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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.6 no.11 Lisboa jun. 2015

 

ARTIGOS ORIGINAIS

ORIGINAL ARTICLES

E Pluribus Unum: as poéticas viso-conceituais de Peter de Brito, um artista da contemporaneidade

E Pluribus Unum: The Visual And Conceptual Poetics Of Peter De Brito, An Artist of Contemporaneity

 

Omar Khouri*

*Artista visual e poeta. Doutor em Comunicação e Semiótica-Artes, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) e livre-docente em Teoria e Crítica da Arte, pela Universidade Estadual Paulista ‘Júlio de Mesquita Filho’ (UNESP).

AFILIAÇÃO: Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Instituto de Artes (IA), Departamento de Artes Plásticas. Rua Dr. Bento Teobaldo Ferraz 271, 01140-070 São Paulo, Brasil.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO:

Este artigo aborda o artista plástico Peter de Brito em três momentos: O fotógrafo experimental, o performer que faz uma auto-abordagem fotográfica, e o pintor de gente anônima cujas imagens eróticas foram encontradas na Internet. Considera-o, além do mais, um digno representante da Contemporaneidade.

Palavras-chave: Peter de Brito / Fotografia / Contemporaneidade / Auto-Abordagem, Erotismo.

 

ABSTRACT:

This article focuses on artist Peter de Brito in three moments: The experimental photographer, the performer who makes a photographic self-approach, and the painter of anonymous people whose erotic images were found on the Internet. It considers him, moreover, a worthy representative of the Contemporaneity.

Keywords: Peter de Brito / Photography / Contemporaneity / Self-Approach / Eroticism.

 

A cena contemporânea: época pós-utópica

Num escrito publicado primeiramente em 1984, Haroldo de Campos, discorrendo sobre aquela atualidade e a questão do exercício poético, propõe o conceito de Pós-Utópico, ao invés de Pós-Moderno, justificando isto do seguinte modo: se Baudelaire, que inaugura a Modernidade, ainda opera com formas da tradição poética, Mallarmé, com o Un coup de dés jamais n’abolira le hasard (1897), já é um pós-moderno — então, num tempo em que as utopias (entendidas como projetos alternativos, como expectativas de mudanças futuras) minguaram, melhor seria chamá-lo pós-utópico.

Sem perspectiva utópica, o movimento de vanguarda perde o seu sentido. Nessa acepção a poesia viável do presente é uma poesia de pós-vanguarda, não porque seja pós-moderna ou antimoderna, mas porque é pós-utópica (Campos, 1997: 268).

Daí, discorrendo sobre o poema pós-utópico, depreende-se que Haroldo de Campos o vê como uma factura aberta à pluralidade das possiblidades do hoje.

Ao projeto totalizador da vanguarda, que, no limite, só a utopia redentora pode sustentar, sucede a pluralização das poéticas possíveis. Ao princípio-esperança, voltado para o futuro, sucede o princípio-realidade, fundamento ancorado no presente (Campos, 1997: 268).

Estas considerações de H. de Campos, passados 30 anos, podem ainda ser consideradas válidas, extrapolando, também, o âmbito do poema, propriamente, e estendendo-se para todas as manifestações artísticas — é o que se observa nos artistas mais representativos de hoje: o não-sectarismo, a quase-ausência de teorias (de)limitadoras, e a abertura para os muitos recursos disponíveis, em termos de técnicas, processos, métodos e materiais. Peter de Brito sem propriamente conhecer a teoria haroldiana seguiu, como que à risca, essa deixa.

 

1. Peter de Brito: a formação do artista

Pesquisa, busca, investigação nortearam o período de formação de Peter de Brito (nascido em 1967), desde a interiorana Gastão Vidigal, sua cidade natal, até a chegada à capital do Estado — São Paulo — onde, já com um certo repertório livresco pôde, no Instituto de Artes da UNESP, cursar o Bacharelado em Artes Plásticas, que lhe deu o ensejo de esmerar sua práxis artística, discutir o que via e aprendia em História Arte, visitar instituições culturais que, com seus poucos originais de extrema qualidade, contribuíram para aquisição de um alto repertório em termos de Artes Visuais. Daí, sua curiosidade extremada na ânsia de conhecer em profundidade técnicas, métodos e processos fez com que adentrasse os segredos de alguns artistas e seus “modos”, umas tantas tendências artísticas e outros muitos métodos-processos, e os refizesse para que pudesse operar com conhecimento de causa, somando-se a isto a pesquisa com os materiais: tradicionais e novos. Com um repertório artístico elevado, esperou alguns anos até que viesse a fruir grandes obras, presencialmente, e não apenas por meio de reproduções e alguns poucos originais: este foi o caso, por exemplo, da obra pictórica e escultórica de Michelangelo Buonarroti, em viagem pela Itália, assim como das pinturas de Caravaggio, o que foi completado com visitas a outros países, com seus museus, como Holanda, Inglaterra e França.

 

2. Experiências artísticas: influências capitais para o fotógrafo experimentador

No trabalho de Peter de Brito — que optou primeiramente pela Fotografia como meio para fazer arte — podem-se notar indícios de toda a tradição em que se insere: dos grandes fotógrafos-artistas como Man Ray, a artistas-pintores que ele admira — e com quem estabelece diálogo: Leonardo, Michelangelo e Caravaggio, entre outros. A propósito, vale lembrar uma afirmação de Jorge Luis Borges, que ficou famosa e que se encontra em “Kafka y sus precursores”:

En el vocabulário crítico, la palavra precursor es indispensable, pero habría que tratar de purificarla de toda connotación de polémica o de rivalidad. El hecho es que cada escritor crea a sus precursores. Su labor modifica nuestra concepción del pasado, como ha de modificar el futuro (Borges, 1983: 711-712).

Peter de Brito caminhou do desenho e pintura para a fotografia e tem trabalhado com séries, como Diálogos à mesa, em que uma natureza-morta se superpõe e antepõe-se ao Cristo da Ceia, de Leonardo da Vinci (Figura 1) e em trabalhos sequenciais isolados, como Mimese (Figura 2), em que, ironicamente, a lavagem de mãos implica uma (pseudo) remoção da cor da pele, valendo uma crítica ao “branqueamento” da negritude brasílica e mundial.

 

 

 

 

Nesse seu ofício de experimentador-fotógrafo, um lucescriptor, Peter de Brito tem recuperado imagens, trazendo-as das profundezas da memória à tona: uma memória visual, fragmentária como toda memória, e persistente, conseguindo resultados surpreendentes, o que lhe tem valido admiração, principalmente por parte de colegas artistas. O aspecto metalinguístico de seu trabalho (citações muitas, diálogo constante com artistas, a fotografia voltada para si mesma) coloca-o numa tradição, da mais legítima que os modernismos e a contemporaneidade têm produzido: a daqueles que fazem do exercício artístico também uma reflexão sobre o fazer, uma reflexão que se centra especialmente nos códigos da visualidade.

 

3. Performance e auto-representação fotográfica

Numa época que prossegue com as mudanças nas linguagens e as radicaliza, o século XX assistiu ao desfazimento da figura — numa espécie de mimeseofobia — chegando à arte não-figurativa, e à arte em que o conceito passou a ser o elemento preponderante. Porém, alguns produtores de linguagem mostraram que a arte do retrato ainda era possível: foi o caso de um Amedeo Modigliani, na 2ª década do século XX e, atuando mormente dos anos 1960 aos 80, Andy Warhol, mais alguns outros poucos, como Chuck Close, que retrataram com vigor humanos seres.

O trabalho de Peter de Brito, artista do desenho e da fotografia, é autônomo, porém tributário, ao mesmo tempo, de toda a tradição do retrato (do autorretrato): do trabalho dos fotógrafos-artistas, do universo duchampiano — readymade, Rrose Sélavy (Darcy Dias, para Brito), trocadilhos — e do repertório da Arte Pop. Seus autorretratos, num processo frenético de metamorfose, apropriam-se de capas de revistas famosas, nas bancas do Brasil, e se dispõem (são 25 revistas/capas) numa vitrine (-display): peças atraentes e intocáveis! Aí, o trabalho ganha a dimensão de objeto e/ou instalação. A figura-humana de Peter de Brito se configura galã, ator de filme pornô, drag-queen, noiva, socialite, vedete, esportista e outras personae, em trocadilhos visuais, casados à perfeição com os trocadilhos verbais nas capas de revistas, que se metamorfoseiam: CLÁUDIA é CRÁUDIA, BRAVO! é BRABO!, CULT é CULTA, PLAYBOY é PLAYBOF etc (Figura 3). Tal trabalho foi exposto, juntamente com outros, na Galeria Emma Thomas, no ano de 2008 — Peter de Brito: From Gastão to the World — mostra esta que se constituiu numa espécie de site specific: simulacro de uma loja das que trabalham com grandes grifes. A mostra foi considerada pelo crítico e artista plástico Ricardo Coelho como a melhor dentre as acontecidas em São Paulo, no mencionado ano (Coelho, depoimento ao autor, 2008).

 

 

Fazendo uso da paronomásia, o trabalho de Peter de Brito adentra o universo das poéticas intersemióticas (Jakobson, 1974: passim) e mostra que Arte e Humor podem estar unidos com um único objetivo: o de sondar o Admirável. Por outro lado, o teor metalinguístico do trabalho salta, dado o diálogo paródico-burlesco que estabelece com as revistas, objeto de uma leitura especial: irônica e amorosa.

 

4. Auto-representação de outrem, no universo erótico

Não fora a etimologia, que aponta para a prostituição, dir-se-ia ser Peter de Brito um artista pornográfico, já que a pornografia pode ser considerada parte integrante do erotismo, e tendo em conta que o termo “erótico” tem sido utilizado para legitimar como Arte todo um setor da produção de linguagem que utiliza as práticas sexuais, ou insinuações das mesmas, como tema (Coli, 2013: 1). Em verdade, não parece ser justo estabelecer limite bem definido entre “erotismo” e “pornografia” — a questão é constatar maior ou menor complexidade na elaboração de obras. Peter de Brito labora num universo em que Eros (o Amor carnal) dá a tônica.

Nesta era da Internet, vislumbram-se fantásticas possibilidades de divulgação de tudo, e para o mundo todo e isto vai de par com uma tremenda sem-cerimônia das pessoas, ansiosas por divulgar a própria imagem, em pelo e sem pejo, só ou acompanhadas, em ação ou estáticas, o que abre as portas, de um lado, para o exibicionismo e, de outro, para o voyeurismo.

Peter de Brito que, desde antes, perseguia esse tema da fama, da celebridade, fez uma espécie de garimpagem e selecionou, dentre milhares de imagens em disponibilidade na Rede, poucas dezenas, e mais cerca de 2 mil, as quais elegeu como material morfo-semântico para os seus cometimentos pictóricos, foto-cinéticos e escultóricos. O fotógrafo-artista já firmado, delegou a outrem a tarefa do registro, apenas se apropriando de imagens escolhidas entre miríades das pesquisadas e encontradas. A oferta, de fato, exorbita!

A exposição que Peter de Brito apresentou, na mesma Galeria Emma Thomas, em 2013: “Refresh: estou ciente e quero continuar”, em que visita sítios com conteúdo erótico/pornográfico, traz um trabalho foto-cinético, no qual, em corte-metralhadora, aparecem, em pouco mais de 2 minutos, mais de 1600 imagens de pessoas exibindo-se, ao mesmo tempo em que se auto-fotografam, sem ou com trajes, a que agregou um som análogo ao da Música Concreta; uma escultura em bronze: oroboro fálico-anal, objeto para decorar paredes; e vinte e três pinturas. Estas, portanto, predominam, sendo todas executadas a partir do estímulo “imagem capturada na Rede”, com a técnica de pintura a óleo (Figura 4, Figura 5 e Figura 6), que Peter desenvolveu num período de quase 3 anos. Referências: Michelangelo — com sua androfilia ou filiandria evidente, comparece desde sempre em facturas de Peter de Brito, tendo a considerar os trabalhos fotográficos anteriores em que há a superposição, justaposição e colagem de imagens saídas da Capela Sistina e outras tantas, que foram aproximadas por analogia formal, numa incursão também paronomástica — mais Andy Warhol, Lucian Freud, Alair Gomes, Robert Mappelthorpe, Cindy Sherman e outros. Sem ornamentos kitschizantes, traz o vulgar para o âmbito erudito, com títulos inusitados. Peter de Brito faz um trabalho que almeja se aproximar do que de melhor a arte erótica ou pornoerótica tem produzido: das pinturas e esculturas de Pompeia (que ele pôde ver de perto) ao trabalho fotográfico de Alair Gomes, passando pela xilogravura japonesa e filmes, muitos, que adentram o universo das práticas de Eros e Afrodite.

 

 

 

 

 

 

O Realismo pode ser detectado no trabalho pictórico de Peter de Brito, não pura e simplesmente pelo modo como opera uma espécie de mimese, avizinhando-se da fotografia, mas pelo fato de os complexos sígnicos apontarem para objetos passíveis de serem existentes, evocando a Semiótica peirceana (Santaella, 2000: passim). Outrossim, o processo de elaboração das imagens comporta muito de indexicalidade própria do signo fotográfico, mais aquela detectável em toda arte figurativa (o signo intentando conformar-se ao objeto). A ambiência pornoerótica acaba por contaminar tudo, colocando, no mesmo universo, uma auto-felação e uma abóbora fálica, ressaltando o caráter metafórico do signo. O vídeo Fresh mais o objeto em bronze polido, oroboro (Figura 7), completam a cena: festa de Eros, orgia de Dioniso…

 

 

 

Conclusão

As facilidades são justamente as dificuldades de ser-se um artista plástico hoje. Peter de Brito vive uma época da Arte em que não é a excelência de um afazer o que conta, mas o conhecimento de uma grande variedade de afazeres, cuja não-especialização é compensada pela capacidade de relacionar técnicas e métodos, mesmo que, para isto, seja necessário o socorro de técnicos-especialistas e, portanto, a delegação de tarefas a outrem. Peter de Brito sabe e faz e, quando solicita o know how de um técnico, sabe como orientá-lo para aquilo a que pretende chegar. Tem a consciência, por outro lado, de que (quase) todas as tecnologias de (quase) todas as épocas estão por aí, disponíveis — mesclando-se com o que há de mais atual — e que é só ver e utilizar o que é adequado para o seu propósito. Registra anseios da Contemporaneidade. É um artista do Hoje, que se projeta para o Devir. Mesmo não estando incorporado, propriamente, ao mercado de arte, Peter de Brito trabalha incansavelmente, em sua pluralidade e coerência. Um mestre, na classificação elaborada por Ezra Pound (1970: 42-43). Se já não se vive um tempo em que as invenções artísticas pululam, a pesquisa, a busca, as tentativas de se chegar a algo novo — herança das vanguardas históricas — continuam na ordem do dia. Peter de Brito investe cérebro e sensibilidade em prol de uma arte que venha a trazer novas mensagens e formas surpreendentes.

 

Referências

Revista Artéria 10 (2011) São Paulo: Nomuque Edições.         [ Links ]

Borges, Jorge Luis (1983) Obras Completas: 1923-1972. Buenos Aires: Emecé         [ Links ].

Campos, Haroldo de (1997) “Poesia e Modernidade: Da Morte da Arte à Constelação. O Poema Pós-Utópico.” In: O Arco-Íris Branco: ensaios de literatura e cultura. Rio de Janeiro: Imago, p. 243-269.

Coli, Jorge (2013) Texto de apresentação do folheto da exposição “Refresh — Estou ciente e quero continuar”. São Paulo: Galeria Emma Thomas.

Jakobson, Roman (1974) Linguística e Comunicação. 7ª ed. Trad. de I. Blikstein e J. P. Paes. São Paulo: Cultrix.         [ Links ]

Pound, Ezra (1970) ABC da Literatura. Trad. de A. de Campos e J. P. Paes. São Paulo: Cultrix-CEC.         [ Links ]

Santaella, Lúcia (2000) A Teoria Geral dos Signos: como as linguagens significam as coisas. São Paulo: Pioneira.         [ Links ]

 

Artigo completo recebido a 11 de Janeiro e aprovado a 24 de janeiro de 2015

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico:omarckhouri@gmail.com

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