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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.6 no.11 Lisboa jun. 2015

 

EDITORIAL

EDITORIAL

Há Estúdios na semiosfera

There are Studios on the semiosphere

 

João Paulo Queiroz*

*Portugal, par académico interno e editor da Revista Estúdio.

AFILIAÇÃO: Portugal, Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas-Artes, Centro de Investigação e Estudos de Belas-Artes. Largo da Academia Nacional de Belas-Artes, 1249-058 Lisboa, Portugal.

 

Endereço para correspondência

 

Este 11º número da Revista Estúdio assinala a crescente maturação de um espaço de comunicação algo alternativo, onde artistas falam de artistas, dão a conhecer obras menos conhecidas, e ocupam uma área de curadoria expontânea e paralela aos centros do art world. Dá-se a palavra aos próprios criadores, e há seis anos que o seu olhar vem enriquecendo um património crescente, com especiais ligações aos países onde se fala as línguas ibéricas. A presença de obras de Portugal, Espanha, Brasil, Angola, Argentina, Perú, Venezuela, Bolívia e muitos outros países tornou-se habitual, fazendo da Estúdio uma instância da semiosfera (Lotman, 1996). Mais do que a presença, é a dimensão do conhecimento transmitido, a que se segue, naturalmente, o estabelecimento de novas teias de referência entre os artistas destes países: há novos grupos, novas cumplicidades, novas realizações dentro deste Estúdio, que completa seis anos de publicação persistente.

A Revista Estúdio é também mais uma via disponível para o exercício da interpretação, através de descodificações mais informadas, mais negociadas, dos textos artísticos, pois são efectuadas por outros artistas (Morley, 1980; Hall, 2013). Reuniram-se nesta edição 24 artigos originais, mantendo a sua linha editorial inicial. O projecto mantém a sua componente de resistência, de plataforma de conhecimento para os pares, não abdicando também da validação externa, ou seja, do uso de protocolos de produção e transmissão de conhecimento. Falamos pois das normas de redação, de referenciação, de estruturação de textos e de articulação de argumentos, visuais ou verbais.

O texto “Luminaris: Sob a Luz do Cinema de Atrações,” de Eliane Gordeeff (Rio de Janeiro, Brasil), introduz o cinema de animação (pixilation) do argentino Juan Pablo Zaramella, e do seu filme luminaris (2011). As pessoas são reais, o seu movimento é coreografado pela obturação da câmara.

Guilherme Tosetto (Brasil, e Lisboa, Portugal), no artigo “Entre arte e documento: as fotografias da Mídia Ninja e a cultura da convergência,” introduz o jornalismo informal veiculado pela internet, a “mídia ninja” a propósito dos movimentos de rua observados no Brasil, em 2013/14.

O artigo “A Vida em Fluxo na Obra de Orlando Maneschy,” de Keyla Sobral (Brasil), apresenta a série em vídeo intitulada desaparições, de Maneschy, onde o autor se caminha de costas para o observador e desaparece em linha recta no meio da paisagem, em diversos contextos, até ao limite do risco físico: rios, penhascos, lamaçais, determinam o fim da ação.

Ana Luísa Rodrigues (Lisboa, Portugal), no texto “O que falta a uma escultura para ser um filme? O que falta a um filme para ser uma escultura?” debruça-se sobre a exposição Film as Sculpture, comissariada por Elena Filipovic, em Wiels, Bruxelas, 2013, com artistas como Rosa Barba, Zbyněk Baladrán e Jiří Kovanda, Ulla von Brandenburg, João Maria Gusmão & Pedro Paiva, Rachel Harrison, Žilvinas Kempinas, Elad Lassry, Karthik Pandian e Bojan Šarčević, identificando movimentos paralelos de hibridação e intencionalidade.

O artigo “Fernando Bayona, la construcción fotográfica del gusto bárbaro,” de María del Mar García & Yolanda Spínola (Sevilha, Espanha) interrogam a obra do fotógrafo de “técnica perfeita” Fernando Bayona que reencena uma vida de cristo com uma figuração produzida e irreverente.

Eduardo Vieira da Cunha (Rio Grande do Sul, Brasil), no texto “Ruth Sousa e as lembranças inventadas: a arte como promessa de algo melhor?” apresenta a proposta de Ruth Sousa “anunciar que atende desejos” e fabricar “acontecimentos antes nunca realizados. Os pedidos são atendidos através da ficção artística, afinal sempre falsificação.

Em “Al Borde del abismo: Rocío Garriga,” Carmen Marcos (Valência, Espanha) introduz as instalações de Garriga, plenas da poesia frágil do desejo guardado em barcos de papel, folhas de outono, gotas de chuva. Guarda-se o silêncio enquanto se voa.

Leticia Vázquez (Granada, Espanha), em “Artificialidad: un acercamiento a la obra de Cristóbal Tabares,” aborda a pintura deste autor, que reinterpreta as paisagens e as naturezas-mortas como elas são no século XXI: horizontes com plataformas petrolíferas, paisagens urbanas em perspetiva GPS, objetos alimentares embalados e recolhidos em hipermercados. A paisagem está totalmente semantizada, a porcelana pinta-se no plástico.

A capa deste número da revista Estúdio foi extraída do artigo “Juan Rivas: La pintura en el lugar,” por Ignacio Pérez-Jofre (Vigo, Espanha). Apresenta-se a pintura, insistente, que se faz no lugar e se integra no lugar. Antes de se perder, pela chuva, pela passagem dos dias, fotografa-se, passando a ser essa a obra, a reprodução. A substituição consuma-se dentro da própria representação.

David Serrano (Sevilha, Espanha), em “Antonio López García: Una nueva concepción espacial del realismo,” apresenta um estudo sobre o uso dos sistemas de representação espacial feito por Antonio Lopez, como a perspetiva esférica. Trata-se de tentar “ler a linguagem da realidade.”

O artigo “E Pluribus Unum: as poéticas viso-conceituais de Peter de Brito, um artista da contemporaneidade,” de Omar Khouri (São Paulo, Brasil), apresenta a pesquisa sobre representação de Peter de Brito, que importa, da fotografia, uma reflexão sobre a pós modernidade e os seus simulacros pop: a contrafacção de imagens, a procura dos significantes que armadilham o espectador no seu próprio imaginário contemporâneo.

Mª Eugenia Romero (Vigo, Espanha), em “Diana Torres Pornoterrorista: Sexo, transfeminismos e postpornografía,” introduz o feminismo de terceira vaga, que utiliza as armas hegemónicas para apresentar anti-narrativas provocantes: aqui o desafio é aos imaginários escopofílicos dominantes, invertendo papéis, atribuindo ao ‘gaze’ uma intencionalidade diferente.

O texto a “Revolução das Flores: Uma introdução ao Grupo do Ano 24 na vanguarda do shojo manga” Ana Matilde Diogo de Sousa (Lisboa, Portugal), aborda a banda desenhada japonesa, especialmente um conjunto de autoras (grupo do ano 24) que publicaram quatro séries que invertem os papéis narrativos tradicionais entre os personagens e os enredos, introduzindo personagens de sexualidade alternativa, dentro do contexto camp da manga.

Antonio Carlos Sant´Anna (Santa Catarina, Brasil), no texto “Alma e identidade na obra de David Nebreda,” debruça-se sobre o trabalho artístico de um artista eremita, que se auto representa dentro do seu imaginário que desafia o pensamento. Uma doença mental torna estas fotografias brutais, sem brutalismos.

Em “Os Nelsinhos de Flávio Abuhab: arte contemporânea multidimensional,” Marcos Rizolli (São Paulo, Brasil) apresenta a obra de Abubah, especialmente a série de figuras miniatura que representam o artista brasileiro da pop art Nelson Leirner, conferindo-lhe uma nova ubiquidade popular e pop, estabelecendo um diálogo dentro das metalinguagens.

Susana Rocha (Lisboa, Portugal), em “Tiago Baptista: As falhas que nos prendem ao chão” aborda a figuração paródica dos imaginários marcados ideologicamente com certa ilustração didáctica dos estados totalitários, seus símbolos e mímicas, antigos e atuais, suas ações e enquadramentos, apresentando uma paisagem pesada com algo da nova objetividade. As imagens parecem inofensivas e violentas, como se fossem representações de actos criminosos em planeamento.

O artigo “Ensaio: Fotografia e Pintura nos trabalhos de Marilice Corona,” de Andréa Brächer (Rio Grande do Sul, Brasil) debate o jogo que Marilice Corona estabelece com os referentes. Agora eles podem ser páginas de revista, que nos fazem hesitar entre a representação da figura, com suas cores variáveis entre os suportes, os seus ruídos, e a representação do espaço nela referido. Representa-se o ruído da reprodutibilidade.

Isabel Sabino (Lisboa, Portugal), no artigo “Maria Keil: traços discretos para um espaço público,” revisita as memórias da falecida Maria Keil, uma autora com obra marcante na ilustração e no azulejo, para nos apresentar uma leitura dos esboços da ampliação da estação de Metro de São Sebastião, em Lisboa (1994) em paralelo com as anotações e os registos. O trabalho antes feito gratuitamente por Keil para 19 estações, entre 1958-72, é agora revisitado pela própria, para ser aberto apenas em 2009.

O texto “António Delgado: un artista de la tierra. Dibujo, Escultura, identidad y memoria para una toma de conciencia” por Isusko Vivas & Amaia Lekerikabeaskoa (Bilbao, Espanha) aborda os desenhos de Delgado, onde as utopias construtivas se aliam a objetos que só podem existir no desenho, ou que podem ser construídos: o desenho como universo que dispensa a confirmação do real.

Ronaldo Oliveira & Cândida Bittencourt (Paraná, Brasil) no artigo “Eloísa Cartonera: aproximações entre arte, cultura e processos de criação colaborativos” debruçam-se sobre uma cooperativa cultural argentina, criada pelo artista Javier Barilaro e pelo escritor Washington Cucurto, que se estabelece como plataforma de arte relacional: os livros são pretexto para a arte e a intervenção.

O texto “Nanocriogênio: as realidades atemporais de Anna Barros e Alberto Blumenschein” por Nikoleta Kerinska (Minas Gerais, Brasil) explora as imagens de realidades nanométricas e de estados físicos só possíveis a temperaturas muito baixas, a partir de elementos banais como a unha ou o cabelo de Anna Barros.

Na secção de artigos originais por convite são apresentados dois artigos de membros do Conselho Editorial.

O artigo “A ‘Revista Classificada’ de Paulo Bruscky,” de Maria do Carmo Veneroso (Minas Gerais, Brasil), apresenta o projeto visual Paulo Brusky, expandindo a intervenção do livro de artista, no projeto “revista classificada” à publicação de anúncios em jornais e de arte postal.

Juan Carlos Meana (Vigo, Espanha), no texto “Paisajeando: orden de la experiencia vs. desorden del paisaje en la obra de Christian García Bello y Román Corbato,” interroga a paisagem através da obra destes autores. As ações de caminhar e de recolha de objetos tornam-se indícios de uma ordem humana que devolve sentido à relação com os outros e com o mundo, evidenciando a separação primordial.

Estabelece-se neste volume uma articulação entre cinema, vídeo, redes, escultura, instalação, fotografia, performance, banda desenhada, pintura, cerâmica, poesia concreta, livros de artista, sendo este conjunto não exaustivo testemunha do grau de hibridação que hoje o discurso artístico convoca. Apanhando-lhe o pulso, a revista Estúdio acompanha a arte desde os seus produtores, dos seus procedimentos, dos seus recursos, dos seus resultados. A Estúdio permite visitar muitos estúdios.

 

Referências

Hall, Stuart et all. (2013) Representation: cultural representations and signifying practices. London; Thousand Oaks, Calif.: Sage in association with the Open University, 1997. ISBN 9781849205474         [ Links ]

Lotman, Yuri M. (1996) La semiósfera: la semiótica de la cultura. Madrid: Cátedra.         [ Links ]

Morley, David (1980) The Nationwide Audience: Structure and Decoding. London: British Film Institute.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: joao.queiroz@fba.ul.pt

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