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GOT, Revista de Geografia e Ordenamento do Território

versão On-line ISSN 2182-1267

GOT  no.6 Porto dez. 2014

https://doi.org/10.17127/got/2014.6.009 

ARTIGO ORIGINAL

 

O pensamento geográfico nos alunos do ensino básico, com base na taxonomia do pensamento espacial

 

 

Freitas, Rui1; Almeida, Marisa2

1Universidade do Minho; ruifreitas79@hotmail.com 

2Universidade do Porto; marisalmeida87@gmail.com  

 

 

RESUMO

A disciplina de Geografia possui uma componente descritiva através da qual se observam os processos de construção do pensamento geográfico dos alunos e as suas estruturas de conhecimento. A análise das descrições e interpretações geográficas dos alunos do Ensino Básico, de Escola Dr.º Francisco Sanches, em Braga, teve como intuito observar a tipologia de conceitos espaciais, representações e raciocínios que os alunos mobilizam na formulação do pensamento geográfico.

Através da taxonomia do pensamento espacial de Jo e Bednarz (2009) constatou-se a prevalência de conceitos espaciais simples, a utilização de representações geográficas e a mobilização de processos cognitivos de nível inferior e intermédio. Foi ainda observada a realização de inferências e a resolução das atividades de modo autónomo e criativo.

Palavras-Chave: educação geográfica; descrições e interpretações geográficas; pensamento espacial; taxonomia.

 

ABSTRACT

The discipline of Geography has a descriptive component that reveals the construction’s processes of geographical thought of the students and their knowledge structures. The analysis of geographical descriptions and interpretations of students’ Basic Education, at Dr.º Francisco Sanches School, in Braga, allowed us to observe the types of spatial concepts, representations and reasoning that students mobilize the formulation of geographical thought.

According to the taxonomy of spatial thinking by Jo and Bednarz (2009) reveals the prevalence of simple-spatial concepts, the use of geographic representations and the mobilization of cognitive process and lower intermediate level. It was still observed the realization of inferences in an autonomous and creative mode.

Keywords: geographical education; geographical descriptions and interpretations; spatial thinking; taxonomy.

 

 

1. Introdução

Na disciplina de Geografia a mobilização de conceitos geográficos, a contextualização, a argumentação e a inferência de dados geográficos possibilitam a análise das experiências e das aprendizagens específicas dos alunos na construção de esquemas concetuais, a partir de informações assimiladas, categorizadas e manipuladas. O modelo taxonómico de Jo e Bednarz (2009), usado para avaliar manuais escolares nos EUA, permitiu observar “the use of spatial concepts such as distance, direction and region; tools of representation like maps and graphs; along with the appropriate thinking processes, to conceptualize and solve problems” (Jo, Bednarz e Metoyer, 2010: 49) baseado no NRC (2006) – National Research Council dos EUA. O estudo dos manuais escolares de Geografia constitui, neste sentido, um importante contributo para o desenvolvimento do spatial thinking nos alunos (Jo & Bednarz,2009). Acredita-se que a taxonomia do pensamento espacial pode ser um instrumento norteador pertinente na análise da construção do pensamento geográfico dos alunos e, por esta via, permitir avaliar a literacia espacial (Martinha, 2011).

Por conseguinte, o presente estudo procurou determinar como os alunos do Ensino Básico constroem o pensamento geográfico? Que tipo de conhecimentos e informações mobilizam?

O objetivo geral foi caraterizar o tipo de descrições e interpretações geográficas que os alunos adotam na formulação e na transmissão de conhecimentos. A temática escolhida foi o relevo: as diferentes formas de relevo e a sua formação, conforme o Programa da disciplina de Geografia do Ensino Básico. A ficha como proposta de exercício foi implementada em contexto real de sala de aula, depois da exposição, análise e debate da matéria em sumário.

Procurámos, assim, observar o tipo de conceitos geográficos e de raciocínios mobilizados pelos alunos, a partir da análise do conteúdo das descrições e interpretações geográficas elaboradas por eles. Por fim, equacionámos o modo como o pensamento geográfico pode ser incorporado no estudo da Geografia, através da formulação, avaliação e aplicação de perguntas de pensamento geográfico e questões de nível superior que permitam o desenvolvimento de processos de raciocínio mais propícios à concetualização e à resolução de problemas.

Em Portugal, o estudo dos manuais escolares de Geografia foi desenvolvido por Martinha (2011) com o intuito de determinar em que medida estes materiais didáticos contribuem para o desenvolvimento do denominado spatial thinking. Seguindo o contributo teórico e científico de estudos anteriores, pretendeu-se observar, em contexto real de sala de aula, como se processa o pensamento geográfico dos alunos do Ensino Básico e a forma como estes mobilizam as diferentes categorias de conceitos propostos pela Taxonomia de Pensamento Espacial (Jo & Bednarz,2009), dimensão pela qual salientamos o caráter inovador deste estudo em Portugal.

 

1.1. A Educação Geográfica no Ensino Básico

Atendendo ao Currículo do Ensino Básico, o objetivo do ensino da Geografia consiste na formação do pensamento espacial dos alunos enquanto instrumento de transformação da realidade e de construção da cidadania do indivíduo. Neste processo, cabe portanto ao professor propiciar os elementos teóricos e os meios cognitivos e operacionais necessários ao desenvolvimento da consciência do espaço, dos fenómenos e dos processos integrantes da prática social. Ambiciona-se “o desenvolvimento do pensamento espacial e formação de cidadãos geograficamente competentes, ativos e intervenientes na sociedade” (CNEB, 2001: 18).

As competências essenciais da Geografia foram definidas de modo a centrar a aprendizagem da disciplina na procura de informação, na observação, na elaboração de hipóteses, na tomada de decisões, no desenvolvimento do pensamento crítico, na prossecução do trabalho em equipa e na realização de projetos, assim como na formação para a cidadania:

“A educação geográfica utiliza as dimensões conceptual e instrumental do conhecimento geográfico para proporcionar aos alunos oportunidades de desenvolverem competências geográficas e, nessa medida, a geografia desempenha um papel formativo no desenvolvimento e formação para a cidadania” (CNEB, 2001: 5).

 

Esse modo de pensar geográfico é importante para a realização de práticas sociais variadas, uma vez que as mesmas são sempre práticas socio-espaciais. Souza (2011) aponta, neste sentido, que a construção do pensamento espacial decorre de processos epistémicos próprios da didática da Geografia que, por sua vez, se fundamentam nas teorias e metodologias próprias da Filosofia, da Psicologia e da Educação. Isso significa que a noção de Geografia como ciência que compreende a produção do espaço, a noção de mediação da psicologia histórico-cultural de Vygotski (1998) e a noção de retificação do erro da filosofia bachelardiana são, para o autor, os fundamentos para um pensamento espacial crítico.

Vygotski (1998) refere que o meio social e cultural ocupa espaços significativos no entendimento da participação do indivíduo no espaço, bem como o processo de aprendizagem. Para isso, ele cria a noção de estruturação das funções psíquicas superiores, um princípio que propõem a análise de como o meio social age no indivíduo, criando funções superiores de origem essencialmente social. Com esta posição, Vygotski (1998) opõe-se à teoria de Piaget por conceber que o desenvolvimento segue, não no sentido da socialização, mas no da conversão das relações sociais em funções mentais.

Na mesma linha, Jodelet (1985) concebeu as representações sociais como modalidades de conhecimento prático orientadas para a comunicação e para a compreensão do contexto social, material e concetual em que vivemos. Apesar de se manifestar através dos elementos cognitivos — imagens, conceitos, categorias, teorias — o conhecimento não se reduz aos seus componentes cognitivos: é também socialmente elaborado e partilhado. Por conseguinte, “as representações sociais devem ser estudadas articulando elementos afetivos, mentais, sociais, integrando a cognição, a linguagem e a comunicação às relações sociais que afetam as representações sociais e à realidade material, social e ideativa sobre a qual elas intervêm” (Jodelet, 1989).

A construção e comunicação do espaço vivido resultam, assim, de representações dos fenómenos sociais que, não obstante o seu conteúdo cognitivo, têm de ser entendidos a partir do seu contexto de produção.

A teoria das representações sociais de Moscovici (1988) partia da premissa de que existem formas diferentes de conhecer e de comunicar o conhecimento – eram estas estruturas dinâmicas, distinguidas pela sua flexibilidade e permeabilidade, ao contrário das representações coletivas de Durkheim ou, mesmo, das representações culturais de Sperber (1989).

Segundo Moscovici (1988) as representações sociais constituem uma reabilitação do senso comum, do saber popular, do conhecimento do cotidiano e do conhecimento pré-teórico de que falavam Berger e Luckmann (1978). Moscovici (1988) reconhece assim que, ao enfatizar o poder de criação das representações sociais, assumindo o seu caráter duplo de “estruturas estruturadas” e “estruturas estruturantes”, inscreve a sua abordagem no construtivismo, ou num âmbito mais geral no “terceiro movimento das teorias do conhecimento” que surgiu em simultâneo com o paradigma da “construção social da realidade” de Berger & Luckmann (1966) (Spink, 1993: 303).

O Currículo Nacional para o Ensino Básico reconhece, no mesmo sentido, que “ a interação que cada indivíduo estabelece diariamente com o meio ajuda a construir o conhecimento do espaço” tal como acontece, por exemplo, com a competência da localização que se desenvolve desde o nascimento (Câmara, et. al, 2001: 6). A Geografia não se apresenta como um catálogo composto com base na memorização e na localização de factos geográficos isolados mas antes como “um livro aberto” sobre o Homem, sobre a forma como ele se organiza no espaço e sobre as relações que estabelece com o meio (Bailly et al., 2009: 19).

Deste modo, a Geografia cumpre o seu propósito de tornar os alunos capazes de visualizar os factos e de os descrever através de mapas mentais. Além disso, pretende o Currículo que o aluno seja capaz de analisar e interpretar de forma crítica as informações geográficas e de relacionar conceitos como “identidade territorial”, “património”, “individualidade regional” e “cultura” (CNEB, 2001: 108-109).

A Geografia é, assim, a disciplina consagrada ao estudo do espaço terrestre e da sua influência na identidade, na história e no sentimento de pertença a um povo, assim como a ordem regional e as formas do homem se organizar no espaço. O domínio da Geografia permite-nos, por conseguinte, desenvolver o “pensamento geográfico” enquanto capacidade de reunir e mobilizar um conjunto de conceitos e de ideias que nos permitem estabelecer conexões entre os lugares, analisar a sua organização humana, as formas de interação e as escalas que implicam, sendo para tal mobilizado conhecimento prévio e subjetivo do espaço vivido.

 

1.2. O pensamento geográfico e a literacia espacial

O propósito da Geografia consiste, como vimos no ponto anterior, na produção de conhecimentos sistematizados e geograficamente enquadrados num determinado espaço, onde se cruzam as experiências vividas e os conceitos geográficos, motivo pelo qual a Geografia é considerada como uma disciplina que se encontra entre as Ciências Naturais e as Ciências Sociais. É através dela e nela que se procuram respostas para as questões que o Homem coloca sobre o Meio Físico e Humano, reunindo e transmitindo conhecimentos acerca das diferentes culturas e o modo como os espaços estão relacionados (CNEB, 2001: 107).

Assim, se por um lado importa conhecer a altitude da ilha do Pico (2351m), no arquipélago dos Açores, ou o ponto mais alto de Portugal Continental, na Serra da Estrela (1993m), é ainda mais relevante compreender a formação e a evolução destes maciços montanhosos, bem como a sua influência no clima, no aprovisionamento da água, no desenvolvimento da vegetação, na fixação da população, na atratividade turística e na afirmação de uma identidade territorial.

Segundo Castellar (2005) a literacia visual geográfica constitui-se como uma estratégia de expressão, a montante e a jusante do conhecimento geográfico. Tal explica-se, no caso dos mapas, por estes poderem apresentar-se como o ponto a partir do qual se explana e se interpreta o conhecimento geográfico e, por outro lado, como uma ferramenta utilizada, desde a Antiguidade, para representar o conhecimento geográfico.

 

“Os mapas e as imagens presentes nas aulas são procedimentos, ou seja, estratégias de aprendizagem que possibilitam aos alunos trazer para a discussão o conhecimento prévio e ao mesmo tempo mobilizam habilidades mentais (classificar, analisar, relacionar, sintetizar…) e estimulam a percepção, bem como a observação e a comparação das influências culturais existentes nos diferentes lugares. Permitem ainda que os alunos entendam os mapas como construções sociais que transmitem ideias e conceitos sobre o mundo, apesar da pretendida neutralidade e objetividade que os meios técnicos utilizam para confecioná-los” (Castellar, 2005: 221).

 

Como tal, o estudo da Geografia permite formar cidadãos capazes de integrar diversos saberes – ambiental, social, económico e cultural – cujo impacto em cada unidade de território são capazes de identificar, permitindo a formação de um saber integrado e coerente. O Ensino da Geografia constitui-se, assim, fundamental na compreensão de problemas atuais uma vez que estes possuem uma forte componente territorial, como acontece com as temáticas da Geopolítica.

O objetivo do ensino da Geografia é o de tornar os alunos capazes de visualizar os factos e de os descrever através de mapas mentais (Melo, Coelho & Santos, 2010). A Geografia tem como missão fazer compreender a organização do Homem, as atividades na Terra, assim como explicar as relações que se estabelecem entre o meio e a sociedade e, por fim, aplicar os conhecimentos reunidos na organização sustentável e equilibrada do espaço.

Uma reflexão sobre a literacia espacial e o pensamento geográfico é essencial para a compreensão da tomada de decisões e da aprendizagem dos alunos. A literacia espacial é apontada como uma forma fundamental de literacia na medida em que incorpora um leque alargado de disciplinas e carreiras, não só para especialistas geoespaciais, como também para toda a sociedade nas suas realizações e na forma como esta utiliza os recursos de que dispõe (Bednarz & Kemp, 2011). Há ainda um reconhecimento crescente de que a literacia espacial é tão importante como a literacia matemática (numérica) e a literacia clássica (a capacidade de ler e escrever).

Nos EUA, a Academia Nacional de Ciências (2006) definiu o pensamento espacial como uma componente-chave da literacia espacial, ou seja, como "o cerne de muitas grandes descobertas em ciência, que estão na base de muitas das atividades da força de trabalho moderna, e que permeia as atividades quotidianas da vida moderna". Neste sentido, a literacia espacial é um componente de muitas profissões e carreiras como a arquitetura, a engenharia, a medicina, ao controle de tráfego aéreo e as artes, por exemplo. Para os geógrafos, e outros estudiosos envolvidos no estudo do espaço geográfico, ser capaz de pensar em, com e através do espaço é ser espacialmente proficiente e, portanto, é algo cada vez mais valioso.

De acordo com a concetualização de Goodchild e Janelle (2010), definimos a literacia espacial como “uma ampla gama de perspetivas, conhecimentos, habilidades e hábitos da mente, ou disposições”. A aplicação destes conhecimentos e perspetivas pode ser caracterizada como raciocínio espacial, isto é, a habilidade de pensar de forma sub-espacial, aplicando processos específicos para resolver problemas e tomar decisões. A literacia espacial surge, assim, como o resultado do pensamento espacial e do raciocínio espacial e, portanto, se podemos pensar e raciocinar como e sobre o espaço, então, existe literacia espacial.

O estudo do National Research Council, dos EUA, designado Learning to Think Spatially (2006), propôs um conjunto de três componentes espaciais do pensamento geográfico. São elas: 1) os conceitos de espaço, 2) os instrumentos de representação e 3) os processos de raciocínio. Assim, ocorre pensamento geográfico na medida em que são mobilizados conceitos espaciais, representações espaciais (como diagramas, mapas e gráficos) e processos cognitivos. O raciocínio espacial passa, assim, por uma conjugação de conceitos, habilidades e abordagens cognitivas que permitem aos indivíduos usar o espaço para modelar o mundo, real e imaginário, em pontos importantes e produtivos. Ocorre, portanto, que as formas de pensamento prático são, concomitantemente, campos socialmente estruturados que só podem ser compreendidos quando referidos às condições da sua produção e aos núcleos estruturantes da realidade social que integram, tendo em vista seu papel na criação desta realidade (Spink, 1993: 304). O pensamento espacial surge, por conseguinte, como um processo que promove e efetiva o desenvolvimento da literacia espacial (Bednarz & Bednarz, 2008).

Neste sentido, as questões formuladas, verbal ou textualmente, são ferramentas fundamentais para estimular o pensamento dos alunos. No entanto, importa perceber que tipologia de questões devem ser adotadas no sentido de facilitar o desenvolvimento das habilidades cognitivas de pensamento geográfico. Jo, Bednarz e Metoyer (2010) apontam um conjunto de contribuições sobre como os professores de Geografia podem incorporar nas suas aulas uma ferramenta concreta para a elaboração de questões propícias ao desenvolvimento do pensamento geográfico nos alunos.

Através da apresentação dos resultados de um estudo empírico e de uma revisão das contribuições teóricas da literatura, estes investigadores sugeriram formas de incorporar o pensamento geográfico no estudo da Geografia, através da formulação, da avaliação e da aplicação de perguntas de pensamento geográfico e de questões de nível superior que estimulam no aluno a utilização de conceitos espaciais como a distância, a região e a direção; ferramentas de representação, como os mapas e os gráficos; e os processos de raciocínio adequados à concetualização e à resolução de problemas (Jo, Bednarz & Metoyer, 2010: 49).

Os autores retomam, assim, o conceito de “pensar geográfico” para propor um modelo de formulação de questões propícias ao desenvolvimento do pensamento geográfico, também identificado com um pensamento inferencial, abstrato e mobilizador de diferentes conceitos e perspetivas (Jo, Bednarz & Metoyer, 2010).

De acordo com o National Geography Standards (1994), o pensamento espacial pode ser enquadrado através de duas questões: o que os alunos conhecem (sobre o espaço e as ferramentas de representação) e o que eles podem fazer (processos de raciocínio) a partir dos conhecimentos que possuem.

Na construção do pensamento geográfico e partindo da aplicação das ferramentas da literacia espacial cruzam-se, portanto, o conhecimento objetivo e o conhecimento subjetivo do campo socialmente estruturado.

 

1.3. A taxonomia do pensamento espacial

A taxonomia do pensamento espacial de Jo e Bednardz incorpora três componentes do pensamento espacial: (1) conceitos espaciais, (2) a utilização de ferramentas de representação e (3) processos cognitivos. As três categorias estão posicionadas tridimensionalmente na estrutura taxonómica e variam segundo diferentes níveis de abstração e dificuldade dentro de cada categoria de análise (Jo, Bednarz, & Metoyer, 2010) conforme ilustra e exemplifica a Figura 1.

 

 

A categoria dos conceitos foi formulada com base na categorização de conceitos proposta por Golledge (2002) que distingue os conceitos não espaciais, os conceitos espaciais primitivos, os conceitos espaciais simples e os conceitos espaciais complexos, organizados segundo uma abstração e complexidade crescentes.

Os conceitos espaciais primitivos como os de “localização”, “magnitude”, “escala” e “região” são fundamentais para a análise espacial, assim como os conceitos espaciais simples, como os de “distância” (que resulta do intervalo entre duas localizações), ou “rede de vizinhança” (Graves, 1984). Estes conceitos constituem a base para desenvolver o pensamento geográfico dos alunos e, em conjunto com as ferramentas espaciais apropriadas, fornecem uma base para a conceção da pesquisa, a resolução de problemas e a estruturação dos programas de educação.

Os conceitos espaciais complexos, por sua vez, são aqueles que derivam da conjugação de conceitos espaciais simples, enquanto rede (uma conjugação de localizações) ou hierarquia (que combina os conceitos de localização, magnitude e conetividade). Por sua vez, os conceitos não espaciais são aqueles que não representam qualquer noção de espaço, como Produto Interno Bruto (PIB) e população, por exemplo (Jo, Bednarz, & Metoyer, 2010).

Em relação às ferramentas de representação, são utilizadas duas categorias na estrutura taxonómica, que correspondem ao uso e ao não uso de representação, respetivamente. Segundo os autores (Jo, Bednarz, & Metoyer, 2010), uma distinção em termos do tipo de representação utilizada nas questões não é significativa porque tornaria mais complexa e dificultaria a análise. A este nível trata-se, antes, de identificar a utilização, ou a não utilização, de uma representação geográfica.

A terceira categoria de análise, os processos cognitivos, foi segmentada em três níveis de análise segundo o modelo proposto por Costa (2001): o nível dos inputs, outputs e processing. O nível dos inputs representa processos como o reconhecimento, a definição, a identificação, a nomeação e a listagem de informação que foi memorizada – neste nível, os processos cognitivos não implicam um julgamento, mas lançam as bases para que tal seja possível em níveis superiores. Ao nível dos outputs realiza-se a produção de novos conhecimentos a partir da informação obtida nos níveis inferiores de pensamento, segundo um processo de avaliação, generalização e criação – este tipo de raciocínio implica já a formulação de um julgamento e corresponde a um nível superior de dificuldade e complexidade. No nível de processamento os alunos analisam, classificam, explicam e comparam a informação adquirida no nível dos inputs. Encontramo-nos aqui perante processos cognitivos que exigem o reconhecimento de informação assimilada no nível anterior (Jo, Bednarz, & Metoyer, 2010).

As três componentes do pensamento espacial são representadas na estrutura tridimensional da taxonomia que é constituída por 24 células. Cada célula é única e cruza as três componentes do pensamento espacial que envolve (segundo a organização tridimensional da mesma).

Por exemplo, a célula 1 representa um conceito não espacial, que não mobiliza uma representação, nem um nível de entrada e de processamento cognitivo, assim não tem nada que estimule o pensamento espacial. No extremo oposto, a célula 24 representa um conceito espacial complexo que mobiliza a utilização de uma representação espacial e implica um nível de processamento cognitivo que está associado a um nível mais complexo de pensamento espacial.

Como vimos pelos exemplos demonstrados, a taxonomia proposta por Jo e Bednarz (2009) constitui-se como uma ferramenta para a conceção e a seleção de perguntas que integram os três componentes do espaço, evoluindo em termos de níveis comparáveis de conceitos, processos cognitivos e de representação espacial.

 

 

2. Metodologia

O estudo pretendeu analisar, numa perspetiva qualitativa, a construção das descrições e interpretações geográficas dos alunos do 7º ano do Ensino Básico (com idades compreendidas entre os 12 e os 13 anos). O estudo foi realizado na EB 2,3 Dr.º Francisco Sanches, em Braga, que albergava um total 1465 alunos e integrava os Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP). A Escola EB 2,3 Dr.º Francisco Sanches integra a maior percentagem de população escolar do Agrupamento de Escolas com o mesmo nome, pelo que foi estudada uma amostra constituída por 25 alunos que frequentavam o 7º ano do Ensino Básico, da no ano letivo de 2011/ 2012. Foram obtidas 20 respostas válidas (N=20).

Para a implementação do estudo foi proposta a realização de uma ficha de leitura subordinada ao tema do revelo. O objetivo do estudo foi caraterizar as descrições e interpretações geográficas que os alunos adotaram na formulação e na transmissão dos conhecimentos, atendendo à Taxonomia do Pensamento Espacial de Jo e Bednardz (2009).

A análise tridimensional permitiu, por esta via, perceber quais as posições taxonómicas mais frequentemente utilizadas pelos alunos participantes no estudo, quer através da apreensão de unidades parcelares de informação, quer através da elaboração de argumentos pessoais.

Em termos de procedimentos analíticos optámos por recorrer a uma análise do conteúdo substantivo das descrições e interpretações geográficas dos alunos (Berelson, 1984: 18). A categorização das unidades de análise foi feita com base na estrutura tridimensional (espacialidade do conceito, uso de ferramentas de representação e processo cognitivo). Significa, portanto, que na classificação de cada unidade de análise foi necessário a classificar nestes três diferentes domínios. Primeiramente atenta-se ao conceito espacial que a atividade envolve (que pode variar desde “não espacial” a “espacial primitivo”, “espacial simples” e “espacial complexo”) (Jo & Bednarz, 2009).

Trata-se de uma estrutura testada e validade que define categorias de análise para a elaboração e a avaliação de questões, ao mesmo tempo que constitui uma ferramenta de estudo. A pertinência do estudo apresentado reside, ainda, na possibilidade de conhecer os processos de apreensão e de construção do conhecimento, a fim de estabelecer possíveis ilações para o ensino da Geografia.

 

 

3. As unidades de construção das descrições e interpretações geográficas dos alunos do Ensino Básico – resultados do caso de estudo

A análise das descrições e interpretações geográficas revelou que os conceitos espaciais simples foram os mais frequentes na análise e corresponderam a 60% dos conceitos utilizados. Igualmente frequente foi a categoria dos conceitos espaciais complexos que registou 31% de observações. Por outro lado, a mobilização de conceitos não espaciais e espaciais primitivos foi a mais residual, com 5% e 4% respetivamente.

Os alunos utilizaram sobretudo conceitos simples no nível de input e no nível do processamento cognitivo, por esta ordem, sendo que também aplicaram, em ambos os níveis de pensamento espacial, o instrumento de representação sugerido pela ficha de trabalho: o Mapa Hipsométrico de Portugal Continental.

Os conceitos simples no nível de input foram os mais frequentes em toda a análise e referiam-se sobretudo a topónimos e a nomes das serras e montanhas de Portugal Continental: “São Mamede”, “Serra d’Aire”, “Algarve”, “Espinhaço de Cão”, “Gerês” e “Alentejo”. No nível de input encontrámos também a referência a designações e definições, nomeadamente, os conceitos de fronteira, planície, montanhas e montes. Observou-se, por exemplo, a definição (input) de conceitos simples, como “planícies” e “planaltos”, associada à descrição da superfície terrestre – conceito complexo – como se verifica na seguinte descrição e interpretação geográfica:

“A superfície terrestre apresenta planícies (são regiões planas com altitudes inferiores a 200 metros) e planaltos (são regiões planas com altitudes superiores a 200 metros)” (Sara).

 

Podemos apontar mais exemplos de descrições e interpretações geográficas sobre o relevo que recorrem a conceitos simples (no nível de processamento cognitivo) e que se socorrem do Mapa enquanto instrumento de representação espacial, como por exemplo: “Planícies alentejanas … extensas e com raros percursos de água” (Sascha) – uma descrição e interpretação geográfica que implicou a organização e análise da informação geográfica de forma localizada.

Ainda na categorização dos conceitos simples, encontrámos os que mobilizam processos cognitivos como a análise, o contraste, a distinção e a síntese, com as seguintes descrições e interpretações geográficas: “a maior elevação de Portugal chamada Elbrus” (Catarina); “na parte interior há mais montanhas do que no litoral, na parte litoral há mais planícies” (Agatha), assim como a utilização dos conceitos elevação, como os de “altura”, “Portugal Continental”, “Península Ibérica” e “Pico da Estrela”.

Ao nível dos conceitos não espaciais registou-se a utilização dos conceitos “paisagens” e “cascatas”, cuja referência mobilizou um pensamento de ordem inicial, assim como a utilização do instrumento de representação sugerido no enunciado.

Contrariamente, os demais conceitos não espaciais registados na análise, como os de “clima”, “quente”, “frio”, “Verão” e “Inverno”, não mobilizaram a utilização do instrumento de representação sugerido, pelo que surgem ao nível dos inputs.

De entre os conceitos primitivos, apontámos os de “rio”, “praia” e “cidade”, posicionados ao nível do input e, pelo contexto em que foram empregues, revelam a utilização do Mapa Hipsométrico proposto. Por outro lado, os conceitos de "fauna", "flora" e "neve" encontram-se no nível de processamento cognitivo, nomeadamente pela descrição geográfica que refere “o Gerês… com bastante fauna e flora” (Sascha), estabelecendo uma ligação entre a localização geográfica, o relevo e a vida animal e vegetal.

Associado ao pensamento espacial complexo, verificámos a comparação (processamento cognitivo) entre o Norte e o Sul de Portugal, em termos de relevo, nas seguintes descrições geográficas:

“A sul de Portugal predominam as planícies e os planaltos de baixa altitude” (Pedro);

“A parte Norte é mais montanhosa que a central” (Adelaide);

“O Gerês é a 3ª maior serra de Portugal” (Sérgio)

 “O Gerês é a 2ª serra mais alta do Norte de Portugal” (Sara);

“A Serra da Estrela é a montanha mais alta de Portugal continental”.

Ainda no nível de processamento cognitivo apontámos a mobilização de conceitos espaciais complexos como os de “altitude”, “zona central”, “zona extensa”, “zona montanhosa”, “hemisfério norte”, “hemisfério sul”, “Norte”, “Sul” e “Nor-Nordeste”. No nível de input, por sua vez, verificámos que os alunos utilizaram conceitos complexos como os de “relevo”, “hemisfério” e “superfície terrestre”.

Ao nível dos outputs, observámos a utilização de um pensamento avaliativo e criativo nas respostas dos alunos na seguinte descrição que associa o Inverno na Serra da Estrela a férias e viagens: “A Serra da Estrela no Inverno é um centro turístico, porque neva constantemente” (Sascha).

A tabela 1 apresenta uma síntese da distribuição de frequências relativas às diferentes posições taxonómicas mobilizadas pelos alunos.

 

 

Conforme os dados da tabela 1, observámos que os conceitos espaciais simples foram a categoria de conceitos mais referida pelos alunos, designadamente, na posição taxonómica 16 – que corresponde ao nível de input – 56,4% dos conceitos geográficos utilizados posicionam-se nesta categoria de análise.

A posição 17 da Taxonomia refere-se também aos conceitos simples, mas no nível de processamento cognitivo – apenas 6,3% dos conceitos geográficos utilizados se posicionam nesta célula. A segunda categoria de conceitos mais utilizada posiciona-se na célula 22 – os conceitos espaciais complexos, no nível de input. Também significativa foi a percentagem de conceitos posicionados na célula 23 (11,0%) e que corresponde a conceitos espaciais complexos no nível de processamento cognitivo.

 

 

4. Discussão e Conclusões

Recorrendo à Taxonomia de Jo e Bednarz (2009) foi é possível analisar a tipologia de conceitos e de raciocínios mobilizados pelos do Ensino Básico, da Escola Francisco Sanches, em Braga.

A observação das descrições e interpretações geográficas revelou a apropriação predominante de conceitos espaciais simples, como os topónimos (as designações de localidades, serras e montanhas), tendo sido também visível a utilização progressiva dos conceitos espaciais complexos, ao nível do output e sobretudo do input. A toponímia, surgindo num contexto de espaço e tempo, permite uma abordagem da distribuição espacial dos lugares, do seu contexto histórico e político, bem como do seu significado na representação cartográfica (Seemann, 2005).

Prevaleceram, ainda, ao longo do objeto de análise as referências a saberes memorizados relacionados com factos geográficos isolados. Foi pouco frequente, no entanto, a análise multidimensional e crítica do espaço, associada a processos cognitivos de nível superior, propícios ao desenvolvimento da literacia e do pensamento geográficos (Câmara et al., 2001; CNEB, 2001). Sabemos que é a interação entre o indivíduo e o espaço que o tornará um cidadão consciente da sua participação no espaço, não apenas na capacidade de visualizar os factos e de os descrever através de mapas mentais (Goodchild & Janelle, 2010; Melo, Coelho & Santos, 2010), como também pela possibilidade de agir sobre esse mesmo espaço no sentido de obter os recursos e o conhecimento de que necessita (Bednarz & Kemp, 2011; Bednarz & Bednarz, 2008).

O estudo desenvolvido permitiu, ainda, promover a leitura e a produção de textos como atividades potenciadoras do pensamento espacial crítico (Souza, 2009; Vygotski, 1998). Por outro lado, a escrita tem a mais-valia de contribuir para um maior sentimento de segurança na produção escrita, na apropriação dos conceitos e na tomada de posição. Embora as ilações formuladas não possam ser extrapoladas para outras unidades do real, considerámos que o estudo permitiu avaliar a literacia espacial e o pensamento geográfico dos alunos da escola estudada, e por esta via perspetivar a concretização dos objetivos curriculares da disciplina de Geografia.

Sabemos que a disciplina de Geografia cumpre o seu propósito se proporcionar a apropriação de conceitos espaciais, progressivamente mais complexos, que impliquem um processamento cognitivo associado à formulação de hipóteses, análises e inferências, com sentido crítico, pertinência e criatividade.

 

 

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