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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.6 no.11 Lisboa jun. 2015

 

ARTIGOS ORIGINAIS

ORIGINAL ARTICLES

A Vida em Fluxo na Obra de Orlando Maneschy

Life streaming in the work of Orlando Maneschy

 

Keyla Tikka Sobral*

*Artista Visual.

AFILIAÇÃO: Universidade Federal do Pará (UFPA), Instituto de Ciências da artes (ICA), Programa de Pós-Graduação em Artes (PPGARTES), Mestrado Acadêmico em Artes. Avenida Magalhães Barata, 611. CEP: 66.060-281— São Brás — Belém — Pará — Brasil.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO:

Este artigo aborda a série ‘Desaparições’ do artista paraense Orlando Maneschy constituída por vídeos de performance realizados na Alemanha, Suíça, Brasil e em que vem refletir sobre invisibilidade-visibilidade a partir da região que habita, a Amazônia.

Palavras-chave: Fluxo / Amazônia / Orlando Maneschy / Arte Contemporânea.

 

ABSTRACT:

This article discusses the art series ‘Desaparições’ of Orlando Maneschy, which are vídeos of performances held in Germany, Switzerland, and Brazil reflecting on invisibility-visibility departing from the region that inhabits, the Amazon.

Keywords: Flow / Amazon / Orlando Maneschy / Contemporary Art.

 

1. Introdução

Ao analisarmos as práticas estético-poéticas realizadas na Amazônia, nos deparamos com o instigante trabalho do artista paraense Orlando Maneschy, que vive e trabalha numa das capitais da Amazônia com bastante efervescência artística, que é Belém do Pará. Maneschy é artista visual, curador independente e crítico. Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo — PUC/SP. É curador da Coleção Amazoniana de Arte da Universidade Federal do Pará — UFPA. Participa de projetos no país e no exterior, como: Projeto Arte Pará, de 2008 a 2010; Amazônia, a arte, 2010; Caos e Efeito, 2011, (curadoria); Wild Nature, Alemanha, 2009; Equatorial, Cidade do México, 2009; Entre o Verde Desconforto do Úmido, 2012 (artista), etc.

Iniciou seus trabalhos como fotógrafo na associação Fotoativa, onde muitos fotógrafos do Pará também iniciaram suas carreiras profissionais; em 1990, junto com Cláudia Leão, Mariano Klautau Filho e Flavya Mutran formou o grupo Caixa de Pandora, atuante neste período como disseminador de uma nova cultura de produção fotográfica, realizando projetos de instalações com fotografia e vídeo num momento em que se discutia o lugar do que viria a ser chamado depois de arte contemporânea. Por mais dez anos realizou um trabalho sobre a noite de Belém fotografando drag-queens, travestis, transformistas e transexuais, trabalho este que ganhou o Prêmio Marc Ferrez, em 1998, dentre outros prêmios.

Depois começou a pensar no espaço e em um corpo performático, e o convite para cantar através do seu Karaokê D’Or estava lançado. O artista realiza karaokês, constrói instalações em que o Karaokê e outros elementos, como plantas, fotografias, globos de espelhos, confetes ganham espaço. Músicas brasileiras e estrangeiras ficam rolando num ambiente nostálgico, invariavelmente com o globo de luzes de cristal no teto. “Quando trago o Karaokê D’Or para o meio da arte, penso justamente na desmontagem da imagem, pois sei que vários de nós se desmontam no Karaokê. A minha busca não é pela imagem espetacular, mas sim pela desmontagem das máscaras, pelas possibilidades presentes na experiência com o outro” (Maneschy, 2013: 310).

Maneschy acredita na potência de inventar e reinventar outros lugares, seu limite na criação é não ter limite algum; existe apenas uma ponte, e, a nós cabe atravessá-la, como uma metáfora da vida e o fazer artístico de Maneschy se mistura com a sua própria, onde o seu papel de protagonista reside em apenas vivê-la.

Como afirma a artista-pesquisadora Oriana Duarte sobre a obra de Maneschy:

O canto do meio. O que ele faz ali no meio? Meio aparência de grama, de jardim, de floresta, meio da selva [Série Desaparições, 2008]. Novamente o dorso, agora inscrito por uma flâmula. Dorso nu, espesso de pelos [para sempre?] e exibido na sua desesperada vitalidade: desejo quase impensável do outro, vontade, zelo pelo outro. No meio, transbordo e exercito um modelo de desejo mais forte (Duarte, 2013: 32).

 

2. Desaparições

Este artigo aborda a Série Desaparições, que são performances orientadas para o vídeo realizadas na Alemanha, Suíça, Brasil e em Portugal que vem refletir sobre invisibilidade-visibilidade a partir da região que habita, que é a Amazônia. O trabalho nasce pelo desejo de refletir sobre as produções artísticas nessa região e escolhi pensar nos processos constituídos na região no que tange a discussão sobre o lugar do artista, questões de visibilidade-invisibilidade e metáforas que nos levam a conjecturar sobre o que estabelecemos enquanto potência de criação em relação ao nosso próprio lugar e as questões especificas deste. Nesse contexto, optei por abordar a obra artística do artista visual, curador e pesquisador Orlando Maneschy, em especial aquelas que tangem a relação com o visível, o invisível e o desaparecimento.

Faço minha tradução particular da obra de Maneschy, que nos convida a adentrar numa Amazônia, numa busca interior, numa invisibilidade da qual fazemos parte enquanto sujeitos dentro de uma região periférica, como afirma Pareyson:

[...] toda leitura de uma obra de arte é uma criação nova, um verdadeiro e próprio refazer, já que no seu aspecto externo a obra é uma realidade inerte e muda, à qual se trata de infundir vida e espirito, e onde atingir esta vida e este espirito senão na espiritualidade viva? (Pareyson, 2001: 202) .

Partimos, então, da Série Desaparições, iniciada em 2008 na cidade do México, e que o artista vem desenvolvendo desde então. Neste projeto Orlando Maneschy escolhe uma espacialidade — compreendendo que esta é um ambiente “natural”, sendo construído pelo homem ou organizado pela natureza, por exemplo: um bosque, um campo, um terreno baldio, uma floresta etc. — , para nesta adentrar e penetrá-la em uma performance que ocorre até onde o corpo consegue atingir em linha reta dentro do ambiente (Figura 1, Figura 2). Assim, Maneschy já entrou em um bosque parando apenas quando este se fechou em um espinheiro; andou por um platô no México até se deparar com um penhasco; caminhou no bosque até cair em um rio na Suíça; atravessou num campo em Portugal até afundar em um lamaçal etc. Em todas essas performances das Desaparições, capturadas em vídeo, o artista anda por um longo tempo, mas o resultado final é um vídeo que contém o tempo no qual o artista permanece até “perder de vista”. Assim o que temos são dados de particular significância inscritas em vídeo: 1) o olhar subjetivo — o vídeo é registrado em sua maioria por um outro, com a câmera na mão, que por mais firme que seja, registra o leve movimento de respirar do observador, o que confere uma presença, a qual o artista deseja afirmar, desse alguém que olha, e, que ao exibir em vídeo nos captura a esse papel; colocando-nos ainda, assim, também numa condição de corpo-performador junto a ele, fazendo com que este vídeo não seja meramente um registro de uma performance, mas um campo para o pensamento sobre a performance e a imagem, bem como acerca da passividade dos papéis assumidos em relação a imagem; 2) o tempo da imagem — a despeito da performance, por vezes, demorar longos minutos, o que é exibido como resultado final em vídeo normalmente dura em torno de um minuto, tempo em que o artista permanece no campo visual da cena, mesmo que por vezes, camuflado na paisagem. É apenas quando não resta nenhum resíduo do corpo, de sua presença, que o vídeo acaba na edição, mesmo tendo sido filmado por mais tempo. Assim, há um recorte preciso de um entre-tempos que o artista destaca para que seja exibido e que, no modo de exibição looping reitera um eterno-retorno a ação da performance.

 

 

 

 

Diante desses dois vetores tempo-visuais, podemos refletir acerca do que o artista nos conclama a pensar sobre a desaparição. É a desaparição do ego diante da natureza? É a repetida chamada ao abandono? É uma observação acerca da passagem do tempo da vida? Quem é esse sujeito que desaparece? Que é o sujeito que vê? Como afirma o curador Ricardo Resende do 30 Arte Pará, projeto no qual Maneschy foi o artista convidado:

Mas o que Orlando propõe em seus vídeos performances é uma fusão do espaço e do tempo, marcados pela presença de um corpo que caminha dentro da paisagem. Ou ainda, a ação seria o retorno para dentro da paisagem. É como se o artista, diferentemente daquela reflexão inicial deste texto, não quisesse ficar atrás da janela (aqui a imagem captada pela lente da câmera de vídeo funcionaria como uma janela imaginária a enquadrar uma paisagem descortinada à sua frente). A ação nada mais é do que aquela que o artista sai detrás da câmera e insere-se na paisagem que está sendo registrada ou “pintada” (Resende, 2012: 99)

 

3. Artista-caboclo-desbravador

Maneschy é artista atuante na Amazônia, um território ainda muito cobiçado por suas riquezas naturais, de disputas político-sociais, um território periférico e de grande diversidade cultural.

Seu trabalho suscita outras questões, surge como um desbravador — o que tomo a liberdade da criação, e o intitulo de artista-caboclo-desbravador — , aquele que não foge as suas origens, suas herança familiar. Através desses vídeos o artista nos indaga: Que Amazônia é esta que nos cerca e que faz parte de nós? E surge como um convite para uma re-descoberta da região e de si mesmo, como nos propõe a curadora paraense Marisa Mokarzel:

O que marca um lugar? A paisagem? O cheiro? Os sons? Os corpos que se locomovem? A bandeira? O território? Percebo a Amazônia em uma andança sem fim, na qual cumpro os imensos caminhos e perco-me na diversidade da água, da terra (Mokarzel, 2012: 57).

Adentrar a mata no sentido de entender sua própria história e suas particularidades, disparadas pelo ato da performance. O corpo do artista-caboclo-desbravador segue andando como uma vontade potente de descobrir os mistérios de uma Amazônia múltipla. A integração do homem-natureza, um voltar à sua origem. Maneschy que se transmuta, ora artista, ora parte da paisagem (Figura 3). Segundo o filósofo e poeta João de Jesus Paes Loureiro:

Penetrar na floresta, navegar nos intermináveis e incontáveis rios (aproximadamente 14 mil cursos d’água) provoca a sensação de estar distante do “mundo” e não a de estar diante do próprio universo (Loureiro, 2001: 71).

 

 

Maneschy vem trabalhando ora como artista, ora como curador, como resistente, insistindo na pesquisa dentro da poética amazônida, mostrando as possibilidades estéticas que sai de dentro da floresta. Detenho-me na série de videos Desaparaições por ser uma de suas obras mais pungentes e que apresentam melhor sua identidade. Aqui Maneschy também é conquistador, mas do próprio território. Uma re-conquista, uma retomada. Uma espécie de maravilhamento interior.

A terminologia caboclo que utilizo, que nomeio o artista é no sentido de origem; uma das raízes do artista, como da maioria dos brasileiros é a mestiçagem, que traz o sangue origem indígena e portuguesa, por vezes miscigenada com outras culturas, como de muitas pessoas que nasceram em Belém do Pará, (no caso de Maneschy, ainda a origem polaca faz parte dessa mistura). E o termo desbravador também faz referência a origem, afinal Amazônia fora um território-alvo de muitos viajantes, mas aplicamos este termo de maneira diferente. Maneschy é um desbravador de sua própria identidade, quer entender a si mesmo, quer entender sua configuração pessoal naquele espaço-ambiente.

 

4. Conclusão

Desaparições é caminho para um território de conquista, conquista de uma identidade, que se mistura, que se remodela, que é sensível propiciando assim novos olhares, novas leituras sobre nosso viver numa Amazônia contemporânea.

É o devir do homem amazônico no espaço em que vive, refletindo acerca de questões disparadoras que perpassam nosso espaço. É a busca identitária den-identitária dentro de um mundo cada vez mais sem fronteiras, uma espécie de narratividade de sua própria existência. Como diz Eco (2006: 238): “A arte diz-nos sempre alguma coisa acerca do mundo em que vivemos, mesmo que não fale de assuntos históricos e sociológicos”.

Maneschy escreve através de imagens, sua verve contemporânea e se lança na floresta sem medo. Vem imprimir seu modo de ser no mundo, entender suas origens, seu pensamento e suas concepções estéticas. E como artista-caboclo-desbravador que é, convida-nos a procurar novos caminhos. Que Amazônia é esta que nos cerca e que faz parte de nós? Surge como um convite para uma re-descoberta da região e de si mesmo.

 

Referências

Duarte, Oriana. (2013) [sem título] In Catálogo do Programa de Fotografia 2012/2013. Centro Cultural São Paulo. São Paulo: CCSP.         [ Links ]

Eco, Umberto. (2006) A Definição da Arte. Lisboa: Edições 70.         [ Links ]

Loureiro, João de Jesus Paes. (2001).Obras Reunidas: poesia I. São Paulo: Escrituras Editora.         [ Links ]

Maneschy, Orlando. (2013) Entrevista com Orlando Maneschy. In: Rezende, Renato; Bueno, Guilherme [Org.] Conversa com curadores e críticos. 2 ed. — Rio de Janeiro: Editora Circuito, Lamparina.

Mokarzel, Marisa. (2013) “Terras Amazonianas, Terras Brasis.” In Maneschy, Orlando Franco [org.] Amazônia Lugar da Experiência. Belém: Ed. UFPA.

Pareyson, Luigi. (1997) Os problemas da estética. São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Resende, Ricardo. (2013) Arte Pará ano 30. In: Fundação Romulo Maiorana. Catálogo do 30 Salão Arte Pará. Belém.         [ Links ]

 

Artigo completo recebido a 13 Janeiro e aprovado a 24 de janeiro de 2015

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: keylasobral@msn.com

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