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GOT, Revista de Geografia e Ordenamento do Território

versão On-line ISSN 2182-1267

GOT  no.13 Porto jun. 2018

https://doi.org/10.17127/got/2018.13.005 

ARTIGO

 

Contexto espacial: uma alternativa para estudos sobre cidades

Spatial context: an alternative for studies on cities

 

Costa, Aldenilson1; Kraus, Lalita1; Oliveira, Fabiana1

1 Universidade Federal do Rio de Janeiro | Instituto de Planejamento Urbano e Regional; Prédio da Faculdade de Letras, Avenida Horácio de Macedo, 2151, 21941-917, Rio de Janeiro, Brasil; alsvcosta@gmail.com; kraus.lalita@gmail.com; fabianamabel@ig.com.br

 

 

RESUMO

O processo histórico, as ações dos diferentes atores e as forças centrífugas e centrípetas que atuam no território contribuem para formatar um contexto espacial, que diz respeito às condições materiais e imateriais, físicas e humanas, que orbitam em torno de determinada espacialidade. O contexto espacial é produto da formação socioespacial e conjuga diferentes dimensões: econômica, política, social, cultural; ao mesmo tempo, condiciona impulsos e orienta os usos do território. Nas cidades, o contexto espacial contribui para evidenciar, revelar e compreender as diferentes práticas espaciais, desde aquelas dos atores hegemônicos, até aquelas realizadas no cotidiano dos cidadãos. Cumpre destacar que o contexto espacial é um elemento do espaço relegado a um plano secundário na teoria espacial, e apenas recentemente está presente em algumas análises do território, e em especial, das cidades, assegurando a passagem de uma relação de causalidade para a compreensão de que os eventos e ações são contextuais. Nesse sentido, a abordagem que aqui realizamos é de natureza teórica, cujo ponto de partida é a definição do que estamos chamando de contexto espacial. Para isso, consideramos a leitura a partir da Geografia Econômica Alternativa e da Teoria Crítica do Espaço desde as quais analisamos o contexto espacial e sua relação com o contexto histórico. Em seguida, a partir da crítica a analogia com o entorno, apresentamos especificidades do conceito de contexto espacial associado às práticas espaciais que têm lugar em diferentes cidades.

 

Palavras-chave: contexto espacial, território, estudos urbanos, globalização.

 

ABSTRACT

The historical process, the actions of the different actors and the centrifugal and centripetal forces acting on the territory contribute to format a spatial context, which concerns the conditions, material and immaterial, physical and human, orbiting around a certain spatiality. The spatial context is a product of socio-spatial formation, combines different dimensions: economic, political, social, cultural; at the same time that it conditions impulses and guides the uses of the territory. In cities, the spatial context contributes to evidence, to reveal and to understand the different space practices, from those of the hegemonic actors, to those realized in the daily life of the citizens. It should be noted that the spatial context is an element of space relegated to a secondary plane in spatial theory, and only recently is present in some analyzes of the territory, and especially of the cities, ensuring the transition from a causal relation to the understanding of that events and actions are contextual. In this sense, the approach here is to carry out theoretical nature, whose starting point is the definition of what we are calling a spatial context. For this, we consider the reading from the Alternative Economic Geography and the Critical Space Theory from which we analyze the spatial context and its relation with the historical context. Then, from the criticism of the analogy with the environment, we present specificities of the concept of spatial context associated with the space practices that take place in different cities.

 

Keywords: spatial context, territory, urban studies, globalization.

 

 

1. Introdução

Para compreender a produção do espaço urbano levamos em consideração um conjunto de categorias desenvolvidas por Santos (2008a), a saber: forma, função, estrutura e processo. Em outras palavras, a forma é, ao mesmo tempo, condição e resultado da produção socioespacial, segundo uma dada funcionalidade que lhe é atribuída pelo conteúdo produzido e depositado por racionalidades verticais e horizontais, locais e globais, dentro de uma estrutura societária que é, simultaneamente, vinculada a processos econômicos, políticos e culturais. Tais categorias são fundamentais, já que, como afirma Santos (2008a), condicionam, orientam e modelam as práticas espaciais dos distintos atores. Nesse movimento de reflexão sobre o processo de produção do espaço, o olhar sobre a urbanização ganha destaque, visto que é um novo paradigma socioespacial (Gottdiener, 2010), que se estabelece e ganha notoriedade em diferentes partes do mundo, a partir da segunda metade do século XX (Castells, 2000, Lefebvre, 2013).

A revolução urbana, como define Lefebvre (2008), diz respeito não somente à concentração de população em cidades, mas principalmente à constituição do urbano enquanto dimensão da sociedade, e como virtualidade que transcende os limites da cidade. A constituição de uma sociedade urbana ou pós-industrial é a expressão de um processo mais amplo, a globalização, como nos instrui Harvey (2008), que justifica falar de uma urbanização da sociedade (Ribeiro, 2008, Carlos, 2011). Mais que isso, é preciso considerar que a globalização, tal qual a concebemos a partir da segunda metade do século XX, é urbana (Mongin, 2009, Santos, 2007a), sendo a cidade a forma espacial que concentra as condições materiais e virtuais de realização dos processos que asseguram a reprodução do capital (Lefebvre, 2008, Harvey, 2008, 2013). A cidade, por fim, constitui tanto um meio material como um meio social e a urbanização o processo que condiciona e determina o avanço da globalização.

Na busca por compreender a cidade na sua dupla condição de meio material e social, e a urbanização como um processo de amplo espectro, diferentes análises combinam aspectos econômicos, culturais, políticos e sociais (Harvey, 2006, 2008, Mongin, 2009, Santos, 2008b, 2009, Soja, 2008). De um lado, estão análises baseadas em teorias locacionais que buscam entender a cidade na sua relação com a rede urbana (Barnes, 2003, Bessa, 2012, Corrêa, 2000, Santos, 1967, 2007). Por outro, inúmeras contribuições influenciadas pela teoria crítica do espaço social possibilitam um olhar crítico sobre as contradições do processo de urbanização e seus reflexos sobre o espaço urbano (Capel, 2006, 2009, Gottdiener, 2010). Tanto uma como outra corrente apresentam avanços na medida em que põem em destaque aspectos intra e interurbanos essenciais para compreender a cidade e a urbanização.

Além dessas formas de analisar a cidade e o urbano, um caminho alternativo consiste em considerar o contexto espacial (Barnes, 1989, Martin, 1995). Isto porque se o fenômeno urbano se apresenta de diferentes maneiras para cada realidade espacial, importa considerar até que ponto, como, e porque forças globais e locais, atuando ao longo do tempo, consolidam um contexto espacial e que, consequentemente, orienta e condiciona as ações de atores nos diferentes tipos de cidades – metrópoles, cidades médias e pequenas. Em outras palavras, é preciso ter em conta que a cidade, seja ela qual for e independente do tamanho, está implicada em um conjunto de relações horizontais e verticais, próximas e distantes, locais e globais, cuja explicação, é possível encontrar também, através do contexto espacial.

Nosso objetivo é apresentar o conceito de contexto espacial como alternativa para entender a natureza dos processos e ações que têm lugar nas cidades. O artigo nasce da observação de que, no Brasil, a cidade e o sentido do urbano têm especificidades segundo o contexto espacial que, por conseguinte, orienta e determina as práticas espaciais urbanas. Tomamos como referência teórica estudos da então chamada Geografia Econômica Alternativa (Martin, 1995) e da Teoria Crítica do Espaço (Gottdiener, 2010, Harvey, 2005, 2013, Lefebvre, 2008, Santos, 2008a), onde nós identificamos o papel desempenhado pelo contexto espacial nos processos e ações na cidade, embora, ao nível teórico tenha sua importância minimizada.

O artigo está dividido em quatro partes cujo fio condutor é o conceito de contexto espacial. Em princípio, partimos do embate entre contexto histórico e espacial para definir o conceito à luz de autores das ciências socioespaciais. Em seguida, situamos o contexto espacial na ciência geográfica tomando como ponto de partida as contribuições associadas às teorias locacionais e incorporando elementos da teoria crítica do espaço. Na terceira parte, criticamos a analogia entre contexto espacial e entorno imediato porque essa abordagem acaba por confundir o conceito que estamos afirmando com o que se entende por região geográfica. Na última parte, destacamos o contexto espacial em alguns estudos de cidades, considerando que, segundo o contexto espacial, a cidade será direcionada e condicionada por racionalidades que promovem transformação e requalificação das práticas espaciais.

 

 

2. Contexto: entre a história e o espaço

Fala-se muito de contexto histórico e pouco de contexto espacial. A origem desse paradoxo pode ser encontrada na economia política de cunho marxista que, ao considerar o materialismo histórico como método de análise, valoriza o contexto segundo sua dimensão histórica, deixando em segundo plano a dimensão espacial. A crítica a essa leitura tem lugar em diferentes círculos acadêmicos, em especial na Geografia, cujas análises indicam que a economia política, inclusive a marxista, considera o espaço (Harvey, 2005, 2013). Santos (2009) afirma que a economia política não pode prescindir da dimensão espacial, sendo um elemento presente em análises desse campo do conhecimento já nos séculos XVII e XVIII.

Harvey (2013) é um dos geógrafos que realiza um esforço de recuperar e explicar a dimensão espacial presente em análises preconizadas por Marx (2011), nos ensinando que é consenso que os estudos sobre economia política põem em destaque a variável histórica, mas não significa que tais estudos desconsiderem a dimensão espacial, que tem um caráter determinante. A partir da leitura feita da obra de Lefebvre (2013), Harvey (2009, 2013) argumenta que a economia não opera apenas num espaço abstrato, mas que depende do território, das pessoas, das relações sociais, da urbanização e do urbano. Numa relação que é sintetizada nas três dimensões do espaço: vivido, concebido e percebido (Lefebvre, 2013; Harvey, 2013).

Jameson (2008) chama a atenção para a importância do contexto, considerado por ele como o invólucro que pode tanto envolver como ser envolvido. Todavia, em sua análise, o contexto enquanto invólucro ganha mais dimensão histórica, ainda que reconheça sua espacialidade. Como condição do processo histórico, o espaço é composto de fluxos, impulsos, ações e intenções (Santos, 2005, 2007, 2008a) que criam condições para a realização de fatos, ação de atores e constituição de processos multiescalares. O espaço reflete, orienta e determina as práticas sociais (Massey, 2009), requalificando o território e o lugar (Santos, 2008a). Se existe um contexto histórico, ou seja, as condições de uma época que justificam fatos, processos e ações de atores, é preciso reconhecer a existência de um contexto espacial que condiciona, orienta e justifica a ocorrência de fatos, a ação de atores, os processos e, consequentemente, as práticas espaciais.

O contexto espacial é resultado da ação, interação de diferentes forças no território e conjunção de fatores: formação socioespacial, impulsos globais, racionalidades verticais e horizontais, tangenciamento de forças, ação de diferentes atores (Santos, 1977, Ribeiro, 2009). Com base nisso, a partir do que chamamos de contexto espacial, é possível compreender, prever e antever ações e inclinações a que certa cidade estará, mais ou menos, sujeita.

Como resultado da formação socioespacial, o contexto espacial evidencia as racionalidades que atuam de forma centrípeta e centrífuga no território. Significa, portanto, considerar que o contexto espacial é também fruto da condensação de processos históricos. Assim, se a formação socioespacial é uma totalidade, como advoga Santos (1977), o contexto espacial é um dos resultados dessa totalidade que garante especificidades aos processos espaciais que alteram o território e atribuem novo sentido ao lugar (Santos, 2005). Sendo uma fração da formação socioespacial, o contexto espacial orienta os usos feitos do território, já que, como afirma Santos (1977: 89), “o uso produtivo de um segmento no espaço e num momento é, em grande parte, funções das condições existentes no momento”. Trata-se de pensar não só as condições existentes, mas como estas correspondem a um dado contexto espacial; significa dizer que o contexto espacial influi, de forma mais ampla, nas relações que ocorrem no território, condicionando as forças de atuação e, consequentemente, orientando as racionalidades.

Santos (2008a: 254) chama a atenção ainda ao alargamento de contextos influenciado fortemente pela dimensão histórica de consolidação do meio técnico-científico-informacional, que garantem “novas possibilidades de fluidez”, mas que só ganha sentido quando considerada a dimensão espacial. Portanto, o contexto é histórico e espacial. Thrift (1995) também chama a atenção para a importância do contexto nas análises do espaço geográfico. É esse autor quem afirma que o contexto espacial desempenha papel marginal nas teorias sociais, mas que, segundo sua defesa, este dado não pode ser jogado para debaixo do tapete. Nessas condições, contexto histórico e contexto espacial são inseparáveis (Barnes, 2003), uma vez que surgem da totalidade espaço-tempo/natureza-sociedade. Contudo, a inseparabilidade não significa que são semelhantes, mas interdependentes teórica e operacionalmente.

Dito isso, em nossa compreensão, o contexto espacial corresponde às condições a que determinada realidade está submetida, sendo o conjunto das condições materiais e imateriais, físicas e sociais, humanas e naturais que orbitam em torno de dada realidade e que norteia as práticas espaciais dos diferentes atores econômicos, políticos, sociais, culturais. É o invólucro que orienta as ações em um dado território como afirma Jameson (2008), sem o qual não se compreende os fatos socioespaciais.

 

 

3. Contexto nas análises socioespaciais

No nível teórico, o contexto espacial está diluído em diferentes análises espaciais (Thrift, 1995). Mas, as análises socioespaciais que valorizam a noção de contexto espacial como elemento para pensar o espaço, as práticas e as formas espaciais, são poucas. E apenas muito recentemente, tem reverberado em alguns estudos como elemento constituinte do espaço geográfico (Barnes, 1989, Martin, 1995, Massey, 2009, Melo, 2008, Moreira Junior, 2014).

No campo da Geografia, Barnes (1989), Ron Martin (1995) Santos (2008a), Soja (2008) e Lévy (2010) estão entre os poucos geógrafos que em suas análises consideram o contexto na dimensão espacial. Nessa direção, Santos (2008e: 22) afirma que “a questão não é, pois, levar em conta causalidades, mas contextos”. Em outras palavras, as ações sobre o território acontecem segundo as condições nele existentes em determinando momento.

O contexto espacial, como elemento de análise, surge associado às teorias locacionais (Berry & Barnum, 1962, Barnes, 1989). É no âmbito do que se convenciona chamar Geografia Econômica que o contexto espacial está expresso de maneira mais evidente, sobretudo em análises alternativas desse ramo da ciência (Barnes, 2003, Martin, 1995, Méndez, 1997, Pickles, 2012).

Assim, se as atividades econômicas se situam em determinada parcela do território, segundo condições que atendem às demandas e necessidades de dado ramo da economia, é preciso considerar que tais circunstâncias são locais/regionais e dizem respeito ao contexto espacial. Esse contexto, composto de artifícios materiais e imateriais, condiciona forças e orienta racionalidades, assegurando condições de realização de fatos e ocorrência de fenômenos socioespaciais. Destarte, Martin (1995: 53) afirma que “os eventos econômicos são necessariamente contextuais”, o que quer dizer que estão “encravados em estruturas espaciais de relações sociais” que justificam a existência de diferentes contextos – sociais, geográficos –, cuja síntese é o contexto espacial.

Barnes (2003), em texto sobre a relação entre contexto e análise locacional, faz associação ao lugar, levando-o a considerar o contexto como local. Porém, aceitar esse posicionamento acaba por focalizar os aspectos históricos em detrimento dos espaciais. Ao mesmo tempo, o foco no contexto local induz a um olhar localista, que desconsidera o contexto mais geral a que os lugares estão submetidos. Não significa que não exista um contexto local, mas é importante ter claro que ele também está submetido a um contexto mais amplo, ou seja, o contexto espacial.

Se Santos (2008a, 2008e) sugere a existência do contexto espacial, é Martin (1995) que o define como o conjunto de condições físicas, técnicas, econômicas, políticas e culturais que orbitam em determinada realidade socioespacial. Reiteramos que são condições espaciais – materiais e imateriais – não só porque surgem como produto da ação do homem no espaço geográfico, mas também porque criam um contexto sobre o qual as forças e as racionalidades operam. Apesar de Santos (2008a: 228) afirmar que “empresas globais produzem privatisticamente suas normas particulares, cuja vigência é, geralmente e sob muitos aspectos, ‘indiferente’ aos contextos em que vêm inserir-se”, ainda assim o contexto importa. Em outras palavras, o fato de as empresas globais operarem indiferentes aos contextos, somente acontece na aparência, porque na prática, para a ação nos lugares, é preciso condições espaciais, como lembram Martin (1995), Barnes (2003) e Pickles (2012), e em diferentes oportunidades, o próprio Milton Santos (2007a). Por outro lado, há sim uma intenção ideológica de fazer crer na autonomia das empresas globais em relação ao espaço, o que não se realiza na prática, como demonstram diferentes autores (Bauman, 1999; Harvey, 2008, 2013, Santos, 2000, Sassen, 2010). Logo, a ação no território tem como condicionante o contexto espacial que orienta e explica a ação de atores locais e extraterritoriais.

 

 

4. Contexto espacial e entorno

Considerar o contexto espacial como entorno imediato produz uma confusão analítica na medida em que promove associações com a região geográfica, o que inspira cuidados. Quando falamos em contexto espacial, não estamos apresentando um novo termo para substituir a região enquanto escala de análise, ação, gestão, pois se assim procedermos, estaríamos desconsiderando a rica contribuição realizada pela Geografia (Thrift, 1995; Souza, 2013). Embora o contexto espacial, assim como a região, tenha caráter singular, a diferença reside no fato de que, em nosso entendimento, o contexto espacial pode conter diferentes regiões e estar contido em apenas um dado âmbito regional (Lévy, 2010). Assim, não estaria limitado exclusivamente ao domínio regional, seja o nível micro (ex. região metropolitana), ou o macro (ex. regiões de governo).

O entorno é “un marco englobante sobre el cual los englobados actuam. Es un sistema de interacciones relativamente equilibrado entre el todo y las partes” (Lévy, 2010: 85). Dessa maneira, o entorno não existe por si só, mas por meio da inter-relação entre atores, objetos e processos. É Lévy (2010) quem esclarece que o contexto espacial não diz respeito apenas ao entorno imediato, mas a um conjunto mais amplo. Em sua análise, o contexto “integra e internaliza todas las realidades sociales que quedaban a veces metodologicamente como algo externo al objeto”, segundo o qual “desaparece la noción de lo exterior inmanente, trancendente o indefinido” (Lévy, 2010: 87).

Outra análise que reconhece o contexto é encontrada em Sassen (2010), para quem a contextualidade é fundamental para entender a economia global, formada por diferentes redes – físicas e virtuais –, dando sentido à geografia transfronteiriça estratégica. Por sua vez, segundo a autora, o contexto muda de significado diante dessa economia global que, atuando em rede, condensa uma fração do ambiente local, enquanto os limites dessa subeconomia são dados pelo contexto mais amplo e não mais pelo entorno imediato.

Nesse sentido, no Brasil, existem diferentes contextos espaciais, sendo dois os principais: a) urbano-industrial: orientado segundo normativas industriais, tendo a cidade como centro de gestão do território, em especial as metrópoles (Corrêa, 1996, Sposito, 1998); b) agroindustrial: orquestrado por uma economia agroindustrial globalizada, que dá destaque ao papel das commodities agrícolas, que transformam o sistema produtivo, e em consequência, as práticas espaciais no território (Santos e Silveira, 2001, Elias, 2006).

Tanto um contexto quanto o outro não estão circunscritos a uma única região de governo. Isto significa dizer que a região contém contextos espaciais, e que diferentes contextos coexistem dentro de uma mesma região geográfica ou administrativa. No Brasil, isto é claro, no caso do Centro-Oeste, onde o contexto urbano-industrial coexiste com o contexto agroindustrial. Ou na região Sudeste, onde o contexto agroindustrial vinculado à cana de açúcar tem forte presença, sobretudo no Oeste do Estado de São Paulo, ainda que a força principal dessa região esteja fundamentada no contexto e dinâmicas urbano-industrial.

 

 

5. Contexto espacial em estudos urbanos

Se como estamos afirmando, o contexto espacial condiciona, orienta e formata ações no território, é possível pensar que as ações e impulsos na cidade estarão associados ao contexto espacial onde ela estiver situada. Segundo Santos (2009), a cidade é tanto meio de produção material e imaterial como um lugar de consumo e nó de comunicação. Contudo, a condição de meio, lugar e nó inerente está em simetria com o contexto espacial que orbita em torno de determinada cidade. Ou seja, aquilo que acontece numa cidade e as ações que têm lugar no espaço urbano, desde as práticas mais comuns da vida cotidiana até aquelas engendradas por atores extraterritoriais, têm correspondência com o contexto espacial.

Como dito anteriormente, a importância do contexto espacial nos estudos urbanos é algo que recentes pesquisas têm colocado em questão (Capel, 2009, Melo, 2008, Moreira Junior, 2014). Essas pesquisas identificam o contexto como elemento do espaço para pensar a cidade pequena e informam que tais cidades são diferentes em seus conteúdos e práticas que têm lugar no espaço urbano segundo o contexto em que estão localizadas.

Soja (2008), em sua análise sobre o espaço urbano, afirma que o contexto geográfico, espacial ou simplesmente socioespacial, garante especificidade aos processos vinculados à urbanização. Na sua leitura, o sinecismo e a metrópole são tanto uma forma material construída socialmente como um contexto espacial. Tal leitura corrobora a ideia de que o contexto espacial contém e está contido em diferentes formações socioespaciais, regionais, territoriais. Por essa razão, afirma, já no início da sua vasta obra sobre a urbanização, que “los nuevos procesos de urbanización son evidentes en todas partes si uno sabe qué es lo que tiene que mirar, pero asumen una rica diversidad de formas y expresiones cuando se localizan y sitúan en contextos geográficos particulares” (Soja, 2008: 24).

A cidade situada em contextos espaciais específicos estará mais inclinada a um determinado conjunto de impulsos, com conteúdos específicos, orientado pelo vetor predominante naquele contexto. É o que acontece no Brasil, onde os contextos urbano-industriais e agroindustriais direcionam e orientam conteúdos entre as cidades, modelando-as, consequentemente (Becker, 1997; Santos, 2005). Ou seja, a forma, a função e, principalmente, o conteúdo da cidade estarão orientados pelo contexto espacial que ali orbita.

Em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, metrópoles submetidas ao contexto urbano-industrial, a forma espacial concentra rodovias, ferrovias, aeroportos, densidade de telecomunicações e mercados que atendem aos fluxos que tais cidades atraem e impulsionam (Santos & Silveira, 2001). Por essa razão, tais cidades, constantemente, são submetidas a intervenções para adaptá-las aos impulsos inerentes ao contexto, o que implica na transformação do substrato material, das práticas cotidianas e das relações societárias (Ribeiro, 2009, 2010).

Em contrapartida, cidades como Rondonópolis e Sinop (Mato Grosso), Rio Verde (Goiás), Porto Nacional (Tocantins) e mesmo algumas cidades do Oeste de São Paulo, submetidas ao contexto agroindustrial, concentram atores desse setor da economia, que engloba o produtor rural, a administração pública, até o setor bancário que é fundamental no financiamento da produção agrícola (Santos e Silveira, 2001, Elias, 2006). Nessas cidades, são importantes as vias de comunicação interurbanas para escoamento da produção, as pistas de pouso e pequenos aeroportos, e um sistema de comunicação informática para a agroindústria (Elias, 2003). Ademais, os atores do campo modernizado têm espaço privilegiado no cenário político e na regulação do espaço urbano, projetando neste último, os seus interesses (Santos, 2005).

A experiência urbana também é diferenciada em cada um dos contextos. No contexto urbano-industrial existe uma temporalidade rápida em razão das condições tecnológicas historicamente constituídas e da possibilidade de coexistência de tempos – globais e locais (Carlos, 2007, 2011). No contexto urbano-industrial, as condições técnico-científico-informacionais (Santos, 2008c) asseguram uma maior penetração de temporalidades alheias ao lugar, segundo normativas de corporações multinacionais que instrumentalizam o território e desconsideram a história, os laços sociais, a solidariedade orgânica (Santos, 2007b, Ribeiro, 2009). Não obstante, esse tempo rápido vivido nos centros financeiros tangencia o tempo lento (Santos, 2008a) experimentado no cotidiano daqueles que vivenciam a cidade segundo uma racionalidade que envolve relações de proximidade e solidariedade (Ribeiro, 2010), e de uma lógica onde predominam os valores de uso (Lefebvre, 2013).

Enquanto isso, no contexto agroindustrial as condições tecnológicas são criadas para atender, principalmente, à economia agroindustrial, penetrando de forma lenta, na totalidade do tecido social (Melo, 2008). Se, por um lado, há um tempo fundado no sistema produtivo e de vendas de produtos agrícolas para diferentes partes do mundo; por outro, há um tempo mais lento, marcado por acontecimentos do cotidiano cuja origem é muito mais local ou, no máximo, regional (Santos, 2005). Ou seja, se no contexto urbano-industrial as cidades funcionam “24 horas”, como é comum ouvir falar das grandes metrópoles (Mongin, 2009), no contexto agroindustrial o funcionamento da cidade é dependente das ações políticas, do sistema produtivo e dos acontecimentos festivos, como é comum observar em cidades pequenas da área de Cerrado (Melo & Soares, 2012). Um tempo lento, onde as relações no espaço urbano são orientadas pelo que acontece na esfera pública, nas praças públicas (Melo, 2008), e que também é regulado pelas tradicionais famílias e um sentido de lugar que remete ao processo histórico, à memória do lugar, como nos orienta Massey (2009) e Bell & Jayne (2006, 2009). Em tais condições, o contexto espacial não está limitado ao quesito econômico, como advogam os teóricos locacionais, pois, da mesma forma que direciona as ações econômicas, também influi em diferentes práticas espaciais, que acontecem nas diversas escalas, incluindo o cotidiano e relacional (Lefebvre, 2013, Martin, 1995).

Assim, segundo o contexto espacial, as diretrizes, as normativas e as práticas espaciais são específicas para cada tipo de cidade, desde metrópoles até às cidades pequenas. Isto significa considerar, como alerta Santos (2008b: 32), que “as diversas ecologias locais não são unicamente explicáveis por fatores exclusivamente locais”. Dessa forma, os fluxos, os impulsos e as influências a que dada cidade está e estará sujeita, independente do tamanho, estão condicionados pelas condições locais e regionais, mas também, pelo contexto espacial.

 

 

6. Considerações finais

Em síntese, o contexto espacial responde a generalidades, das quais a globalização é, atualmente, a mais expressiva (Santos, 2008b). Ainda, responde a particularidades, como a formação socioespacial (Santos, 1977), que assegura que para cada parcela do território, o contexto espacial tenha uma materialidade e um significado. Ao mesmo tempo, os conteúdos existentes em cada contexto espacial permitem compreender as diferenças entre as cidades e o modo como a dimensão intraurbana é adaptada para garantir o aprofundamento da globalização (Santos, 2008b).

O contexto, embora tratado muito mais segundo as condições históricas, revela sua dimensão espacial e, com isso, evidencia a inseparabilidade das duas dimensões, que não se completam, mas se complementam. Por sua vez, é preciso avançar em análises que demonstrem, para além da economia política, como o contexto espacial influi em diferentes dimensões da vida, porque, se o contexto é importante para as empresas nas decisões sobre investimentos, também influi nos conteúdos que circulam no cotidiano, requalificando o lugar e as práticas espaciais.

A associação ao contexto espacial como caminho alternativo capaz de evidenciar diferentes aspectos da cidade se justifica no plano da rede urbana e, também, no espaço urbano. É mais que considerar a hinterlândia. Trata-se de passar de uma rede de influência, que parte dos usos do território e suas influências, e entender como a conjugação de forças no território formata um contexto espacial que atribui especificidades a cada cidade e aos processos e ações. Dessa forma, a análise da cidade, qual seja a escala escolhida, exige a consideração do contexto espacial para entender as transformações processadas nas escalas inter e intraurbana.

Assim, o contexto espacial serve, portanto, como mecanismo para a análise do espaço, em geral, e da cidade, em particular. Contribui para dar significado às ações, tais como as políticas públicas, as práticas espaciais e os diferentes processos, que têm lugar na cidade. Por fim, orienta a análise da gênese dos conteúdos que a cidade, dependendo de seu contexto espacial, estará submetida, alterando o cotidiano e requalificando, consequentemente, o urbano.

 

 

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