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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.9 no.24 Lisboa dez. 2018

 

ARTIGOS ORIGINAIS

ORIGINAL ARTICLES

Wilton Azevedo: do gesto gráfico ao pixel

Wilton Azevedo: from graphic gesture to pixel

 

Hugo Daniel Rizolli Moreira*

*Brasil, artista visual.

AFILIAÇÃO: Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE).Prefeitura Municipal de Sumaré; Centro de Formação de Educadores Municipais de Sumaré (CEFEMS); Endereço postal: Rua Ipiranga 316 — Centro Sumaré — SP. CEP 13170-026 Brasil.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO:

Wilton Azevedo, artista e designer brasileiro, um dos pioneiros a incorporar a tecnologia e seus signos em sua produção artística, materializando o percurso onde os códigos gráficos e as linguagens visuais e sonoras, vão sendo subvertidas para o software, ou seja, o dispositivo digital vai incorporando as linguagens e códigos humanos, transformando-os em um único código, o digital, no entrelaçamento entre o gesto gráfico, a escrita, a fusão de linguagens artísticas e seus desdobramentos nos meios digitais.

Palavras chave: Arte digital / linguagens da arte / escritura digital expandida.

 

ABSTRACT:

Wilton Azevedo, Brazilian artist and designer, one of the pioneers to incorporate technology and its signs in its artistic production, materializing the way where the graphic codes and the visual and sound languages, are being subverted to the software, in other words, the digital gadget it incorporating the languages and human codes, transforming them into a single code, the digital, in the interlacement between graphic gesture, the writing, the fusion of artistic languages and their unfolding in digital media.

Keywords: Digital art / languages of art / expanded digital writing.

 

Introdução

Wilton Luiz de Azevedo nasceu em São Paulo em 1958. Designer gráfico, ilustrador, desenhista, programador visual e professor. Quando criança sonhava em ser desenhista, e não imaginava se tornar professor, nem atuar na fronteira entre o desenho e o digital.

Porém, a vida o fez trilhar o caminho docente, artista e pesquisador, ao longo de sua carreira artística nunca abandonou a potencial importância que o gesto gráfico, que o desenho espontâneo e humano traz para o desenvolvimento e evolução das linguagens artísticas.

Graduou-se em Comunicação na Escola Superior de Propaganda e Marketing — ESPM em 1980. No início de sua carreira, atua como ilustrador e artista gráfico, se debruça ao estudo de pigmentos e resinas naturais com Marlene Almeida (1942) para aplicar em seus trabalhos como ilustrador, além da dedicação ao estudo de papéis artesanais com Diva Elena Bus (1943).

Em 1984 conclui o mestrado em linguagem, comunicação e semiótica na PUC/SP, com a dissertação O Ruído como Linguagem, com orientação de Décio Pignatari (1927-2012). Em 1995, concluiu o doutorado na mesma instituição com a orientação de Arlindo Machado (1949). Começa a expor em 1977, participando do Salão de Humor de Piracicaba. Em 1987 realiza a primeira exposição de pintura por computador em São Paulo, no Clube de Criação, o que lhe valeu uma exposição no Museu de Imagem e Som em 1988. Publica os livros O Que É Design, pela Editora Brasiliense, e Os Signos do Design, pela Global Editora.

Artista plástico atuante desde a década de 1980, ao longo de seu percurso, foi incorporando o uso da tecnologia e seus signos através de meios eletrônicos, que se desdobram numa significativa produção artística colocando Azevedo como um vanguardista no cenário contemporâneo da arte brasileira.

Em 1998 organiza, edita e é responsável pela produção gráfica do CD-ROM Interpoesia: poesia hipermídia interativa, com poesias de sua autoria e de Philadelpho Menezes (1960-2000). Foi professor do programa de pós-graduação na Universidade Presbiteriana Mackenzie até 2016, quando veio a falecer.

 

1. A cultura digital e as linguagens da arte

O surgimento da cultura digital no Brasil, na década de 90, influenciou de maneira significativa a obra de Azevedo, que a partir de então, passa a explorar essas possibilidades em suas criações.

Tecnologias contemporâneas criam novas possibilidades tanto de representação como expressão. Alguns conceitos surgem por decorrência do surgimento de softwares, equipamentos, computadores, e estes associados a meios de reprodução mais antigos devem ser contemplados como elementos expressivos de linguagem, muitas vezes, bastante peculiares. Estas ferramentas visam orientar quanto aos traços de tecnologia na criação do objeto visível, assim como apresenta a competência expressiva desses meios (Gonçalves, 2005).

Pela obra e experimentações de teóricos e conceitos que se dedicaram a estudar e resignificar a evolução das linguagens artísticas ao longo dos anos, do surgimento da cultura digital e de conceitos que foram incorporados ao universo da arte através do surgimento dos meios digitais, o percurso artístico e procedimental do designer e artista Wilton Azevedo, vai experimentando e descobrindo novas possibilidades, pois "pesquisa é a vontade e a consciência de se encontrar soluções, para qualquer área do conhecimento humano" (Zamboni, 2012:51), assim Wilton penetra no universo digital e na utilização de hipermídias.

Já que podemos ter acesso em qualquer lugar e horaaesses armazéns de signos, arquivos que contêm de maneira parcial e asséptica o conhecimento humano contido em um apertar de um mouse, passou a ser oportuno desvendar esta nova escritura que há muito estamos tendo contato através de videoclipes, vinhetas de televisão, internet, CD-ROM, blog, fotolog e as câmeras de bolso usadas como canetas. Ou seja, o que entendemos hoje por livro, texto e literatura, e suas consequências narrativas, não poderá ser analisado pelos novos suportes digitais — hipermídia — se não voltarmos a nossa atenção para a necessidade maior que o ser humano tem em produzir escrituras com ou sem "o sangue de seu próprio corpo", na intenção de lançar o exercício do efêmero em forma de eterno (Azevedo, 2007:3).

O conceito de hipermídia começa a surgir na década de 60, juntamente com conceitos da tecnologia da informação, sendo potencializado à medida que os computadores passam a fazer parte do cotidiano das pessoas.

O computador pessoal também estendeu a capacidade e viabilizou o desejo humano de interagir, de intercambiar documentação, de comunicar conhecimentos e, pela vida da mídia em que se transformou, comunicar sensações e sentimentos. Os meios de comunicação social — sejam eles a pintura rupestre ou um audiovisual editado eletronicamente — contêm, em si, a natureza simultânea da técnica e da arte, da informação e da sensibilização de sentidos e emoções.

Os meios tecnológicos então penetram e começam a dialogar com outras áreas do conhecimento, como a teoria literária e as produções artísticas, antevendo os impactos que a digitalização do conhecimento traria para o ser humano. Essa relação da arte com os meios tecnológicos foi grande objeto deestudo de Wilton Azevedo.

O artista parte da linguagem poética do desenho, que utilizamos para nos expressar desde a pré-história. Se utiliza de elementos visuais gráficos, como a linha, o ponto e de elementos pictóricos como a cor e a luz e sombra, além do som, que num processo de aglutinação de valores estéticos e sensoriais, desdobram-se em códigos digitais, que somente o código binário do computador pode incorporar. Ainda, transforma o símbolo alfabético, a letra e a palavra em representações simbólicas que o meio tecnológico absorve e os transforma em um conjunto de imagens que se sobrepõem na tela do computador dando um novo significado aos elementos da arte.

Nesse sentido, Lev Manovich alerta para a mudança operada pela tecnologia ser tão decisiva para a produção de obras, como o foi a mudança/passagem da utilização do afresco e da têmpera para o óleo, operada no Renascimento, permitindo novas narrativas.

A programação de computadores, a interface gráfica homem-máquina, o hipertexto, a multimídia computadorizada, a formação de redes (com e sem fio) — concretizaram as ideias por trás dos projetos dos artistas, mas ampliaram-nas muito mais do que o imaginado pelos artistas (Manovich, 2005:49).

Se o artista contemporâneo convive hoje em dia com realidades e naturezas cristalizadas na tela de um computador, sons e imagens, qualquer crítica a esse respeito deve levar em conta a mistura dessas diferentes naturezas. A palavra e a forma devem ser repensadas nas relações técnicas que convivem com elas e que dão visibilidade ao processo de fusão de linguagens na tela do computador, na obra digital.

Timm ainda aponta características fundamentais que norteiam os caminhos dessas relações com os ambientes virtuais.

É verdade inclusive que muitos ambientes virtuais facilitaram o processo de integração de arquivos de múltiplas mídias através de templates, muitas vezes engessadas na concepção de simples menus, o que de certa forma elimina a magia da criação da relação entre sentidos, as vezes ocultos no conteúdo de textos e imagens de várias naturezas, o que talvez tenha regrado um possível fascínio do link que acompanhou muitas produções experimentais, no início da implementação dos hipertextos. (Timm, Schnaid & Zaro, 2004:13).

Nessa transição para o digital, o artista possui projetos emblemáticos, como a edição do CD ROOM interativo em parceria com o poeta Philadelpho Menezes, intitulado POESIA HIPERMÍDIA INTERATIVA, uma coletânea de poemas digitais, entre eles o poema digital Lábios, onde texto, imagens em movimento e sons se fundem no suporte digital criando um novo signo artístico (Figura 1). Essa nova linguagem híbrida, que surge a partir da coexistência do verbo, do som e da imagem, criada por escritores, artistas, poetas e designers, abre amplas e novas possibilidades de entendimento e sensibilidade em torno das próprias linguagens da arte.

 

 

Também o que viabiliza esse convívio entre diferentes matrizes sígnicas é o aparato tecnológico digital. Cabe-nos refletir em que medida essa tecnologia intervém na lógica de funcionamento das linguagens e até que ponto as linguagens nos revelam outro modo de conviver com a tecnologia. O que notamos na ambiência digital é que o significado das palavras e formas não cabe mais somente nelas mesmas. É nesse universo, que Wilton Azevedo busca inspiração e conceituação para sua produção artística.

Há um significado que não mais está ligado a um signo comum ou poético, mas sim a um signo que se mostraem expansão, dilatando-se. O significado está lá, mas só é detectado por seus componentes binários, que estão entrelaçados aos componentes binários do som, da imagem e demais acontecimentos manifestados na tela do computador. Estamos falando de criações que tomam como linguagem a ser articulada aquela do meio de comunicação mais dinâmico dotempo presente, odigital. Sendoassim, oque cabe aoartistaé selecionar e articular essas linguagens para expressar a sua forma poética (Azevedo & Sales, 2012:53).

 

1. Escritura digital expandida

Wilton defende a partir dessas mutações sensoriais, a ideia de escritura digital expandida, onde não temos mais o verbo, a imagem e o som, sendo que essas linguagens se fundem em um único código através de recursos tecnológicos, a própria escritura digital expandida.

E o ambiente digital é, seguramente, um espaço-tempo em que os diferentes campos do conhecimento podem conviver; e não apenas em forma de hipertextos (ligados uns aos outros) sobretudo, criando novos modos de significar e compreender as relações mundanas.

No caso de Volta ao fim (Figura 2), uma possível sofisticação do leitor é desejável na criação literária digital. Se anteriormente precisávamos sair da nossa zona de conforto para adentrarmos os signos da criação artístico-digital, que nos faz contemplar e entender outras formas de nos relacionarmos com o mundo, agora estamos diante uma mídia que nos faz habitar as obras e nos relacionar com várias linguagens simultaneamente.

 

 

Estamos frente a frente com essas escrituras expandidas, diante dessas faces sonoras, de versos táteis e das imagens em movimentos analógicos-digitais (programadas em softwares) e assim podemos redescobrir uma beleza que não nos remeta apenas às explicações acerca de quanto a arte e a literatura nos transformam, mas também que nos proporcione encantamento pelas formas, pelos sons, pelas cores e pelas percepções corporais. Tudo isso sob uma nova ótica de fruição, como na obra Volta ao fim, onde observamos todos esses valores como expectadores por meio de um monitor de computador.

No vídeo Palimpgesto (Figura 3), o artista materializa o percurso onde os códigos gráficos e as linguagens visuais e sonoras, vão sendo subvertidas para o software, ou seja, o dispositivo digital vai incorporando as linguagens e códigos humanos, transformando-os em um único código, o digital. Durante o vídeo, o código da palavra aparece distorcido, fora do seu contexto original, num processo de ressignificação para a plataforma digital, que ocorre a partir do processamento do software, incorporado na linguagem do pixel. O vídeo produzido por Azevedo, registra esse percurso de fusão entre as linguagens e signos materializados no suporte digital.

 

 

Outro vídeo do artista, Encéfalo (Figura 4), mostra a fusão de elementos visuais e linguagens no suporte computacional.

 

 

 

Conclusão

A partir dessas abordagens, podemos concluir que o artista se apropria de diversos elementos visuais: linha, forma, textura, cor, e de diversas linguagens: escrita, sonora, visual, e as subverte para o suporte digital.ao longo de sua carreira.

Esse percurso nos permite percorrer, vivenciar e reconhecer por meio de sua produção artística as possibilidades que as novas tecnologias digitais vêm proporcionando no terreno da potencialidade dos signos da arte e no surgimento cada vez mais claro de um código híbrido, interligando linguagens como som, imagem e texto, que Azevedo explorou no decorrer de seus trabalhos. Ou ainda, dimensionar e explorar como as linguagens expressivas humanas são fundidas e absorvidas pelo suporte digital.

Com o falecimento de Wilton Azevedo em 2016, suas experimentações e sua obra se consolidam, deixando um legado artístico no entrelaçamento entre o gesto gráfico, a escrita, a fusão de linguagens artísticas e seus desdobramentos nos meios digitais.

 

Referências

Azevedo, Wilton (2007). "Poética das hipermídias, uma escritura expandida". Revista Boitatá. ISSN 1980-4504. Nº 4 (jul-dez): 1-17. [Consult. 2017-12-27]. Disponível em URL: http://revistaboitata.portaldepoeticasorais.inf.br/revista/edicao/numero-4-semestre-jul-dez-2007/4        [ Links ]

Azevedo, Wilton; Sales, Cristiano (2012). "A literatura digital e sua escritura expandida: uma reflexão sobre a obra Volta ao fim". Revista Brasileira de Literatura Comparada. ISSN 0103-6963, vol. 14, n. 20: 49-62.         [ Links ]

Gonçalves, Claudio C. Babenko (2005). Para uma an´lise do fenômeno visual. São Paulo: Acadcom Gráfica e Editora. ISBN 85-98437-02-6.         [ Links ]

Manovich, Lev (2005). "Novas mídias como tecnologia e ideia: dez definições" In: Lúcia Leão (org.). O chip e o caleidoscópio: reflexões sobre as novas mídias. São Paulo: Editora SENAC. ISBN 8573594209:25-49.         [ Links ]

Timm, Maria Isabel, Schnaid, Fermando, Zaro, Milton Antônio (2004). "Contexto histórico e reflexões sobre hipertextos, hipermídia e sua influência na cultura e no ensino do Século XXI." Revista Renote Novas Tecnologias na Educação. ISSN 1679-1916. V.2 N.1:1-16. [Consult. 2017-12-27]. Disponível em URL: http://seer.ufrgs.br/index.php/renote/issue/view/930/showToc        [ Links ]

Zamboni, Silvio (2012). A Pesquisa em Arte: um paralelo entre arte e ciência. 4ª edição. Campinas: Autores Associados. ISBN 978-85-85701-64-2.         [ Links ]

 

 

Enviado a 03 de janeiro de 2018 e aprovado a 17 de janeiro de 2018

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: rizollihugo@gmail.com (Hugo Daniel Rizolli Moreira)

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