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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.6 no.11 Lisboa jun. 2015

 

ARTIGOS ORIGINAIS

ORIGINAL ARTICLES

Luminaris: sob a Luz do Cinema de Atrações

Luminaris: under the Light of Show Film

 

Eliane Muniz Gordeeff*

*Graduação em Desenho Industrial, habilitação Programação Visual, Universidade Federal do Rio de Janiero (UFRJ); Mestre em Artes Visuais, UFRJ.

AFILIAÇÃO: Universidade de Lisboa (UL), Faculdade de Belas-Artes (FBA), Centro de Investigação e Estudos de Belas Artes (CIEBA). Largo da Academia 2, 1249-058 Lisboa, Portugal.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO:

O objeto deste artigo é apresentar como um meio audiovisual carrega em sua imagem, movimentos e estética de outro meio audiovisual. O recorte é a animação em Pixilation, Luminaris (2011), de Juan Pablo Zaramella premiada internacionalmente, que mesmo com a criação artificial dos movimentos, apresenta similaridade visual com as primeiras produções do Cinema, como Viagem à Lua (1902), de Georges Méliès.

Palavras-chave: Imagem animada / Pixilation / Stop motion / Primeiro Cinema.

 

ABSTRACT:

The object of this paper is to present how a medium carries in his image, movements and aesthetics of other audiovisual medium. The focus is on the animation in Pixilation, Luminaris (2011), by Juan Pablo Zaramella internationally awarded, which even with the artificial creation of movements, presents visual similarity with the early productions of Cinema, as Trip to the Moon (1902), by Georges Méliès.

Keywords: Animated image / Pixilation / Stop motion / First Cinema.

 

Introdução

Analisar como um meio audiovisual apresenta em sua imagem, movimentos e estética de outro meio audiovisual — as primeiras obras do Cinema — é o objetivo deste artigo. O recorte escolhido foi o curta-metragem animado Luminaris (2011), do argentino Juan Pablo Zaramella, produzido em Pixilation, onde atores se comportam como bonecos manipulados.

Diretor e animador independente, Zaramella começou a desenhar aos três anos, e aos 17 anos já publicava trabalhos gráficos de humor. Ingressando no Instituto de Cine de Avellaneda, Argentina, formou-se em Direção de Cinema Animado, iniciando a sua vida profissional, e rapidamente seus trabalhos atraíram a atenção de agências de publicidade e produtoras, com os prêmios de Melhor Filme do Ano (INCAA) e o Cóndor de Plata, pelas produções Viaje a Marte (2001) e A Luva (2004) (TV Cidade).

Uma característica de Zaramella é ser pluralista, utilizando diversas técnicas de animação — apesar de se dedicar mais ao Stop motion. E depois de um desenho animado (Lapsus, 2007), e uma animação com bonecos e massinha (Na Ópera, 2010), ele produziu um Pixilation, Luminaris.

O curta-metragem apresenta uma história simples e cômica, que pela indicação da composição de cenários e indumentária, se passa entre as décadas de 1940 e 1950, em Buenos Aires. O personagem principal trabalha em uma fábrica de lâmpadas, onde estas são “fabricadas” através da boca dos seus empregados. Com movimentos característicos da técnica, Zaramella cria situações inusitadas e surreais, típicas das produções animadas. Mas tais cenas, e mesmo a criação artificial desses movimentos, apresentam similaridade visual com as primeiras produções do Cinema, o cinema de atrações (Mascarello, 2006), com a presença de gags, personagens sem profundidade psicológica e a chamada parada para substituição — artifício utilizado para produzir desaparecimentos e transformações durante a cena, através da interrupção das filmagens (Mascarello, 2006: 29) — características presentes em obras como Viagem à Lua (1902), de Georges Méliès.

Inspirada no tango Lluvia de Estrellas, composto em 1948 por Osmar Maderna, o roteiro da animação começou a ser escrito durante uma residência de criação em Abbaye de Fontevraud, com apoio da DRAC de Pays de la Loire, França, em 2008 (Revista Ñ, 2012). Luminaris recebeu 300 prêmios internacionais, dentre eles os prêmios de público e crítica, no Festival de Annecy 2011 (França); o de Melhor Animação, no Anima Mundi 2011 (Brasil), e foi uma das dez produções animadas incluídas na lista da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (EUA), o que a habilitou a ser indicada ao Oscar de 2012.

 

1. As Características de Luminaris

Luminaris é uma daquelas obras que se formam lentamente. A inspiração na música argentina era um pensamento antigo de Zaramella (2014b), pois desde a infância, tinha a sensação de que o tango escondia uma história pelas suas mudanças rítmicas e melódicas, e o utilizou como base para o roteiro. Tal fato, também determinou a estética do filme, com personagens de terno e chapéu, e cenários com elementos arquitetônicos de Buenos Aires, com características Art Nouveau e Art Deco.

Em termos de técnica, Zaramella (2014b) — cujas influências declaradas são Norman McLaren e Jan Svankmeyer, dois mestres da animação experimental — concluiu que o Pixilation era a técnica mais “adequada ao espírito da música”, pela visualidade do movimento capturado, que dá a impressão de inconstância ao longo de sua execução — o que resulta num ritmo visual. Assim, o animador realizou vários testes prévios de movimentação e de animação em Pixilation, o que despertou-lhe outro interesse: a luz.

Como os testes foram feitos ao ar livre, Zaramella percebeu que a movimentação da luz registrada em suas imagens, também era “animada”, e que seria interessante adicionar tal efeito à sua produção — tanto que lhe inspirou o título, Luminaris. Todas as sequências que apresentam o início do dia, mostram o movimento da luz (e das sombras) impelindo os personagens a agirem — como levantar da cama (Figura 1) e irem ao trabalho (Figura 2).

 

 

 

 

A atuação dos personagem também é exagerada — semelhante ao teatro e aos filmes do início do Cinema — o que combina com a surrealidade da história, que se passa na maior parte numa fábrica, onde os personagens criam lâmpadas através da mastigação de pequenas bolas de gude. Vale observar que o exagero, também é um dos Princípios Fundamentais de Animação (Lucena, 2001: 115), — que são regras para a boa representação dos movimentos, que foram difundidas com os sucessos das produções de Walt Disney.

Com uma narrativa simples, Luminaris mostra um personagem que deseja criar lâmpadas, fora da fábrica em que trabalha, mas não consegue acendê-las. É sempre uma funcionária que as acende com o piscar dos olhos: a mulher que “dá à luz” — tal metáfora foi intencional (Zaramella, 2014b). Mas ao ser despedido — pois é flagrado roubando as bolinhas de gude — consegue a ajuda de sua colega de trabalho e fogem em um balão feito com uma enorme lâmpada acesa (por eles criada), tendo como fundo a cidade iluminada — imagens na verdade, de Paris (Zaramella, 2014a) —, fechando o filme com um longo beijo — o que vai de encontro ao romantismo do tango.

As cenas da obra apresentam gags visuais — “a mais completa forma de narrativa do cinema” (Mascarello, 2006: 29) —, uma pequena ação cômica, seja através dos movimentos da animação (a luz que empurra os objetos), ou do absurdo das ações (mastigar uma bola de gude e sair uma lâmpada pela boca) — pois o inusitado e o absurdo são ingredientes para o chiste (Freud, 1969). Aliás a comédia está sempre presente nas obras de Zaramella. Luminaris tem humor ingênuo mas explícito, resultado dos movimentos e ações dos personagens, que lembram os antigos filmes mudos — não há diálogos em Luminaris —, as chamadas Comédias Pastelão (Bergan, 2010) de Charles Chaplin (1889-1977) e Buster Keaton (1895-1966) — as cenas da fumaça que sai dos ouvidos do chefe da fábrica e do chute que o personagem recebe, ao ser demitido, são bons exemplos. Além da surrealidade das ações, como em Melomania, de Georges Méliès (1903), em que o personagem arranca a própria cabeça, colocado-a numa partitura, e o personagem de Luminaris, que retira lâmpadas da boca (Figura 3 e Figura 4).

 

 

 

 

2. O Pixilation e os Primeiros Filmes

O Pixilation, como técnica animada, difere dos outros tipos de Stop motion (massinha, bonecos, areia, pintura sobre vidro, recorte) pois trabalha com atores, e na grande maioria dos casos (exceto quando se utilizam cenários virtuais), trabalha com elementos do mundo real, em proporções reais, o que a aproxima no aspecto plástico e de produção, do mise-en-scène do teatro mas principalmente, dos filmes de vida real, pois em Pixilation, são necessários os mesmos aparatos técnicos — luz, cenários, locações, indumentária e atores. Porém eles não atuam mas são “animados” pelo animador, que deve respeitar e utilizar os Princípios Fundamentais de Animação para a boa representação dos movimentos nas cenas.

As primeiras utilizações do Pixilation — e do Stop motion, na época conhecida como parada para substituição —, foram registradas nos primeiros anos do cinema, em filmes de Thomas Edison (1847-1931), nos EUA, e de Georges Méliès (1861-1938), na França, que entrou para as Histórias do Cinema e da Animação pela sua inventividade e versatilidade. Como ilusionista e dono do Theâtre Robert-Houdin, Méliès utilizou as técnicas que lhe eram familiares unidas aos avanços tecnológicos da nova arte que surgia. Assim, “desenvolveu diversos truques de fotografia aplicada ao cinema: sobreposição, exposição múltipla, fundos pintados, transição de imagens (fade), animação quadro a quadro” (Bergan, 2010: 12), com objetos e pessoas, dominando a produção de filmes de ficção nos primeiros anos, tendo a sua produtora a StarFilms, “escritórios de distribuição nos EUA e em várias cidades da Europa” (Mascarello, 2006: 21).

Sua obra Viagem à Lua (1902) inaugurou o chamado Cinema Ilusionista — que enfatiza “a criação de realidades espaciais e temporais alternativas ou experiências ‘impossíveis’” (Bergan, 2010: 12) — e a ficção científica, influenciando vários cineastas, como Jean Cocteau (1889-1963), Jan Svankmeyer (1934— ) — uma das influências declaradas de Zaramella (2014b) — e Tim Burton (1958 — ). Mas, como uma obra do início do século XX, guarda muita similaridade com a atuação teatral — exagero e tomadas de câmera parada, com a ação que se desenrola à sua frente — e a necessidade de se criar condições técnicas, de se contar histórias e atrair a atenção do público. O Cinema era uma novidade tecnológica.

Para o historiador Tom Gunning, o cinema da primeira década tem uma maneira particular de se dirigir ao espectador, que configura o que ele chamou de “cinema de atrações”. [...] Gunning propôs que o gesto essencial do primeiro cinema não era a habilidade imperfeita de contar histórias, mas, sim, chamar a atenção do espectador de forma direta e agressiva, deixando clara sua intenção exibicionista (Mascarello, 2006: 24).

Esse período do Cinema é dividido em duas fases: de 1894 a 1903, com histórias sem motivações psicológicas profundas e que privilegiam as ações físicas; e depois, até 1907, com produções que utilizam múltiplos planos e narrativas mais elaboradas, com ações cômicas. Há mais ficção que “cinema de atualidades” (Mascarello, 2006: 26), com imagens documentais — como A Chegada do Trem na Estação (Lumiére, 1895).

A partir de 1907, há uma maior organização da indústria cinematográfica, e o Cinema transforma-se na primeira mídia de massa da história. Utilizam múltiplos planos com histórias mais complexas. Na segunda década do século XX, inicia-se o chamado cinema de transição (Mascarello, 2006: 37), e também começam a surgir com grande sucesso, os Slapstick (termo inglês, originário das batidas nas chapas de madeira usadas pelos palhaços para pedir aplausos), as Comédias Pastelão, um tipo de ficção já experimentada pelos Irmãos Lumière, em O Jardineiro Renegado (1895), mas que foi elevada ao patamar de arte refinada graças aos gênios de Charles Chaplin, Buster Keaton, Harold Loyd (18931971), entre outros (Bergan, 2010).

 

Conclusão

No início do século XX, onde ainda não havia as diferenciações técnicas e de narrativa da atualidade, todas as experimentações eram possíveis, aceitas e desejáveis, assim como os efeitos criados para a obra Luminaris, que a destacaram em todas as salas em que foi exibida.

As similaridades plástica e de humor da produção de Zaramella com os primeiros filmes é evidente, mas segundo o próprio animador, a opção estética “foi intencional, mas que igualmente não queria chegar a uma mera recriação da linguagem do cinema mudo, então quis que a cor saturada dominasse todo o curta” (Zaramella, 2014b). Já em relação ao humor, não foi proposital, “mas certamente foi uma influência”.

Como animação Pixilation, Luminaris é criado a partir de um mundo próprio, como os chamados filmes Ilusionistas, divertindo e retirando o público da lógica realista. E como também explica Paul Wells (1998: 90),

Animação tridimensional é directamente relacionada com a expressão de relevância, e, como tal, a criação de uma certa metarrealidade que tem as mesmas propriedades físicas do mundo real. Esta fabricação desempenha essencialmente como versão alternativa da existência material, [...].

E na versão de Zaramella, é possível mastigar bolinhas de gude e ascender lâmpadas sem energia elétrica.

Em termos técnicos logicamente a produção difere dos filmes mudos, na utilização da cor, nos movimentos de câmera, nos efeitos digitais nas substituições dos cenários e no cuidado sonoro. Mas como um filme de experimentação — pois o próprio animador declara e apresenta em seu making of (Zaramella, 2014a), a necessidade de experimentar a técnica —, a própria situação de sua produção também é similar a situação de inovação encontrada pelos primeiros cineastas com o Cinema. Essa possibilidade de explorar e criar novas expressões artísticas, parece favorecer a liberdade criativa, desvinculada de padrões preestabelecidos.

Com essa liberdade expressiva, mas partindo de um tango, Zaramella foi de encontro ao que afirma Paul Wells (1998: 46) sobre as animações experimentais, que estas possuem uma “relação psicológica e emocional, com som e cores que pode ser expressa através da forma livre que caracteriza animação”, e ainda observa que: “se a animação ortodoxa é sobre a ‘prosa’, por conseguinte, a animação experimental é mais ‘poética’ e sugestiva em sua intenção”. No caso, a técnica Pixilation, escolhida por Zaramella, caracteriza visualmente o filme, que com sua narrativa e trilha sonora, formam um exemplo de expressão poética, influenciada pelos primórdios do Cinema, com uma mensagem positiva nos dias de hoje: “a soma de talentos é mais forte que o talento individual” (Zaramella, 2014b).

 

Agradecimento: O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico — Brasil.

 

Referências

A Chegada do Trem na Estação (1895). [Consult. 2014-11-10] Filme em linha. França: diretores e produtores Auguste e Louis Lumière. Disponível em URL: https://www.youtube.com/watch?v=wA3f4ikbEw8         [ Links ]

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Melomania (1903). [Consult. 2014-11-10] Filme em linha. França: diretor Georges Méliès, e produção StarFilms. Disponível em URL: https://www.youtube.com/watch?v=uEqKK_Ue-ME         [ Links ]

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Artigo completo recebido a 12 Janeiro e aprovado a 24 de janeiro de 2015

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: gordeeff@quadrovermelho.com.br

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