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GOT, Revista de Geografia e Ordenamento do Território

versão On-line ISSN 2182-1267

GOT  no.6 Porto dez. 2014

https://doi.org/10.17127/got/2014.6.002 

EDITORIAL

 

‘In memoriam’

 

 

Cunha, Lúcio1

1CEGOT | Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras, Departamento de Geografia; luciogeo@fl.uc.pt 

 

 

O ano de 2014, que agora termina, foi um ano muito difícil para o Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território. Com efeito, no curto período de alguns meses o nosso Centro perdeu três das suas figuras mais destacadas: Sir Peter Hall, membro da Comissão de Acompanhamento, e logo depois, António de Sousa Pedrosa e Fernando Rebelo, membros do grupo 1, Natureza e Dinâmicas Ambientais.

A evocação da vida e da obra de Peter Hall será feita pelo Coordenador da Revista GOT, cabendo-me, na qualidade de coordenador do CEGOT, algumas breves palavras para recordar as personalidades de António Sousa Pedrosa e de Fernando Rebelo, tarefa difícil e naturalmente penosa pela saudade que me assalta, mas que muito me honra, pela qualidade, prestígio e dimensão científica dos evocados.

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António Sousa Pedrosa obteve a licenciatura em Geografia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 1981com um trabalho sobre Geografia Física intitulado “Bacia hidrográfica do rio Vizela: análise de índices morfométricos”. O gosto pela Geomorfologia viria a confirmar-se com o trabalho apresentado para prestação de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica sobre “As vertentes da área de S. Miguel-o-Anjo. Contributo para o estudo da sua evolução” (1988) e, mais tarde, com a dissertação de doutoramento sobre a “Serra do Marão: Estudo de Geomorfologia” (1993), um trabalho de referência que integra a dinâmica das vertentes em ambiente periglaciar com os processos erosivos e a cartografia de riscos. Estes trabalhos iniciais, que, de algum modo, refletem também a influência do seu orientador, o Professor Fernando Rebelo, vão marcar decisivamente a obra de António Pedrosa quer pelo tema principal de trabalho, a Geomorfologia, quer pela área de trabalho, a Serra do Marão. Em 2004, António Pedrosa foi, por unanimidade, aprovado nas provas para obtenção de título de Agregado do Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, na disciplina de Geomorfologia. 

Professor de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, ocupou diversos cargos de gestão, entre os quais o cargo de vice-presidente do Conselho Diretivo e de coordenador do curso de mestrado em Gestão de Riscos Naturais.

Para além do trabalho na área da Geografia Física e da Geomorfologia, António Pedrosa colaborou noutros cursos (por exemplo no curso de pós-graduação em Estudos Africanos) e com outras Universidades, tendo sido membro fundador da RISCOS, Associação Portuguesa de Riscos, Prevenção e Segurança, e da revista “Territorium”. Em 2000, tornou-se membro e investigador do Centro Português de Estudos do Sudeste Asiático. Foi, igualmente, membro fundador do CEDTUR - Centro de Estudos de Dinâmicas Territoriais e Desenvolvimento Turístico, do Instituto Superior da Maia (ISMAI), com o qual desenvolveu várias atividades a partir de 2009.

Foi responsável pela coordenação de alguns projetos de investigação, nomeadamente do projeto “Processos erosivos no Norte de Portugal”, no qual envolveu vários colegas e alunos da pós-graduação, com especial incidência na análise e quantificação destes processos em áreas graníticas, e do projeto NOÉ, no âmbito do Programa Interreg, com a finalidade de estabelecer medidas de proteção para o património cultural face aos riscos naturais e o projeto RNT “Sistema de prevenção e atuação em situações de emergência provocadas por riscos naturais e tecnológicos” (2005 – 2008).

A partir de 2010, António Pedrosa iniciou uma nova etapa da sua vida académica. Mudou-se para Uberlândia, como professor visitante do Instituto de Geografia da Universidade Federal (UFU). Tornou-se investigador do Laboratório de Geomorfologia e Erosão dos Solos (LAGES) e acabou por se instalar, de forma definitiva, na condição de professor titular. Aí lecionou várias disciplinas de Geografia Física, associadas à análise da paisagem e à gestão de riscos naturais, ao mesmo tempo que começa a desenvolver vários trabalhos de investigação sobre estas temáticas.

Durante este período, António Pedrosa manteve a sua ligação ao Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território (CEGOT) como investigador, tendo desenvolvido inúmeras atividades com colegas da Universidade do Minho e da Universidade de Coimbra.

Atraiçoado pela vida em Agosto de 2014, António Pedrosa deixa uma obra vasta e diversificada, importante para compreender alguns aspetos geomorfológicos (geomorfologia histórica, geomorfologia periglaciar, geomorfologia granítica estudos sobre a paisagem, riscos geomorfológicos) em Portugal, mas também no Brasil. Cá e lá orientou os trabalhos de estudantes e colegas, pelo que a sua obra e a sua vida de geógrafo não só serão amplamente recordadas pelos que tiveram o privilégio de com ele colaborar, mas também se tornarão, seguramente, um incentivo para os geógrafos e para a Geografia lusobrasileira.

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Fernando Manuel da Silva Rebelo foi um dos mais reputados geógrafos portugueses da segunda metade do século XX e deste início de século XXI. Jubilou-se, como professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, em Setembro de 2013. Ao longo da sua vida universitária, são-lhe reconhecidos elevados méritos de investigador e de professor, a que acresce a preocupação com a gestão universitária, tendo desempenhado na sua Universidade de Coimbra, entre muitos outros, os cargos de membro da Comissão Paritária de Gestão na FLUC, logo a seguir ao 25 de Abril, de Diretor do Instituto de Estudos Geográficos, de Vice-Reitor e de Reitor da Universidade de Coimbra. Todas estas funções foram desempenhadas com esforço, dedicação, inteligência e brilho, razão pela qual o nome de Fernando Rebelo é conhecido, reconhecido e admirado no mundo universitário, dentro e fora do país.

Falar de Fernando Rebelo é falar, talvez, do último geógrafo pertencente à geração dos chamados geógrafos completos. Completo na vida universitária, onde percorreu quase todas as tarefas e cargos possíveis, completo na lecionação por que foi responsável (em praticamente todas as áreas da Geografia), completo pela investigação que desenvolveu (em quase todas as áreas da Geografia Física, mas também em Geografia Humana, em brilhantes sínteses sobre a Geografia de Portugal e no estudo dos riscos naturais), completo por desenvolver estudos mais teóricos, por vezes mesmo de carácter epistemológico, e investigar inúmeros estudos de caso, investigação quase sempre desenvolvida com um preocupação de aplicação, completo, finalmente, porque ao brilho das suas aulas, juntou sempre a competência científica e a elegância dos seus escritos, bem como a eloquência das palestras e conferências que proferiu no país e no estrangeiro, em sociedades científicas de elevado prestígio, em universidades, mas também em simples escolas secundárias, quando os seus múltiplos discípulos o convidavam.

No que diz respeito à Geografia Física e, particularmente, à Geomorfologia, a área científica a que Fernando Rebelo terá dedicado mais tempo e o melhor do seu esforço, o trabalho de investigação que desenvolve revela dois tipos de preocupações fundamentais: a interpenetração de observações e interpretações a diferentes escalas, com natural privilégio para o trabalho a uma escala de pormenor; e, relacionada com esta, a preocupação com um sentido prático ou aplicado dos seus estudos. Foi assim, desde logo, com a sua dissertação de licenciatura sobre as vertentes do Rio Dueça (1966) e também com o seu doutoramento (em 1975) sobra as Serras de Valongo. De entre os seus territórios de investigação, Coimbra e o Mondego foram sempre privilegiados. No nº 100 da revista Memórias e Notícias, Publicação do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da Universidade de Coimbra (1985) escreveu um trabalho sobre a Geomorfologia da área de Coimbra que ainda hoje é referência obrigatória para enquadramento dos estudos de geomorfologia urbana que respeitem Coimbra. Voltará ao tema mais tarde, em artigos publicados nos Cadernos de Geografia (1999) e na Revista da Ordem dos Engenheiros (2002. Em 1990, publica nos Cadernos de Geografia um texto sobre a “Contribuição da Geografia Física para a inventariação das potencialidades turísticas do Baixo Mondego”. Ainda que preocupado com o conjunto dos aspetos ligados à Natureza no Baixo Mondego, as formas de relevo, pela sua importância na construção da paisagem, pelo seu valor icónico e cultural, pelo seu significado pedagógico, são tratadas como verdadeiras peças do património natural, num trabalho que antecede em alguns anos os abundantes trabalhos sobre geopatrimónio, geossítios e geomorfossítios que aparecem no âmbito da Geografia e da Geologia no final do século passado. Já antes, Fernando Rebelo tinha participado num conjunto de obras destinadas à promoção dos recursos turísticos da Região Centro, de Coimbra, de Aveiro e da Lousã, apelando sempre à importância da Geografia Física, e particularmente da Geomorfologia, na promoção turística dos territórios. Outra referência importante, até pela polémica que, na altura, envolvia o tema, foi a publicação dos resultados de um projeto sobre a importância da Geomorfologia como contributo para a datação das gravuras do Côa, primeiro nos Cadernos de Geografia (1996) e depois na Revista Finisterra (1997).

A investigação científica de Fernando Rebelo no campo disciplinar da Geomorfologia foi pautada, como já referi, pelo pormenor nas escalas de trabalho e por uma perspetiva de aplicação. Talvez, por isso, tenha sido fácil a passagem para o tema de eleição da sua investigação durante os últimos vinte anos: os riscos naturais, tema a que se dedicou nos últimos 20 anos e sobre o qual nos deixou pelo menos 4 livros e dezenas de artigos em revistas nacionais e internacionais.

Viajante incansável, Fernando Rebelo era um excelente conhecedor de Portugal e da Geografia portuguesa. Muito desse conhecimento foi passado a sucessivas gerações de alunos nas suas aulas de Geografia de Portugal e de Geografia Física de Portugal e encontra-se também publicado em elegantes sínteses, tanto no volume de Geografia da Enciclopédia temática “Portugal Moderno” (1991), como no volume sobre “Portugal e a Geografia Portuguesa” que a Associação Portuguesa de Geógrafos preparou para o 27ª Congresso Internacional de Geografia realizado em Washington (1992), no livro “Geografia de Portugal – meio físico e recurso naturais”, editado pela Universidade Aberta, que assina conjuntamente com Paula Lema (1997) ou, finalmente, no conjunto de textos complicados no livro “Portugal. Geografia, Paisagens e Interdisciplinaridade”, acabado de publicar pela Imprensa da Universidade de Coimbra.

Querendo ou não, Fernando Rebelo fez e deixa Escola! Basta pegar num qualquer número dos Cadernos de Geografia ou da Territorium, revistas que criou e que ajudou a promover, para encontrar referências suas em quase todos os trabalhos de quase todos nós. Sobre a Geomorfologia da região de Coimbra e sobre o Mondego, sobre cristas quartzíticas, sobre relevo granítico, sobre a importância do frio no modelado das vertentes, sobre processos erosivos atuais, sobre o litoral, sobre as montanhas, sobre as planícies aluviais! Mas também sobre teoria do risco, sobre riscos sísmicos, geomorfológicos e hidrológicos, sobre incêndios florestais, sobre erosão hídrica. De facto, as dezenas de investigadores de Geografia Física das diferentes escolas do país e, particularmente, as dezenas de investigadores de Geografia Física do CEGOT, têm em Fernando Rebelo uma referência científica incontornável, que ajudará a perpetuar o saber geográfico deixado pelo professor, pelo orientador, pelo investigador, pelo amigo!

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O CEGOT, uma das mais jovens unidades de investigação em Geografia e Ordenamento do Território do nosso país, sofre, com o falecimento destes seus três colaboradores, um rude golpe. No breve espaço de alguns meses perde um reputado membro da comissão de acompanhamento e dois dos investigadores mais produtivos e influentes. Mas, até pela sua juventude, o CEGOT saberá honrar os que partiram. Que repousem em paz e que todos nós, os que ficamos por mais algum tempo, sejamos capazes, enquanto geógrafos, investigadores, professores e seres humanos, de honrar a sua memória e o seu exemplo.

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