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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.4 no.8 Lisboa dez. 2013

 

DOSSIER: ARTIGOS ORIGINAIS POR AUTORES CONVIDADOS

DOSSIER: INVITED ORIGINAL ARTICLES

Mónica Mendes e o projeto ARTIVIS: as artes digitais e o ativismo pela natureza

Mónica Mendes and the ARTIVIS project: the digital arts and nature activism

 

João Paulo Queiroz*

 

*Par académico interno / diretor da Revista Estudio. Artista Visual e professor universitário. Doutor em Belas-Artes, Universidade de Lisboa.

AFILIAÇÃO: Portugal, Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas-Artes, Centro de Investigação e Estudos de Belas-Artes. Largo da Academia Nacional de Belas-Artes, 1249-058 Lisboa, Portugal.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO:
Os projetos interativos ARTiVIS, de Mónica Mendes (Portugal) atualizam as instalações na hibridez com o ativismo, a sustentabilidade e a arte de intervenção. Os projetos B-Wind!, Hug@ree e Play with Fire apontam uma substituição do corpo humano, para resgatar os outros corpos, os das árvores.

Palavras-chave: Arte digital / ARTiVIS, Mónica Mendes / Sustentabilidade / Design.

 

 

ABSTRACT
The ARTiVIS interactive projects, by Mónica Mendes (Portugal) are an update to installations on the hybrid border with activism, sustainability and intervention art. The projects B-Wind!, Hug@ree and Play with Fire show a replacement of the human body, a replacement in order to rescue some other bodies, the trees.

 

keywords: Digital arts / ARTiVIS / Mónica Mendes / Sustainability / Design.

 

1. Introdução

Mónica Mendes (n. Angola, com nacionalidade portuguesa) formou-se como designer de comunicação, na FBAUL, tendo depois vindo a especializar-se no campo das tecnologias multimédia a nível de mestrado e doutoramento. Como resultados das suas pesquisas desenvolveu dispositivos interativos e ambientes digitais que se caracterizam por associar as ferramentas multimédia ao ativismo ambiental.

Mónica Mendes parte da recordação de infância, numa pequena aldeia de Maçal do Chão (Celorico da Beira, Guarda, Portugal) onde testemunhou alguns fogos florestais. Um deles, particularmente destruidor, incendiou as noites e marcou-se para sempre na sua memória: as árvores com dezenas de anos, em terrenos da família, a serem transformadas, em festim noturno, em tições acesos e, no dia seguinte, em cadáveres de árvores hirtas e negras. Passariam muitos anos até as árvores poderem nascer de novo: castanheiros, pinheiros, nogueiras, carvalhos… (Figura 1, Figura 2)

 

 

 

 

Nas suas intervenções, Mónica Mendes é exemplo de uma ramificação do design atual, o design com consciência social, onde a intervenção junto de populações e de alvos, e a potenciação de relações é um suporte para o projeto. Os projetos de instalações interativas que tem vindo a apresentar, como B-Wind!, Hug@ree e Play with Fire integram o seu compromisso pessoal de abraçar a paisagem.

 

2. Artes eletrónicas e sustentabilidade

As artes eletrónicas cedo tomaram o tema da sustentabilidade e inspiraram vários coletivos de intervenção. Neste campo de hibridismo entre a arte e o ativismo social sucede os artistas assumirem um terreno misto onde a convivência entre grupos formais e informais, sejam hackers ou cientistas, desempenha um papel agregador de círculos de conhecimento e de aglutinação de competências. Constituem pequenas equipas, que procuram produções alternativas e originais, onde os saberes podem ser distribuídos entre cada um, e que se interagem em sítios tão diversos como fóruns e eventos especializados, ou em plataformas multidisciplinares de exploração tecnológica ou disseminação de investigação.

Mónica Mendes situa-se, dentro das artes eletrónicas, num ativismo para a sustentabilidade, evidenciando nos seus trabalhos uma preocupação global com o despertar de consciências, a par da pro atividade na prevenção ecológica. Os seus trabalhos exploram os ambientes digitais aproveitando as janelas de atenção que as tecnologias e os ambientes imersivos podem criar na interpelação da consciência dos participantes espectadores.

Podem ser apontados alguns artistas e criadores, digitais ou não, que se debruçam sobre sustentabilidade e que mais marcadamente influenciaram a autora (Mendes, 2012). São os casos de Terry Irwin, da área do design ecológico (diretora da school of design, Carnegie Mellon, EUA), de Bruce Mau (2013), designer, com propostas provocadoras, como o Incomplete Manifesto for Growth (1998), ou a proposta Massive Change, Institute without Boundaries (2004) – que coloca ao designer o desafio de ser um interveniente do lado da solução, colocando em cima da mesa o futuro global do design no contexto da desigualdade e da sustentabilidade. São igualmente autores de referência, neste campo, Naomi Klein (1999), e o livro No Logo, ou John Thackara (2005) e a obra In the Bubble. Thackara é também organizador dos eventos The Doors of Perception, e responsável por diversos simpósios internacionais sobre design e sustentabilidade. Estes autores apontam, em termos gerais, e com muita eficácia, que a responsabilidade social não impede o desenvolvimento tecnológico e a inovação, lançando chamadas para mudanças de comportamento e de estilos de vida.

Mónica Mendes (2012) refere ainda artistas de outras áreas, como Brenda Laurel (1991), que pesquisa e propõe design de interfaces de um ponto de vista performativo, ou ainda Gabriela Albergaria, artista visual com instalações onde as árvores pontuam uma perspetiva ecológica.

Butterfly Hill (2000) também é uma referência no ativismo ambiental mais próximo da ação pessoal. Julia Butterfly Hill passou 738 dias, entre 1997 e 1999, e sem interrupção, no alto de uma sequoia de 55 metros e 1800 anos de idade, para a salvar do abate por uma companhia madeireira. O sucesso de Julia serve de prova para o facto de estar ao alcance de qualquer um uma ação que faça a diferença.

Com um componente tecnológico, Mónica Mendes refere as instalações de Victoria Vesna (ex. Another Day in Paradise, de 1993, Blue Morph, de 2010) assim como a dupla francesa Scenocosme (Gregory Lasserre e Anais met den Ancxt) com as instalações sonoras de plantas reais, em Uncontainable (2011).

A programação informática também é uma área para esta exploração, podendo apontar-se em particular os projetos de programação criativa ou generativa de John Maeda (Nature, de 2004), Casey Reas (Processing, de 2007, ou TI, de 2008), a que se juntam artistas-cientistas, como o casal Christa Sommerer e Laurent Mignonneau (Interactive Plant Growing, 1997), ou Camille Utterback (Text Rain, com Romy Achituv, de 2009) (Figura 3). Conjugando a interatividade online com a robótica será de referir ainda percursores como Telegarden, de Ken Goldberg & Joseph Santarromana (1995) na University of Southern California.

 

 

 

3. O projeto ARTIVIS

O projeto ARTiVIS, de Mónica Mendes, desenvolvido em equipa multidisciplinar/em conjunto com Pedro Ângelo, Nuno Correia e Valentina Nisi, integra três dimensões. O interface web, uma proposta de kit faça você mesmo, e alguns projetos de instalações interativas.

O interface web, de vídeo streaming online, permite acompanhar florestas em tempo real. Inclui-se também o suporte para exploração de interações e explorações artísticas, processadas à distância.

Os protótipos para um kit de um dispositivo de vigilância de fogos florestais é uma proposta DIY (Do It Yourself) composta por webcam, comunicação sem fios, microcontrolador, sensores. O kit é de utilização constante nos projetos ARTiVIS.

As instalações interativas B-Wind!, Hug@ree e Play with Fire, caracterizam-se por se tirar amplo partido das plataformas anteriores, conjugando-as com situações de eventos (Figura 4, Figura 5).

 

 

 

 

 

A instalação B-Wind! é um ambiente interativo onde o visitante utilizador pode agir como se fosse um agente natural incorpóreo: o vento. O movimento do visitante produz efeito em tempo real sobre árvores reais, colocadas no exterior, com todas as variantes de direção e intensidade. As imagens em streaming sofrem uma distorção com efeitos visuais estabelecendo pontes entre a consciência e a natureza.

O projeto Hug@ree é um sistema que combina a tatilidade sobre árvores reais com computação sobre os dados que o utilizador imprime sobre a árvore, abraçando-a. Um dos resultados é a povoação de um ambiente online com vídeos dos diversos utilizadores, que, ao sobreporem-se, se agitam como as folhas de uma árvore, no ecrã.

A instalação Play with Fire parte de um começo, onde o utilizador, com o seu movimento, provoca o incêndio virtual de uma floresta. A programação generativa cria a ilusão sobre imagens em tempo real. Depois o utilizador é "penalizado" pelo tempo de espera até à reflorestação apagar os seus vestígios, e até o processo poder reiniciar-se, recebendo o utilizador informações realistas e complementares acerca da regeneração da floresta através do seu telemóvel.

 

4. Pós modernidade e questões morais

O trabalho de Mónica Mendes interpela e questiona as fronteiras das escolhas e as margens de opção, dentro de uma discussão que se pode tornar mais abrangente, sobre os temas da pós-modernidade. A era é tecnologicamente avançada, mas massivamente desequilibrada: a maioria do globo sofre desequilíbrios e carências fundas. Com a desregulação mundial do comércio também os impactes económicos sobre o ambiente parecem desregulados.

Haverá escolha? O problema é bem mais complexo. A economia e sociedade têm vindo a assumir uma dinâmica global, fazendo com que os grupos de indivíduos, grandes ou pequenos, se comportem de modo emblocado e independente do que queiram ou não queiram realmente fazer. Não é uma questão de manipulação política: é que a lista de escolhas se encontra limitada ao campo dos possíveis. Tolhido pelo gigantismo da sobrevivência, o mundo real, subdesenvolvido, não emancipado, acrítico, é conservador nos hábitos e nos consumos, e francamente destruidor.

Este é o "colapso da legislação ética" (Bauman, 2007: 51): para as novas multidões, "para estes muitos, os princípios éticos não se desvaneceram, simplesmente nunca estiveram em primeiro lugar." Talvez o problema devesse estar no desafio atual para a "qualidade de vida," que veio substituir o anterior paradigma da "sobrevivência" moderna. Sabemos que as respostas não são absolutas, e que é necessário deixar todas as opções em aberto: a "qualidade de vida" convive com o seu maior inimigo: a indeterminação, a recusa da universalização, o abandono dos paradigmas. O obrigatório deu lugar ao optativo. A identidade passará a ser também uma opção.

Esta é uma descrição breve de uma identidade em crise, que sente a definição como uma ameaça, e a fragmentação como o estado físico de um "mal-estar" que acelerou, da experiência demorada de um peregrino medieval para a total substituição do ser no zapping.

A personalidade foi privatizada – retirada da moldagem pública, passou a viver em apartamentos, dentro da "espiral do silêncio" (Noelle-Neuman, 1995). Já não há um vigilante, um agente burocrata distópico e espetacular: cedeu lugar a um outro talvez mais perigoso:

O indivíduo é o seu próprio guarda e professor – ou, invertendo o dizer de Blanchot: hoje, todos são livres, mas cada um é livre de no interior da sua própria prisão, a prisão que ele próprio ou ela própria constrói (Bauman, 2007: 119).

O esforço da vigilância desloca-se para fora dele próprio na substituição total da identidade. O corpo é algo a ser gerido.

Na gestão dos corpos pontificam os média. E os meios de comunicação tornam-se o agente editorial da realidade: a violência encenada, dos conteúdos, é sempre mais "perfeita" que a violência real noticiada.

A estética da virtualização preside às novas formas de guerra: a guerra sem autor corpóreo, guiada à distância, por banda larga e muito precisa. Com semelhanças com um MORPG (Massive Online Role-Playing Game), que se deseja que seja Full HD.

 

Conclusão: o não real como critério?

O critério do real esconde-se na prisão fragmentada da vivência pós-moderna: o corpo passa a ser uma ocupação – um verdadeiro objeto. É esta propriedade privada, a última das privatizações, que tem de…

…flutuar na corrente das sensações, de ser capaz de se entregar sem reserva a experiências irreflectidas de prazer, mas o "proprietário" – e treinador – do corpo, que "está dentro" do corpo na ocasião da experiência e só pela força da imaginação é possível "desligar" do corpo, tem também de gerir a sua flutuação e abandono, de avaliar e medir, comparar, classificar em termos de qualidade… (Bauman, 2007: 124)

É um caminho de objetivação, de substituição perfecionista: o corpo ficará mais perfeito quanto mais afastado estiver do que somos realmente. Haverá corpo num incêndio?

Para além da literalidade do abraçar uma árvore, na instalação interativa Hug@tree, enuncia-se a sua própria contradição, a contradição deste tempo: a árvore é abraçada com a expectativa de uma interação eletrónica, a expectativa de se substituir por uma gravação, dentro da lógica do dispositivo em tempo real. Mas a substituição não acontece aí: ela já existia em todos os presentes.

Alguns de nós tentam que sejam as árvores as últimas a serem realmente substituídas pela destruição, ora de modo mais duro (e simples) como Julia Butterfly Hill, ora de modo mais user friendly, como Mónica Mendes.

Este é um desafio para uma outra representação, um novo resgate, que é afinal antigo: a encarnação.

 

Referências

Bauman, Zygmunt (2007) A vida fragmentada: Ensaios sobre a moral pós-moderna. Lisboa: Relógio d'Água. ISBN 9789727089321        [ Links ]

Butterfly Hill, Julia (2000). The Legacy of Luna. Harper San Francisco. ISBN 0-06-251658-2.         [ Links ]

George Brown College (2013) Institute Withut Bounderies. [Consult. 2013-10-21] Disponível em http://worldhouse.ca/massive-change/        [ Links ]

Klein, Naomi (1999). No Logo. Canada: Knopf. ISBN 0312421435        [ Links ]

Mau, Bruce; Leonard Jennifer, Institute Without Boundaries (2004) Massive Change, Institute without Boundaries. New York: Phaidon Press, ISBN 0-7148-4401-2        [ Links ]

Mau, Bruce (2013) Incomplete manifesto for growth. [Consult. 2013-10-21] Disponível em http://www.brucemaudesign.com/4817/112450/work/incomplete-manifesto-for-growth        [ Links ]

Mendes, Mónica (2012) ARTiVIS Arts, Real-Time Video and Interactivity for Sustainability. Tese de doutoramento em Media Digitais, FCT/UNL. [Consult. 2013-10-21] Disponível em http://hdl.handle.net/10362/9752        [ Links ]

Noelle-Neuman, Elizabeth (1995) La Espiral do Silencio: opinião pública. Barcelona: Paidós.         [ Links ]

Laurel, Brenda (1991) Computers as Theatre. Boston: Addison-Wesley. ISBN 0-201-55060-1        [ Links ]

Thakara, John (2005) In the Bubble: Designing in a Complex World. Cambridge, Mass.: MIT Press. ISBN 0-262-20157-7        [ Links ]

Utterback, Camille; Achituv, Romy (2009) Text Rain. Instalação video interativa. [Consult. 2013-10-22] Disponível em http://camilleutterback.com/projects/text-rain/        [ Links ]

 

Artigo completo recebido a 16 de setembro e aprovado a 30 de setembro de 2013

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: joao.queiroz@fba.ul.pt(João Paulo Queiroz)

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