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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.9 no.21 Lisboa mar. 2018

 

ARTIGOS ORIGINAIS

ORIGINAL ARTICLES

A experiência da Cor em Paulo Pasta

The color experience in Paulo Pasta

 

Ariane Daniela Cole*

*Brasil, artista visual.

AFILIAÇÃO: Universidade Presbiteriana Mackenzie, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, curso de Design. R. Itambé, 143 — Higienópolis, São Paulo — SP, 01302-907, Brasil.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO:

O presente artigo desenvolve um breve panorama sobre a obra do importante pintor brasileiro contemporâneo Paulo Pasta, intencionamos também identificar suas motivações no desenvolvimento de seu percurso, suas referências, assim como as principais características de seu fazer artístico. Este trabalho, se apresenta em um momento muito desafiador, quando o artista, sempre em busca de uma coerência interna em seu trabalho, decide trazer de volta pinturas de paisagem de sua origem, de sua terra natal.

Palavras chave: Paulo Pasta / Pintura / Brazil.

 

ABSTRACT:

This article presents abrief overview on the work of the important contemporary Brazilian painter Paulo Pasta, also seeking to identify his motivations in the development of his career, his references, as well as the main characteristics of his artistic work. This work presents itself in a very challenging moment, when the artist, always in search of an internal coherence in his work, decides to bring back landscape paintings of his origin, of his native land.

Keywords: Paulo Pasta / Painting / Brazil.

 

Introdução

Lembro vivamente do dia em que fui visitar a primeira exposição de pinturas de Paulo Pasta em 1984, importante pintor paulistano cuja obra acompanho com atenção desde aquele momento. Já nesta primeira exposição, do então jovem artista, podíamos identificar as bases sólidas de uma pintura que se estruturaria na tradição da pintura, em diálogo, sobretudo com as obras de Matisse, Morandi e Volpi, entre outros e na pesquisa da cor e da atmosfera, já presentes naquelas paisagens realizadas em guache sobre papel.

Com Cézanne, o artista compreendeu a natureza construtiva do trabalho em pintura, mediado pela forma e pela cor numa elaboração de caráter mental. O seu amadurecimento o levou ao desenvolvimento de um trabalho marcado pela simplicidade, concisão, densidade, de formas enxutas, cores discretas e pinceladas econômicas.

Muito já se falou do caráter intelectual, mental do desenho, seu caráter projetivo em contraponto ao caráter sensorial, material, corpóreo da pintura. O dilema entre a forma e a cor, desenho e pintura em Matisse, ecoou no desenvolvimento do trabalho de Pasta. Embora o artista use o recurso do desenho para pensar sua pintura, podemos verificar em sua busca uma profunda associação entre desenho e pintura, tornando-as, forma e cor, interativas, indivisíveis e amalgamadas. Para o artista ambos desenho e pintura podem ser olhados do ponto de vista do tempo, enquanto o desenho é mais rápido e preciso, a pintura é mais lenta, cumulativa, duradoura. "Precisão e acúmulo, casamento de risco e condensação. " (Pasta, 2012:101)

Assim, para este artista, o desenho, também elaborado lentamente ao longo da construção de sua obra, traz consigo um caráter ético, de fundamento, investido de probidade, de inescapável honestidade cuja associação com a cor seria capaz de condensar "todos os estados do pintor".

 

1. Do desenvolvimento da obra

No desenvolvimento de sua obra vimos a continuidade desta pesquisa se estabelecer em obras que se configuram em estruturas aparentemente abstratas mas que remetem a questões intrínsecas da paisagem, onde figura um desejo de construção espacial constituída tanto pelo desenho como pela cor.

Ao final da década de 80, com o acréscimo da cera de abelhas à tinta a óleo, eleita desde o início na confecção de suas pinturas sobre tela, a pintura ganhou espessura, onde cada camada apagava parcial ou inteiramente a camada anterior, as formas raspadas na última camada, revela vestígios de cores submersas, tal qual um palimpsesto, em uma arqueologia do fazer, nos falam de tempos sobrepostos, de memória e de um mergulho na interioridade. As formas remetendo a elementos arquitetônicos como ogivas, arcos, frontões, já indicavam os caminhos que a obra iria tomar, lenta e densamente.

Na série "Cacos", voltou-se para o chão de cacos de cerâmica de seu ateliê, aqui no lugar de retirar apenas acrescentava mais tinta em sutis passagens tonais. Depois de 5 anos voltou às formas eretas e construtivas, o que se estabeleceria até o momento presente.

Inicialmente, na década de 90, o que parecia ser o espaço entre arcos, se aproximava do desenho de colunas (Figura 1), apresentaram não somente suas formas mas uma configuração espacial que se consubstanciava, apontando caminhos para a busca da construção de uma atmosfera.

 

 

Neste período pudemos ver um deslocamento cromático, antes somente na faixa das cores quentes entre amarelos e vermelhos, agora dava espaço para a entrada de azuis, violetas, castanhos. Dos "arcos" aos "piões", o artista se concentrou nas formas, que se desdobraram em ampulhetas, cálices, expandiram o trabalho com as cores que ganhou em potência e saturação.

Para Paulo Pasta, nestas passagens de uma cor a outra, de um motivo a outro, se revela um dos vetores mais importantes para compreender a sua obra.

A partir de 2004 deu início a uma série que ele intitula "vigas" (Figura 2). Destas estruturas que lembram vigas e colunas, surgiram as "cruzes" pelo deslocamento das vigas para baixo. A partir daí, com a obliteração de partes das figuras, ele exacerba a indistinção entre figura e fundo, o jogo entre cores e formas se torna mais ambíguo, ganhando esta série o nome de "funâmbulos", que quer dizer "o homem que caminha sobre a corda bamba". Para Mammi (2015), este jogo que o artista estabelece entre estruturas, espaços e cores, esta ambiguidade e oscilação, nos remete à volatilidade de nossa experiência contemporânea.

 

 

Seus trabalhos, segundo o artista, buscam construir um lugar. Trata-se de um lugar de suspensão, que nos exige tempo de apreciação, tempo da cor ser elaborada, penetrar, impressionar nossos sentidos, e nos devolver à memória. Ao longo destes anos foi possível acompanhar o desfilar destas cores cuidadosamente construídas, cristalizadas nestas estruturas, que por sua vez, nos remetem a lugares-cor.

Minhas cores são compostas, vêm de uma paleta derivada, isto é, são cores feitas a partir da paleta física, das cores físicas. Gosto delas quando abandonam suas características industriais, quando passam pelo processo daexperiência, quando podem vir a se transformar em outras, quando se modificam pela vizinhança, quando somaram e sofreram mutação (Pasta, 2012: 116-117).

O que pintar, a questão do motivo, é outra questão que mobiliza o pintor, que se empenha na busca da constituição de um sistema, capaz de gerar uma coerência interna na obra, assim como o fizeram, a título de exemplo, Matisse com as relações entre desenho e cor, Jasper Johns com seus motivos, Alfredo Volpi com suas tonalidades, Sean Scully com sua vibração, entre outros.

 

2. Paisagem

Todavia, para nossa surpresa, no ano de 2015, Paulo Pasta inaugura duas exposições: Fábula da Paisagem, onde apresentava paisagens de sua terra Natal e Há um Fora Dentro da Gente e Fora da Gente um Dentro, apresentando as duas vertentes de sua obra (Figura 3, Figura 4 e Figura 5). Tais exposições apresentando paisagens ainda demandam reflexão e análise, sobretudo porque são vindas de um pintor experiente e reconhecido e celebrado pela crítica como um dos maiores pintores da atualidade brasileira.

 

 

 

 

 

 

Para o artista não há diferença entre os dois trabalhos, em ambos a cor é protagonista da construção atmosférica, do sentido poético que ele busca. "A minha cor obedece a um sentido atmosférico, eu acho, a minha cor não é local, a minha cor não é física, é quase um estado". (Pasta, 2015)

Na medida em que estas paisagens são pintadas a partir de fotografias tiradas com um celular e da sua memória, estas imagens referenciais, codificadas, sintetizadas, ganham uma dimensão abstrata que apresenta ressonâncias na pintura destas paisagens. Embora se tratem de paisagens naturais, do interior do país, tratam-se de paisagens vastas, horizontalizadas, marcadas pela ação humana em extensas plantações de cana de açúcar.

A presença de torres ou postes de iluminação, entre as esparsas formas verticais presentes nesta série, só se apresentam para reafirmar a força da horizontalidade destas pinturas, que por sua vez nos colocam novamente em contato com a sua intenção de constituir uma atmosfera.

A presença da horizontal veio aos poucos se apresentando como força direcional ao longo do tempo, desde a série "Vigas" embora esta pudesse nos remeter à ideia de pilares. Estas formas horizontais, ao se deslocarem para baixo engendraram formas em cruz, dando início à série "Cruzes", estas transversais se "apoiam" nas verticais, confirmando sua presença e força. E, na exposição de 2015, estas formas horizontais comparecem também, sutil e significativamente, na base do quadro, como podemos ver na Figura 3 e Figura 4.

 

3. Considerações

Podemos talvez compreender as duas vertentes da obra de Paulo Pasta como contrapontos, no lugar de contraposições, de uma identidade que deseja expressar-se de um modo a contemplar toda a amplitude de uma experiência estética, abrangente e profundamente. Para além das formas e da pesquisa da cor chama a atenção a fatura, o tratamento da superfície, o toque, o gesto do pincel. Enquanto nas pinturas abstratas a superfície da tela é nas pinturas mais recentes densa, porosa e lisa, nas pinturas de paisagens a pincelada é mais dinâmica, leve, fluída, resultando em uma atmosfera mais etérea.

Há que se considerar também as passagens de uma pintura a outra. Ambas nos falam do tempo, tempo de suspenção, tempo da espera, da memória, tempo da cor, e do espaço. Ambas abrigam, cada qual ao seu modo, uma concepção de paisagem, talvez possamos falar em paisagens que transitam entre a imensidão e a intimidade.

Entendemos assim, que é perfeitamente possível coexistirem estas duas linhas de trabalho, assim como é possível identificar uma qualidade, uma busca de construção deste lugar-cor que se revela em ambas, onde um Dentro e um Fora se alternam criando uma unidade, gerando uma relação fenomenológica na obra e na sua relação com o espectador. Onde a cor pode ser vista como uma memória, uma síntese de um estado, que vela uma exterioridade e revela uma interioridade. Trata-se de uma presença, de uma construção que se dá nas relações entre um sentir-pensar, um pensar-sentir, na busca de comunicar este estado, esta condensação do ser, ao espectador. Esta condensação que Matisse se refere, segundo Paulo Pasta, possibilita a sua identificação, este poder reconhecer-se em toda a sua experiência na pintura.

Como a modernidade já esclareceu, a paisagem se dá em nós, no trânsito entre o exterior e o interior, entre a suspensa visualidade e a materialidade dos corpos, os apelos do mundo e a subjetividade, move-se um olhar entre o exterior e o interior, uma busca pela espiritualidade comungada ao mundo, que olha para fora, e espiritualidade internalizada, a que olha para dentro. E, neste vai e vem deste olhar interminável (Aumont, 2004), entre a percepção, o pensamento, que por sua vez abriga a memória e a imaginação (Gombrich, 1986), e a ação sobre a matéria da pintura, elaboramos, aprofundamos o conhecimento do mundo. Assim, brota a paisagem internalizada, estendida, vivida, sentida, elaborada, pensada, lembrada, contada a favor do aprofundamento do nosso olhar, do nosso entendimento sobre o as coisas e sobre o mundo.

 

Desvendar relações, estabelecer articulações, não seria assim o universo de todaprática artística? Se a arte cria outros elos que nos revelam porque nos (re)situam no lugar que ocupamos, o movimento do mundo parece ser ditado pela relação que estabelecemos entre intimidade e exterioridade, em meio às modulações que nos aproximam do espaço porque nos distanciam dele. Nessa perpétua circulação, o olhar entoa sua (com)posição. (Dias, 2010:141).

Referências

Aumont, Jacques (2004) "O Olho interminável {Cinema e Pintura}." São Paulo. Cosac & Naify.         [ Links ]

Dias, Karina (2010) "Entre Visão e Invisão: paisagem [por uma experiência da paisagem no cotidiano]. " Brasília. Universidade de Brasília. Programa de Pós Graduação em Artes.         [ Links ]

Fábula da Paisagem". Realização: Instituto Figueiredo Ferraz. Produção: pseudo vídeo. Trilha sonora: Jacqueline Du Pré. Cor. Som. 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HdDQ1S3owIo . Acesso em: 05. Nov. 2017.         [ Links ]

Gombrich, E.H. (1986) Arte e ilusão. São Paulo. Martins Fontes.         [ Links ]

Mammi, Lorenzo (2015) "Paulo Pasta: aventuras da experiência." In: textos críticos, Galeria Milan. Disponível em: http://www.galeriamillan.com.br/pt-BR/texto-critico/79 . Acesso em 20 de nov. 2017        [ Links ]

Pasta, Paulo (2012) "A educação pela pintura". São Paulo. Editora Martins Fontes.         [ Links ]

Pasta, Paulo (2015) "Fábula da Paisagem. " Galeria Milan. São Paulo.         [ Links ]

Paulo Pasta (2015) Realização Arte!Tv. Entrevista Eduardo Simões. Imagens e edição: Coil Lopes. Cor. Som. Disponível em: https://youtu.be/DzZX_YMb4oc . Acesso em: 10. Out. 2017.         [ Links ]

Paulo Pasta (2013) O silêncio é a moradia da cor. Roteiro e Direção: Pedro Paulo Mendes. Produção: Teca Lacerda. Imagens: André Palluch. Fotos: Sergio Guerini. Edição: Fabio René. Finalização: Fábio Cidrão. Trilha: Harold Budd. Depoimentos: Paulo Pasta, Eduardo Sued, Ronaldo Brito, Leda Catunda. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rNCkcQUsmeU&t=4s Acesso em 20. Out. 2017.         [ Links ]

 

 

Enviado a 02 de janeiro de 2018 e aprovado a 17 de janeiro de 2018

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: arianecole@gmail.com (Ariane Daniela Cole)

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