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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.6 no.12 Lisboa dez. 2015

 

EDITORIAL

EDITORIAL

Quem me fala? interrogações em torno da identidade

Who is speaking me? Questions on identity

 

João Paulo Queiroz*

*Portugal, par académico interno e editor da Revista Estúdio.

AFILIAÇÃO: Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas-Artes, Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes (CIEBA). Largo da Academia Nacional de Belas-Artes, 1249-058, Lisboa, Portugal.

 

Endereço para correspondência

 

A linguagem humana caracteriza-se pela arbitrariedade entre os significantes e os significados (Saussure, 1978). Tudo o que é cultural é arbitrário, já há muitos anos, desde "o cru e o cozido" (Levi-Strauss, 2004).

A arbitrariedade do signo inclui a substituição escondida na linguagem: se "a linguagem divide o real" (Barthes, 1989: 54) então o real é substituído pela granulação arbitrária das linguagens.

A linguagem parece traçar um caminho de emancipação, primeiro em relação ao real que substitui, depois em relação ao homem que a fala. A linguagem é uma forma de separação.

A pós modernidade encerra a interrogação crítica do homem sobre o homem: a linguagem ameaça o que é significante, o que é corpo. O sujeito é falado, e assim constituído depois da linguagem (Althusser, 1976). O jovem Arthur Rimbaud sintetiza-o, aos dezassete anos, numa carta datada de 13 de maio 1871 ao seu professor de retórica Georges Izambard,:

 

C'est faux de dire : je pense : on devrait dire on me pense. Pardon du jeu de mots.
Je est un autre.
(Rimbaud, 1999: 237)

 

É esta também a perplexidade que motivou o tema desta revista Estúdio. Reuniram-se, para esta edição, artigos provenientes de países como a Argentina (1 artigo), o Brasil (5 artigos), Espanha (12 artigos) e Portugal (4 artigos). Perfazem assim um conjunto de 22 artigos que se debruçam sobre artistas cuja identidade se mostra e merece ser interrogada: são espaços 'ex-cêntricos,' para se descobrir.

A capa deste número 12 da Estúdio tomou como motivação o artigo "Estrategias del vacío en la obra de Ana Álvarez-Errecalde," de María Guillermina Valent (La Plata, Argentina). Os corpos da artista espanhola Ana Errecalde, corpos vestíveis, são os novos significantes onde a idade e o sexo pode ser reapropriado, adquirido, numa experiência lúdica: o corpo é agora uma fala.

Olegario Martín (Sevilha, Espanha) no artigo "MP & MP Rosado: tiempo contado a tientas" apresenta o trabalho escultórico da dupla espanhola Miguel Pablo Rosado Garcés & Manuel Pedro Rosado Garcés, irmãos gémeos, cuja obra se debruça sobre o corpo duplicado e a sua incerteza identitária: os clones de si mesmos são teus irmãos, a sua disposição contraria-se mutuamente, e o seu espaço ora é o dobro, ora é a sua metade.

Em "El individuo objetivado y el objeto humanizado en la obra de Naia del Castillo," María Betrán Torner (Huesca, Espanha) interroga as fotografias da espanhola Naia de Castillo atualizando as discussões sobre o a domesticidade e os "problemas de género" (Butler, 2006).

Mar García Ranedo (Sevilha, Espanha), no artigo "Identidad y transgénero en la fotografía sudafricana: Zanele Muholi" apresenta a fotógrafa sul-africana Muholi (n. Durban, 1972), que explora, pelo activismo visual, os temas da identidade de género e do pós colonialismo na vertente raça.

O artigo "Márcia Beatriz e/ou Jaque Jolene" de Claudia Fazzolari (São Paulo, Brasil) introduz a personalidade performatica da brasileira Márcia Beatriz e o seu heterónimo Jaque Jolene que se propõe renegociar a história através de registos multimédia que exploram a ambiguidade factual.

Em "João Pedro Vale & Nuno Alexandre Ferreira: um manifesto queer?" Luís Herberto (Portugal) apresenta a dupla portuguesa João Pedro vale e Nuno Ferreira descodificando uma exploração plástica e algo lúdica de uma expressividade alternativa a hetero normatividade.

Cláudia França (Uberlândia, Brasil), no artigo "Desenho, Identidade e Alteridade: quando tudo é uma questão de suporte" aborda duas séries de desenhos da brasileira Daniela Maura que exibem o vestido como uma cortina: levantando a sua saia pode observar-se um pénis erecto, em silêncio linearizado. O vazio torna-se forma, e entre as pernas pode ver-se uma terceira perna, que denuncia uma figura impossível no seu resgate da diferença.

No artigo "Confidencias gráficas: el dibujo homo-erótico de Guillermo Pérez Villalta," Fernando Sáez (Sevilha, Espanha) visita os desenhos intimistas e autorreflexivos sobre as sombras da sexualidade, homo-erotismo e fetichismo, do espanhol Pérez Villalta, datados 1983.

Teresa Matos Pereira (Portugal), em "Maimuna Adam: viagem, deslocamento e memória como metáforas da identidade" debruça-se sobre a artista moçambicana Maimuna Adam, que cruza a mestiçagem com a identidade, e a procura dos artefactos de viagem, os vestígios da chegada e da partida, alargando o problema da localidade e da origem.

O artigo "Salustiano: retratos de identidad despojada," de Carlos Rojas & Fernando García (Sevilha, Espanha) debruça-se sobre o pintor sevilhano Salustiano que interroga a tradição e a intemporalidade dentro do género do retrato: os seus retratados parecem estranhar a própria representação.

Guy Amado (São Paulo, Brasil), em "Um Lugar No Mundo – Considerações sobre a obra de João Tabarra" aborda a obra deste performer português que confronta as narrativas com os deslocamentos desconfortáveis do absurdo urbano, revisitando o fracasso como enredo.

O artigo "Señor Cifrián (Esther Señor & Carmen Cifrián): recuperación de la memoria a través de la identidad colectiva" por Sara Ramírez & Áurea Muñoz (Sevilha, Espanha) apresentam a obra desta dupla de artistas espanholas, Esther Señor & Carmen Cifrián, que exploram, através de colagens a memória dos objectos.

Alexandre Rodrigues da Costa (Belo Horizonte, Brasil) no artigo "Fraturas expostas: uma análise das pinturas 'Desconstruções,' de Alan Fontes" interroga a obra deste autor brasileiro (n. 1980) que apresenta pinturas de ruínas urbanas contemporâneas, casas a meio de serem demolidas, exibindo a intimidade das suas paredes interiores como uma frágil membrana entre o exterior ameaçador e o interior protector, mas perdido. Os labirintos de hoje estão do lado de fora.

O artigo "Prácticas semióticas de la identidad en la fotografía de Luz María Bedoya," de Mihaela Radulescu de Barrio (Peru / Roménia) propõe um olhar sobre a fotógrafa peruana Luz Maria Bedoya, onde o confronto entre os espaços abertos e naturais e as demarcações humanas traduzem um desamparo ordenado que confronta o homem simbólico com os seus referentes significantes.

O artigo "_No return": migraciones al vacio: la negación de la identidad" de Gonzalo José Rey (Pontevedra, Espanha) aborda a fotografia do espanhol Carlos Suárez que assume paisagens vazias mas povoadas, exibindo provas do vazio da identidade, da necessidade do nada que nos permeia, e nos convoca às migrações e ao auto-abandono.

Em "La memoria de las piedras: sobre la pintura de Loïc Le Groumellec," Joaquín Escuder (Saragoça, Espanha) apresenta o artista francês Le Groumellec, que toma a finisterra da bretanha como um local de identidade, com a solidez das pedras e das estruturas rituais, dos artefactos e das gravações intemporais.

Joana Tomé (Portugal) no artigo "Ceci n'est pas un autoportrait: o elidir diagramático da identidade em Helena Almeida" atualiza a pesquisa desta artista portuguesa em torno da perplexidade pela figura, pela linha, e pela mancha, pela sua passagem do material ao pensado.

O artigo "Pintura Habitada" de Helena Almeida: entre um antes e um depois" de Lara Pires (Portugal) toma igualmente como objecto de estudo a obra da portuguesa Helena Almeida, especificamente a série de 1975, 'Pintura habitada,' que propõe uma ocupação do espaço da tela, com uma sistematicidade auto-consciente.

María del Rocío González (Sevilha, Espanha) no artigo "Felipe Alonso: identificación con el mito clásico" apresenta a obra do jovem pintor espanhol Felipe Alonso que revisita as texturas figurativas das imagens, evocando os enganos das aparências da Antiguidade.

Em "Yo soy ese: señas de identidad en los autorretratos de Agustín Alegre," Marta Marco (Saragoça, Espanha) toma a obra do pintor espanhol Agustín Alegre, especificamente as suas séries de auto-retratos, que afirmam a pintura como território de pertença e de identidade: "Eu sou pintor."

O artigo "Identidades femininas del travestismo 'Ocañí': iconografía e influencias de la mujer andaluza en la producción artística de Ocaña" por José Naranjo (Sevilha, Espanha), explora a coincidência entre o imaginário do malogrado pintor espanhol Ocaña e o travestismo, representado ou transformista, em torno da identidade da mulher andaluza.

José Cirillo & Rosa Ferreira da Costa (Vitória, Brasil) no artigo "Dilma Góes: arte têxtil capixaba nas décadas de 1980 e 1990, um olhar através de seus arquivos pessoais" aborda a obra em tapeçaria de Dilma Góes partindo da metodologia da crítica genética (ramo da semiótica em torno do processo explorado por Cecília Salles) onde a pesquisa se apoia na investigação dos passos e ensaios seguidos pelos criadores no seu trabalho.

A identidade resiste à linguagem dos homens. A linguagem é transmitida entre as gerações e com ela transporta uma identidade, ou, o que é dizer o mesmo, a possível interrogação: quem me fala?

 

Referências

Saussure, Ferdinand (1978) Curso de Linguística Geral. Lisboa: D.Quixote        [ Links ]

Rimbaud, Arthur (1999) Œuvres complètes. Coll. La Pochothèque. Paris: Le Livre de poche. ISBN 2-253-1325-0

Lévi-Strauss, Claude (2004) Mitológicas I: o Cru e o Cozido. São Paulo, CosacNaify.         [ Links ]

Barthes, Roland (1989) Elementos de Semiologia. Lisboa: ed. 70.         [ Links ]

Butler, Judith (2006) Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. New York: Routledge. ISBN: 978-0415389556        [ Links ]

Althusser, Louis (1976) Ideologie et Appareils Ideologiques d'État: Notes pour des Recherches. In "Positions (1964-1975). Paris: les Éditions Sociales, pp 67-125.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: joao.queiroz@fba.ul.pt (João Queiroz)

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