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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.9 no.22 Lisboa jun. 2018

 

ARTIGOS ORIGINAIS

ORIGINAL ARTICLES

Corpo, performance e colonização na fotografia de José Juliani

Body, performance and colonization in the photographic work of José Juliani

 

Fernando A. Stratico* & Ronaldo Alexandre de Oliveira**

*Brasil, Performer/Docente/Pesquisador.

AFILIAÇÃO: Universidade Estadual de Londrina. Rod. Celso Garcia Cid, s/n — Campus Universitário, Londrina — PR, 86057970, Brasil.

**Brasil, Arte Educador/Docente/Pesquisador.

AFILIAÇÃO: Universidade Estadual de Londrina. Rod. Celso Garcia Cid, s/n — Campus Universitário, Londrina — PR, 86057970, Brasil.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO:

Esse artigo apresenta análises de imagens históricas dos processos da colonização da cidade de Londrina/Paraná/Brasil, delineadas pela importante obra fotográfica de José Julinani. Buscou-se identificar a dinâmica dos fenômenos performativos presentes nas imagens fotográficas deste fotógrafo e como essas imagens revelam aspectos pouco observados da história da formação dessa que é hoje uma grande metrópole. Trata-se da performance corporal articulada e construída com fins ideológicos específicos. A pesquisa revela intenções e corpos performativos regidos pela dinâmica do capital e extrativismo.

Palavras-chave: Performance fotográfica / corpo colonizado / José Juliani.

 

ABSTRACT:

This article presents analises of historical images of the processes of colonizalion of de city of Londrina/Paraná/Brazil, designed by the important work o photographer José Juliani. The purpose was to identify de dynamics of performative phenomena which are present in Juliani´s works, and how such images reveal aspects that are little observed by the history of the formation of this city, nowadays a densily populated town. The centre of such photographic construction is the bodily performance which is articulated for specific ideological means. Thus, this research reveals intentions and performative bodies that are guided by the dynamics of capital and extractivism.

Keywords: Photographic performance / colonized body / José Juliani.

 

1. Introdução

Esse artigo objetiva apresentar ações desencadeadas pelo projeto de pesquisa Objeto, Memória e Performance, que vem sendo desenvolvido no Departamento de Música e Teatro da Universidade Estadual de Londrina, contando com professores e estudantes dos Departamentos de Arte Visual e Design de Moda da mesma Universidade. Valendo-se de imagens históricas, o projeto busca identificar a dinâmica dos fenômenos performativos presentes nas imagens fotográficas da colonização de Londrina, realizadas por fotógrafos que documentaram distintos momentos da colonização do norte do Paraná. Nosso foco de pesquisa tem sido a performance fotográfica gerada nas primeiras décadas da colonização de Londrina. Notadamente, as obras fotográficas de Haruo Ohara, Armínio Kaiser e José Juliani são expoentes do exercício da fotografia do período, seja como registro — muitas vezes oficial — ou como criação pessoal.

A partir de estudos anteriores (Stratico e Oliveira, 2017) sabemos que a cidade de Londrina, no Estado do Paraná, surgiu da iniciativa privada, especificamente dos investimentos do capital britânico. Primeiramente, tal iniciativa se dá como posto avançado de um projeto britânico em 1929, e, posteriormente, como a criação do município de Londrina que ocorreu em 1934. Seguindo as políticas econômicas colonialistas britânicas típicas da virada do século XIX para o XX, os investimentos no Brasil seguiram a cartilha expansionista do alto capital estrangeiro. Representado pela Paraná Plantations, a iniciativa do capital estrangeiro não tinha outro propósito senão empreender atividades lucrativas para os seus investidores, assim como acontecia em outros continentes e colônias britânicas. A contrapartida desta negociação não ia muito além da construção da via férrea por entre a mata densa e a fundação de povoados.

Desse modo, o propósito desse artigo é apresentar e refletir sobre os modos como o fotógrafo José Juliani, a serviço e encomenda da Companhia de Terras Norte do Paraná que, empenhada em comercializar essas terras, constrói, além de imagens de uma natureza e terras exuberantes, imagens de corpos, que na saga do "progresso", performam e constroem imagens de abundância e trabalho na saga da colonização.

 

2. Desenvolvimento: o fotógrafo e suas imagens

José Juliani, de origem italiana, nascido no interior do Estado de São Paulo, mudou-se para Londrina(Paraná) em 1933. Na cidade de Londrina, estabeleceu-se como fotógrafo profissional. Ainda em 1933, foi chamado pela Companhia de Terras Norte do Paraná a cobrir a ausência momentânea do fotógrafo oficial da companhia, que fora impedido de assumir um compromisso (Boni, 2011). A partir dessa experiência, Juliani assume o posto oficial de fotógrafo, o que durará por uma década (1933 a 1944).

José Juliani foi partícipe de uma grandiosa elaboração fotográfica que serviu aos interesses econômicos da Companhia de Terras Norte do Paraná, esse poderoso empreendimento de capital britânico responsável pelo processo de ocupação e colonização de Londrina, nas décadas de 1930 e 1940.

Ao mesmo tempo, sua obra é inestimável registro histórico do período. Inegavelmente, suas imagens dão vazão às intenções da Companhia que se esmerava no marketing de seus negócios, não poupando recursos até mesmo na contratação de fotógrafos como Juliani, para a permanente produção de imagens da saga norte–paranaense. Sua missão como fotógrafo era a de construir imagens fotográficas que pudessem dimensionar aquilo que a companhia queria vender, isso é, a grandiosidade e o progresso do lugar. Essas imagens serviram a fins propagandístico e publicitários. De acordo com a historiadora Angelita Marques Visalli:

Como fotógrafo contratado, apresentou a imagem positiva dacidade em crescimento, de um progresso sem contra-argumentação. Juliani apresentou visualmente o ideário do empreendimento colonizador. Tratam-se de imagens posadas, registros intencionais que compunham o processo de transformação dessa região — a evolução da paisagem local, o avanço das construções, as modificações do espaço, refletindo claramente aidéiade progresso econômico, de desenvolvimento. Essapreocupaçãose revela especialmente na realização de imagens panorâmicas. (Visalli, 2011:8)

Deste modo, suas imagens articulam aspectos variados da imagem da colonização, tais como,a tecnologia do trem de ferro, a robustez das recentes construções, a grandiosidade da natureza e a fertilidade do solo, como podemos ver na (Figura 1) em que grandeza e imponência estão construídas na imagem de Maria, sua filha, que, colocada ao lado de uma couve-flor, demonstra a força da terra, o grau de sua fertilidade, que bastando a derrubada da mata, estava pronta para o plantio. Aliada à grandeza somava-se a chegada das tecnologias como o trem de ferro (Figura 2), os automóveis e aviões.

 

 

 

 

Grande parte da produção de Juliani esteve voltada para esta urbanização crescente que tornava o lugar viável e habitável — um paraíso que se expandia. Nesta imagem da estação ferroviária de Ibiporã (Figura 2) a mata ainda permanece ao fundo, provando indubitavelmente que este é um lugar desbravado recentemente. A linha do trem penetra este espaço primitivo e virgem, que também apresenta a urbanização crescente e necessária representada pela construção da estação e pela presença humana. A imagem parece dizer: "aqui há transporte, riqueza e civilização".

Além da esfera da grandiosidade e exuberância da natureza e do progresso eminente, Juliani articula o registro e visão sobre o homem — corpo colonizado e do mesmo modo o corpo e individuo colonizador, que de maneira evidente (óbvia até), protagoniza as ações de direto contato com a natureza.

Embora óbvia, essa presença não apresenta o mínimo de questionamento, ou consciência crítica. Nos bastidores da derrubada da mata, o trabalho semiescravo dava sustentação aos empreendimentos grandiosos de extração da madeira, sob a égide oficial da Companhia de Terras Norte do Paraná.

A investigação sobre a performance fotográfica como aqui proposta nos encaminhou inevitavelmente ao reconhecimento de construções ideológicas diversas que articulam visões de mundo especificas. Há nos retratos, no objeto-imagem produzido no período, noções diversas cujas implicações vão além do mero registro histórico: corpos humanos colonizados, como os de peões gaúchos, mineiros e paulistas estão presentes nesta saga do que foi considerado um Eldorado. Corpos colonizadores como os das figuras imponentes dos funcionários da Companhia de Terras Norte do Paraná (Figura 3).

 

 

A Figura 3 mostra quatro homens sentados no topo de uma pequena escada de madeira que, ao que indica, leva a um alpendre, típica construção das casas de péroba e pinho construídas duranrte a colonização de Londrina. As legendas atribuídas a essa foto indicam: "funcionários da Compnhia de Terras Norte do Paraná", e também "Quatro pioneiros da gema (Schneider, Larionoff, George Varig Smith e Luiz Estrela".

O porte físico, cor da pele e vestimentas atestam a origem e função no contexto social especifico da colonização. São estrangeiros que se aventuraram a trabalhar no coração da mata. Como agentes do capital, e, embora não sejam propriamente os senhores do empreendimento, homens como esses representam o poder financeiro que se instalou nessas regiões. E como tais, representam a organização financeira a partir do seu escritório. São homens saudáveis, cuja tez demonstra o trabalho protegido do sol e imtempéries. Roupas limpas e alvas caracterizam o trabalho acéptico e o desempenho com a venda, escrituração e documentação com o empreendimento.

A pausa para a foto articula uma suposta e provável tranquilidade e até mesmo uma inocência infantil indicada pelo despojamento de homens que se sentam ao chão como crianças. Serenamente, posam para a foto de Juliani à entrada do escritório, lugar seguro, longe de cobras e mosquitos. Protegidos estão seus corpos que se enquadram no universo urbano recém criado. Nesse pequeno mundo, não há toras de madeira caindo pesadamente, não há animais selvagens, nem silvícolas, tampouco há suor das lidas árduas com o machadoe a serra. Símbolo supremo desse poder de proteção são as botas de montaria, impecavelmente lustrosas que todos exibem em primeiro plano. Protegidos estão para qualquer caminhada ou deslocamento, seja para cavalgar, entrar no mato ou pisar na terra vermelha. Como pouco disso deveria acontecer, as botas funcionavam na imagem como símbolos de proteção e capacidade de ir, de avançar, sem contudo, se ferir. Símbolo de um poder masculino, as botas impunham noções de origem, poder financeiro e autoridade.

Diferentemente daqueles corpos dos funcionários da Companhia como vimos na Figura 3, vemos na Figura 4 peões com seus machados em punho prontos para trocar um dia de trabalho por um prato de comida e algum pagamento. Desprovidos de terras, ou de qualquer outra propriedade, os peões podiam ser considerados como errantes sonhadores que buscavam a fortuna no Eldorado Paranaense. Serviam apenas sua força física para a entrada na mata, a derrubada e transporte dos imensos mognos, perobas e pinheiros.

 

 

Corpos esquálidos, porém fortes, sustentavam-se de caças de macacos, cotias, nambus, preás e da benevolência do palmito (abundante palmeira da região). Sem paradeiro, podiam estar um dia num sítio, e outro em lugar distante, sempre a serviço do capital exploratório e extrativo. Sua força bruta física era extraída por esse capital do mesmo modo que o máximo era extraído da mata ou das próprias árvores.

A pausa do trabalho era muito pequena, pois sempre havia muito a se explorar. Mas Juliani consegue a proeza de interromper os machados ao pé da grande peroba para que se captasse e registrasse o início do corte da árvore. Sem nenhum amparo social, sem qualquer proteção do Estado, que de algum modo zelasse pela segurança, saúde e bem estar, esses homens servem apenas ao comando e interesse do capital (nacional e estrangeiro). O corpo humano, nesta perspectiva é apenas uma fonte mecânica de energia que devia ser explorada em sua máxima potência.

O tímido corte no tronco da árvore não revela a verdadeira força e capacidade de derrubar, serrar, arrastar, etc. para que divisas fossem geradas na progressiva comercialização da madeira. Juliani conseguiu a performance desses corpos no contexto da narrativa da grandiosidade e pujança. Os enunciados embutidos na imagem enfatizam as afirmações que enaltecem a riqueza potencial da mata, que homens cortam como se fossem frágeis troncos de papel.

Os corpos, nesse início de corte, não apresentam cansaço, também não apresentam qualquer argumento sobre o que estão fazendo. Simplesmente exercitam a tarefa que lhes foi imposta, que ao final do dia, certamente deverá estar completa. Juliane interrompe o ritmo frenético dos machados coordenados em sons surdos e densos não exatamente para mostrar corpos colonizados, mas para mostrar a possível e viável extração de riqueza fácil e disponível nesse extenso Eldorado. Bastando o clique da câmera as ações retornariam e o corte iria se avolumando, até que a árvore tombasse. Anônimos peões (força bruta e motriz) ocupa um espaço à margem da narrativa preponderante de "progresso e pujança", embora saibamos que estes braços geraram as tais riquezas tão procuradas.

 

Considerações Finais

O estudo em análise de imagens como estas, tem nos apresentado corpos humanos em contraste com o domínio absoluto sobre a natureza, que subjugada e destruída, deu lugar a um suposto progresso. Corpos ufanistas e propagandistas em contato com os grandes frutos da terra estiveram a serviço da propaganda das riquezas do novo Eldorado que alcançou vários continentes, tendo como resultado a vinda de grandes levas de imigrantes alemães, italianos e japoneses, além de outras etnias. Essas performances foram articuladas no calor das lidas diárias e na correria do vai-e-vem da extração da madeira, da agricultura, da construção civil e também das celebrações.

Sobretudo, e em sua maior parte, tal articulação performativa se situa entre a realidade do confronto com a natureza e os percalços da colonização. A construção ideológica e ilusória do Eldorado fazia tudo passar por "natural" e "bom". Era considerada "natural" a exploração desenfreada da madeira e a extirpação da floresta. Era "natural" a dizimação dos "selvagens" ou seu afastamento e redução em exíguos territórios. Era "natural" que o capital estrangeiro britânico se avolumasse com a compra de terras a preços de banana no balcão do Estado, e a venda de milhares de lotes. Era ainda "natural" o confronto com posseiros que eram expulsos a bala. Assim como era "natural" que a mata Atlântica desse lugar à agricultura e às grandes cidades como Londrina. Conforme nos mostram investigações históricas mais recentes, como as de Nelson D. Tomazi, existe uma história falseada que foi elaborada para justificar todos esses atos terríveis que caracterizaram essa ocupação (Tomazi, 2000).

O corpo colonizado a tudo isso achava "natural" e obedecia, mesmo que em sua essência ainda se preservasse manifestando sua própria identidade. Gaúchos com seus lenços no pescoço e faca na algibeira, afirmavam na vestimenta suada o seu porte de origem, e ali mesmo, na imagem, testemunhavam que eram atores de um sonho — a quimera do enriquecimento em terras paranaenses. E apesar desse enunciado contido no corpo e nos trajes, esses homens subjugados pelo trabalho semi–escravo colocavam-se como marionetes a serviço da imagem pujante em permanente construção.

Análises de imagens do corpo colonizado ou do corpo imponente colonizador são oportunas nesse processo de releitura da nossa história recente, pois oferecem elementos que estão ocultos na imagem e também na escrita historiográfica. Primorosa, a obra fotográfica de José Juliani testemunha e aponta para outros pontos de vistas e performances que a história ofical insiste em não revelar.

 

Referências

Boni, Paulo César. (2011) "José Juliani, o "documentador" das transformações urbanas do início de Londrina." In: Yamake, Aurea Keiko; Oliveira, Celia Rodrigues (Org) (2011) Coleção Fotográfica José Juliani: Universidade Estadual de Londrina e Museu Histórico de Londrina. Londrina: Universidade Estadual de Londrina,. 119 p.(Londrina Documenta 2) ISBN:978857846088 — 4. Disponível em: http://museu.mediasystems.com.br/uploads/pagina/arquivos/Documenta_2. Acessado em 2017-12-17.         [ Links ]

Stratico, Fernando; Oliveira, Ronaldo Alexandre de. (2017). "Transcriação e formação em arte a partir da obra fotográfica de José Juliani." Revista Digital do LAV. Santa Maria, ISSN 1983 — 7348. Vol. 10, n. 3, set./dez. http://dx.doi.org/10.5902/1983734830529        [ Links ]

Tomazi, Nelson Dacio. (2000) Norte do Paraná: Histórias e Fantasmagorias. Curitiba: Aos Quatro Ventos,. ISBN 8586534358        [ Links ]

Visalli, Angelita Marques. Coleção José Juliani. (2011) In: Yamake, Aurea Keiko; Oliveira, Celia Rodrigues (Org) (2011) Coleção Fotográfica José Juliani: Universidade Estadual de Londrina e Museu Histórico de Londrina. Londrina: Universidade Estadual de Londrina,. 119 p.(Londrina Documenta 2) ISBN:978857846088 — 4. Disponível em: http://museu.mediasystems.com.br/uploads/pagina/arquivos/Documenta_2. Acessado em 2017-12-18.         [ Links ]

 

 

Enviado a 31 de dezembro de 2017 e aprovado a 17 de janeiro de 2018

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: roliv1@gmail.com (Ronaldo Alexandre de Oliveira)

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