirido anteriormente. Foi assim pedido ao inquirido que atribuísse um nome, palavra ou uma ideia a cada cluster ou unidade de paisagem. É feita uma síntese ao conjunto de respostas dadas ao cenário com maior preferência, bem como uma análise da frequência relativa das principais ideias-chave ou palavras expressas no inquérito e a sua relação com cada unidade de paisagem (tabela 7).  

 

 

Complementarmente, é feita ainda uma análise aos gráficos de valores médios das distâncias entre variáveis obtidas para cada unidade de paisagem, e gerados automaticamente na fase anterior de construção dos clusters.

 

4.1. Unidade de paisagem – ‘Desporto e lazer’

Cerca de 83% das respostas associa à primeira unidade de paisagem (cor verde) a ideia de um cluster de desporto, seguido de 50% de respostas que o associam ao recreio e lazer. 33% associam esta unidade à ideia de espaços verdes e apenas cerca de 16% à ideia de ‘natural’ ou onde a natureza assume um papel relevante. Observa-se que para este cluster as variáveis com o maior valor médio são a ‘percentagem de área com uso florestal’ e a ‘percentagem de cobertura com valores naturais’ o que poderá acrescentar informação às ideias identificadas. Conclui-se assim que esta unidade de paisagem se associa à ideia de desporto e lazer, sustentada pela existência de grandes infraestruturas desportivas e de recreio sobre extensas áreas verdes densamente florestadas. Desta unidade de paisagem fazem parte alguns dos espaços com maior procura por parte de residentes e não residentes, procurando condições para a prática desportiva formal e informal bem como atividades culturais e recreio/lazer ao ar livre. Destaca-se ainda o facto de que as duas áreas que constituem esta unidade - Complexo Desportivo do Jamor e da Fábrica da Pólvora de Barcarena, serem fortemente marcadas pelo ambiente fluvial, dada a convivência com duas das principais linhas de água do concelho como o Rio Jamor e a Ribeira de Barcarena respetivamente.

 

4.2. Unidade de paisagem – ‘Urbano monofuncional’

Na segunda unidade de paisagem (amarelo), cerca de 66% refere como ideia-chave ‘habitacional/monofuncional‘, seguindo-se de 50% das respostas a remeter para a ideia de ‘baixa densidade’ e apenas cerca de 16% para ‘consolidado’ e ‘em consolidação’. Da análise ao gráfico de médias destaca-se a variável ‘percentagem de povoamento disperso’, por oposição ao valor mínimo obtido para a variável ‘percentagem de área sem povoamento’. Estes valores confirmam a ideia referida de ‘áreas habitacionais de baixa densidade, em muitos casos ainda em formação’. Conclui-se que esta unidade de paisagem se caracteriza por ter maioritariamente um uso habitacional de baixa densidade, composto por áreas urbanas e periurbanas onde a tipologia dominante é a moradia unifamiliar e bifamiliar. Algumas dessas áreas encontram-se ainda em consolidação tanto ao nível do edificado, como ao nível da infraestruturação urbana, como são os casos de algumas áreas de formação espontânea a Norte da autoestrada A5.

 

4.3. Unidade de paisagem – ‘Economia e especialização’

A terceira unidade de paisagem (laranja) corresponde a um cluster onde 100% das respostas remete para palavras como ‘economia’, ‘empresas’ ou ‘serviços’. Em cerca de 16% dos casos existem ainda referências às palavras ‘inovação’ e ‘consolidado’. Trata-se de uma unidade de paisagem marcada pela existência de grandes áreas empresariais (e.g. Lagoas Parque, Tagus Parque, Parque Empresarial da Quinta da Fonte, áreas industriais e empresariais de Tercena, Outurela e Carnaxide), bem como outras áreas economicamente relevantes como a marina de Oeiras e o Arquiparque em Miraflores. Da análise ao gráfico de médias para este cluster, observam-se maiores valores para as variáveis ‘percentagem de área sem povoamento’ e ‘densidade de vias’, havendo ainda segundo um conjunto de variáveis cujos valores complementam a ideia de se tratar de uma paisagem marcada pelos parques e áreas empresariais ou industriais, tais como ‘percentagem de área artificializada’ e o ‘número de atividades económicas’. Conclui-se que esta paisagem distingue-se das demais pela especialização funcional, assente na existência de grandes parques empresariais, sendo este também um aspeto relevante no que respeita à perceção pelo observador, uma vez que são áreas que – ao nível da forma urbana e arquitetónica se distinguem das demais, por terem normalmente associada uma linguagem de que procura transmitir uma imagem de qualidade, inovação e excelência na forma urbana. Esta preocupação tem na sua origem uma estratégia já estabelecida nas últimas décadas, assente na competição com territórios vizinhos, pela fixação de empresas. São ainda áreas densamente ocupadas e utilizadas quase exclusivamente durante o dia.

 

4.4. Unidade de paisagem – ‘Urbano multifuncional’

Na quarta unidade de paisagem (vermelho), cerca de 66% refere a ideia de uma cidade com densidade urbana elevada, sendo que com menos expressão surge com 33% a referência a ‘consolidado’ e ainda com cerca de metade a referência a ‘habitacional’. Da análise complementar observa-se que as variáveis com maiores valores médios confirmam esta ideia, destacando-se ‘percentagem de área artificializada’, ‘percentagem de área com tecido urbano contínuo’, ‘número de atividades económicas’, ‘percentagem de área com povoamento concentrado’, ‘altura média dos edifícios’ e ‘desvio padrão da altura dos edifícios’. Conclui-se assim que esta unidade de paisagem corresponde à ‘cidade’ polinucleada resultante de um modelo de crescimento a partir de antigos aglomerados ou vilas, normalmente antigas sedes de Freguesia como Algés, Linda-a-Velha, Carnaxide, Queijas, Paço de Arcos, Oeiras e Porto Salvo. Os espaços intersticiais foram sendo infraestruturados e densamente ocupados, de que resultou uma estrutura multifuncional que se articula entre várias centralidades privilegiando, em função do contexto local, uma mistura de usos como habitação, comércio, serviços, equipamentos e espaços verdes. Na dependência da escala de análise, poderão facilmente ser identificadas subunidades de paisagem dada a diversidade na forma e densidade de ocupação.

 

4.5. Unidade de paisagem – ‘Agrícola e produtiva’

A quinta unidade de paisagem (castanho) é marcada pela dualidade entre as ideias de um espaço produtivo associado às palavras ‘agrícola/campo’ e a ideia de edificação dispersa, associada às palavras ‘periurbano’ e ‘baixa densidade’. No entanto 50% das respostas dadas apontam para uma maior relevância à primeira ideia. Analisando o gráfico de médias, observa-se que as variáveis mais relevantes confirmam a ideia de uma maior saliência dos termos ‘agrícola/campo’, onde se destacam a ‘percentagem de área agrícola’, ‘percentagem de solos com elevado valor ecológico’ e ‘percentagem de área sem povoamento’. Em suma, esta unidade corresponde a uma paisagem fortemente marcada pelas memórias do passado agrícola e da importância que teve até meados da década de 1970, no que respeita à produção e fornecimento de alimentos para a capital. É caracterizado pela existência de solos altamente produtivos, preservando ainda fortes referências ao mundo agrícola, dadas, hoje em dia, sobretudo pela imagem das culturas arvenses de sequeiro que ainda existem e predominam nos planaltos a Norte da autoestrada A5, bem como pela existência de extensas áreas de vinha a Poente. Esta paisagem preserva ainda uma dimensão considerável, apesar da enorme compressão a que foi sendo sujeita nos últimos anos, devido sobretudo à pressão urbanística.

 

4.6. Unidade de paisagem – ‘Natural e contemplativo’

A sexta unidade de paisagem (azul), corresponde genericamente ao cluster ‘natureza’, onde a principal ideia expressa é a de um espaço natural com 50% das respostas dadas a fazerem essa referência. Importantes também são as referências a aspetos morfológicos, tendo sido identificados termos como ‘vales’, ‘depressões e elevações’, e ainda a aspetos visuais e contemplativos com termos como ‘desafogo’ e ‘vistas’, ambos com cerca de 33% de referências nas respostas. Analisando o gráfico de médias, observam-se os maiores valores nas variáveis ‘percentagem de solos com elevado valor ecológico’, ‘percentagem de cobertura com valores naturais’ e ‘percentagem de áreas com exposições a sul’, confirmando-se assim todas as ideias- chave reveladas nos inquéritos. Incluem as áreas não ocupadas dos vales da ribeira da Laje, da ribeira de Barcarena, do Rio Jamor e da Serra de Carnaxide. Em todas predominam manchas de vegetação espontânea compostas essencialmente por carrasco (Quercus coccifera) nas zonas de maior altitude como é o caso da Serra de Carnaxide e por zambujeiro (Olea europea var. sylvestris) em associação com outros povoamentos florestais e espécies ripícolas nas áreas inundáveis. A componente visual é aqui bastante relevante, uma vez que esta paisagem permite a existência de amplas bacias visuais direcionadas quer para as áreas fora do concelho a Sul, no caso da Serra, quer para o seu interior, nas áreas dos vales.

 

 

5. Conclusões

Os problemas relacionados com o planeamento e ordenamento do território são geralmente complexos. Muita dessa complexidade decorre do elevado número de variáveis que são necessárias ter em conta, de forma a perceber e modelar os fenómenos em causa. A paisagem tornou-se recentemente uma dimensão formal a ter em conta no processo de planeamento, transportando consigo a necessidade de integrar um elevado número de variáveis quer quantitativas quer qualitativas. O uso de métodos probabilísticos assentes em métodos estatísticos multivariados, permite analisar elevados volumes de informação, constituindo-se como uma forma válida e eficaz de lidar com problemas de caracterização multidimensional de entidades ou objetos e neste caso de paisagens.

Por outro lado, porque o conceito de ‘paisagem’ encerra em si uma dimensão assumidamente subjetiva e que se distingue do conceito mais normativo de ‘território’, torna-se relevante fazer integrar no processo de planeamento, outro conjunto de informação qualitativa decorrente do posicionamento pessoal e/ou coletivo e que traduz a forma como a paisagem é apreendida. Os resultados obtidos permitem inferir que é possível fazer gerar de forma não convencionada, várias alternativas para unidades de paisagem locais, permitindo estimular a participação e o envolvimento dos atores locais. A metodologia permite ainda usar um grande volume de informação relevante sobre a paisagem, combinando métodos estatísticos com abordagens periciais em prol de uma maior discussão sobre os aspetos qualitativos da paisagem.

 

 

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[1] De acordo com o Artigo 1º da CEP, política da paisagem “designa a formulação pelas autoridades públicas competentes de princípios gerais, estratégias e linhas orientadoras que permitam a adoção de medidas específicas tendo em vista a proteção, a gestão e o ordenamento da paisagem.” (CEP, 2000).

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