SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9 número22Ilídio Salteiro: Pensamento, Partilha e Comunicação Visual, a pintura contemporânea como ato de 'Religare'Um recorte da produção gráfica de Nilza Haertel: 1980 a 1990 índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.9 no.22 Lisboa jun. 2018

 

ARTIGOS ORIGINAIS

ORIGINAL ARTICLES

Bego Antón: Em busca de singularidades

Bego Antón: In search of singularities

 

Susana de Noronha Vasconcelos Teixeira da Rocha*

*Portugal Artista Visual.

AFILIAÇÃO: Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas Artes, Centro de Investigação e Estudos em Belas Artes (CIEBA). Largo da Academia Nacional de Belas Artes 14, 1200-005 Lisboa, Portugal.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO:

O presente artigo apresenta e desenvolve uma breve reflexão sobre a obra da fotógrafa basca Bego Antón, nascida de uma curiosidade invulgar por pequenos grupos de indivíduos que partilham crenças, gostos ou estilos de vida peculiares, numa exploração alargada dos comportamentos humanos. Ao longo do texto é analisada não só a sua relação humanizada com o processo fotográfico e com os temas que fotografa, mas também os seus projetos mais significativos. Conclui-se que a obra de Antón é um elogio à singularidade dos indivíduos, e à diferença que enriquece o vasto campo das crenças, atitudes e afetos de um vasto panorama social.

Palavras chave: Bego Antón / fotografia / novo documentalismo / singularidade.

 

ABSTRACT:

The following article presents and develops abrief reflection on the work of the basque photographer Bego Antón, triggered by an unusual curiosity for small groups of people who share peculiar beliefs, likings or lifestyles, in a broad exploration of human behaviors. Throughout the text not only her humanized relation with photography and her subjects of interest are analyzed but also her most significant projects. It is concluded that Antón's work is a singular praise to singular individuals, and to the difference that enriches the vast field of beliefs, attitudes and affections of a vast social panorama.

Keywords: Bego Antón / photography / new documentalism / singularity.

 

Introdução

Bego Antón, fotógrafa espanhola, nascida no País Basco, tem desenvolvido ao longo dos últimos anos um conjunto de trabalhos fotográficos focados em singularidades que unem pequenos grupos de pessoas invulgares pelas suas diferenças, manifestadas através de crenças, estilos de vida, passatempos ou por componentes afetivas da vida humana, que no seu conjunto tornam um individuo único. Em 2017 foi a vencedora do Prémio Revelação PhotoEspaña, com o projeto "Everybody loves to ChaChaCha" (2015), realizado no decorrer uma residência artística na ISCP New York, que documentou uma prática invulgar designada Musical Canine Freestyle, com adeptos em vários estados norte-americanos. Porém, a sua atenção a práticas peculiares inicia-se anos antes, talvez ainda durante a sua formação enquanto Jornalista, que viria a contribuir para a sua capacidade de aproximação empática aos sujeitos que fotografa, e para a sua significativa capacidade de pesquisa inerente e imprescindível em todos dos seus projetos fotográficos.

Docente convidada da EFTI (Madrid) e da IDEP (Barcelona), bem como palestrante frequente de eventos tão significativos como a FotoWeek DC e o Santander Photo, Bego Antón procura que a fotografia seja valorizada não apenas pelo seu resultado, mas pelo processo social ou humano que a ela conduz:

The most important thing of being a photographer is not photography itself but experiencing the process, having access to a world that is different of my own and living an adventure. Talking to the people I meet is more important to me than taking their picture. (Antón, 2018)

No decorrer deste artigo, procurar-se-á não só dar a conhecer o trabalho de Antón, mas também a sua abordagem sensível e humanizada à prática da fotografia, onde cada imagem procura dissecar o comportamento humano e refletir sobre as implicações morais das relações estabelecidas pelo homem, ou despertadas nele, pela natureza e o animal.

 

1. O Animal

In a village in the south of England lives a small group of people who feel very passionate about butterflies and moths; not merely because of their beauty, or their colors, or even the way they move, but because ofall these things together. They know all about their habits and their names in Latin. They collect books on them. They observe and record them. They even grow plants that attract them so as to have them near. Butterfly Days is a love story between humans and butterflies. (Antón, 2013a)

"Butterfly Days" — Figura 1 e Figura 2, foi um dos primeiros projetos de Bego Antón dados a conhecer ao público de forma ampla. Tendo escolhido um pequeno grupo de indivíduos, residentes no Sul de Inglaterra, a fotografa acompanhou as suas práticas em torno de uma paixão original e profunda por borboletas e traças.

 

 

 

 

Ao contrário da crença popular de que este gosto conduz a uma prática colecionista onde "caçadores" de borboletas reúnem os objetos mortos das suas afeições, o grupo inglês escolhe atrair os pequenos seres proporcionando-lhes habitats propícios à sua proliferação, condicionando a vida, a flora e a fauna da aldeia inglesa em torno deste prazer comum.

Em várias imagens delicadas, mas também com um humor subtil subjacente, a fotógrafa parece sugerir que, progressivamente, uma simbiose entre animal e humano, se concretizam, focando-se em aspetos que não só mostram a beleza deste relacionamento e do seu contexto natural, mas também o modo como os apaixonados por borboletas, em breves momentos, metamorfoseiam alguns dos seus atributos.

O fascínio pelo modo como humano e animal se relacionam, instigaria novos projetos fotográficos cada vez mais focados na dualidade deste relacionamento. Antón diria durante uma entrevista para a World Press Photo Foundation:

I want to think about the different ways we relate to our pets, and how we sometimes tend to humanize those animals, not in a conscious way. We treat them as if they were humans. (…) Some of them are part ofour lives, some we really like, some we hate; them there are animals we use only to eat, and there are animals we use for entertainment. There's a whole world of relations with animals. (Antón, 2014)

O projeto "Ugly Mugly" (2014) — Figura 3 e Figura 4, nasceria em seguida, no contexto de uma Masterclasse Joop Swart (World Press Photo Foundation), focando-se no animal que ficou conhecido, num concurso realizado na Califórnia, como o cão mais feio do mundo. Pretendendo reflectir "on how what is close and important to us can change our perceptions in terms such as beauty" (Antón apud Cohan, 2015), a fotografa tornou-se próxima do cão (um cão de crista chinês, sem pelo, e com garras difíceis de cortar) e da sua dona, envolvendo-se e retratando a vida de Mugly enquanto um novo tipo de super-estrela canina, com uma vida tão próxima à do ser humano quanto possível:

He is the ugliest dog in the world because he won a context in California back in 2012, and since that moment his life changed and he became kind of a movie-star. He is not an ordinary dog. I mean… He's been married, and divorced, he is the master of the fancy dress competition, he has cake for his birthday… (Antón, 2017)

 

 

 

 

Para Antón esta tentativa de conversão do animal, num ser humanizado é, mais que uma excentricidade, um ato de amor — constituindo uma revelação de aspetos pouco considerados da afeição humana. Ainda que algum sentido de humor esteja novamente presente, no seu relato visual, mesmo nas situações mais kitsch em que Mugly participa existe sempre um profundo respeito pelo animal e pela sua dona, para quem Mugly é parte significativa da família.

A fotografia serve assim para que Bego Antón experimente mundos, por vezes privados, que de outra forma não lhe seriam acessíveis, num fascínio tornado matéria fotográfica pelo que, a outros, se apresentaria como estranho, ridículo ou risível, mas que no seu entender é uma aventura numa dimensão paralela à sua realidade, onde cão e humano estabelecem uma relação tão igualitária (ainda que co-dependente) quando possível.

O universo canino voltaria a surgir no seu projeto de maior divulgação até hoje: "Everybody loves to ChaChaCha" (Figura 5). O título nasce da música homónima de Sam Cooke, que conta como saindo com uma namorada, esta lhe revela ser incapaz de dançar ChaChaCha — acabando a noite, contudo, a dançar melhor que o próprio.

 

 

"Everybody loves to ChaChaCha" de Bego Antón conta, por sua vez, a história de mulheres que dançam com cães, ou, como a própria afirma: "we can say it the other way arround: the story of dogs who dance with ahuman." (Antón, 2016) Tendo no horizonte uma residência artista em Nova Iorque, Antón investigava uma considerável amplitude de tópicos quando, sem saber como, se deparou no YouTube com um dos duos cão/humano, dançando ao com do uma música do filme "Grease" de Rendal Kleiser, descobrindo assim a prática Musical Canine Freestyle, com adeptos centrados sobretudo nos Estados Unidos da América, tendo decidido focar toda a sua residência neste fenómeno.

For me it was really important to saw the bond that these humans and dogs have together. I consider that I found a sport or an activity that puts humans and dogs at the same level. That's why I use to say that is about a dog dancing with a human, and I don't use the word 'owner' (…) This is not possible without the dog, the same way that is not possible without the human, and I find this unity so beautiful. (Antón, 2016)

A fotógrafa passou meses em viagem pelos Estados Unidos, visitando, conhecendo e partilhando dias com os adeptos desta modalidade, ganhando a sua confiança e as dos animais e fazendo-os sentir confortáveis com a lente da sua câmara. À semelhança do que acontece em "Ugly Mugly", um conjunto de imagens delicadas, prestam homenagem a um relacionamento invulgar, com parcerias inesperadas, habitualmente acompanhadas por um vídeo que explicita o movimento adivinhado nas imagens estáticas — Figura 5.

I consider each project has its own necessities. (…) The most important thing in the project is the movement, so I knew, from the very beginning, that I needed to record that movement and that the right format for the story was a documentary. I shoot the movement with video but I kept taking the pictures with my usual camera. It was complicated because the process was intense, I was doing everything by myself. (Antón, 2018)

Sobre o fenómeno Musical Canine Freestyle, Bego Antón acrescentaria que a beleza está na liberdade do erro que, instrumentalizado por humanos e cães, compõe uma coreografia simbiótica, onde a compreensão mutua do distinto papel de cada participante ganha sentido, numa aparentemente prática prazerosa para ambos, que encontra um ritmo próprio com momentos de notável coordenação.

 

2. O Invisível

Apesar de partir sempre da realidade, uma das componentes mais sedutoras do trabalho de Bego Antón, é também a sua capacidade de ficcionar o invisível. Caso exemplar foi o projeto "The Earth is only a little dust under our feet" (Figura 7, Figura 8), que explorou as crenças em seres mágicos por parte da cultura islandesa, ou "Los de Arriba" (Figura 6) composta por uma série de retratos de indivíduos que acreditam ter avistado OVNIS, projeto esse que continua em aberto, com uma continua recolha de relatos por parte da fotógrafa.

Los de Arriba es un proyecto sobre personas que han tenido experiencias extraordinarias. Han visto ovnis, han sido abducidos, contactados desde el más allá o han sufrido visitas de dormitorio por seres de otros planetas. (Antón apud García, 2015)

 

 

 

 

 

 

"Los de Arriba" mostra um conjunto de imagens de habitantes da Catalunha que acreditam ter tido contacto com objetos e seres extraterrestres. Uma vez mais, os interesses e crenças de pequenos grupos que considera especiais, levam a Antón a um genuíno fascínio pela apresentação de uma narrativa fotográfica onde, através de elementos como a luz artificial, tenta traduzir na imagem uma aproximação visual a algo invisível — Figura 6. São também apresentadas imagens de documentos e anotações de algumas das testemunhas ou vitimas destes eventos extraordinários, que registam com pormenor, recorrendo a relatórios, esquemas ou desenhos, os estranhos acontecimentos.

Mais revelador foi, contudo, "The Earth is only a little dust under our feet" (Figura 7), projeto que aguarda para 2018 a publicação em foto-livro. Durante 2 meses, Bego Antón refugiou-se numa vila do Norte da Islândia, onde contactaria com inúmeros habitantes que, acreditando em seres mágicos, como elfos e gigantes, mostrariam à fotógrafa como no seu dia a dia encontram formas de conviver com estas criaturas míticas invisíveis para os demais.

Most of the Icelandic people believe in the beings from the Earth: elves, trolls, fairies, huldufolk, monsters and ghosts. I met dozens of people who have the gift and I went from the north to the south of the country to find their homes and hidden places. Every new landscape confirmed that if there is a place to believe in magic, Iceland must be the place. (Antón, 2013)

Captar seres para si invisíveis, seria um novo desafio para Antón, que procuraria simular as imagens descritas pelos islandeses, alimentadas sobretudo por pressentimentos ora ameaçadores, ora de particular comunhão com a paisagem de um país, geológica e topograficamente, distinto de qualquer outro. Mais que captar os mágicos seres, Bego tentou identificar o poderiam ser considerados vestígios por eles deixados, que há séculos são interpretados erespeitados pelos islandeses, que modificam a sua vida pessoal e em comunidade em função destas formas paralelas de existência, que alimentam muita da mitologia e cultura do país.

 

3. O Processo

Como tornado explicito ao longo deste texto, nem sempre os temas que interessam a Bego Antón, são os mais fáceis de ecoar num público amplo. Este facto levanta à fotógrafa algumas dificuldades no que respeita à apresentação credível dos seus intentos:

My topics have no place in usual media so it's usually very hard having people trust them before they are actually finished. My interest is very particular. People don't really understand how a woman can dance with a dog until they see the pictures, or is hard to take a man seriously if he believes in elves. But I always trust 100% all of the people I meet. I believe their truth. And I think that, until there's no proof that something is true, all versions of that truth are possible. I find it very disrespectful when people critic others for their beliefs, no matter which that belief is. (Antón, 2018)

Esta abertura ao outro, por mais único que ele possa ser, caracteriza e define a fotografia de Bego Antón. A sua busca por singularidades é, deste modo, mais uma busca por indivíduos e pelas suas histórias, do que por boas imagens. No entanto, as excecionais imagens que cria nascem deste humanismo que as molda e as faz acontecer, traduzindo o tempo e o cuidado nelas investido.

Talking to the people Imeetismoreimportant tomethan taking their picture; sometimes I don´t even take a picture! I try very hard to understand them and ask them a ton of questions. I'm very curious and I love knowing, I usually take notes while I meet these people and then, after chatting and creating a confidence atmosphere, I photograph them. And spending that amount of time talking to them make them trust me and we get to know each other a bit. For me, going into someone's home, taking a picture in five minutes and leaving doesn't make any sense. My favorite part is to get to know them. And while we talk, the picture comes to my mind. That's my process. (Antón, 2018)

Classificar o seu trabalho será sempre, como a pópria refere, uma tarefa árdua: "I always have a hard time trying to label my work so I never do. But if I have to chose a name, I would say my work is new documentalism. My topics are usually part of reality, but an unknown reality." (Antón, 2018)

Neste sentido, talvez não surpreenda uma recente abertura de Antón a um novo trabalho que poderá acrescentar novas vertentes ao seu processo de trabalho, "All of them Witches" — uma recriação visual que se foca num período histórico negro no País Basco: a inquisição e a morte na fogueira de mulheres consideradas bruxas.

"There is no photographic proof of that period so I had to find inspiration in art and film, so I'm having the time of my life. I really enjoy getting information about the period." (Antón, 2018). Pela primeira vez, os testemunhos recolhidos por Antón não são diretos; pelo contrário, os únicos registos escritos de eventos da época foram produzidos pelos inquisidores ou por historiadores sem relações pessoais com as mulheres em questão. Antevê-se assim a abertura a uma nova forma de trabalho, que poderá refletir-se em fotografias que, necessariamente serão cada vez mais ficcionadas ou construídas, ainda que num estilo documental.

 

Conclusão

Bego Antón propõe pensar a fotografia como uma descoberta pessoal partilhada e uma aventura visualmente estimulante. Acreditando que o que melhor nos define é o que nos torna diferentes, e nutrindo uma curiosidade profunda por essa diferença individual que convoca para a condução do seu próprio processo de trabalho, a fotógrafa procura que cada um dos projetos fotográficos que abraça, contribuam para uma aceitação que mais não é que um elogio às singularidades que enriquecem o vasto campo das crenças, atitudes e afetos que compõem a condição humana.

 

Agradecimentos

Bolseira de doutoramento FCT, Fundação para a Ciência e Tecnologia, Portugal.

 

Referências

Antón, Bego (2013a) Butterfly Days. [Consult. 2017-12-28] Disponível em URL: http://begoanton.com/butterfly-days/        [ Links ]

Antón, Bego (2013b) The Earth is only a little dust under our feet. [Consult. 2018-01-03] Disponível em URL: http://begoanton.com/the-earth-is-only-a-little-dust-under-our-feet/        [ Links ]

Antón Bego (2016) Photographer Bego Antón travels the U.S.. [Consult. 2018-01-03] Disponível em URL: https://www.youtube.com/watch?v=XgLkapGYOh0&t=1s        [ Links ]

Antón, Bego (2017) Bego Antón. [Consult.2018-01-02] Disponível em URL: https://www.youtube.com/watch?v=DEyQcEr1d_I        [ Links ]

Cohan, Michelle (2015)'The world's ugliest dog' isn't so ugly. [Consult. 2018-01-02] Disponível em URL: http://edition.cnn.com/2015/01/08/living/cnnphotos-ugly-mugly/index.html        [ Links ]

García, Cristina (2015) Bego Antón, la verdad esta ahi fuera. [Consult. 2018-01-03] Disponível em URL: https://algunasplantasraras.wordpress.com/2015/01/15/13744/        [ Links ]

 

 

Enviado a 04 de janeiro de 2018 e aprovado a 17 de janeiro de 2018

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: susanavrocha@gmail.com (Susana Rocha)

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons