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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.8 no.18 Lisboa jun. 2017

 

Dossier editorial

Editorial section

Es[ins]tabilidades: as instalações de José Spaniol

S[ins]tabilities: the installations of José Spaniol

 

Marcos Rizolli*

*Brasil, artista visual. Licenciatura em Educação Artística, Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC/Campinas). Mestrado e Doutorado em Comunicação e Semiótica: Artes (PUC / São Paulo).

AFILIAÇÃO: Universidade Presbiteriana Mackenzie, Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura, Grupo de Pesquisa Arte e Linguagens Contemporâneas – CNPq. Rua da Consolação, 930 – Prédio 16 (CEFT). São Paulo (SP) CEP 01302-907 Brasil.

 

Endereço para correspondência

 

Resumo:

José Paiani Spaniol é um experiente docente-pesquisador na Pós-Graduação do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista, em São Paulo – Brasil, e atraiu nosso interesse analítico justamente por atuar, no ambiente universitário, nas fronteiras entre docência e pesquisa artística. Se reconhece como artista-pesquisador, elaborando processos formais a partir de uma insistente busca de equilíbrio entre produtividade acadêmica e produção expressiva.

Palavras-chave: arte e pesquisa / arte e docência / instalações / José Spaniol.

 

Abstract:

José Paiani Spaniol is an experienced lecturer at the Institute of Arts of the Paulista State University in São Paulo – Brazil, and has attracted our analytical interest precisely because of his role in the university environment at the frontiers between teaching and artistic research. It recognizes himself as an artist-researcher, elaborating formal processes based on an insistent search for a balance between academic productivity and expressive production.

Keywords: art and research / art and teaching / installation / José Spaniol.

 

Introdução

José Paiani Spaniol é um experiente docente-pesquisador na Pós-Graduação do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista, em São Paulo – Brasil, e atraiu nosso interesse analítico justamente por atuar, no ambiente universitário, nas fronteiras entre docência e pesquisa artística. Se reconhece como artista-pesquisador, elaborando processos formais a partir de uma insistente busca de equilíbrio entre produção acadêmica e produção expressiva.

Fator importante, pois o cenário de pesquisas acadêmicas no Brasil, notadamente aquele vinculado ao sistema nacional de Pós-Graduação, ainda não consegue assimilar ou reconhecer plenamente a produção de conhecimento não-verbal: aquele que produz, como forma de pesquisa, as linguagens artísticas – entre elas, as visualidades contemporâneas.

Desse modo, aqui, queremos nos referir:

...ao trabalho de pesquisa em criação artística, empreendido por artistas que objetivam obter como produto final a obra de arte. Portanto [...] pesquisa realizada pelos artistas, ou seja, quando o artista também se assume como pesquisador e busca, com essa dupla face, obter trabalhos artísticos como resultado de suas pesquisas (Zamboni, 2001: 6).

 

Spaniol admite, contudo, que sua atuação limítrofe entre mundo acadêmico e universo artístico gera tensões institucionais. Tensões, essas, que parecem reverberar em suas instigantes instalações. Preponderantemente artista, desafia – com suas ocupações intervencionistas – a natural vocação de diversificados espaços institucionais: igrejas, mosteiros, universidades, galerias, museus... Gera, antes de tudo, agudos tensionamentos entre os objetos (móveis apropriados do cotidiano ou inventivamente redesenhados) e seus ambientes. Consequentemente, desencadeia uma subversão simbólica das coisas – claramente, porque tornam-se deslocadas de suas funcionalidades habituais e resultam em desconcertantes diálogos com os espaços arquitetônicos.

Spaniol, então, age como um dadaista!

 

1. Um método contemporâneo

A vocação dadaísta de suas instalações se revela, apropriadamente, a partir de alguns valores preciosos para as metodologias artísticas contemporêneas: 1) o emprego de imagens e objetos prontos – originado a partir de atentas observações acerca das formas das coisas, que resulta na transformação de configurações aparentes em argumentos de linguagem; 2) a apropriação dos objetos do cotidiano – deslocados de suas funcionalidades originais, tornam-se elementos manipuláveis, adulterados em suas matrizes culturais e qualificados à aquisição de novas identidades simbólicas; 3) o redesenho – que, por demanda processual, faz uso das técnicas gráficas convencionais, não mais por ambição figural e sim pelo caráter especulativo do artista que busca através da ressignificação dos objetos, a surpresa formal.

Entretanto, a sua poética visual vai muito além dos recursos nonsense do Dadaísmo.

Seu pensamento criativo, sempre tridimensional, encontra irreversivelmente a modalidade das instalações – claramente, para exercer rigorosos domínios técnicos e procedimentais. Frequentemente de caráter efêmero, as instalações de José Spaniol compreendem diferentes formas, encarnadas em diversificados materiais. Suas instalações mobilizam objetos e espaços – incrivelmente adulterados em suas dimensões qualitativas, indiciais e simbólicas. Ao investir na forma, o artista reivindica a interatividade e alcança a monumentalidade – enriquecendo a arte e seus conceitos para, então, anunciar e denunciar nossa contemporânea sociedade de objetos intitucionalizados.

Cria e recria imagens, objetos, ambientes – organiza assim, as suas estabilidades e instabilidades; explora, então, o homem e a natureza. Determina um arco expressivo e insere-se no seu próprio habitat poético.

A personalizada ironia com a qual o artista trata seus objetos – do mobiliário à arquitetura – define uma metodologia inovadora que resulta numa conciliação da atenta observação das formas (contornos e volumetrias) e da perspicaz percepção dos espaços (fechamentos e aberturas) com a ambição de pesquisar suas relações. Transforma o método em expressão; a pesquisa em arte.

Suas instalações, realizadas no Mosteiro de São Bento e na Galeria Baró (individual simultânea à sua participação na 29ª Bienal de São Paulo) e, mais recentemente, na Pinacoteca do Estado, evidenciam o caráter militante de sua atuação como professor, pesquisador e artista. Sua arte pretende refletir – visualmente – as tensões estabelecidas entre as diferentes esferas da ação humana. O artista hierarquiza a forma para questionar as instituições.

 

2. Instituições... Instalações

Na ambição de colaborar com o aprimoramento das relações entre artistas e instituições, José Spaniol sempre se preocupou em apresentar sua produção artística em espaços expositivos surpreendentes sem, contudo, abrir mão de suas boas relações criativas com o sistema da arte. Expõe regularmente em ambientes alternativos e espaços culturais – sem maiores restrições. Age estrategicamente: instrui a linguagem, produz a forma; comercializa a arte... intervém na cultura das instituições.

Vamos, então, aos exemplos:

A instalação Ascenções – apresentada na exposição Arte e Espiritualidade, de 2010, e concebida em parceria com o artista Marco Giannotti e o monge-artista Carlos Eduardo Uchoa – se revela como ente paradigmático na elucidação de como José Spaniol busca desafiar a lógica das formas e dos espaços institucionalizados.

Arte e Espiritualidade se deu em espaços até então não acessíveis ao público. Ocupou alas secretas e áreas de acesso restrito, alterando a visibilidade e a percepção do monumental prédio, então, ocupado por 42 monges no centro da cidade de São Paulo. Durante a ocupação artística, portas e janelas foram abertas, corredores e ambientes foram ocupados pelo público e tantos mistérios foram revelados: a capela do colégio (ambiente de oração); os parlatórios (locais de aconselhamentos espirituais); salas com janelas voltadas para o Claustro; a chamada Sala do Papa (Espaço em que Bento XVI saudou o público em sua visita ao Mosteiro em 2007).

Em Ascenções, o artista esvaziou antigos e esquecidos armários pertencentes ao mobiliário do Mosteiro e os elevou até quase à altura do teto, devidamente sustentados por toras de eucalipto. "Foi o jeito que encontrei de me aproximar de um tema da religião" (Spaniol, 2010) (Figura 1).

 

 

Em outra exposição – Cadeira e Lousas, também de 2010 – um peculiar conjunto de desenhos, fotografias, objetos e esculturas, resultou numa abrangente e instigante instalação, desta vez ocupando a paulistana Galeria Baró.

Spaniol abriu-se para reflexões sobre os originais conceitos de obra de arte, objeto artístico e instalação, visto que, desde a entrada até os mais escondidos cantos expositivos as peças apresentadas geravam contínuas tensões: em si; entre si; com o espaço. O artista, calculadamente, pensou nas anatomias da forma, nos duplos das estruturas, nas reverberações da arquitetura. Vale salientar que, potencialmente, a sede da Galeria propiciou esta reflexão formal: o desenho geométrico, retilíneo, do edifício serviu como elemento de inspiração para as ocupações ali desempenhadas pelo artista.

Pontuando:

A escultura Cadeiras, de 2006, e que integrou a exposição, sintetiza a ideia de reflexo, materialmente construído pelo artista – dando origem a um objeto duplo. A repetição, por oposição, da forma confere às peças um aspecto paradoxal e ambíguo: "um jogo entre materialidade e reflexo. Os assentos flexionam-se, dilatando ao extremo seu próprio volume, como se estivessem à procura de uma outra dimensão" (Spaniol, 2010).

A poética da exposição Cadeira e Lousas remeteu o público visitante para novas escalas perceptivas, convidou o espectador para perceber os objetos cotidianos destituídos de suas funções regulares (Figura 2). A estética de Cadeira e Lousas resultou no estabelecimento de uma dimensão onírica.

 

 

E irônica!

 

3. Es[Ins]tabilidades

As relações institucionais – suas hierarquias, seus códigos, suas burocracias... – que tanto o artista tenta desestabilizar acabou por configurar uma plataforma criativa singular: ao mesmo tempo, desafiadora e conciliadora. O artista acabou por institucionalizar, ainda que metaforicamente, a própria arte e seu sistema.

Institucionalizou a paisagem!

Sua mais recente instalação se deu em espaço museológico: na Pinacoteca do Estado, na cidade de São Paulo. Realizada em março de 2016, a exposição integrou o Projeto Octógono – Arte Contemporânea, projeto criado em 2003 e que se destina à ocupação de um dos dois vãos livres da edificação – em estilo eclético – com produções de arte contemporânea em consonância com o acervo da Pinacoteca.

Assim, TIAMM SCHUOOMM CASH, a instalação inédita de José Spaniol, fazia referência à sonoridade deflagrada por uma onda e foi desenvolvida a partir da observação do mar, da imprevisibilidade e da surpresa que os oceanos sugerem. Posicionada no octógono da Pinacoteca, foi construída a partir de dois barcos de madeira, medindo seis metros de comprimento cada, elevados a 10 metros de altura, sustentado por escoras de bambu (Figura 3).

 

 

A suspensão dos barcos sugere uma paisagem escultórica, na qual a ausência da água e de seu movimento é posto em tensão pelo ritmo das escoras, criando um cenário ficcional.

Essa obra faz parte de uma série de trabalhos relacionados às sonoridades do mar e sugere que o observador a aprecie a partir de um ponto de vista improvável e desestabilizador, como explica o artista:

TIAMM SCHUOOMM CASH ocupa o mesmo eixo das pinturas ascensionais, de cúpulas e dos tetos. Semelhante às composições orientais, nos vemos diante de uma perspectiva aérea, onde as relações espaciais não se definem por aspectos fixos. Esses planos elevados provocam certa vertigem, enfraquecem as medidas e tendem a dissolver os limites (Spaniol, 2016).

 

Conclusão

Retoma-se, aqui, o caráter fronteiriço de sua arte. José Spaniol reivindica o movimento da matéria e requer o fluxo da relação forma-espaço. Traduz esses argumentos etéreos em energia tensional.

O sujeito encontra o seu equilíbrio. Surge o artista pleno e o pesquisador sênior ao fazer de sua artisticidade a mais legítima plataforma criativa para suas pesquisas acadêmicas. Bem assim:

 

...nós pesquisadores, raramente nos satisfazemos com os resultados encontrados em uma primeira investigação. Estamos sempre tentando ir um pouco além daquilo que já conseguimos estabilizar, digamos assim, em nosso espírito inquieto... É preciso criar, permanentemente, espaços de interlocução, onde é possível organizar o aparente caos, mantendo a interdisciplinaridade, a inovação e o rigor das propostas (Brites e Tessler, 2002: 11).

 

O professor universitário e o artista, assim, se encontram e se fundem. Afinal, não ocorre mais atrito entre suas esferas atuativas. Na instabilidade das formas que cria e das espacialidades que produz, nasce – cristalina – a es[ins]tabilidade entre docência e pesquisa artística. Entre o exercício intelectual e a intuição criativa, elabora uma síntese, para revelar a sua essência.

 

Referências

Brites, Blanca e Tesller, Elida (2002) O Meio como Ponto Zero. Porto Alegre: Editora da Universidade – UFRGS. ISBN: 85-7025-624-8

Spaniol, José Paiani (2010) Depoimento concedido ao G1. [Consult. 2017-01-16] Disponível em URL: http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo.html        [ Links ]

Spaniol, José Paiani. (2010) Entrevista concedida à Galeria Baró. [Consult. 2017-01-16] Disponível em URL:URL: http://barogaleria.com/exhibition/jose-spaniol-2/        [ Links ]

Spaniol, José Paiani. (2016) Depoimento Concedido à Curadoria. [Consult. 2017-01-16] Disponível em URL: http://www.pinacoteca.org.br/pinacoteca-pt/default.aspx?c=1328        [ Links ]

Zamboni, Silvio (2001) A Pesquisa em Arte. Um Paralelo entre Arte e Ciência. Campinas: Autores Associados. ISBN: 85-85701-64-126         [ Links ]

 

Artigo completo submetido a 26 de janeiro de 2017 e aprovado a 5 de fevereiro 2017

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: marcos.rizolli@mackenzie.br (Marcos Rizolli)

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