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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.5 no.9 Lisboa jun. 2014

 

ARTIGOS ORIGINAIS

ORIGINAL ARTICLES

Os 15 Pincéis de Ema M

The 15 Brushes of Ema M

 

Paulo César Ribeiro Gomes*

 

*Brasil, artista visual. Bacharel em Artes Plásticas – Habilitação Desenho pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Artes Visuais – Poéticas Visuais pela UFRGS. Doutor em Artes Visuais – Poéticas Visuais pela UFRGS.

AFILIAÇÃO: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Instituto de Artes (IA), Departamento de Artes Visuais (DAV) Rua Senhor dos Passos, 248 CEP 90020-180 – Centro – Porto Alegre, RS, Brasil.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO:

Este artigo apresenta as pinturas da artista Ema M, pseudônimo de Margarida Prieto. São naturezas-mortas que tem por tema os pincéis. Trataremos destas obras plenas de referências e remissões à arte da pintura, homenageada aqui através do pincel, um de seus componentes fundamentais: a pintura per si, o gênero natureza-morta, os efeitos virtuosísticos da simulação e da mimese, a economia como estratégia de densificação.

Palavras chave: Ema M / Margarida Prieto / natureza-morta / Série Pincéis.

 

ABSTRACT

This paper presents the paintings of artist Ema M, pseudonym of Margarida Prieto. Her still lifes have brushes as theme. We will treat these works full of references to the art of painting, honored here through the brush, one of its key components: the painting itself, the still-life genre, the virtuosic effects simulation and mimesis, the economy as a strateg y densification.

Keywords: Ema M / Margarida Prieto / Still life / Brushes Series.

 

Quem é Ema M? O que faz Ema M? Por que Ema M faz o que faz? Muitas são as perguntas que surgem quando nos deparamos com um artista e sua obra, principalmente se essa obra se reveste de um caráter distintivo daquilo que normalmente vemos em exposições de pinturas: trabalhos marcados pela excelência, pelo virtuosismo de sua concepção e, ainda, pela erudição que deles emanam, provocando admiração e deleite nos especialistas, mas também causando estranhamento em seus espectadores.

Ema M é o pseudônimo da jovem artista portuguesa Margarida Penetra Prieto (Torres Vedras, Portugal, 1976). Doutora em Pintura (2013), Mestre em Pintura (2008) e Licenciada em Pintura (todos os títulos pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa) ela é pesquisadora no Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes (CIEBA-FBA/UL) e membro colaborador do Centro de Estudos em Comunicação e Linguagens (CECL-FCSH/UNL) e também do Centro de Investigação em Comunicação Aplicada, Cultura e Novas Tecnologias (CICANT-ECATI/ULHT). Desde 2013 pertence à Comissão Científica e Revisão Internacional por Pares da Revista ESTÚDIO, Artistas Sobre Outras Obras. Suas exposições individuais, iniciadas em 2001, têm mostras em Lisboa, Rio de Janeiro e Porto Alegre em espaços privados e institucionais. Participou, desde o ano de 2000, de diversas mostras coletivas em Portugal, França e Espanha e, a par do seu trabalho como pintora, desenvolve extensa carreira como ilustradora. Esta representada em coleções particulares e públicas, mormente em Portugal e tem uma extensa fortuna crítica de textos produzidos para suas mostras individuais e críticas em periódicos e catálogos. Sua obra publicada inclui textos críticos e analíticos em periódicos acadêmicos e catálogos. Vive e trabalha em Lisboa.

As obras sobre as quais nos debruçaremos integraram a exposição intitulada Lapsus Memoriae, apresentada no Museu do Trabalho, em Porto Alegre (Brasil), no período de 04 de dezembro de 2013 a 26 de janeiro de 2014. Sob a chancela de Ema M, a exposição, dividida em dois momentos, 15 Pincéis e As Paisagens que tratavam de aspectos recorrentes na poética da artista, a saber: a erudição da pintura, seus atores, técnicas e instrumentos (tanto materiais quanto intelectuais) e as questões das imagens e da percepção. Foi uma mostra que atraia pela objetividade e imediatez de sua comunicação, imergindo os espectadores no universo da pintura. O segmento sob o qual nos deteremos é aquele intitulado 15 Pincéis, no qual a artista apresentou esses instrumentos da pintura – os pincéis – personagens ubíquos e indispensáveis e, no entanto, praticamente invisíveis, verdadeiros personagens secundários da arte da pintura e também da história da arte.

As pinturas da série 15 Pincéis estão plenamente enquadradas dentro do gênero intitulado natureza-morta, isto é, representações de objetos inanimados, no qual os artistas se esmeram nos efeitos virtuosisticos da simulação e da mimese. Os objetos das naturezas mortas de Ema M são, evidentemente, os pincéis: nessa série, de quinze pinturas, eles estão em destaque, individualizados e personalizados, apresentados em naturezas-mortas econômicas, sintéticas e rigorosas (Figura 1, Figura 2, Figura 3, Figura 4).

 

 

 

 

 

 

 

 

São pinturas que, por sua estrutura e composição, nos remetem irresistivelmente às naturezas-mortas "encaixotadas" do mestre do Barroco espanhol Juan Sanchez Cotán (Orgaz, 1560 – Granada, 1627). Cotán pintou, dentre outros gêneros, os chamados bodegóns ou naturezas-mortas, obras cujo caráter distintivo está no realismo, na economia e no destaque dado aos objetos, em detrimento do fundo ou cenário nos quais eles se colocam.

Esses bodegóns nos apresentam alimentos – legumes, frutas, aves, suspensos sobre um fundo geométrico. Suspensos não por acaso, mas também como remissão a estratégia daqueles tempos para evitar a sua degradação, evitando o contato de qualquer uma de suas partes com as superfícies.

O fundo geométrico – platibandas de janelas ou armários, não sabemos – opõe-se a organicidade dos alimentos, criando um fundo neutro que põe em destaque o objeto representando, evitando toda dispersão (Figura 5). As formas suspensas destacam-se do fundo como se estivessem fora de contato, permitindo que a luz interna, oriunda de um único ponto, incida diretamente sobre os objetos, destacando-os contra o fundo escuro e valorizando-os em oposição à neutralidade do cenário. O realismo exacerbado da representação dos objetos dá-lhes um caráter místico, destacando-os com uma qualidade quase escultórica. O isolamento leva-nos a observá-los sob outro ângulo, ressaltando-os não como alimentos ou objetos, mas como entidades que surgem de forma imprevisível e inédita: Cotán suprime os personagens tradicionais das Vanitas, principalmente aqueles que remetem mais intensamente a efemeridade da vida, ou seja, a caveira e a vela, colocando-nos em comunhão direta com essas entidades orgânicas fragilmente suspensas. Inevitável nosinquietarmoseidentificarmoscomalevezaeafragilidadedasformassuspensas.

 

 

Ema M, ao fazer a transposição dos alimentos para os pincéis opera com as mesmas premissas de Cotán: a economia de meios como estratégia para a densificação da pintura. Ao substituir os alimentos do corpo pelo instrumento utilizado pelos pintores Ema M cria pinturas plenas de referências e remissões à arte da pintura. Essa homenagem à própria arte da pintura, através de um de seus componentes fundamentais, os pincéis, coloca em destaque esses objetos tão pouco observados e quase nada valorizados.

E os pincéis, o que são? O pincel, (do latim peniculus, pequena cauda) é um instrumento de pintura, de desenho ou de escritura, composto de um cabo ou haste (de madeira ou plástico) munido na sua extremidade de um tufo de pelos naturais ou fibras sintéticas, mantidos graças a uma presilha de metal ou amarrados com fios. Existe ainda outra terminologia para designar o tufo: a raiz, ou a parte mais próxima da presilha, o ventre, que caracteriza a parte central ou mais espessa do pincel e, por fim, a flor dos pelos, ou a ponta. Os pinceis tem diferentes tamanhos e formas: eles podem ser redondos, chatos longos, chatos curtos ou quadrados, em leque, chanfrados, finos etc., a serem usados de acordo com o material empregado, seja tinta a óleo, acrílica, nanquim, aquarela etc. Se antigamente os artistas fabricavam eles mesmo seus pincéis, seria preciso esperar o final século XVIII para que surgisse a etapa importante das primeiras oficinas de fabricação especializadas. Há todo um universo ainda por conhecer sobre os pincéis: os tipos de pelos, suas finalidades específicas, seus modos de usar...

Os pincéis compartilham da dupla cidadania de ferramentas e instrumentos: a primeira pelo seu caráter de apetrecho necessário a uma arte e ofício; na segunda pelo fato de ser um objeto que ajuda a levar a efeito uma ação física. São objetos comuns, sem aura, ao contrário das paletas, das telas, dos cavaletes, dos tubos de tinta, estes todos carregados de poesia e significados. Exemplos? Os pincéis praticamente inexistem na arte enquanto representações. Que pinturas mostram pincéis? Jean-Baptiste-Siméon Chardin (Paris, 1699 – Paris, 1779), mestre francês do século XVIII, nos apresenta, em algumas de suas naturezas-mortas esses personagens. De um modo bastante discreto na primeira (Figura 6) e, de modo mais evidente, na segunda (Figura 7). Mas aqui eles não assumem o protagonismo das personagens dessas obras, eles são meros figurantes.

 

 

 

 

Se os holandeses se dedicaram a retratar uma parafernália de objetos em suas naturezas mortas como, por exemplo, nas mil flores de Balthasar van der Ast (Middelburg, 1594 – Delft, 1657) ou nas mesas postas de Wilem Claesz Heda (Harlen, 1594 – 1680) nestas, os pincéis e os equipamentos da pintura estão, curiosamente ausentes. Ausência notável quando olhamos para o maravilhoso auto-retrato de David Bailly (Leyden, 1584 – 1657) (Figura 8), no qual temos esculturas, desenhos, pinturas e mesmo uma paleta presa à parede e, coisa notável, nenhum pincel!

 

 

Mas voltemos aos pincéis de Ema M. Seus pincéis são sujeitos da sua pintura: estão sós, individualizados, emoldurados/encaixotados, mas em recipientes abertos, dando-se a ver em toda a sua potência de indivíduos. Jean-Paul Sartre escreveu que "para sonhar a dissociação de um indivíduo [do todo] é preciso primeiro saber individualizá-los" (Sartre, 2014: p.17). Ao individualizar o pincel, Ema M dá a ele sua unicidade que nos permite percebê-los como a totalidade até o momento invisível: eu vejo pincéis, nunca vejo "o pincel". É no centro da sua pintura, feita exclusivamente com um pincel, que percebemos sua importância e seu caráter vital: não se pinta sem pincel (mesmo quando uso um simulacro ou um símile, estou usando um pincel). O pincel adquire sua essência de ser, de indivíduo na arte da pintura. Conquista seu lugar de direito como a prótese mais próxima que os humanos encontraram para o cérebro que pinta (assim como o lápis ou o carvão para o desenhista); é a ferramenta do obreiro pintor, é a extensão, enfim, do próprio artista.

Esses 15 Pincéis, no dizer da própria artista, são descrições que retratam as variedades deste objeto. Mas são bem mais do que isso: os pinceis não são, e nunca foram, simples objetos. Lembremo-nos que lavar os pincéis era a primeira atividade, no rol das infindáveis tarefas dos aprendizes nas oficinas, a ser aprendida. Sua importância estava decretada por este simples gesto: deixar íntegra e incólume a ferramenta/instrumento. Essas pinturas trazem na sua própria economia não somente a descrição desse objeto pincel, mas a própria idéia da pintura enquanto tema e com suas correlações com a erudição, com o tema da pintura sobre a pintura, com o tema do artista em atividade, da linguagem da pintura. Trata-se de uma série de obras que articula um tema excepcional por sua raridade a uma estratégia compositiva culta: um exercício de virtuosismo que permite que a economia do resultado esconda, com grande habilidade, a densidade de seu tema e de seu objeto.

 

Referências

Balthasar van der Ast. [Consult. 2014-01-25] Disponível em http://www.wga.hu/index1.html        [ Links ]

David Bailly. [Consult. 2014-01-25] Disponível em http://www.wga.hu/index1.html        [ Links ]

Jean-Baptist-Siméon Chardin. [Consult. 2014-01-25] Disponível em http://www.wga.hu/index1.html        [ Links ]

Juan Sanchez Cótan. [Consult. 2014-01-25] Disponível em http://www.wga.hu/index1.html        [ Links ]

Sartre, Jean-Paul (2013). O Idiota da Família, Gustave Flaubert de 1821 à 1857, v.1. Porto Alegre, RS: L&PM. ISBN 978.85.254.2993-3.         [ Links ]

Schleiper Brochures [Consult. 2013-12-28] Disponível em http://www.schleiper.net/fr        [ Links ]

Souriau, Etienne (2004). Vocabulaire d'Ésthetique. Paris : PUF. ISBN 2130544010        [ Links ]

Wilem Claesz Heda. [Consult. 2014-01-25] Disponível em http://www.wga.hu/index1.html        [ Links ]

 

Artigo completo submetido a 26 de janeiro e aprovado a 31 de janeiro de 2014.

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: oluapgomes@ibest.com.br (Paulo Gomes)

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