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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.6 no.11 Lisboa jun. 2015

 

ARTIGOS ORIGINAIS POR AUTORES CONVIDADOS

INVITED ORIGINAL ARTICLES

A ‘Revista Classificada’ de Paulo Bruscky

The Classified Magazine by Paulo Bruscky

 

Maria do Carmo de Freitas Veneroso*

*Professora universitária e artista visual. Par académico externo desta revista.

AFILIAÇÃO: Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Belas Artes, Departamento de Artes Plásticas. Av. Antônio Carlos, 6627. Campus Pampulha. Belo Horizonte, Minas Gerais. CEP 31270-901.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO:

Será analisado o trabalho do artista brasileiro Paulo Bruscky, focalizando sua Revista Classificada, que faz parte de um projeto desenvolvido pela dupla formada por Bruscky e Daniel Santiago, de publicação de anúncios classificados em jornais de grande circulação. Bruscky, através de seu trabalho, enfrentou a ditadura militar no Brasil (19641985), defendendo a liberdade de expressão.

Palavras-chave: Revista Classificada / Paulo Bruscky / Arte contemporânea no Brasil / Livro de artista.

 

ABSTRACT:

The work of Brazilian artist Paulo Bruscky will be analyzed, focusing his Classified Magazine, which is part of a project developed by the duo Bruscky and Daniel Santiago, envolving publishing classified in major newspapers. Bruscky, through his work, faced the military dictatorship in Brazil (1964-1985), defending freedom of expression.

Keywords: Classified Magazine / Paulo Bruscky / Brazilian contemporary art / Artist’s book.

Introdução

Nesse artigo, abordarei o trabalho do artista brasileiro Paulo Bruscky, focalizando e contextualizando sua Revista Classificada, obra realizada em parceria com Daniel Santiago. Esse é um dos seus inúmeros livros de artista, porém integra um projeto mais amplo desenvolvido pela dupla, de interferências nos anúncios classificados de jornais de ampla circulação. O trabalho analisado mostra também uma nova maneira de fazer livros, além da busca por formas alternativas para a difusão de mensagens políticas e poéticas.

Paulo Bruscky (Figura 1) nasceu em Recife, Pernambuco, em 21 de março de 1949. Artista multimídia e poeta, Bruscky utiliza várias formas para a circulação de seus trabalhos, tendo sido um dos pioneiros da Arte Postal no Brasil, que ele denominou Arte Correio. Além disso, tem colaborado na introdução de várias tecnologias na arte, como o fax, o filme super 8, a arte em outdoor (artdoor), o xerox, o offset e o mimeógrafo. Sua obra pode ser analisada a partir de seu caráter poético/político, mais especificamente no campo da micropolítica, ao discutir problemas específicos, cotidianos, locais, ao mesmo tempo em que dialoga com questões globais (Ribeiro, 2012).

 

 

Bruscky iniciou sua carreira artística no período em que o Brasil vivia sob uma ditadura militar (1964-85), tendo sido muito atuante desde essa época. Através de seu trabalho enfrentou o regime ditatorial, tendo sido perseguido por defender a liberdade de expressão num momento em que o país passava por forte censura a todos os tipos de manifestações artísticas.

 

1. Um breve retorno ao problema: o que é um livro de artista?

Apesar do termo livro de artista poder ser utilizado, no seu sentido lato, para denominar uma categoria abrangente de obras que têm como referência o livro, ainda que não se limitem a ele, não resta dúvida que pode-se procurar as origens do tipo de obra reconhecida atualmente como “livro de artista estrito senso” nas experiências conceituais dos anos 1960-70. Nesse estudo, o termo livro de artista será utilizado no seu sentido estrito, ao focalizar, especificamente, a Revista Classificada (Figura 2), que integra a Coleção Especial de Livros de Artista da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais. As obras dessa Coleção pertencem, em sua maioria, a uma linhagem que descende diretamente das publicações de artistas surgidas durante os anos 1960 e 1970, dentro de uma tendência conceitual. Nesse contexto, interessa apontar as estratégias adotadas pelos artistas, na elaboração dessas obras de evidente cunho conceitual, ou seja, a ênfase na ideia (em detrimento da forma), além de algumas características frequentes nas propostas, como a transitoriedade dos meios e a precariedade dos materiais utilizados, a atitude crítica frente às instituições artísticas, assim como as particularidades nas formas de circulação e recepção de certo universo de obras numa determinada época (Freire, 1999: 16).

 

 

Como se sabe, a arte conceitual “influenciou […] a noção corrente de publicação de arte no período. Não apenas os livros de artista […] mas também outras formas de edições podem ser melhor analisadas à luz das proposições Conceituais” (Freire, 1999: 19). Naquele momento os papéis do artista e do público passavam por novas definições, sendo que a atitude passiva do último foi questionada e a atividade do artista, muitas vezes passou a fundir-se com a do crítico e do curador. Há uma ampla produção de livros de artista ligados à vertente conceitual, e que tem tido, no presente, inúmeros desdobramentos.

 

2. A arte de Paulo Bruscky: um encontro entre poesia e política

No período compreendido entre a década de 1970 e a metade da década de 1980, enquanto o Brasil e outros países da América Latina viviam sob a ditadura militar, vários artistas buscaram formas alternativas e experimentais para a veiculação de suas mensagens artísticas. No Brasil foi principalmente após o Ato Institucional nº 5 ter sido decretado, em dezembro de 1968, que houve um aumento da repressão militar, que passou a execer uma forte censura sobre a produção e circulação da produção artística do período. Houve o fechamento de importantes Bienais, como a da Bahia, em 1968, artistas tiveram seus trabalhos impedidos de sair do país, além da ameaça a comissões de seleções de salões de arte, diretores de museus e artistas, que insistissem em enfrentar e desobedecer à censura.

Esse momento coincidiu com a eclosão da arte conceitual, cujos artistas buscavam formas alternativas para atuar fora do circuito oficial das galerias e museus. Foi também um momento de muita experimentação, na busca por novas formas de reprodução da imagem, mais acessíveis que aquelas existentes até então, utilizando técnicas recentes como o xerox, o fax, o mimeógrafo e o offset comercial de baixo custo. No Brasil, artistas de tendência conceitual como Paulo Bruscky, buscavam também fugir da censura, criando redes alternativas para a difusão de seus trabalhos.

A Arte Correio (Figura 3, Figura 4) foi uma dessas formas, que, ao usar o correio para distribuir e veicular os trabalhos, passou a ter um importante papel como canal de comunicação entre os artistas e deles com a sociedade, por utilizar um circuito que se mantinha à margem das instituições oficiais, controladas pelo governo militar. Além da Arte Correio, também a produção de livros de artista em pequenas edições, que utilizavam processos alternativos de impressão já citados, criou um canal alternativo para a divulgação de ideias. Esse tipo de publicação, múltipla e democrática, devido ao seu baixo custo, possibilitava também a utilização de redes alternativas de distribuição, fora dos circuitos das galerias e museus de arte, e que não passava pelos crivos oficiais.

 

 

 

 

Foi muito comum nesse período, no Brasil, também a publicação de jornais e revistas alternativas, por parte de jovens artistas, cuja produção e distribuição era totalmente controlada pelos mesmos, através do uso de mimeógrafo e outros processos de impressão de baixo custo. Em Belo Horizonte, por exemplo, foi a época do jornal O Vapor, da Revista Silêncio, e da Revista Meia Sola, que traziam artigos, poemas, charges e quadrinhos. Apesar da sua importância, esse tipo de publicação teve como característica a sua efemeridade, tendo circulado em um número restrito de edições.

Tanto a Arte Correio como os livros de artista editados e as revistas e jornais citados acima procuraram criar canais e estratégias que possibilitassem a circulação e a inserção social da arte. Foi assim, atuando à margem das instituições, de forma muitas vezes clandestina, que essas novas práticas transformaram-se em importantes meios de veiculação de denúncia e de protesto contra o regime militar. Essa nova rede de comunicação trouxe a forte utilização da palavra na criação de jogos poéticos, muitas vezes em diálogo com a imagem, de forma a transmitir mensagens políticas e poéticas.

 

3. Os anúncios classificados de jornal

A questão da reprodutibilidade da obra de arte é fundamental na produção de Bruscky, estando presente de diversas formas, e com a utilização de diferentes meios de impressão e de circulação. Um desses meios utilizados pelo artista para a circulação de seus trabalhos foi e continua sendo o jornal, através da publicação de anúncios nos classificados de jornais de ampla circulação. Seu primeiro anúncio é de 1973 ou 1974 no Jornal do Brasil. Em entrevista publicada no Circuito Atelier (2011) de Paulo Bruscky, ele explica a gênese e os desdobramentos desse trabalho utilizando classificados de jornal. O artista declara que achou esse meio muito importante de ser explorado por ser uma forma de registrar ideias, atingindo um público grande, incluindo pessoas alheias à arte (Bruscky, 2011).

Os trabalhos veiculados por Bruscky, nos jornais, incluíam projetos conceituais, como por exemplo: “como colorir nuvens?” Os classificados são trabalhados até hoje pelo artista, que se apropria de cidades por onde passa, dos seus bairros, da sua geografia. Um exemplo (Figura 5) é sua apropriação do bairro da Saudade de Belo Horizonte, que gerou a publicação de um anúncio no jornal Estado de Minas, em uma de suas vindas à cidade: “Saudade não é apenas um bairro em Belo Horizonte, é um sentimento, uma proposta: é arte”. Outro de seus anúncios traz a frase: ”Vervendo esta página como uma obra de Paulo Bruscky” (Figura 6). Assim, ele se apropria da página do jornal, transformando-a no seu trabalho. Trata-se de propostas de ações, busca de patrocínio para obras a serem realizadas, notas de crítica social ou comentário político, envolvendo humor e poesia. Os textos trazem ainda propostas de eventos/ações, que podem ser desenvolvidos por qualquer pessoa, tornando, assim, também o espectador, um autor da obra.

 

 

 

 

Bruscky narra que em 1977 a Polícia Federal censurou alguns de seus anúncios por julgar que eram mensagens cifradas. Assim, ele passou um período proibido de publicar em jornais, assim como seu parceiro Daniel Santiago. Apesar disso, suas publicações circularam também em jornais de Nova York e de países como o México e a Holanda, atingindo dessa forma um público mais diversificado. A Revista Classificada, editada por Bruscky & Santiago, surgiu a partir desses trabalhos, quando a dupla convidou artistas do mundo todo para elaborarem trabalhos sobre a arte dos classificados. Foi a partir do material recebido, que a Revista foi publicada em 1978 (Bruscky, 2011).

A Revista Classificada (Figura 7, Figura 8, Figura 9, Figura 10) é um múltiplo, impresso em xerox, utilizando papel de impressão de baixa qualidade e distribuído pelo correio. A Revista, além dos anúncios da dupla Bruscky & Santiago, traz trabalhos em várias línguas, recebidos de várias partes do mundo, a partir do convite feito pelos artistas. É, pois, uma publicação que envolve vários autores, que criaram seus próprios “anúncios classificados”, a partir da proposta recebida. A montagem das páginas da Revista foi feita através da combinação de vários processos como a colagem, a impressão por meio de carimbos, interferências à mão, xerox, que resultou na criação de uma obra híbrida e instigante.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Conclusão

Paulo Bruscky é um artista atuante e continua a produzir obras propositivas e engajadas no seu tempo. Seu trabalho tem atraído a atenção de críticos e do público, e ele tem sido convidado a expor em importantes eventos como a Bienal de São Paulo e a Bienal de Havana. Também o Museu de Arte da Pampulha, em Belo Horizonte, abrigou uma ampla mostra retrospectiva de seu trabalho em 2010 (Paulo Bruscky uma Obra sem Original, 2010). Além disso, ele tem exposto sua produção em galerias, museus e bienais, no Brasil e no exterior.

Além da sua produção artística, Paulo Bruscky é conhecido também pelo seu atelier/arquivo, um importante acervo documental que ele mantêm, contendo uma extensa coleção de livros de artista, obras de Arte Correio, objetos gráficos, impressos, etc. Trata-se de um arquivo, precioso, de arte contemporânea, com obras principalmente do período dos anos 1960 e 1970, que já foi exposto em uma sala especial na XVI Bienal de São Paulo (2004). Foi uma forma de se “mostrar o próprio processo de criação do artista, porque ali ninguém vê minha obra, vê um processo, o meu processo” (Bruscky, 2011: 45), nas palavras de Bruscky. Ele costuma abrir seu atelier/arquivo para o público, recebendo pesquisadores do Brasil e do exterior. Segundo Bruscky, o processo de catalogação desse arquivo, que fazia parte de seus planos, já foi iniciado, e sem dúvida, a obra do artista e seu arquivo continuarão a trazer uma importante contribuição para a arte contemporânea.

 

Referências

Bruscky, Paulo. (2011) “Paulo Bruscky: depoimentos.” In Ribeiro, Marília Andrés (Ed.) Paulo Bruscky. Belo Horizonte: C/ Arte, (Circuito Atelier, 52).

Freire, Cristina (1999) Poéticas do processo: Arte Conceitual no Museu. São Paulo: MAC, Iluminuras.         [ Links ]

Paulo Bruscky uma Obra sem Original (2010) Catálogo de exposição no Museu de Arte da Pampulha, 19 de setembro a 21 de novembro de 2010, Belo Horizonte, MG.         [ Links ]

Ribeiro, Marília Andrés (2012) “A poética política de Paulo Bruscky.” Anais do XXXII Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte 2012. Direções e sentidos da História da Arte. Brasília: Universidade de Brasília, outubro.

 

Artigo completo recebido a 11 de Janeiro e aprovado a 24 de janeiro de 2015

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: mcfv@ufmg.br

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