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GOT, Revista de Geografia e Ordenamento do Território

versão On-line ISSN 2182-1267

GOT  no.10 Porto dez. 2016

https://doi.org/10.17127/got/2016.10.013 

ARTIGO

 

Igualdade no valor do capital natural e na transformação do solo no planeamento municipal

Equality on natural capital value and on urban occupation in spatial planning

 

 

Queiroz, Ana1; Silvano, Sofia1

1Câmara Municipal de Sintra; Rua do Pocinho, Quinta das Buchas, C.16, Morelinho, 2710-413 Sintra, Portugal; ana.q.vale@netcabo.pt; sofia.silvano@gmail.com

 

 

RESUMO

A evolução da transformação da ocupação e utilização do solo é expressão das mudanças políticas, sociais, culturais e económicas sentidas nas últimas décadas, em que uma etapa de desenvolvimento associado à expansão urbana, deu lugar a outra de consolidação, num novo paradigma societal e económico. O ordenamento do território, como política pública com o horizonte no legado para as gerações futuras, tem a responsabilidade em acautelar igualdade na redistribuição de valor capturado na transformação e utilização do solo, valorizando o capital natural e possibilitando a remuneração dos serviços prestados pelos ecossistemas. Mecanismos de transferência de edificabilidade, previstos na lei, podem ser o instrumento regulador deste equilíbrio territorial e indutor de novo desenvolvimento.

 

Palavras-chave: ordenamento do território; planeamento territorial; plano diretor municipal; princípio da igualdade; serviços prestados pelos ecossistemas; capital natural; transferência de edificabilidade; Sintra.

 

ABSTRACT

The urban occupation, and the spatial planning system evolutions, are a strong expression of the changing political, social, cultural and economic observed in recent decades. A developmental milestone associated with urban sprawl has given way to another of consolidation in a new societal and economic model. Planning, as a public policy aiming for the legacy for future generations, is responsible for safeguarding equality and redistribute the value captured on the transformation from rural to urban uses, valuing natural capital and enabling payment for ecosystem services. Transfer development right mechanisms, acknowledged in the law, could be the regulator instrument for this territorial balance and new development inducer.

 

Keywords: Space planning; master plan; equality; retribution for ecosystem services; natural capital; transfer of development rights; Sintra.

 

 

1. Introdução

O presente artigo resume a conceção do novo Plano Diretor Municipal de Sintra (PDMS2016)[1], no âmbito do processo de revisão desenvolvido pela Câmara Municipal de Sintra (CMS) desde 2014[2], coordenado pela Direção Municipal de ambiente planeamento e gestão do território (DM-APG) no contexto do novo quadro legal[3], e elaborado pelo Gabinete do Plano Diretor Municipal (GPDM). O exercício de planeamento atendeu também ao quadro sociocultural e económico, e às principais tendências com incidência territorial que hoje se fazem sentir em Sintra.

Sintra estende-se por 319 km2, com 377.835 habitantes[4] (2º município em população na AML[5] e no país), onde o peso da população imigrante de assume 9%[6], chegando a 20% nas freguesias urbanas. Sintra contribui com 6% para o PIB[7] Nacional, com o sector terciário a dominar a sua base económica e que garante 79% dos postos de trabalho. A ocupação do solo no concelho de Sintra traduz os efeitos das dinâmicas demográficas, políticas e financeiras desde a década de 1960, com destaque para a década de 70 quando se registou um crescimento populacional de 81%, atualmente em fase de estabilização com um crescimento cerca de 1% no início desta década (2011-2014)[8]. Sintra é um território de desafios, pela sua diversidade e riqueza cultural, patrimonial, natural e populacional. Entre o profundamente rural e o intensamente urbano, destaca-se o Parque Natural Sintra-Cascais[9], que inclui a orla costeira, e a área classificada como paisagem cultural da humanidade (UNESCO 1992); a norte destacam-se a oeste os recursos agrícolas e geológicos; e o quadrante sudeste é assinalado por áreas urbanas densamente povoadas, onde se encontram os constrangimentos e as oportunidades próprias das cidades metropolitanas. Mas é também um tempo de desafios, perante a necessidade de uma visão diferente sobre o consumo de solo – utilização do território – os valores naturais e de paisagem, da vivência das cidades e da segurança e qualidade de vida das populações, desafios que motivam à procura de novos modelos de desenvolvimento e de planeamento territorial. O PDM de Sintra 1999 (PDMS99)[10], foi elaborado em contexto sócio-económico-ambiental-territorial em que se respondia à exigência de disponibilização de solo urbanizado (ou urbanizável) disponibilizando extensas áreas para adquirirem vocação urbana (23% do território classificado como solo urbano/urbanizável encontra-se hoje por utilizar para essa função), em resposta a esse modelo territorial. As cidades de Sintra foram assim construídas no modelo expansionista, encontrando-se hoje fragmentadas por não ter sido assegurada a programação e continuidade das intervenções.

Num novo contexto que marca o início do século XXI associado ao desafio de decréscimo e envelhecimento populacional e à degradação da economia e consequentemente do território, não podemos tratar problemas diferentes com os mesmos instrumentos, sendo necessário adotar diferentes mecanismos que respondam aos desafios do século XXI, através da economia territorial, dos valores ambientais e da identidade dos locais.

 

 

2. Um novo quadro legal

O novo quadro legal iniciado com a LBPPSOTU[11] em 2014, marcou, para a conceção dos planos municipais, uma nova era, deixando de estar disponível a “hipoteca de solo” para a urbanização, isto é, a reserva de solo como urbanizável. Marca também a consolidação do plano diretor municipal como integrador das disposições referentes à classificação e qualificação do solo, passando os planos especiais a programas, e não vinculativos dos particulares no uso, ocupação e transformação do solo. Quanto ao primeiro, estabelece a LBPPSOTU[12] e o RJIGT[13]: como «Solo urbano», o que está total ou parcialmente urbanizado ou edificado e, como tal, afeto em plano territorial à urbanização ou à edificação; e como «Solo rústico», aquele que, pela sua reconhecida aptidão, se destine, nomeadamente, ao aproveitamento agrícola, pecuário, florestal, à conservação, valorização e exploração de recursos naturais, de recursos geológicos ou de recursos energéticos, assim como o que se destina a espaços naturais, culturais, de turismo, recreio e lazer ou à proteção de riscos, ainda que seja ocupado por infraestruturas, e aquele que não seja classificado como urbano.

 

 

A nova lei impõem assim que o solo urbano é aquele que já se encontra urbanizado, devendo a principal política territorial centrar-se na reabilitação/regeneração dos territórios já afetos às utilidades humanas de edificação (habitação, equipamento ou atividades económicas). A este tema voltaremos mais detalhadamente em 3.2. Quanto aos planos especiais, a LBPPSOTU veio a estabelecer inequivocamente o seu papel. Até então existia uma prática, ainda que não consonante com a lei, de planos especiais estabelecedores de regras de uso, transformação e ocupação do solo. Sintra, pela existência de um Parque Natural, e pelos seus 25 km de costa atlântica, foi sujeito, ao longo dos últimos anos, a disciplinas complexas de gestão do território. Estão estabelecidos no território de Sintra dois planos especiais: o Plano de Ordenamento do Parque Natural Sintra-Cascais (POPNSC)[14], e o Plano de Ordenamento da Orla Costeira Sintra-Sado (POOCSS)[15]. Interessa, para o caso em estudo, retirar as consequências da aplicação destes planos no território de Sintra. Se por um lado o estabelecimento dos planos especiais permitiu uma maior salvaguarda de valores naturais, potenciando a conservação da natureza e da biodiversidade, por outro, em especial o POPNSC, permitiu uma forma de ocupação do território fortemente consumidora de recursos, definindo formas de uso, transformação e ocupação do solo, com base em “unidades mínimas de edificação”, resultando numa descaracterização da paisagem, que visava proteger e valorizar, impondo pesados investimentos públicos municipais na execução e manutenção de infraestruturas e serviços urbanos.

 

 

3. Uma nova visão do território

Passada uma década e meia de vigência do PDMS99, exigiram os tempos, não uma mera alteração ou adaptação à nova legislação, mas uma profunda ponderação do modelo territorial, considerando: (i) um novo quadro económico e social; (ii) um novo quadro legal; (iii) a necessidade de um novo equilíbrio territorial.

 

3.1. Modelo de Desenvolvimento Territorial

Um plano diretor municipal define o quadro estratégico de desenvolvimento territorial do município[16], estabelecendo o seu modelo de organização territorial que visa traduzir espacialmente os objetivos e estratégias, com relevância territorial à escala do município, concretizando assim as opções estratégicas de futuro.

Para Sintra, na sua diversidade territorial, importa identificar as unidades territoriais que estruturam o seu território, entendendo-se como unidade territorial a porção de território que assume identidade mas também, no sentido prospetivo do planeamento, que pode reunir políticas conjugadas para alcançar objetivos integrados, em que concorrem os elementos estruturantes, existentes ou propostos numa perspetiva de concretização das opções estratégicas, obedecendo a princípios de funcionalidade, legibilidade e identidade (CARVALHO, 2012). O Modelo de Desenvolvimento Territorial (MDT) [17] corresponde a uma síntese prospetiva do que Sintra quer para o seu território, estabelecendo opções estratégicas, concretizando políticas (eixos estratégicos) por unidades territoriais que partilham semelhanças, e fixando as ligações necessárias para que o funcionamento do sistema (cidade/território). Da Visão estabelecida e objetivos estabelecidos pelo MDT, destaca-se aqui: (ii) a “valorização dos recursos existentes e dos ecossistemas” visando a maximização dos recursos naturais endógenos através do seu aproveitamento económico (agrícola, florestal, recursos geológicos, paisagem) e as ocorrências exógenas e artificiais (empresariais, industriais, turismo) e a vontade de preservação e integração dos sistemas ambientais (ecológicos e paisagísticos) num sistema estruturado e interligado que permite a sua conectividade e qualificação; (iii) a “otimização e qualificação do solo urbano, e das suas redes, como suporte à qualidade de vida” concretizando a necessidade de otimização das infraestruturas e de aproveitamento do solo urbano existente, numa perspetiva de sustentabilidade económica (eficiência), ambiental (otimização recursos) e social (proximidade e identidade), direcionando a dinâmica urbanística, num esforço de contenção e compactação, para a requalificação dos espaços existentes e infraestruturados.

 

3.2. Uso e transformação do solo – Edificabilidade Concreta

O atual quadro legal, como acima referido, impõe uma nova “leitura” do território para a definição dos planos municipais, que constituiu não um mero processo de revisão, no sentido de confirmação da classificação do solo hoje vigente, mas sim um processo ex novo de classificação do solo[18], não só pelas profundas alterações legislativas, em especial no que respeita aos conceitos subjacentes à classificação do solo, mas também pelas claras alterações societais ocorridas na última década. Segundo PARDAL (2002) “os planos territoriais, mais do que reservar solo para uso agrícola, devem preservar o espaço rústico de desenvolvimentos deslocados afetos ao uso urbano, que desorientam o mercado, inflacionam os preços e dificultam o acesso dos agricultores ao solo agrícola”. No novo quadro legal a classificação do solo assenta na distinção básica entre solo urbano e solo rústico (cfr. referido em 2.), tendo assim de um lado os solos com funções de suporte à construção (nos seus diferentes usos, nomeadamente habitação, equipamentos ou atividades económicas), a que corresponde a classificação de urbano; e por outro lado os solos com as demais funções (agricultura, floresta, serviços ecossistémicos, etc.), adotando-se critérios de (i) identificação da realidade verificável hoje no território[19], conjugando (ii) a existência de infraestruturas e serviços urbanos, numa ótica de otimização do solo e investimentos realizados, (iii) os valores em presença e (iv) a configuração cadastral. Estabelecendo a distinção básica rústico/urbano, com clareza firme, ditando que o solo urbano é aquele destinado à urbanização e edificação, e o solo rústico é aquele que serve de suporte a atividades não edificatórias, permitindo excecionalmente as diretamente ligadas às atividades que se desenvolvem no solo rústico. No solo rústico, estabelecemos a distinção entre espaços naturais, florestais e agrícolas, assegurando as principais funções do solo rústico, complementado com usos ocasionais e especiais. Já no solo urbano, identificaram-se três níveis de intensidade e formas de usos urbanos, correspondendo aos espaços centrais, afirmadores de identidades e centralidades, os espaços habitacionais, que correspondem efetivamente a espaços multifuncionais e não exclusivamente habitacionais, e os espaços de baixa densidade enquanto forma de transição para o solo rústico. Enquanto elemento central da estratégia para o território de Sintra, de dinamização e fortalecimento da economia e emprego, são também classificadas as principias áreas empresariais. Complementarmente, também no solo urbano, se identificaram as funções ocasionais e especiais. Não foram, por opção, identificados núcleos de edificação dispersa, ainda que esta esteja presente, em especial no interior atlântico, realidade resultante da permissividade do PDMS99 e do POPNSC, e que muito contribuiu para a perda de valor da paisagem, dos recursos, e portanto do capital natural de Sintra, capturando solo que deveria estar disponível para as funções agrícolas e florestais. Decorrente das classes e categorias de uso do solo estabelecidas, resulta a determinação não só da função territorial mas também o aproveitamento do solo e intensidade da sua utilização em resultado da capacidade de carga das estruturas rústicas ou urbanas, e dos valores em presença, estabelecendo-se através de parâmetros urbanísticos – índices de utilização do solo - a Edificabilidade Concreta, isto é, o direito concreto de construir[20].

No desígnio de assegurar o valor natural, paisagístico e patrimonial, e do funcionamento dos seus sistemas e garantia dos seus recursos, numa perspetiva de responsabilidade e equilíbrio na utilização racional dos recursos e na orientação das funções de edificação para os espaços urbanos, o PDMS2016 assume a disponibilização efetiva do solo rústico para as suas naturais funções (ambiente, floresta e agricultura). Estabelece-se assim a concentração no solo urbano de uma maior intensidade de utilização, no que respeita à edificabilidade, enquanto os espaços naturais são efetivamente destinados às suas funções, e o solo rústico fica disponível para um aproveitamento consonante com as atividades e usos admitidos (relacionadas com o uso agrícola, florestal ou turístico).

 

 

4. Capital Natural e Serviços Prestados pelos Ecossistemas

O Capital Natural (ONU, 2012) incorpora todos os ativos naturais da Terra (solo, ar, água, flora e fauna) e todos seus serviços ecossistémicos, que tornam possível a existência de vida humana, assentando nele os serviços dos ecossistemas, enquanto unidades funcionais onde comunidades de plantas, animais e microrganismos interagem de forma dinâmica com o meio abiótico e que tornam possível a vida humana. Os serviços prestados pelos ecossistemas (SPE) são benefícios de que as populações humanas usufruem direta e indiretamente, e desempenham funções que podem ser agrupadas em quatro grandes grupos: de produção, de regulação, culturais e de suporte, de acordo como o estabelecido no Regime Jurídico da Conservação da Natureza[21], compreendendo: (i) serviços de produção - bens produzidos ou aprovisionados pelos ecossistemas; (ii) serviços de regulação - benefícios obtidos da regulação dos processos do ecossistema; (iii) serviços culturais - benefícios não materiais obtidos dos ecossistemas; (iv) serviços de suporte - serviços necessários para a produção de todos os outros serviços. O reconhecimento que os elementos naturais desempenham funções determinantes ao bem-estar humano, mesmo para a sua sobrevivência, conduz à necessidade de lhes atribuir valor, e ponderar o que se deve pagar pela utilização de recursos naturais ou receber pela prestação de serviços ecossistémicos, e incorporar esse valor na economia do território. O debate sobre a valoração dos ecossistemas tem conduzido diferentes especialistas a publicarem estudos, ora procurando estimar o valor monetário dos serviços globais dos ecossistemas e biomassas (CONSTANZA et al, 2011), atribuindo valor a serviços pontuais e adicionando valores parciais para chegar a um valor global médio por unidade de área e por biomassa; ou apontadas soluções como: mudança do contexto económico das decisões, garantido que o valor dos serviços dos ecossistemas é integrado na tomada de decisão; supressão de subsídios a atividades que provocam danos ao ambiente e pessoas; introdução de pagamentos aos proprietários dos solos em troca de gestão compatível com a proteção dos serviços ecossistémicos com valor para a sociedade; estabelecimento de mecanismos de mercado que reduzam emissões de nutrientes e de carbono mais eficientes (ONU). Destes destacamos o TEEB com o propósito de “acabar com a invisibilidade económica da Natureza” resultando em cinco relatórios direcionados para diversos atores sociais e políticos. Também a Estratégica Europeia para a Biodiversidade 2020 (UE) afirma que “até 2050, a biodiversidade da União Europeia e os serviços ecossitémicos que ela fornece sejam protegidos, valorados e adequadamente restaurados pelo valor intrínseco da biodiversidade e pela contribuição essencial para o bem-estar humano e a prosperidade económica, de forma a que sejam evitadas as mudanças catastróficas causadas pela perda de biodiversidade”. O princípio poluidor-pagador, consolidado no Direito do Ambiente, deve considerar a internalização das externalidades negativas, isto é, custos que a utilização de ecossistemas em benefício privado impõe a terceiros. No Brasil surge o princípio do protetor-recebedor (CORREIA, 2001) que reflete a necessidade de internalizar externalidades positivas pela preservação de funções ecossistémicas, em geral de áreas com elevada biodiversidade. Neste caso o protetor desenvolve atividades para evitar a perda, destruição ou deterioração do bem económico/natural. Coloca-se então a questão sobre a forma de remuneração dos ecossistemas, isto é, como incorporar o valor do capital natural na economia territorial[22].

O PDMS2016 assume o propósito de valorização do património natural e cultural do território, de contenção urbana e melhoria da qualidade de vida das populações, e reconhece a importância do capital natural, enquanto valor integrante da equação territorial, apresentando mecanismos que atuam a diversos níveis, para a concretização do princípio da igualdade territorial, e cria instrumentos redistributivos do valor.

 

 

5. Princípio da igualdade

Toda a ação da Administração Pública está subordinada à Lei mas também aos seus princípios jurídicos, onde tem especial relevo o princípio da igualdade, consagrado no art. 13º da CRP[23], sendo um princípio estruturante do Estado de Direito Democrático e do seu sistema constitucional, devendo estar subjacente em todos os domínios da atividade da Administração Pública. Os cidadãos são iguais perante a lei, no que se pode entender como uma igualdade jurídica, quer na criação do direito quer na aplicação do direito. Interessa-nos aqui a primeira formulação: o plano enquanto criador de direito.

O exercício de planeamento e ordenamento do território, assim só consubstanciado, corresponde ao modelo tradicional de formação de planos municipais. Efetivamente um plano municipal, enquanto instrumento congregador das disposições que vinculam os particulares nas determinações dos seus comportamentos e ações, de uso, ocupação e transformação do solo, geram, pela sua natureza, desigualdades: nos sacríficos impostos a alguns e nas oportunidades urbanísticas permitidas a outros. Tais disposições ficam congregadas na leitura conjugada da sua planta de ordenamento e do seu regulamento (sem prejuízo das disposições relativas a servidões e restrições de utilidade pública – planta de condicionantes), pela definição da designada Edificabilidade Concreta[24]. O modelo tradicional aí se esgota.

Na classificação do solo, exercício consubstanciado na distinção básica entre solo rústico e solo urbano, conforme e nos termos acima enunciados, a linha traçada - delimitação do perímetro urbano - confere, automaticamente, valores muito distintos às propriedades localizadas de um e de outro lado da linha, definindo o estatuto jurídico da coisa concreta, isto é, a determinação do conteúdo do direito de propriedade.

 

 

O PDMS2016 assumiu querer negar esta fatalidade, propondo-se a uma efetiva e justa redistribuição dos benefícios e oportunidades, e dos encargos e sacrifícios. E pretende ainda promover uma eficaz orientação dos comportamentos dos particulares perante o território, como instrumento de alcançar os objetivos traçados no MDT. Para tanto afirma a sua igualdade interna[25], estabelecendo que “a atividade administrativa de planeamento e ordenamento do território é por natureza discricionária e exige liberdade na sua conformação, em razão da livre e ampla ponderação do interesse público do ordenamento e equilíbrio do território, nas suas diversas componentes, ambiental, económica e social, e interesses nacionais, gerais e locais” e “sem prejuízo dos demais princípios da atividade planeadora e administrativa, impera (…) o princípio da igualdade, estabelecendo-se os mecanismos necessários a restabelecer a igualdade em todo o território municipal, e à correção dos seus efeitos, nomeadamente promovendo igual tratamento no domínio de oportunidades urbanísticas, na remuneração dos serviços prestados pelos ecossistemas, e na repartição de benefícios e encargos decorrentes do plano, com vista à plena efetivação do princípio constitucional ínsito nos artigos 13º e 266º da Constituição da República Portuguesa”. O princípio da igualdade perante benefícios e encargos exige assim a implementação de medidas, mecanismos e instrumentos de distribuição equitativa, constituindo esta um direito fundamental dos cidadãos consagrado na LBPPSOTU e no RJIGT e um dever para toda a Administração Pública na sua atuação. A igualdade apresenta-se, aqui, não como ponto de partida mas como resultado que se pretende alcançar, exigindo uma conexão entre os critérios e os fins, que sejam razoáveis e suficientes à obtenção de uma igualdade jurídico-material, onde o princípio da igualdade não orienta, em concreto, a opção por um ou outro critério, mas exige que o critério escolhido encontre justificação razoável e suficiente na ratio do tratamento jurídico (GARCIA, 2005).

 

5.1. Justiça na repartição de benefícios, encargos e sacrifícios

Na leitura de CANOTILHO e MOREIRA o princípio da igualdade tem a ver fundamentalmente com igual posição em matéria de direitos e deveres, que consiste em duas coisas: proibição de privilégios ou benefícios no gozo de qualquer direito ou na isenção de qualquer dever; proibição de prejuízo ou detrimento na privação de qualquer direito ou imposição de qualquer dever. Os direitos e vantagens devem beneficiar a todos e os deveres e encargos devem impender sobre todos”. Também para os mesmos autores, a vinculação da administração tem como dimensões mais relevantes, no âmbito do que aqui importa: (i) Proibição de medidas administrativas portadoras de incidências coativas desiguais (encargos ou sacrifícios) na esfera jurídica dos cidadãos (igualdade na repartição de encargos e deveres); (ii) Exigência de igualdade de benefícios ou prestações concedidas pela administração; (iii) Autovinculação da administração no âmbito dos seus poderes discricionários, devendo utilizar critérios substancialmente idênticos para a resolução de casos idênticos; (iv) Direito à compensação de sacríficos quando a administração, por razões de interesse público, impõe a um ou vários cidadãos sacrifícios especiais, violadores do princípio da igualdade perante os encargos públicos.

A relevância do enunciado é a própria natureza do exercício de planeamento, a configuração dos planos territoriais e as suas implicações no direito de propriedade, impondo sacrifícios, em nome do interesse público de salvaguarda de valores e recursos, ou de atribuição de oportunidades urbanísticas, também no interesse público para a criação de condições de suporte à vida humana nas suas necessidades de habitação, atividades económicas e equipamentos sociais. Para CORREIA (2001) “a primeira impressão que ressalta do confronto entre plano urbanístico e o princípio da igualdade é a de que aquele constitui uma negação deste último. (…) O plano urbanístico tem carácter necessariamente discricionário e é fonte de desigualdades em relação aos proprietários dos imóveis por ele abrangidos”. Para OLIVEIRA (2011) a discricionariedade de planeamento corresponde ao mesmo fenómeno de complementação do tipo legal em que se traduz a discricionariedade administrativa geral, mas com um aumento exponencial do poder de decisão do agente que muitos colocam perto da criatividade, fazendo-a corresponder ao grau máximo da discricionariedade. A desigualdade para CORREIA (2001) e OLIVEIRA (2011) será uma característica inerente ao plano uma vez que só estabelecendo diferentes utilizações e intensidades de uso dos solos se cumpre a sua função de determinação do uso, ocupação e transformação do solo num determinado território.

Segundo CORREIA (2001), as dimensões da relevância do princípio da igualdade são: (i) o princípio da igualdade imanente ao plano ou proibição do arbítrio, estabelecendo que as disposições do plano não podem ser arbitrárias, nem ilógicas ou irrazoáveis, antes devem basear-se em fundamentos objetivos ou materiais bastantes; (ii) o principio da igualdade transcende ao plano, num duplo sentido de igualdade perante os encargos públicos e a igualdade de oportunidades urbanísticas. Sendo que: a igualdade perante os encargos públicos exige que o individuo que, em comparação com os restantes cidadãos, suporta um sacrifício especial e desigual em benefício da comunidade deve ser, por efeito do princípio da igualdade, indemnizado por essa mesma comunidade; e a igualdade perante as oportunidades urbanísticas tem a sua expressão desigualitária nas medidas que definem formas e intensidades diferentes de utilização para as várias parcelas de terreno (…) que não deixam de significar um tratamento desigual dos diferentes proprietários. Este tratamento desigual e desigualitário não impõe um dever indemnizatório, mas sim impõe ao plano o dever de consagrar mecanismos ou instrumentos adjacentes ao plano que visem corrigir as desigualdades entre os proprietários.

Não podemos, por isso, seguir conceções desvalorizadoras da importância do princípio da igualdade, já que o princípio do uso racional do solo não pode ter supremacia sobre aquele, e não existe no nosso ordenamento jurídico qualquer reserva expressa ou qualquer dispensa de sujeição da atividade planificatória à obrigação de igualdade jurídica (CORREIA, 2001). Tem, portanto, esta discricionariedade os limites da Lei, garantia dos princípios constitucionais e gerais de direito, pela LBPPSOTU e RJIGT, quadro legal que impõe regras claras na determinação do conteúdo dos planos. A Lei não deixa de reconhecer um alargado poder discricionário na escolha das soluções que se considerem mais adequadas para o modelo de desenvolvimento territorial traçado para o município, consubstanciadas nos seus planos territoriais/municipais. Tal não limita, e muitas vezes impõe, que na definição das políticas territoriais, também assentes na leitura das características intrínsecas do solo e suas potencialidades, e nas perspetivas de desenvolvimento do município, se venha a estabelecer no plano uma efetiva desigualdade. Por um lado, nos sacrifícios impostos ao conjunto dos proprietários que tem o dever de assegurar um conjunto de funções para o funcionamento dos sistemas ecossistémicos e na valoração e valorização do Capital Natural; e por outro, nas oportunidades de desenvolvimento urbanístico, função do solo que valoriza, em muito, os imóveis dos respetivos proprietários, traduzindo-se num benefício incomparável com os primeiros.

Estabelece a LBPPSOTU, no seu artigo 3º, que deve ser assegurada a justa repartição dos benefícios e dos encargos decorrentes da aplicação dos (…) planos territoriais e dos instrumentos de política de solos. É pois obrigação do Plano encontrar as formas e mecanismos de ultrapassar os conflitos que a atividade planificatória gera e a obrigação jurídica de justiça e igualdade, e corrigir os efeitos desiguais do plano, visando uma igualdade de oportunidades de aproveitamento urbanístico dos solos, ou seja em síntese, um resultado material idêntico para todos os destinatários.  Dos meios ou instrumentos que podem superar a natural desigualdade criada pelo plano, encontram-se diversos mecanismos, muitos deles não enquadráveis neste tempo ou no âmbito do Plano, como sendo a nacionalização de terras ou medidas tributárias. Pretendeu-se antes criar mecanismos próprios, dentro do plano e dentro dos limites da Lei e das competências conferidas ao Município, que reponham a igualdade no território perante os modos diferenciadores de utilização do solo, reequilibrando os encargos e sacríficos impostos a alguns (muitos) e os benefícios e oportunidades permitidos a outros (poucos). Pretende o PDMS2016 ser neutral do ponto de vista dos interesses, aliviando a pressão existente no solo rústico com vista à sua máxima rentabilidade (edificação).

O ordenamento do território visa, compatibilizando, diferentes funções que o solo desempenha: (i) ambiental, (ii) produtiva e (iii) de suporte (nomeadamente de edificação), maximizando a função social da propriedade. Ao invés, aos proprietários importa alcançar a maior vantagem económica (edificação) (CARVALHO, 2014).

 

 

A distinção entre o aproveitamento do solo rústico e do solo urbano, sem a devida repartição de benefícios e encargos (perequação) a nível municipal leva a uma efetiva desigualdade, que não integra o valor prestado pelos sistemas (solo rústico) no conjunto do território. Tradicionalmente a diferença do valor residual do solo urbano face ao solo rústico é tão significativa que as maiores aspirações dos proprietários residem na reclassificação do solo rústico para urbano, o que releva a importância da delimitação do perímetro urbano, na igualdade transcendente do plano (CORREIA, 2001).

 

 

O Plano é assim conformador do território e do direito de propriedade, do seu conteúdo, e, por essa via, do seu valor. É ao planeamento que cabe ponderar e decidir este conflito de interesses, entre a função social do solo e o direito de propriedade (CARVALHO, 2014), em respeito pelo princípio da igualdade e pelo interesse público do ordenamento do território. Não podemos, no entanto, deixar de reconhecer que é a função de suporte (edificatório) que maximiza o valor económico do solo na perspetiva do seu proprietário, verificando-se baixas ou mesmo nulas remunerações para funções tão importantes, e essenciais à vida das populações, como as que asseguram o funcionamento dos ecossistemas, isto é, do capital natural dos territórios. A avaliação de um terreno, segue o princípio de que este vale o que nele se pode fazer e pelo rendimento que dele se retira (estritamente económica – renda fundiária), e neste sistema de valoração do solo não podemos de deixar de ponderar os mecanismos a adotar para restabelecimento do equilíbrio de interesses, igualdade e território.

 

5.2. Edificabilidade Abstrata

Já acima referimos que “os planos territoriais, mais do que reservar solo para uso agrícola, devem preservar o espaço rústico de desenvolvimentos deslocados afetos ao uso urbano, que desorientam o mercado, inflacionam os preços e dificultam o acesso dos agricultores ao solo agrícola” (PARDAL, 2002). Na última década tem se verificado em Sintra, fruto do elevado preço do solo urbano,  uma forte pressão sobre o solo rústico para funções de edificação com uma perda efetiva de valor do capital natural e da paisagem, e com custos para o Município na execução e manutenção das infraestruturas, isto é, de serviços de natureza urbana em solo rústico. Temos então os solos que deviam ser disponibilizados para a função produtiva, se encontram hoje na expectativa de poder ter uma valorização próxima dos de função edificatória de suporte (solo urbano), o que inviabiliza a sua afetação para as funções agrícolas, florestais e ambientais.

O PDMS2016, considerando as condições intrínsecas do território, capaz de conceder as condições adequadas à concretização do MDT, materializou a classificação e qualificação do solo que melhor servia os objetivos traçados, e atribuiu diversas potencialidades edificatórias e aproveitamentos ou afetações às diferentes propriedades – intensidades de uso –, que têm como consequência inevitável a diferenciação de valores do solo. No entanto a proposta de Plano não deixa de refletir, num exercício livre na sua conformação, as melhores soluções (i) para a salvaguarda da diversidade do território, (ii) para a potenciação dos seus melhores recursos, e (iii) para uma vida mais qualificada, mais equilibrada e com maiores oportunidades das suas populações.

A Lei, LBPPSOTU e RJIGT, consagra o direito dos proprietários à distribuição equitativa (perequativa) dos benefícios e dos encargos decorrentes dos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares[26], impondo o dever desses instrumentos preverem mecanismos (diretos ou indiretos) de perequação. A perequação, enquanto meio de reequilíbrio das diferentes intensidades de uso, e da dimensão do direito concreto edificatório, corresponde ao “conjunto de princípios, normativas e procedimentos que corrijam ou compensem as desigualdades criadas por instrumentos de ordenamento do território” (CARVALHO, 2012), e permite uma compensação entre funções urbanas, agrícolas, florestais e ambientais, colocando os diversos proprietários perante uma maior neutralidade, reequilibradora dos valores de solo. A perequação é pois um imperativo de justiça, obrigação constitucional de cumprir o princípio da igualdade (CORREIA, 2001), que, para ser efetivo, obriga a uma dupla vertente: (i) os benefícios e oportunidades, em especial, pelo seu valor económico, as oportunidades urbanísticas, isto é, as faculdades edificatórias concretas conferidas pelo plano; e (ii) os encargos ou sacrifícios impostos aos proprietários, na salvaguarda de valores naturais, na obrigação de manutenção de funções ecossistémicas, consubstanciada numa imposição de não edificação.

Tendo o PDMS2016 desenvolvido o processo “tradicional” de classificação e qualificação do solo”, não pôde aceitar as desigualdades por si criadas e, reconhecendo os seus efeitos desigualitários, procurou o equilíbrio e a justiça do Plano, estabeleceu mecanismos próprios, aptos a repor a igualdade no território perante os modos diferenciadores de utilização do solo. Considerando que o equilíbrio territorial é proporcionado, para aqueles que habitam e vivem as cidades (solo urbano), por um conjunto de funções que são asseguradas pelo solo rústico, como funções produtivas ou de regulação, essenciais à vida humana, o PDMS2016 estabeleceu uma Edificabilidade Abstrata[27] aplicada a todo o território municipal, para remuneração dos serviços prestados pelo solo rústico (de baixa ou nula valorização edificatória) ao solo urbano (de maior valorização edificatória)[28]. Essa edificabilidade corresponde a um índice médio de utilização (Iu) igual para todo o território municipal, quer para o solo rústico quer para o solo urbano, com a função reequilibradora de oportunidades e sacríficos, constituindo a concretização do princípio da igualdade do plano.

O reconhecimento que os elementos naturais desempenham funções determinantes ao bem-estar humano, conduz à necessidade de lhe atribuir valor pela utilização de recursos naturais e pela conservação dos serviços dos ecossistemas, incorporando esse valor na economia territorial. Recorre o PDMS2016 a uma forma de ficcionar a realidade, ideal, em que todos pudessem edificar (na consideração que o particular tem, através da capacidade edificatória, a sua maior expectativa de renda fundiária), mas determina, também o plano, que a edificação só pode acontecer nas parcelas que melhor servem a essa função (edificatória). Assim, todos têm o mesmo direito (Edificabilidade Abstrata), o mesmo conteúdo de direito de propriedade, mas apenas nos locais (solo urbano por excelência), em que melhor se desempenha essa função e serve a um melhor ordenamento do território e modelo de desenvolvimento, esse se pode concretizar (Edificabilidade Concreta) [29].

Estabelecemos, nesses termos e para esses fins, uma Edificabilidade Abstrata, aplicável a todo o território municipal, conjugando os mecanismos de Transferência de Edificabilidade entre áreas onde a ficção estabelecida não é possível concretizar e as áreas onde efetivamente se deseja a sua realização, como suporte à melhoria das condições de vida das populações e que sirva à dinamização e requalificação da economia do município. Impõe-se afirmar que a Edificabilidade Abstrata é uma ficção que serve ao estabelecimento de mecanismos de reequilíbrio de valor do solo em todo o território municipal, e não um direito imediato edificatório. O quantitativo determinado para o Iu (0,1) teve em conta a intensidade global de utilização, as expectativas dos particulares, ponderadas entre solo urbano e rústico, e ainda o que se entende adequado à valoração do Capital Natural e remuneração dos serviços prestados pelos ecossistemas, num território como Sintra, para que as expectativas de edificação sejam secundarizadas face ao importante papel que estes desempenham no equilíbrio de todo o território.

Importa aqui proceder ao enquadramento desta matéria, quer em termos do direito de propriedade, e na assumida, e consentânea doutrina e jurisprudência, de distinção entre o direito de propriedade e o direito de edificar – jus aedificandi – quer em termos do que o nosso enquadramento legal estabelece e permite nestas matérias. Para OLIVEIRA e LOPES (2012), “a característica iminentemente física do direito do urbanismo e das posições jurídicas por este sancionadas, não inviabiliza que nele tenham lugar figuras ou mesmo direitos desmaterializados (isto é, direitos referidos a certos solos – solos transmissores - mas que se podem vir a concretizar noutros diferentes – solos recetores - como os atinentes à perequação e a transferência de edificabilidade[30]. Neste mesmo sentido, estabeleceu o PDMS2016 a dissociação entre o direito de propriedade e o direito de construir, uma vez que tal exercício, por parte do particular pode ser incompatível com interesse público do ordenamento do território e da salvaguarda dos valores ambientais. [31]

 

5.3. Transferência de edificabilidade

Temos por um lado a Edificabilidade Abstrata, garante da igualdade de oportunidades urbanísticas, e por outro, a Edificabilidade Concreta, garante do correto aproveitamento dos recursos e potencialidades do território de Sintra, e da realização do seu MDT. A concretização ou execução do plano opera-se pelo conjugação dos dois instrumentos e pelo mecanismo de Transferência de Edificabilidade, como forma de remuneração dos SPE, entre solo urbano e rústico, mecanismo previsto na LBPPSOTU no seu art. 21º, regulando os planos (…) municipais a previsão da edificabilidade transferida, definindo os termos e condições em que os valores do direito concreto de construir pode ser utilizado, bem como os mecanismos da respetiva operacionalização, e de igual modo o RJIGT prevê, no seu artigo 178º e seguintes, por um lado que o valor dos benefícios atribuídos a cada proprietário é o resultado da diferença entre a edificabilidade abstrata e o direito concreto de construção que lhe é atribuído, podendo ser objeto de negócios jurídicos, de natureza real e sujeitos a registo predial, a compra e venda de edificabilidade. Pretende assim o RJIGT tornar os proprietários imunes às escolhas urbanísticas do plano, através da dissociação do direito de construir do direito de propriedade do solo, levando a uma efetiva desmaterialização daquele direito. Em resultado da dicotomia entre solo urbano e solo rústico, resultante da Lei e do próprio exercício de planeamento, o PDMS2016 estabelece também uma dicotomia entre Edificabilidade Concreta e Edificabilidade Abstrata. A primeira corresponde à efetiva capacidade, em função dos valores em presença e do correto ordenamento, de suporte de cada parcela do território em acolher edificação, reconhecendo que é essa que maximiza, do ponto de vista do interesse privado, a melhor utilização do solo. A segunda é estabelecida para concretização do princípio da igualdade – assegurar a igualdade de todos os cidadãos perante a Lei -, dando execução à justa repartição de encargos/sacríficos e benefícios/oportunidades. Se por um lado o titular de uma propriedade, destinada à urbanização e/ou edificação, tem a natural expectativa de a vir materializar, do outro lado encontram-se os proprietários a quem é imposto o encargo/sacrifício de assegurarem a manutenção dos ecossistemas que viabilizam a vida humana, numa visão integrada do território. Estabelece assim o PDMS2016, como instrumento de reequilíbrio e de reposição da igualdade entre proprietários, a Transferência de Edificabilidade entre áreas que apresentam restrições à edificação e aquelas a ela destinadas. A transação destes títulos de edificabilidade constituirá uma forma de remuneração pelos serviços dos ecossistemas, sendo o seu valor atribuído pelo próprio mercado de transação de valores imobiliários.

 

 

A transferência de edificabilidade, assente na emissão de títulos de edificabilidade proveniente de um determinado terreno a serem executados num outro, tem consagração legal em Portugal (RJIGT), e tem já diversas experiências a nível internacional, nomeadamente nos EUA, Canadá, Hong Kong, Brasil e Índia; e na Europa, em França, Reino Unido, Noruega, Itália, e Espanha.

Trata-se, em síntese, de um sistema que incentiva a transferência voluntária de direitos edificatórios (abstratos) de áreas onde se opta, para defesa de outros valores e capitais, por a construção ter menor ou nula expressão, para áreas com maior aptidão para receber edificação. A transferência de edificabilidade tem assim uma primeira função perequativa, na distribuição de encargos e sacrifícios, benefícios e oportunidades. Terá também uma função de política urbanística, servindo quer à concentração de edificação – contenção da dispersão edificatória, compactação e otimização do solo urbano e investimentos em sistemas de serviços urbanos e reforço de centralidades urbanas, quer à salvaguarda de áreas onde não se pretende a edificação face aos valores em presença e aos recursos naturais ou outros, resultante da necessária ponderação dos diversos interesses em presença. Estabelecida a Edificabilidade Abstrata, e as correlativas intensidades de uso – Edificabilidade Concreta -, o mecanismo da Transferência da Edificabilidade operará cfr. figura seguinte.

 

 

A transferência de edificabilidade serve ainda à libertação de espaços dentro do perímetro urbano, para funções de lazer, parques e outras funcionalidades, ou equipamentos de serviços à população, e ainda à infraestruturação das redes urbanas, como sendo vias, percursos pedonais ou ciclovias, servindo assim não só a compactação mas, em especial, à qualificação do espaço urbano e melhoria da qualidade de vida nas cidades.

Através dos mecanismos conjugados de Edificabilidade Abstrata, Edificabilidade Concreta e Transferência de Edificabilidade, pretendemos alcançar os objetivos do Plano, por um lado, de compactação dos núcleos urbanos, a libertação de espaços no interior das cidades com vista à qualificação dos espaços urbanos e melhoria de qualidade de vida das populações, assim como ao funcionamento dos sistemas naturais, por exemplo do sistema hídrico integrados nos limites dos sistemas urbanos, e por outro, a salvaguarda da paisagem rural, dos valores naturais e do património cultural, nomeadamente os SPE, em especial em solo rústico.

 

5.4. Benefícios e penalidades

O PDMS2016, enquanto instrumento de execução das políticas territoriais estabelecidas através do MDT, deve também encontrar os mecanismos adequados para influenciar os comportamentos dos diferentes atores para a prossecução dos seus objetivos. Os objetivos traçados, de interesse público, necessitam dos diversos intervenientes, públicos e privados, para se concretizarem. Quando, por exemplo, se pretende construção nas zonas centrais, como reforço de identidade e atratividade das cidades e melhoria de qualidade de vida das populações, ou a reabilitação das edificações existentes, ou ainda a demolição de construções e relocalização de atividades em conformidade com o Plano, em detrimento de novas construções, tais objetivos estão dependentes da vontade e motivação dos atores privados. A atuação dos particulares sempre será orientada pelo seu interesse e oportunidade, particular, e tende a maximizar o valor do solo em função da potencialidade edificatória, para retirar o melhor aproveitamento da propriedade privada, legitimo do ponto de vista da atuação do particular, nos termos e limites da Lei.

A forma de definição, tradicional, de políticas territoriais nestas matérias, assenta na criação de benefícios financeiros que serão, em todo o caso, encargo do erário público, nomeadamente em matérias de valores naturais e de paisagem, sem que os proprietários tenham remuneração efetiva pelos serviços que prestam – património, identidade, ambiente -, ou apenas através de subsídios ou de processos de intervenção pública em atividades economicamente menos apetecíveis, ou através de tributação tributária. Quando o Município estabelece o seu MDT não pode negar que grande parte das políticas que define estão intimamente ligadas, ou mesmo dependentes, da iniciativa particular. Colocam-se assim diferentes opções: ou se encontram mecanismos de redistribuição entre os diferentes atores (privados) ou deverão os atores públicos afetar os seus recursos financeiros à concretização da sua visão de futuro para a sua (dos municípios) população. O PDMS2016 pretende reequilibrar, também nesta matéria, os diferentes contributos (públicos e privados). Nesse sentido, estabelece mecanismos de benefício e penalidade, consoante a atuação dos particulares, no que se refere às decisões que tomam nos seus investimentos e atuação sobre o território, adira em maior ou menor medida aos objetivos do plano.

Considerando os objetivos do MDT[32] estabelecemos um quadro de benefícios e penalidades pretendendo a condução de comportamentos dos atores privados, instituídos de modo a: (i) influenciar o titular da propriedade originária da edificabilidade, como fator potenciador de comportamentos sobre o a parcela de território que fica, pela emissão do título, liberto da pressão edificatória; (ii) influenciar o detentor de edificabilidade no momento de execução dos respetivos títulos. Os benefícios/penalidades estabelecidos traduzem-se num fator majorativo ou minorativo a aplicar ao índice de médio de utilização estabelecido como Edificabilidade Abstrata, na emissão ou execução dos títulos, ou atribuição de créditos de edificabilidade, beneficiando ou penalizando a cadeia de transferência de edificabilidade.[33]

 

5.5. Títulos de edificabilidade[34]

Por último uma breve referência ao sistema de funcionamento dos direitos de edificabilidade, consubstanciados em títulos - Títulos de Edificabilidade (TEd) -, emitidos pelo Município, e as regras para a sua emissão, utilização e execução. Os TEd podem ser emitidos de forma direta (originária) ou de forma indireta (derivada), consoante a sua relação com o imóvel que lhe dá origem e a finalidade que prosseguem. A Edificabilidade Abstrata (originária ou derivada) é titulada (TEd) e sujeita a registo predial[35], [36].

O sistema de emissão e execução de TEd, resumidamente, decorrerá da seguinte forma: (i) O titular de um determinado prédio/terreno, por sua iniciativa, solicita à Câmara Municipal a emissão do correspondente TEd - originária; (ii) o TEd é emitido em m2, tantos quanto resulte da aplicação do Iu à área do terreno que lhe dá origem; (iii) O TEd é integrado num sistema numerado, assegurado pela Câmara Municipal, fazendo expressa referência à identificação do prédio na matriz e no registo predial; (iii) De cada título emitido, é promovido o correspondente registo predial. No momento de emissão do título referente à edificabilidade originária, são contabilizados os benefícios ou penalidades em consonância com a vontade expressa pelo titular do terreno[37], nomeadamente pela afetação comprovada a exploração agrícola ou florestal, ou pela verificação de ações efetuadas (por exemplo a demolição de construções obsoletas), sendo o título emitido no quantitativo que resultar desses fatores. Permeia-se ou penaliza-se assim, na origem, os comportamentos dos proprietários face às ações que o Plano considera positiva ou negativamente, em consonância com os objetivos do MDT. Na posse do TEd, o seu titular pode transacioná-lo livremente, comunicando alterações de titularidade à Câmara Municipal para averbamento.

Os TEd, na medida do seu quantitativo (m2), permitem a concretização da edificabilidade concreta, nos termos e limites da qualificação do espaço determinada pelo Plano, no âmbito de operações urbanísticas concretas, sendo necessária a apresentação de tantos quanto o quantitativo de metros quadrados a edificar em determinado terreno. Do ponto de vista da concretização de operações urbanísticas de urbanização e edificação, e aquando da apresentação do correspondente projeto, concreto, o promotor deverá apresentar para execução um conjunto de TEd que, em metros quadrados, corresponda à edificação que pretende efetivar. Procede-se, neste momento, à execução dos TEd apresentados, promovendo a Câmara Municipal ao seu “abate” no registo municipal, e sua comunicação ao registo predial. Também neste momento se fará a contabilização de benefícios ou penalidades que sejam de aplicar à operação urbanística concretamente apresentada, sendo o quantitativo de metros quadrados executados o que resultar da aplicação dos correspondentes fatores. Permeia-se ou penaliza-se, na concretização da operação urbanística, os comportamentos dos atores que, face às ações que o Plano considera sejam consonantes com os seus objetivos. Ficam assim assegurados os equilíbrios, (i) entre aqueles que pelo ordenamento estabelecido detém oportunidades urbanísticas, e aqueles outros que devem assegurar funções não edificatórias; (ii) entre aqueles que detém, originariamente, direitos abstratos, e destinam os seus terrenos às funções que o plano promove, e os que executam operações urbanísticas que deverão estar, também elas, em consonância com os mesmos objetivos e determinações.

 

 

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[1] Proposta de Plano de abril de 2016, apresentada a parecer de todas as entidades da Administração central, e representativas dos interesses a assegurar, integradas, ou não, na Comissão Consultiva constituída nos termos do art. 83º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT) e da Portaria  n.º 277/2015 de 10 de setembro

[2] A autora é Coordenadora do Plano e autora da proposta de plano submetida em abril de 2016 à aprovação da Comissão Consultiva do Plano, tendo a proposta obtido parecer favorável condicionado

[3] Lei n.º 31/2014, de 30 de maio lei de bases das políticas públicas de solos, de ordenamento do território e de urbanismo (LBPPSOTU) e Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 80/2015 de 14 de maio

[4] Fonte: INE Censos 2011

[5] Área Metropolitana de Lisboa

[6] Fonte: INE Censos 2011

[7] Produto Interno Bruto

[8] Fonte: Estimativas do INE

[9] Decreto-Lei n.º 19/93 de 23 de janeiro

[10] Plano Diretor Municipal de Sintra, Resolução de Conselho de Ministros n.º 116/99 de 4 de outubro, apenas com recente alteração regulamentar em janeiro de 2016

[11] Lei de bases da política pública de solos, ordenamento do território e urbanismo LBPPSOTU), estabelecida pela Lei n.º 31/2014 de 30 de maio

[12] Art. 10º da LBPPSOTU, estabelecida pela Lei n.º 31/2014 de 30 de maio

[13] Regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial (RJIGT), estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 80/2015 de 14 de maio, Art. 71º

[14] Resolução do Conselho de Ministros n.º 1-A/2004 de 8 de janeiro

[15] Resolução de Conselho de Ministros n. 86/2003 de 25 de junho

[16] Artigo 96º do RJIGT, aprovado pelo Decreto-lei n.º 80/2015 de 14 de maio

[17] Aprovado pela Assembleia Municipal de Sintra a 18 de junho de 2015 – Proposta n.º 176-P/2015

[18] Neste sentido CARVALHO e OLIVEIRA: “esta tarefa, porque terá necessariamente de ser levada a cabo de acordo com o novo conceito de solo urbano, corresponde a uma classificação ex novo e não uma reclassificação

[19] Levantamento topográfico e fotointerpretação sobre base datada de dezembro de 2014 para todo o território municipal

[20] Edificabilidade Concreta “é aquela que resulta da edificabilidade determinada, no âmbito de uma operação urbanística, em conformidade com os índices e parâmetros urbanísticos estabelecidos para cada da categoria de espaço onde é executada” - art. 89º do regulamento do PDMS2016

[21] Decreto-Lei n.º 142/2008 de 24 de julho

[22] Podem ser utilizados, nomeadamente, mecanismos tributários, afetações orçamentais, atribuição de fundos, reforma fiscal ecológica, lotarias verdes, mercados nacionais verdes, agências e bancos de desenvolvimento, compromissos de ajuda oficial ao desenvolvimento a longo prazo, entre outros

[23] Constituição da República Portuguesa, Decreto de 10 de abril de 1976 na sua redação atual (2005)

[24] Art. 89º do regulamento do PDMS 2016

[25] Art. 3º do regulamento do PDMS2016

[26] LBPPSOTU, art. 64º, n.º 2

[27] artigo 84º do Regulamento do PDMS2016: “O Plano estabelece a edificabilidade abstrata para todo o território municipal, enquanto mecanismo destinado a restabelecer a igualdade, e à correção de efeitos não consentâneos com o princípio afirmado no artigo 3º, promovendo igual tratamento no domínio de oportunidades urbanísticas, na remuneração dos serviços prestados pelos ecossistemas, e na repartição de benefícios e encargos decorrentes do plano.

[28] artigo 7º do Regulamento do PDMS2016: “Edificabilidade concreta” (ECnc) – Corresponde ao direito concreto de construção em cada prédio, parcela ou lote, expressa em metros quadrados de área total de construção (∑Ac), resultante da licença ou apresentação de comunicação prévia de operações urbanísticas, em conformidade com os índices e parâmetros urbanísticos estabelecidos no presente Plano para cada categoria de ocupação do solo”.

[29] Seguindo em primeira linha a LBPPSOTU, o RJIGT, e o determinado pelos órgãos municipais através do estabelecimento do MDT

[30]A dissociação jurídica entre o direito de construir e o direito de propriedade privada, por reconhecimento, pelo menos parcial, que o direito de construção como direito subjetivo autónomo é transferível independentemente do direito de propriedade do solo”, in OLIVEIRA, 2011; Para MONTEIRO, 2013 o direito de construir é constituído pela edificabilidade que pode ser realizada de acordo com o aproveitamento urbanístico definido pelo plano, sendo objeto do seu direito constituído por um bem – utilidade económica criada – e não por uma coisa corpórea sobre a qual ele exerce o domínio pleno e absoluto, já que se trata de um bem público [solo] – criado por um ato jurídico-público – que o titular do direito pode consolidar na sua esfera jurídica privada mediante cumprimento dos deveres urbanísticos que lhe estão associados, afirmando que “a desmaterialização do direito de construir é uma condição necessária para viabilizar a materialização do edifício e a constituição sobre ele de um novo direito de propriedade”, sendo que o “solo urbano é (..) mero suporte físico da urbanização e da edificação, sendo absolutamente indispensável como seu suporte jurídico”. “Não existem dois direitos de construir autónomos entre si, mas apenas duas posições jurídicas distintas dentro da estrutura do mesmo direito, que se reúnem para constituir a plenitude dos seus poderes na esfera jurídica do comprador”.

[31]A separação entre o direito abstrato e o direito concreto de construir é, na verdade, o resultado de um desmembramento do direito de construir em dois direitos que, isolados, não permitem realizar o aproveitamento. O titular do direito concreto de construir tem uma expetativa de poder vir a materializar a edificabilidade real que o plano prevê para o seu terreno, mas não pode construir para além do índice médio de utilização se não adquirir o excesso. Apesar de a edificabilidade não ser, em si mesma, uma coisa corpórea, mas apenas uma realidade jurídica criada pelo plano, pode dizer-se que ao vincular a sua materialização a uma determinada parcela do território – independentemente de se tratar do terreno de onde ela emerge ou de outro para o qual ela possa ser transferida – o plano procede à sua coisificação. Embora o plano confira ao proprietário o direito subjetivo público de realizar o aproveitamento urbanístico do seu terreno, nos termos e com as condições nele estabelecidas, a patrimonialização das respetivas faculdades urbanísticas não é um mero efeito da sua aprovação, estando dependente, entre outros, do cumprimento dos deveres urbanísticos estabelecidos na lei e da obtenção dos títulos necessários à sua materialização”, in MONTEIRO, 2013

[32] Objetivos: (i) Património e Identidade; (ii) Recursos e Ecossistemas; (iii) Qualidade de vida/qualificação espaço público; (iv) Economia dinâmica, inovadora e competitiva

[33] “com vista a uma eficaz orientação para a estratégia e objetivos do Plano e seus resultados (…), estabelecem-se benefícios e penalidades em função do contributo das diferentes operações, de acordo com o disposto pelo Plano, em especial no seu modelo de desenvolvimento territorial”, e que “os benefícios e penalidades operam (…) por aplicação de fatores majorativos ou minorativos ao índice de utilização (Iu) (…) aquando da emissão de título de edificabilidade de uma parcela em concreto, ou à quantidade de metros quadrados (m2) constante de título de edificabilidade a executar no âmbito de uma operação urbanística concreta”- art. 112º do Regulamento do PDMS2016

[34] A presente matéria está atualmente, em articulação com o Instituto de Registo e Notariado, e com a Autoridade Tributária, a ser desenvolvido em regulamento próprio, de execução do Plano.

[35] art. 21º, n.º 3 da LBPPSOTU

[36] Considera-se Edificabilidade Abstrata Originária aquela que resulta diretamente da aplicação à área de solo (As) de um determinado prédio, do seu índice de utilização (Iu) de edificabilidade abstrata, e Edificabilidade Abstrata Derivada aquela que tem origem num crédito proveniente de uma operação urbanística, ou resultante da não concretização na totalidade da sua edificabilidade abstrata, ou na totalidades dos metros quadrados dos títulos executados, resultando um crédito em metros quadrados correspondente ao diferencial da edificabilidade concretizada e a edificabilidade abstrata ou titulada. Isto é, será originária aquela que resulta diretamente da aplicação do Iu a uma determinada parcela, e será derivada a que resulta de créditos obtidos da execução de operações urbanísticas.

[37] Art. 58º do regulamento do PDMS2016

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