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Revista :Estúdio

versión impresa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.10 no.26 Lisboa jun. 2019

 

ARTIGOS ORIGINAIS

ORIGINAL ARTICLES

Exposição ou instalação? os videomódulos de Tony Camargo

Exhibition or Installation Art? The videomódulos of Tony Camargo

 

Yasmin Fabris* & Ronaldo de Oliveira Corrêa**

*Brasil, designer, professora e estudante de doutoramento.

AFILIAÇÃO: Universidade Federal do Paraná (UFPR), Departamento de Design, Programa de Pós-Graduação em Design (PPG– Design) e Instituto Federal do Paraná (IFPR), Curso Técnico em Cerâmica. Rua XV de novembro, 1299, Centro, Curitiba, CEP 85590-300, Brasil.

**Brasil, designer e professor.

AFILIAÇÃO: Universidade Federal do Paraná (UFPR), Departamento de Design, Programa de Pós-Graduação em Design. Rua XV de novembro, 1299, Centro, Curitiba, 85590-300, Brasil.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO:

Neste artigo, temos como objetivo discutir, a partir da montagem da exposição Desdobramento Pictórico, realizada no Museu de Arte Municipal de Curitiba em 2018, os procedimentos artísticos presentes na série videomódulos, de autoria de Tony Camargo. A partir da exposição elaboramos um debate sobre o papel da performance no trabalho do artista e os modos como ele utiliza o corpo e elementos tridimensionais como fundamento para elaboração da linguagem plástica.

Palavras chave: Videomódulos / Desdobramento Pictórico / Tony Camargo.

 

ABSTRACT:

In this article we aim to discuss, from the assembly of the exhibition Desdobramento Pictórico, held at the Museu de Arte Municipal de Curitiba, the artistic procedures in the videomódulos series, authored by Tony Camargo. From the exhibition we elaborate a debate about the role of performance in the work of the artist and the ways in which he uses the body and three-dimensional elements as a basis for the elaboration of the plastic language.

Keywords: Videomódulos / Desdobramento Pictórico / Tony Camargo.

 

Introdução

Tony Camargo é um artista plástico brasileiro que vive na cidade de Curitiba, localizada na região sul do Brasil. Nascido no interior do estado do Paraná em 1997, na cidade Paulo Freitas, graduou-se em Artes Visuais na Universidade Federal do Paraná (UFPR). O artista teve sua primeira exposição individual em 2002, no Museu Alfredo Andersen, e hoje já soma 19 individuais e mais de 70 participações em mostras coletivas no Brasil e no exterior. A produção artística de Tony é bastante diversificada, contemplando desde desenhos e pinturas, até vídeos, objetos e performances. Dentre as séries produzidas pelo artista estão as denominadas planopinturas, as fotoplanopinturas, os fotomódulos, os video-módulos, e a série mais recente, intitulada marcas.

Em 2018 Tony Camargo celebrou 20 anos de carreira com a realização de duas exposições na cidade onde está radicado. A primeira delas, Seleta Crômica e Objetos, ficou em cartaz de abril a junho, no Museu Oscar Niemeyer e teve curadoria assinada por Paulo Herkenhoff. A mostra apresentava um panorama da carreira do artista a partir da exposição de obras elaboradas ao longo das suas duas décadas de profissão. No mesmo ano, em julho, inaugurou no Museu de Arte Municipal de Curitiba a exposição individual Desdobramento Pictórico, com curadoria de Arthur do Carmo. Esta mostra apresentou trabalhos inéditos do artista e expôs um recorte da sua produção que privilegiava a imagem em movimento. A exposição propôs reflexões sobre a inserção de novas tecnologias no trabalho plástico, a partir da articulação entre o uso da videoarte, da performance e da instalação.

Neste artigo, temos como objetivo discutir a montagem da exposição Desdobramento Pictórico de forma a explicitar procedimentos que estão presentes na série videomódulos. Entendemos que a encenação desta mostra é relevante para compreensão da obra do artista por priorizar a exibição dos elementos que compõem seu processo artístico, como os artefatos que são utilizados para montagem dos cenários em que são filmados os vídeos. Nossa intenção é elaborar um debate sobre o papel da performance no trabalho de Tony Camargo e os modos como ele utiliza o corpo e elementos tridimensionais como fundamento para elaboração da linguagem plástica.

A série videomódulos, produzida por Tony Camargo desde 2010, trata do desdobramento de trabalhos anteriores do artista com a performance e a imagem estática, especialmente na série fotomódulos. Os videomódulos, contudo, se caracterizam pela filmagem de cenas em movimento. Neles, o próprio artista captura, com câmera fixa, gestos performáticos em um ambiente encenado. Os vídeos, que duram cerca de 30 segundos, passam por pós-produção, onde formas geométricas são sobrepostas às cenas. Apesar da utilização de diversos suportes para realização da obra, como o corpo, a instalação e o vídeo, o artista defende que seus trabalhos se classificam como pinturas. Os videomódulos, sob esta perspectiva, são desdobramentos dos estudos pictóricos realizados por Tony Camargo.

A estratégia metodológica utilizada para elaboração deste texto baseia-se na aproximação à obra do artista a partir da exposição Desdobramento Pictórico. As incursões à mostra foram realizadas pelos autores a fim de estabelecer relações entre as escolhas expográficas, a proposta curatorial e as narrativas do próprio artista sobre seu trabalho. Sendo assim, tivemos como procedimento metodológico a reconstrução da exposição a fim de possibilitar, por meio da articulação entre montagem e curadoria, reflexões sobre o trabalho plástico de Tony Camargo. Por fim, vale destacar que este debate sobre a produção do artista representa a continuação de estudos realizados anteriormente pelos autores, especialmente sobre a série fotomódulos e sua relação com a performance, publicado pela Revista Palíndromo em 2018.

 

1. Desdobramentos Pictóricos: a pintura em movimento

A segunda exposição individual de Tony Camargo em 2018 teve um recorte bastante distinto da primeira: apresentava trabalhos inéditos e recentes do artista. Apesar de ter como enfoque sua produção com vídeoarte, a mostra chamava atenção pelos objetos tridimensionais que preenchiam a sala introdutória do ambiente expográfico.

Logo na chegada, antes de adentrar ao espaço expositivo, se enfileiravam, pendurados à parede branca do museu, tecidos com estampas coloridas e das mais diversas texturas. A composição cromática e o caimento dos tecidos, fixados a uma distância precisa entre si, encenavam relações com o imaginário da materialidade popular brasileira. A sala ampla abrigava, ainda, do lado direito, a montagem de um cenário que ocupava um espaço determinado pela tinta na parede e pelo papelão que forrava o piso, delimitando as proporções da obra. A cenografia apresentava objetos do cotidiano, como estantes, placas, engradados e garrafas, pintados de cores vibrantes. O ambiente, que dispunha de atmosfera caótica pela recorrência de materiais, revelava também a organização e a precisão da composição, que orquestrava o tensionamento gerado pela reunião dos objetos (Figura 1).

 

 

Ainda, na parede oposta à instalação, encontravam-se dispostos no chão, apoiados à estrutura arquitetônica do edifício, placas de madeira e lata pintadas à mão e objetos retorcidos que pareciam pertencer a algum ferro velho ou comércio local. Apesar de ter como tema principal a série videomódulos, a sala introdutória da exposição não dispunha de qualquer exemplar da obra, apenas objetos dispostos como instalações artísticas (Figura 2).

 

 

Contudo, o texto do curador Arthur do Carmo, que estampava a entrada da exposição, contrariava as conclusões apressadas do visitante:

Não é uma instalação. Mas um cenário para segundo take do projeto videomódulos de Tony Camargo. Ao realizar seus videomódulos, o artista parte de espaços determinados do mundo para construir um cenário pictórico. […] Para o artista empilhar tantos objetos que nos rodeiam, como um aspirador de pó, cabeceira de cama, aparelho de ginástica, bicicleta e cadeirinha de praia, placas comerciais, uma prateleira, sejam eles ferro-velho ou apego nostálgico, pouco importa. Importam as revelações brilhantes de cores, a construção cromática sobre o design que já atravessou algum objeto. A partir de um ponto muito específico de captação tudo vira plano, cabe numa tela, precisamente cortada pela lâmina do monitor de gravação (Carmo, 2018).

A sala, segundo o curador, apresentava a matéria-prima que possibilitava o trabalho pictórico de Tony Camargo. Os objetos, que pareciam estruturar uma instalação, para o artista, eram apenas subsídio para um trabalho posterior: o enquadramento em um recorte bidimensional, ou seja, uma pintura.

A sala dedicada a apresentar o projeto videomódulo era o próximo ambiente no percurso expositivo. Nela, foram dispostos quatro televisores que reproduziam em looping os vídeos da série. Cada aparelho reproduzia um vídeo, que tinha duração entre 20 e 27 segundos. Todos os exemplares eram recentes, datavam de 2018, com destaque ao "VP29/2018" que fora filmado na própria exposição, no cenário montado na sala anterior.

Por fim, o último ambiente expositivo apresentava ao público um único vídeo, projetado na parede da sala. Tratava-se do "VP27", com 36 segundos de duração. Nesta sala havia também outro texto do curador, intitulado "Esculpir o tempo". Arthur do Carmo dedicou-se, então, em debater a definição da pintura e as mudanças que a linguagem pictórica sofreu nos últimos tempos, especialmente na arte contemporânea. A discussão engendrada pelo autor relata das mudanças proporcionadas pela inserção de novos recursos técnicos no trabalho com a pintura, como foi o caso da fotografia e do computador. Neste último caso, a pintura que sempre dependeu de condições materiais físicas para sua existência — como a tela, a tinta e pincel -, é criada a partir da própria máquina (Carmo, 2018).

Ao percorrermos a montagem da exposição Desdobramento Pictórico e ao vislumbrarmos as articulações conceituais propostas pelo curador da mostra, vemos que a exposição — com seu desenho expográfico — dá relevo aos tensionamentos estruturados pela série videmódulos. Os materiais de processo do artista, que são montados na sala introdutória da exposição, tensionam a noção tradicional de pintura e explicitam o posicionamento artístico de Tony Camargo. Os objetos tridimensionais, apresentados como instalações, servem para o artista apenas como matéria-prima — volume e tinta — para estruturação de uma composição bidimensional em movimento.

Deste modo, a exposição dava destaque, pela sua montagem, aos materiais que possibilitam a formulação do trabalho plástico. A própria legenda da instalação "Suporte cenográfico disposto para um segundo take de gravação, criado pelo artista pare realizar a obra VP29 da série Videomódulos" procurava explicitar que a composição de artefatos apresentada na exposição tratava apenas de parte do processo artístico, ou seja, um dos procedimentos que permitem a formulação da obra. Vale destacar, ainda, que outros elementos de grande relevância para execução do trabalho de Tony Camargo, que não ganhou tanto destaque na narrativa curatorial, são as gestualidades promovidas pelo corpo do próprio artista. A atuação performática é um recurso pictórico central na execução de um videomódulo.

 

2. Videomódulos: o corpo em movimento como tinta

Conforme explicitado pela montagem da exposição, a criação de um videomódulo exige, primeiro, a construção de um cenário, elaborado pelo próprio artista. Nesta fase do processo, objetos são organizados de modo a estruturar uma composição volumétrica e cromática para a captura do vídeo, que será realizada posteriormente. É importante, nesta etapa, que o cenário engrendre um "não lugar", ou seja, um espaço que, apesar de conter objetos reconhecíveis pelo expectador, não denote um cenário em específico. Tony, inclusive, trabalha com elementos como placas e bandeiras que evocam o repertório imagético de quem vislumbra o vídeo. Em seguida, o artista se insere na composição, normalmente envolvido por algum tecido ou segurando objetos, e realiza movimentos performáticos que provocam ruídos: latas que caem ao chão, objetos que se chocam, balões que estouram. Este gesto, aparentemente espontâneo, é registrado pela câmera fixa e não dura mais de 30 segundos.

Neste momento, em que há a gravação, o videomódulo ainda não está finalizado. Os vídeos passam por uma etapa de pós-produção, em que elementos geométricos são adicionados à composição, interagindo com as movimentações propostas pelo corpo do artista. O procedimento gestual realizado por Tony Camargo no cenário é repetido diversas vezes até que a composição, quando finalizada, esteja ao gosto do artista.

É importante pontuar, como já comentou Tony em entrevista (Freitas, 2011; Fabris, 2018), que os procedimentos que antecedem a criação do vídeo — como a montagem do cenário, a performance e a pós-produção da imagem — são apenas etapas para formulação de um trabalho pictórico e plástico. Tony Camargo relata que não se considera um performer e que seu corpo é, para ele, apenas volume para formulação da pintura.

O texto apresentado na exposição, do curador Arthur do Carmo, explicita essa narrativa construída pelo artista sobre o próprio trabalho. Para Carmo (2018), "os seus gestos enquanto performance não narram uma história, são cíclicos, e em todo decorrer da sua ação se afirmam a estabilidade e a tensão de uma geometria cromática". O artista, para o curador, procura elementos pictóricos na realidade, atualizando, em uma temporalidade subjetiva, a noção de pintura e — por que não — de performance.

 

Conclusão

A análise da obra de Tony Camargo, a partir da montagem da exposição Desdobramento Pictórico, nos permite acessar questões basilares que atravessam seu trabalho, como a defesa da pintura como linguagem essencial para o artista. Tony tensiona categorias estabelecidas na história da arte, como a de performance, para construir novas possibilidades para a ação performática, utilizando o gesto como subsídio material e imagético para linguagem plástica.

A noção de performance, que se refere ao domínio absoluto do presente e da não documentação ou reprodução da ação (Moraes, 2015; Ferreira, 2011), é tensionada quando o artista grava e reproduz o gesto no suporte digital. A interferência da pós-produção e a reprodução da obra digitalmente reeditam a dissolução do artefato, proposta na década de 1960, e possibilita que a performance seja interpretada como processo do fazer artístico e não apenas como obra final. A construção do cenário, ao modo da instalação, bem como a manufatura de objetos tridimensionais como subsídio para construção do trabalho pictórico, reedita a noção de pintura na arte contemporânea, atualizando a articulação entre o enquadramento tradicional — da pintura — e o processo artístico contemporâneo.

 

Referências

Carmo, Arthur (2018) "Esculpir o tempo". In Exposição Desdobramento Pictórico. Museu de Arte Municipal de Curitiba.         [ Links ]

Carmo, Arthur (2018) Desdobramento Pictórico. In Exposição Desdobramento Pictórico. Museu de Arte Municipal de Curitiba.         [ Links ]

Fabris, Yasmin & Corrêa, Ronaldo Oliveira. (2018) "Registro ou obra? O lugar da performance no trabalho de Tony Camargo". Revista Palíndromo. ISSN 2175-2346. Vol. 10 (20): 26-41.         [ Links ]

Ferreira, Larissa (2011). "Performance tática: cartografia dos desvios". VIS Revista do Programa de Pós-Graduação em Arte da UnB. ISSN 1518-5494 Vol.10 (1): 112-21.         [ Links ]

Freitas, Artur (2011) Tony Camargo: a dialética dos contrários. São Paulo: Berlendis & Vertecchia.         [ Links ]

Moraes, Juliana Martins Rodrigues. (2015) "Especificidades do ensino da performance nas artes visuais". Revista DAPesquisa, ISSN 1808-3129 Vol. 10 (14): 24-37.         [ Links ]

 

 

Artigo completo submetido a 03 de janeiro de 2019 e aprovado a 21 janeiro de 2019

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: yasmin.fabris@ufpr.edu.br (Yasmin Fabris)

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