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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.6 no.11 Lisboa jun. 2015

 

ARTIGOS ORIGINAIS

ORIGINAL ARTICLES

Entre arte e documento: as fotografias da Mídia Ninja e a cultura da convergência

Between art and document: Mídia Ninja’s photography and the convergency culture

 

Guilherme Marcondes Tosetto*

*Fotógrafo. Bacharelado em Comunicação Social pela Universidade de Londrina (UEL), Pós-Graduação em Fotografia pela Universidade de Londrina (UEL) e Mestrado em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

AFILIAÇÃO: Universidade de Lisboa (UL), Faculdade de Belas-Artes (FBA), Doutoramento em Belas-Artes. Largo da Academia Nacional de Belas-Artes, 1249-058, Lisboa, Portugal.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO:

Este artigo apresenta parte da produção fotográfica recente da Mídia Ninja, uma rede de produtores de conteúdo documental e jornalístico, que teve algumas imagens incorporadas ao acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo em 2014. Procuro refletir a assimilação destas fotografias no campo das artes plásticas sob a ótica da cultura da convergência.

Palavras-chave: fotografia / mídia / cultura da convergência.

 

ABSTRACT:

In this article I look to portrait Mídia Ninja’s recent photographic production, a communication network that produces documental and jornalistic content, whose images were incorporated to the collection of the São Paulo Museum of Modern Art, and to show the perception of such images in the field of visual arts thought the lens of the convergence culture.

Keywords: photography / media / convergence culture.

 

Introdução

Este texto procura apresentar um conjunto de fotografias de autoria da Mídia Ninja, uma rede de comunicadores espalhados pelo Brasil que produz informação documental ao registrar manifestações públicas, atos sociais e pequenas histórias relegadas pela grande mídia do país, e refletir a entrada destas imagens no campo das artes visuais.

Em 2014, um conjunto de fotografias da Mídia Ninja foi incorporado ao acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo. São imagens produzidas durante os protestos que tomaram as ruas do Brasil em junho de 2013, e que ao adquirirem a condição de obras de arte se tornaram alvo de debates, tanto por terem sido produzidas com finalidade documental e jornalística, quanto pela diluição da autoria que se esconde por trás desta rede.

O que me interessa nestas imagens é o caráter que elas podem assumir ao circular em diferentes mídias e suportes, podendo ser entendidas tanto como documento quanto obra de arte. Este movimento é característico dos produtos da “cultura da convergência”, termo apresentado por Henry Jenkins (2009) no livro homônimo, e que destaca uma recente mudança de paradigmas na comunicação social.

 

1. Mídia Ninja no Museu

Quatro fotografias, do vasto material produzido pela Mídia Ninja na cobertura dos protestos que tomaram as ruas do Brasil em meados de 2013, passaram a fazer parte do acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo em 2014. Antes de completar um ano de existência as imagens já haviam ganhado status de obra de arte e foram apresentadas pela primeira vez na exposição “Poder Provisório” no próprio museu, em março de 2014 (Figura 1).

 

 

O trabalho da rede foi selecionado por meio do Clube de Colecionadores de Fotografia da instituição, onde a cada ano, alguns nomes são escolhidos pelo curador Eder Chiodetto para entrar para o acervo do MAM-SP. Os artistas indicados doam a obra ao museu, que, por sua vez, produz cópias que são integradas ao acervo e distribuídas entre os sócios. Em entrevista recente, o curador explica o funcionamento do Clube.

A cada ano submeto ao Conselho Consultivo de Artes e ao curador do museu uma lista de fotógrafos ou artistas plásticos que utilizam fotografia em seus processos criativos. Aprovamos cinco nomes, dentro de algumas linhas de pesquisa que criei para dar maior consistência ao acervo e preencher lacunas que ele ainda possui. Cada um desses cinco selecionados são convidados a doar uma obra ao museu. Mas essa escolha é bastante debatida entre eu e o fotógrafo convidado, para que ela seja bem representativa do trabalho dele e dialogue de forma orgânica com o acervo (Folha de São Paulo, 8 de novembro 2013:1).

Ainda nesta entrevista Chiodetto aponta algumas razões para a inclusão da Mídia Ninja na última lista aprovada pelo MAM. “Significa que o museu segue na sua linha de questionar e lançar perguntas sobre o estatuto da fotografia no contexto da arte contemporânea” (Folha de São Paulo, 2013:1). Esta afirmação se torna interessante por explicitar o interesse do museu em arte contemporânea, mesmo sendo nomeado como um museu de arte moderna, e de questionar a função da fotografia na contemporaneidade.

Os outros motivos apresentados são justamente os que interessam a esta reflexão: a relevância da Mídia Ninja ao produzir conteúdo que discute o papel da imprensa tradicional, e o fato de não serem artistas, mas produzirem fotografias interessantes e que podem ser tidas como obras de arte. “A Mídia Ninja teve um protagonismo imenso ao trazer a público um debate sobre a crise da representação dos fatos na imprensa. Mas eles não são artistas, são jornalistas” (Folha de São Paulo, 2013:1).

A distinção entre artistas, jornalistas e outros produtores de fotografias se torna cada vez mais tênue à medida que ações como a entrada da Mídia Ninja no acervo do MAM-SP acontecem. E assim o museu traz a tona propositalmente o diálogo entre arte e documento no campo da fotografia, que é tão antigo quanto a existência desta mídia, procurando transpor o abismo que os separam ao longo da história.

Reconhecemos o diálogo fértil entre arte e documento, valorizamos as matizes e sobreposições entre uma coisa e outra. Mas estamos falando ali de um abismo que separa o fotojornalismo cotidiano dos caminhos trilhados pela arte moderna e contemporânea, que têm sido o foco desse museu (Entler, 2014:1)

Ao observamos algumas das imagens (Figura 2 e Figura 3) que agora fazem parte do acervo do MAM podemos confundi-las com outras tantas imagens que estamparam jornais, revistas, sites e inundaram as redes sociais em 2013 e deram visualidade ao momento de ebulição social no país. Se tentarmos justificar a escolha das fotografias da Mídia Ninja através de suas qualidades plásticas não chegaremos a uma conclusão elucidativa sobre o porquê destas imagens terem se transformado em obras de arte, em detrimento de outras tantas produzidas no mesmo período e nas mesmas circunstâncias.

 

 

 

 

“O que interessa ao museu é preservar o debate que eles trouxeram à tona e não o modus operandi” (Folha de São Paulo, 2013). O caminho para clarificar a escolha das fotografias da Mídia Ninja é justamente a sua postura enquanto criadores, que se ocupam da circulação destas imagens contemporâneas. A relevância da escolha também está na maneira como se constituem, enquanto uma rede colaborativa que se dilui por trás de uma nomenclatura, gerando conteúdo distribuídos em diversos suportes, sujeitos a várias leituras e a margem de um sistema constantemente redimensionado pela cultura da convergência, como explicitaremos adiante.

 

2. Arte e documento em tempos de convergência

Um dos pontos interessantes nestas fotografias é o caráter que elas assumem ao circularem em diferentes mídias e suportes, podendo tanto ser documento como obra de arte. Esta dicotomia que acompanha a fotografia ao longo de sua história pode ser repensada atualmente sob a ótica “cultura da convergência”, estudo apresentado por Henry Jenkins (2009) e que destaca mudanças na comunicação humana advindas da cultura digital e da produção contemporânea de informação.

Segundo o autor houve um deslocamento da noção de conteúdo produzido para um fim específico, em direção a um conteúdo que flui por vários canais, acessado de modos diferentes e em múltiplas mídias. Em alguns casos, principalmente quando se trata de imagens, o mesmo conteúdo que pode ter diferentes leituras se vistos em uma página de jornal, em um site, ou mesmo na parede de um museu, como, por exemplo, a Figura 4. Ela pode tanto ilustrar um artigo sobre as manifestações no Brasil, quanto servir de documentação de um movimento que chacoalhou a política brasileira, ou mesmo revelar uma história de amor entre dois jovens, e ainda possibilitar todas estas leituras ao visitante do museu que a possui em seu acervo.

 

 

Refletir também sobre como os tradicionais suportes se mesclam com as novas telas advindas da cultura digital e ampliam a leitura das imagens é interessante porque podemos entender as potencialidades e o alcance que as fotografias podem atingir. Não há mais uma delimitação de como são distribuídos os conteúdos midiáticos, eles se interpõem, se adaptam e são acessados de diversas maneiras podendo gerar novos sentidos e até outros conteúdos.

Jenkins (2009: 53) faz ainda uma reflexão interessante sobre a criação corporativa e a ‘alternativa’ sob a ótica da convergência. Ao mesmo tempo que as empresas de mídia estão aprendendo a acelerar o fluxo de conteúdo pelos canais de distribuição para aumentar as oportunidades de lucros, ampliar mercados e consolidar seus compromissos com o público, os consumidores estão aprendendo a utilizar as diferentes tecnologias para ter um controle mais completo sobre o fluxo da mídia e para interagir com outros consumidores.

O autor ressalta também o papel do público na produção de conteúdos. Ele tanto pauta como participa, contribuindo com novas informações e ainda repercute e faz circular o que há de mais interessante entre as mídias.

Neste sentido a Mídia Ninja atua como uma fonte alternativa de informação, como um consumidor que se transforma em criador, produzindo pautas renegadas pela mídia tradicional e que convida seus leitores a se tornarem ‘Ninjas’, procurando acessar outras pequenas histórias relacionadas a temas maiores de interesse público.

Pensamos em hipertexto, trabalhamos em rede, aprendemos de maneira interdisciplinar, nossas criações são híbridas. O fazer fotográfico se reconfigura influenciado por essa realidade. (Queiroga, 2010: 12)

O caráter coletivo da rede favorece a multiplicidades de olhares e de temáticas contempladas em suas criações e também questiona a noção do autor na contemporaneidade, espelhando a difícil distinção atual entre produtores e consumidores de informação. Esta dispersão no processo criativo favorece o surgimento de novos conteúdos cada vez mais híbridos e inclassificáveis, como estas fotografias que podem tanto servir ao documentarismo quanto à arte.

 

Conclusão

As criações documentais da Mídia Ninja e sua rápida inserção no campo da arte chamam atenção para a mudança no entendimento da fotografia enquanto mídia, que carrega um mesmo conteúdo visual que pode circular entre diferentes áreas do conhecimento humano, gerando novas leituras.

Entendê-las como produtos da cultura da convergência nos ajuda a superar o antigo debate entre arte e documento que se instaurou no campo da fotografia ao longo de sua existência. E permite ampliar a discussão acerca de outras produções artísticas contemporâneas, marcadas pelo hibridismo e pela interdisciplinaridade que surgem e questionam as bases estabelecidas nas artes visuais.

 

Referências

Entler, Ronaldo (2014) Poderes provisórios, imagens impertinentes. In Icônica (site). Disponível em http://iconica.com.br/site/poderes-provisorios-imagens-impertinentes/         [ Links ]

Henry, Jenkins (2009). Cultura da convergência. São Paulo: Aleph.         [ Links ]

Queiroga, Eduardo (2010). Fotografia: da ausência do sujeito ao coletivo contemporâneo. XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Caxias do Sul.         [ Links ]

 

Artigo completo recebido a 8 de Janeiro e aprovado a 24 de janeiro de 2015

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: guilhermetosetto@gmail.com

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