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GOT, Revista de Geografia e Ordenamento do Território

versão On-line ISSN 2182-1267

GOT  no.9 Porto jun. 2016

https://doi.org/10.17127/got/2016.9.002 

ARTIGO ORIGINAL

 

Repercussões das hidrelétricas binacionais na região das Missões Jesuíticas

Reverberations of the binational hydroelectric power stations in the region of the Jesuit reductions

 

 

Carneiro, Camilo1; Fonseca, Ludmila2; Rückert, Aldoma2

1UFRGS, Faculdade de Economia, Programa de pós-graduação em Estudos Estratégicos Internacionais; Av. João Pessoa, 52 sala 33A, CEP 90040-000, Porto Alegre, Brasil; pereiracarneiro.camilo@gmail.com

2UFRGS, Instituto de Geociências, Programa de pós-graduação em Geografia; Av. Bento Gonçalves, 9500, prédio 43113 sala 203, CEP 91501-900, Porto Alegre, Brasil; ludmila.losada@gmail.comAldomar.ruckert@gmail.com

 

 

RESUMO

Na América do Sul, historicamente, os projetos de integração regional são acompanhados de discursos desenvolvimentistas que defendem o crescimento econômico. A zona transfronteiriça entre Brasil, Argentina e Paraguai, a região histórica das Missões Jesuíticas, vem sofrendo as consequências de projetos de integração energética que ocorrem desde a década de 1970. No início do século XXI, o advento da IIRSA-COSIPLAN abriu um novo mercado a grandes empresas envolvidas nos projetos de integração de infraestruturas na América do Sul. Não obstante, obras em nome da integração energética geram efeitos negativos, como danos ambientais, remoções, gentrificação e exclusão social. Na defesa de seus direitos, populações atingidas pelas novas hidrelétricas de Panambi e Garabi precisam se organizar por meio de movimentos sociais, como o MAB.

 

Palavras-chave: Missões Jesuíticas; hidrelétricas; Yacyretá; IIRSA-COSIPLAN.

 

ABSTRACT

In South American history, regional integration projects are commonly followed by developmental speeches advocating economic growth. The Tri-Border Area between Brazil, Argentina and Paraguay, the historical region of the Jesuit reductions, has been suffering the consequences of energy integration projects that take place since the 1970s. The emergence of IIRSA-COSIPLAN initiative in the beginning of the XXI century has opened a new market for large companies involved in integration projects of infrastructure. The current energy integration projects have negative effects, such as environmental damages, removals, gentrification and social exclusion. People affected by projects as the new hydroelectric power stations Panambi and Garabi have been fighting on behalf of their rights. In this struggle they need to organize themselves in social movements, such as MAB.

 

Keywords: Jesuit reductions; hydroelectric power stations; Yacyretá; IIRSA-COSIPLAN.

 

 

1. Introdução

Os grandes projetos de infraestrutura que visam à integração de Estados fronteiriços impactam de diversas formas as localidades onde são implementados. Tais impactos são perceptíveis nos campos econômico, social e ambiental. Na América do Sul, desde a década de 1970, a histórica região transnacional das Missões Jesuíticas vem sofrendo os efeitos da construção de grandes usinas hidrelétricas, sendo as principais delas: Itaipu e Yacyretá. A primeira, uma parceria entre Brasil e Paraguai, teve o início das obras em 1975 e a inauguração em 1984; a segunda, um empreendimento argentino-paraguaio, começou a ser construída em 1983 e foi inaugurada em 1998. As obras custaram vultosos montantes de recursos aos países envolvidos. No caso de Itaipu, os recursos captados para a construção, incluindo as rolagens financeiras, totalizaram US$ 27 bilhões. Por sua vez, Yacyretá custou US$ 15 bilhões aos cofres de Paraguai e Argentina. As obras das duas usinas foram envolvidas em uma série de denúncias de corrupção; não obstante, os governos de Brasil, Argentina e Paraguai levaram a cabo os projetos das hidrelétricas pautando-se em discursos desenvolvimentistas, de interesse nacional e segurança energética.

Ao final dos anos 70, o governo militar brasileiro, em parceria com o capital internacional, implementou a construção de três grandes hidrelétricas no país – Sobradinho, Tucuruí e a maior delas, Itaipu – e expulsou milhares de agricultores e suas famílias de suas terras. Uma parcela dos indivíduos removidos em função das obras das usinas se organizou e deu início a um movimento de reivindicação de seus direitos. Nesse contexto surgiu o MAB[1] (Movimento dos Atingidos por Barragens).

O ano de 2011 marcou a retomada dos projetos hidrelétricos binacionais na região das Missões Jesuíticas. As presidentes de Brasil e Argentina autorizaram as estatais Ebisa (argentina) e Eletrobras (brasileira) a darem início aos estudos de viabilidade da construção de duas novas hidrelétricas no rio Uruguai, na fronteira entre os dois países: as usinas Garabi e Panambi. O prognóstico para as populações locais é preocupante, haja vista que a barragem de Garabi terá cerca de 40 metros de altura e 3,2 mil metros de comprimento, enquanto a barragem de Panambi terá cerca de 40 metros de altura e mil metros de comprimento.

 

 

2. A região das Missões Jesuíticas e as hidrelétricas

A região histórica das Missões Jesuíticas ocupa um perímetro que corresponde à zona transfronteiriça entre Argentina, Paraguai, Brasil e Bolívia. Os vestígios desse momento histórico são ruínas de um território que chegou a abrigar cerca de 100 mil indígenas guaranis catequizados pelos jesuítas. Apesar da destruição ocasionada por batalhas e pela ação do tempo, algumas reduções que se encontram em melhor estado de conservação receberam da UNESCO o título de Patrimônio Histórico da Humanidade: São Miguel Arcanjo, no Brasil; San Ignácio Miní, Nuestra Señora de Loreto, Santa Ana e Santa Maria la Mayor, na Argentina; Jesus de Tavarangué e La Santísima Trinidad del Paraná, no Paraguai; e Chiquitos, na Bolívia (SANTOS, 2013).

No que tange ao turismo histórico, considera-se que a região não está culturalmente integrada, pois não é fornecido aos turistas um roteiro que integre as ruínas missioneiras dos três países, o que possibilitaria um aumento de renda para as regiões, bem como um maior reconhecimento internacional. A região transnacional convive com a falta de opções de transporte e a restrição de horários de balsas e de aduanas nos passos fronteiriços. Situação que configura um entrave à circulação de pessoas entre os países que possuem territórios na região das Missões Jesuíticas.

Apesar da integração precária no campo do turismo, a zona transfronteiriça entre Brasil, Paraguai e Argentina vem testemunhando, desde o final do século XX, o desenvolvimento de importantes empreendimentos binacionais no setor da geração de hidroeletricidade, a saber: Itaipu e Yacyretá, em operação; e Garabi e Panambi, cuja construção está prevista para iniciar nos próximos anos (figura 1).

 

 

É notória a participação das hidrelétricas instaladas na região das Missões Jesuíticas na geração de energia dos países da Bacia do Prata. Em 2014, Itaipu forneceu 75% da energia consumida no Paraguai e 17% da energia consumida no Brasil (ITAIPU BINACIONAL, 2014). Por sua vez, Yacyretá responde atualmente por 22% da eletricidade consumida na Argentina.

A construção dessas usinas demandou vários anos e gerou impactos importantes nas áreas circunvizinhas aos locais de instalação. A formação dos reservatórios elevou os níveis dos rios e desalojou muitos moradores de áreas mais baixas. Parte desse contingente de pessoas removidas contra sua vontade se organizou em movimentos de luta e resistência, como o MAB. Por configurar um foro que possibilita a defesa dos interesses das classes menos favorecidas, impactadas pelas hidrelétricas, o MAB possui um papel de destaque entre os movimentos sociais no Brasil.

A luta pelos direitos das comunidades atingidas pelas grandes barragens faz parte de uma busca constante por uma sociedade justa. Para Castoriadis (1982), uma sociedade justa é aquela onde a questão da justiça permanece aberta, havendo sempre a possibilidade efetiva de interrogação da lei e do fundamento desta.

 

 

3. O discurso desenvolvimentista e a integração regional

A ideia de integração regional em voga na América do Sul se fundamenta no conceito do Novo Regionalismo, que emergiu da necessidade dos Estados nacionais de ampliar o espaço de circulação de suas mercadorias dentro de um mercado capitalista e globalizado. Esse conceito foi consolidado no decorrer da década de 1990, após o fim da Guerra-Fria, sendo fruto do processo de globalização e dos efeitos imprevisíveis deste sobre as relações multilaterais. Caracterizou-se ainda pelo surgimento de novos blocos regionais de países, bem como pela consolidação de diversas áreas de livre comércio em diferentes continentes.

Atualmente, na América do Sul há diferentes projetos de integração regional sendo desenvolvidos no âmbito de blocos de países, como a UNASUL e o MERCOSUL. Este último tem como objetivo principal a formação de um espaço comum de comércio. Os benefícios não se limitam apenas à seara econômica, são sentidos também na circulação de pessoas entre os países membros (os cidadãos sul-americanos podem viajar pelos países do MERCOSUL usando apenas o documento de identificação civil do país de origem). No entanto, a circulação de automóveis é dificultada com a exigência do seguro denominado carta verde, documento que autoriza o trânsito de veículos em área internacional. Em virtude de suas limitações e de sua morosidade, o processo de integração sul-americano tem recebido diversas críticas. Entre os principais problemas está a falta de diálogo entre os proponentes dos projetos e as populações atingidas, isto é, vem ocorrendo uma série de imposições por parte dos governos.

A inserção da América do Sul nas relações econômicas internacionais e seu desenvolvimento interno vêm sendo anunciados e prometidos pelos defensores de iniciativas como a IIRSA, um programa para a construção de infraestruturas[2] de transportes, comunicações e energia no continente. Nascida em 2000, a IIRSA, que foi incorporada pela UNASUL em 2008, por meio do Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN), tem como objetivo a planificação territorial.

Quando do seu surgimento, a IIRSA cumpria a função de ser uma articuladora dos blocos existentes na América do Sul, onde a infraestrutura servia como incentivador para o desenvolvimento econômico dos países (SCHIMIED, 2007). Por sua vez, o COSIPLAN configura um espaço de discussão sobre as políticas e estratégias relacionadas a programas e projetos para a integração da infraestrutura regional dos países da UNASUL (IIRSA, 2012). O COSIPLAN conta com nove Eixos de Integração e Desenvolvimento (os EIDs), alguns surgidos com a IIRSA, onde são desenvolvidos os projetos. Nesse sentido, a zona transfronteiriça entre Brasil, Paraguai e Argentina é contemplada por dois dos nove eixos de integração (EIDs): o eixo MERCOSUL-Chile e o eixo Hidrovia Paraguai-Paraná (tabela 1).

 

 

Idealizados com o objetivo de facilitar a integração territorial, os projetos da IIRSA-COSIPLAN possibilitam a circulação transfronteiriça por meio da construção de pontes, rodovias e ferrovias, além disso, também promovem a interconexão energética, intensificando as relações entre os países sul-americanos. 

A iniciativa objetiva uma integração dos mercados de energia da América do Sul, o que levaria a região a uma situação de autossuficiência e autofinanciamento de seu crescimento energético futuro, com potencial de exportação da produção excedente. A carteira de projetos contempla a construção de gasodutos, usinas termoelétricas, hidrelétricas e linhas de transmissão. As interconexões elétricas permitiriam a diminuição de custos e ocasionariam o aumento dos níveis de segurança do fornecimento de energia, solucionando os problemas dos países que possuem déficit energético.

Nos últimos anos, a retórica estatal tem qualificado as obras de infraestrutura vinculadas à IIRSA-COSIPLAN como propulsoras do desenvolvimento sul-americano. Os líderes políticos envolvidos nos projetos afirmam que os mesmos promovem a integração e o desenvolvimento de regiões mais afastadas e isoladas.

 

 

4. Yacyretá: impactos sofridos em Encarnación

A hidrelétrica binacional de Yacyretá, idealizada na década de 1970, foi construída no rio Paraná, na fronteira entre Argentina e Paraguai, nas proximidades dos municípios de Posadas (ARG) e Encarnación (PAR), tendo sido inaugurada em 1998. A usina foi criada com a finalidade de aproveitar o aporte de água do Paraná para a geração de energia elétrica; no entanto, a construção de Yacyretá provocou alguns efeitos negativos ao meio ambiente e às áreas vizinhas à represa. Dentre os impactos, podem ser citados: a remoção da população local, com a alteração da estrutura social e econômica que vigorava até então; a mortandade de peixes que habitavam o rio; e a gentrificação[3] dos bairros de Encarnación que se localizam nas proximidades da represa.

Na década de 1990 foi atingido o preenchimento de 1220 km² da represa e a primeira turbina foi colocada em funcionamento. Desse momento em diante, ocorreriam muitos problemas ambientas e de reassentamentos necessários. Somente em 2011 a obra foi completamente concluída (AIDA, 2009). O projeto de Yacyretá promoveu novos investimentos na região das Missões Jesuíticas, o que pode ser notado pelo número de projetos da IIRSA-COSIPLAN vinculados à hidrelétrica (Reconstrução da rodovia Garupá-Posadas; Porto de Encarnación; Acessos viários a Encarnación; Relocalização da malha ferroviária; e Desvio do córrego Aguapey).

De acordo com Vainer (2001), o modelo de planejamento urbano que vem sendo difundido na América Latina é inspirado em conceitos e técnicas oriundas do planejamento empresarial, que tem sua origem na Harvard Business School. Um planejamento estratégico que, segundo seus defensores, deve ser adotado pelos governos locais em virtude das cidades estarem submetidas a condições e desafios similares aos das empresas. O autor defende a ideia de que vender a cidade passou a ser uma das funções básicas dos governantes locais. Os neo-planejadores urbanos enxergam a cidade como uma mercadoria a ser vendida em um mercado competitivo, onde outras cidades estão à venda, configurando uma disputa pelos investimentos de empresas multinacionais do grande capital. O governo local, nesse contexto, passa a promover a cidade para o exterior, criando uma imagem positiva, apoiada em oferta de infraestruturas e serviços que atraiam visitantes e investidores. Todavia, essa abertura para o exterior é seletiva, não sendo bem-vindos migrantes pobres e populações rurais expulsas do campo, já que a cidade possui um público consumidor muito específico e qualificado. Porter (1990), por sua vez, entende que não são as cidades que competem, mas sim as empresas e setores industriais que nela possuem suas bases. No exemplo de Encarnación, Yacyretá exerceria esse papel.

Outro tema importante no âmbito do planejamento urbano é a miséria, que é definida pela lógica neoliberal como um problema paisagístico. A pobreza urbana e a marginalização influem nas decisões dos agentes econômicos e na atratividade da cidade (BORJA & CASTELLS, 1997 apud VAINER, 2001). A cidade não é apenas uma mera mercadoria, mas uma mercadoria de luxo destinada a um grupo de elite, de potenciais compradores. O plano estratégico deve contemplar uma operação de citymarketing, mediante produtos como intervenções urbanísticas (parques, grandes avenidas, equipamentos urbanos etc.), campanhas de promoção do turismo, de projetos culturais, de incentivos a construção de hotéis e da venda da imagem de uma cidade segura e atrativa. Essa cidade que se transforma em mercadoria, como o exemplo de Encarnación, altera sua relação com a pobreza, culminando comumente na expulsão de populações indesejadas das áreas de interesse do grande capital.

Nesse sentido, as famílias que habitavam as áreas vizinhas à represa de Yacyretá começaram a ser impactadas já no fim da década de 1970, tendo que ser realocadas devido às inundações causadas pelas obras da usina (Korol, 2011). Essa situação ainda é presente na vida dos que moram nos arredores da represa. Milhares de pessoas ainda aguardam realocação, fato que fica evidente ao se analisar o número de bairros de Encarnación atingidos pela hidrelétrica. Dos 50 bairros existentes na cidade, 35 deles foram afetados com a subida das águas do rio Paraná.

O setor econômico de Encarnación também foi impactado pelo surgimento da represa, pois alguns dos bairros afetados eram responsáveis por parte considerável da economia local, já que neles estavam instaladas as olarias da cidade. Além disso, muitos comerciantes que perderam seus estabelecimentos não foram inseridos no plano de realocação. Esse quadro demonstra a incapacidade da Entidade Binacional Yacyretá de solucionar os problemas sociais causados pelo empreendimento. O fato de a empresa não ter buscado uma solução comum e dialogada com a população atingida fez com que a sociedade civil se organizasse em uma luta por direitos básicos, como a moradia.

A remoção de famílias, a extinção de bairros, a formação de bairros novos e a mudança de função de tantos outros lugares circundantes à Yacyretá dão margem para o entendimento de que nos bairros de Encarnación próximos à represa ocorreu uma gentrificação, o que segundo o geógrafo marxista Neil Smith corresponde a um processo de reestruturação urbana, marcado pela reestruturação econômica característica do capitalismo tardio (SMITH, 2007).

Cabe lembrar ainda que o espaço urbano não é estático ou imutável, sendo condicionado à economia capitalista internacional. Este fato explica por que é possível encontrar a mesma paisagem urbana em diferentes países. Nesse sentido, um tipo de paisagem sem identidade endêmica surgiu na orla de Encarnación após as obras de revitalização urbana realizadas na Avenida Costanera José Asunción Flores (Figura 2).

 

 

Alguns bairros situados nas proximidades da orla de Encarnación anteriormente abrigavam uma população de baixa renda, composta, sobretudo, por lavadeiras e pescadores, que foram removidos para possibilitar a construção de avenidas largas e asfaltadas, contempladas com equipamentos urbanos e até praias artificiais, que alteraram completamente a paisagem e passaram a dar novas funções àquelas localidades.

 

 

5. Novos projetos hidrelétricos na região das Missões Jesuíticas: Garabi e Panambi

Nos últimos anos, os governos de Brasil e Argentina vêm idealizando projetos no sentido de aproveitar o potencial hidrelétrico da região das Missões Jesuíticas. A articulação em torno dos atuais projetos de integração energética, como no exemplo das hidrelétricas Panambi e Garabi, se dá entre as instituições responsáveis em cada país. No Brasil ela é feita pela Eletrobras (responsável pela geração, transmissão e distribuição de energia) e conta com financiamento do Programa da Aceleração do Crescimento. Já do lado argentino, essa ação é realizada pela Ebisa.

De acordo com as projeções oficiais, as duas usinas, que têm um custo total estimado em US$ 5,2 bilhões, quando aptas a entrar em operação terão uma capacidade instalada de 2200 Mw. No entanto, uma parcela dos habitantes cujas cidades serão atingidas pela elevação do nível das águas do rio Uruguai está descontente com os empreendimentos.

As hidrelétricas de Garabi e Panambi causarão a inundação de cerca de 70 mil hectares e grandes impactos socioambientais. As localidades que serão afetadas podem ser divididas em dois grupos, as de influência direta (um total de 18 municípios) e as de influência indireta (outros 18), totalizando 36 os municípios que serão atingidos de alguma forma pelas novas hidrelétricas.

Em relação aos impactos ambientais, está previsto o alagamento de parte do Parque Estadual do Rio do Turvo, no município gaúcho de Derrubadas. O parque possui uma rica biodiversidade, preserva o bioma Mata Atlântica e abriga uma fauna em risco de extinção. No tocante aos impactos sociais, as previsões são de que 12600 pessoas residentes na zona fronteiriça entre o sudeste da província de Misiones e o noroeste do estado do Rio Grande do Sul serão atingidas pelas novas hidrelétricas (GERHARDT, 2011). De acordo com o MAB (2014), aproximadamente 15 mil famílias de 30 municípios diferentes deverão ser removidas. A economia da região, que tem na pesca uma das principais atividades, também será abalada, pois existe a expectativa de que algumas espécies de peixes irão desaparecer após a conclusão das novas barragens.

 

 

6. Conclusão

O investimento em energia renovável no Brasil nunca foi tão beneficiado e nunca teve uma imagem tão boa frente ao governo, à sociedade e aos empresários. Ao contrário da política energética brasileira dos anos 70, que promoveu a implantação de grandes hidrelétricas, atualmente estão sendo preferidas obras menores, mas em maior quantidade. Dessa maneira, os impactos se diluem pelo território.

Nas últimas décadas, o aumento do número de hidrelétricas, não apenas na região das Missões Jesuíticas como em outros rincões sul-americanos, tem como objetivo fornecer um suporte energético ao crescimento econômico dos Estados. A melhoria e a expansão das infraestruturas previstas pela IIRSA-COSIPLAN são de interesse do Estado brasileiro, uma vez que tais obras abrem e consolidam novos mercados para as maiores empreiteiras do país. Além disso, as grandes empresas brasileiras também poderão contar com os mercados dos países da América do Sul para escoar os produtos oriundos dos setores da indústria, do agronegócio e de energia.

Essa dinâmica se explica pela premissa de que as demandas criadas pelo capital internacional são cumpridas pelos Estados a fim de que se insiram, cada vez mais, na dinâmica capitalista. No entanto, esses investimentos públicos (e raramente privados), cujos maiores contemplados são as grandes empresas, geram muitos e diversos impactos. Mesmo quando diluídos espacialmente, tais impactos são intensamente sentidos em escala local. No âmbito social as consequências mais graves são as remoções das populações que vivem nas áreas vizinhas aos locais onde os empreendimentos serão construídos.

É certo que Panambi e Garabi se concretizarão em breve e alguns outros projetos surgirão como suporte para o crescimento econômico do Brasil e da América do Sul. Todavia, é importante lembrar que tais projetos representam os interesses de grupos de poder específicos. Por fim, cabe destacar a importância de instituições como o MAB, que terminam por assumir o papel de foro de reivindicações dos direitos fundamentais das camadas mais vulneráveis da sociedade.

 

 

7. Referências

AIDA – Asociación Interamericana para la Defensa del Ambiente. Proyecto Binacional Yacyretá, Argentina y Paraguay. Informe Grandes Represas en América, ¿Peor el remedio que la Enfermedad?, Novembro 2009.

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GERHARDT, Milton C. Garabi: para quê e para quem? Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB). Julho 2011. Disponível em: http://www.mabnacional.org.br. Acesso em 20 ago. 2015.         [ Links ]

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VAINER, C. Pátria, Empresa e Mercadoria: Notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. Revista Mundo Urbano, Dezembro 2001, nº14, p. 1-14.         [ Links ]

 

 

[1] Em 1989, foi realizado o I Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragens e em 1991 ocorreu a fundação formal do MAB. Em 2015 o movimento representava mais de 20 mil famílias (MAB, 2014).

[2] A IIRSA surgiu em 2000 e em 2005 foi fundada a CASA – Comunidade Sul-Americana de Nações, que daria origem à UNASUL, em 2008. No ano de seu surgimento a UNASUL incorporou a IIRSA.

[3] O termo gentrificação (do inglês gentrification) corresponde ao processo de mudança imobiliária, nos perfis residenciais e padrões culturais, seja de um bairro, região ou cidade. Nesse processo ocorre a substituição de um grupo por outro com maior poder aquisitivo em um determinado espaço. No caso de Encarnación, a população tradicional de baixa renda deixou os bairros próximos à represa, que passaram a ser habitados por um contingente de pessoas de classes mais favorecidas.

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