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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.4 no.8 Lisboa dez. 2013

 

ARTIGOS ORIGINAIS

ORIGINAL ARTICLES

A paisagem contemporânea de Mario Zavagli

The Contemporary of Mário Zavagli's landscape

 

Carlos Murilo da Silva Valadares*

 

*Brasil, desenhista e gravador.

AFILIAÇÃO: Serpro (Ser viço Federal de Processamento de Dados) – Uniserpro (Universidade Corporativa Serpro) – Unise/Unite. Av. José Cândido da Silveira, 1.200 – Cidade Nova, Belo Horizonte / Minas Gerais, CEP: 31035-536, Brasil.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO:

Este artigo discutirá o figurativismo contemporâneo nas paisagens do aquarelista brasileiro Mario Zavagli, que abordam campos e florestas de diversas localidades no interior do Brasil. Por meio da análise de sua obra buscaremos compreender como a paisagem, como gênero artístico, participa do contexto da arte contemporânea.

Palavras chave: paisagem contemporânea, aquarela, paisagens brasileiras.

 

ABSTRACT
This article discuss the contemporary figurative in the landscapes of Mario Zavagli. In his work, the artist represents fields and forests of Brazil. Our intention is to understand how the landscapes, consider like a artistic genre, connects with the contemporary art.

Keywords: contemporary art, landscapes, brazilian landscapes, water colors.

 

Introdução

Este artigo pretende discutir o figurativismo contemporâneo nas paisagens do aquarelista Mario Zavagli, artista brasileiro nascido na cidade de Guaxupé, no estado de Minas Gerais. Atualmente é professor de desenho e pintura na Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, no Brasil. As aquarelas de Mario Zavagli se incluem dentro de um processo de retomada da paisagem como gênero expressivo, em dimensões bastante pessoais de significado histórico e perceptivo. O artista ocupa-se principalmente do registro paisagístico de campos, plantações e florestas de diversas localidades do estado de Minas Gerais, como a Serra da Mantiqueira, Serra da Boa Esperança, os arredores da cidade Diamantina e Guaxupé.

A análise da obra de Mario Zavagli será conduzida no sentido de compreendermos melhor como a paisagem se insere no contexto da arte contemporânea, considerando a miríade de processos, materiais e experimentações que caracterizam um grande número de obras de arte em nosso tempo presente.

 

1. do percurso da paisagem como gênero expressivo

A paisagem não constituiu sempre um gênero artístico autônomo, dotado de características e problemas representacionais próprios. O exercício de representação da paisagem teve uma história conturbada. Anne Cauquelin, em seu livro "A invenção da Paisagem" (2007), pensa a gênese das representações de paisagens em termos de uma aspiração do artista à criação de um equivalente da natureza: a paisagem como um objeto construído, uma vontade de presenciar um jardim perfeito, uma criação da natureza intocada por humanos. Na Idade Média, a representação da paisagem era objeto de importância secundária para os artistas, dado que a produção artística deveria atender aos interesses da igreja, de modo a servir como guia espiritual e pedagógico aos fieis iletrados (Gombrich, 2008). A busca pela representação da natureza como gênero começa de fato no renascimento. É possível dizer que as ideias pictóricas que tão bem caracterizaram este período tiveram inicio com as descobertas de Giotto di Bondone, que viveu entre c. 1267 a 1337 (Gombrich, 2008). Entre suas invenções, figuram as técnicas que devam a ilusão de volume em suas figuras, em oposição às formas achatadas do período anterior. A representação da paisagem atingirá um patamar antes inexistente, quando pintores como Claude Lorrain (1600-1682) realizaram imagens que conduziram o expectador a um nível superior de apreciação da beleza do mundo natural. (Gombrich, 2008). John Constable (1776-1837) estabelece o novo marco técnico e pictórico na pintura de paisagem. O próprio artista afirmou que, em seu tempo "[...] Existe lugar de sobra para um pintor natural […]", e que o "[...] grande vício da atualidade é a bravura, uma tentativa de fazer algo além da verdade" (Gombrich, 2008, p. 49), referindo-se ao se desejo de transpor para a tela as cenas captadas por sua visão. Mas a renovação virá com o movimento Impressionista, que segundo Gombrich, possibilitou aos artistas a liberdade representar tudo o que a natureza oferecia ao artista (2008). A paisagem tornou-se, para artistas como Paul Cázanne, motivo completo e suficiente, e esse comprometimento com a natureza será comum a muitos artistas daquele período e nos anos futuros (Chipp, 1996).

 

2. da paisagem nas aquarelas de Mario Zavagli

A paisagem como gênero específico resulta de uma progressão histórica, portanto, a analise das referências pictóricas de Mario Zavagli são fundamentais para o entendimento de sua obra. Neste aspecto, percebemos que seu trabalho remete aos registros pictóricos dos artistas viajantes das missões científicas que vieram ao Brasil no seculo XIX. Entre eles, destacasse a obra do Thomas Ender, que executou centenas de aquarelas em pouco mais de um ano, resultando em um registro histórico e paisagístico do Brasil sem precedentes, trabalho precursor de grande relevância para o entendimento da obra de Mario Zavagli. Em nosso objeto de análise, a aquarela "Cachoeira Grande", exibida na Figura 1, apreciamos uma cena de paisagem do estado de Minas Gerais, típica das regiões serranas do estado. Sua apreciação revela diversos aspectos relativos aos expedientes técnicos comumente aplicados pelo artista. Os arvoredos são pintados em uma conformação estruturadora, delimitando claramente as linhas orientadoras da composição, resultando num contraponto para o destaque da cachoeira. O efeito de espelhamento da água denota o absoluto controle que Mário Zavagli possui da manipulação da aquarela para a obtenção da aparencia naturalística, sem os quais suas imagens não teriam o mesmo efeito. A luminosidade e os efeitos atmosféricos, obtidos pelo artista, conferem a este trabalho a sensação de realismo fotográfico, certamente propositais. No entanto, a composição e o tratamento dados aos diversos elementos naturais denotam um

 

 

aspecto importante de sua obra: suas paisagens não constituem equivalentes visuais da natureza, mas sim um compilação de invenções pictóricas bastante autorais derivadas de profunda análise e entendimento dos detalhes da paisagem natural.

Existe em seu trabalho uma dualidade entre o linear e o pictórico. De um lado, percebe-se que o desenho é, sem dúvida, o elemento estruturador de sua obra. É bastante evidente a importancia que o artista concede à preparação e marcação dos contornos dos objetos posicionadores da composição, em busca das formas e arranjos que considera ideal. O desenho é, para Mário Zavagli, o recurso operativo fundamental para pensar a obra, assim como entendia Degas, em citação por Paul Valéry: "O desenho não é a forma: é a maneira de ver a forma" (2003). Por outro lado, as áreas internas das formas receberam um tratamento mais pictórico, onde os contornos são menos definidos e permitem maior ligação entre áreas de cores e tratamentos diferentes.Esse duplo tratamento confere à obra sua personalidade diferenciadora.

Em outra vertente da obra, reconhecemos em seu esforço de representação uma forte componente narrativa. Há um caminho discursivo visual a ser seguido, que parece nos conduzir em uma experiência de apreciação estética estranhamente direcionada. O artista parece interessado em nos fazer ver determinadas áreas das formações naturais, como se estivessemos analisando um delicado mapa. Este contexto narrativa/descritivo também estava presente nas obras dos artistas viajantes do século XIX, importante referencia de Mário. Deste modo, é possível estabelecer uma comparação entre as aquarelas de Mario Zavagli e os escritos deixados por artistas e cientístas que estiveram no Brasil no inicio do século XIX. Do trabalho deixado por Martius e Spix (1938), resultado da expedição que os dois naturalistas realizaram no Brasil, entre 1817 e 1820, recolhemos o seguintes excertos:

Enquanto permanecemos nas proximidades do Rio São Francisco, fomos obrigados a conduzir nossa tropa, através das entrelaçadas cercas vivas de espinheiros do alagadiço. Afastando-nos para leste, entramos em caatingas que tinham aspecto outoniço, onde as únicas plantas verdes eram hastes carnosas de cereus, algumas caparidáceas e janifos (Cnidoscolus, Pohl), cobertos de espinhos cáusticos […].

 

3. da contemporaneidade da paisagem de Mário Zavagli

O que encontramos de contemporâneo nas paisagens de Mario Zavagli? Entre os elementos que esperamos identificar em nossas análises, certamente estará presente seu entendimento da obra de arte como veículo e meio realizador de experiências estéticas de grande impacto. A vontade do artista certamente não se limita a reproduzir um cenário natural, mas conduzir o observador a um novo domínio de apreciação visual, por meio de estímulos insuspeitos para a maioria: a inusitada forma e textura de uma rocha, a luminosidade prateada das nuvens no horizonte. A experiência perceptiva oferecida por estes elementos conduz o observador a um estado de dúvida acerca da obra: será ela uma fotografia? Poderão existir na natureza elementos de tão exatos desenhos e clareza de formas? Umberto Eco entende este fenômeno como "[...] ambiguidade fundamental da mensagem artística [...]" (2005: 25). Didi-Huberman reflete sobre a mesma ideia: "[...] Então, compreendemos que a mais simples imagem nunca é simples, nem sossegada como dizemos irrefletidamente das imagens [...]". (Didi-Huberman, 1997). A ambiguidade e o estranhamento certamente fazem parte da obra de Mário Zavagli, elementos presentes nas linguagens estéticas contemporâneas.

A arte contemporânea, feita em nossos dias, tem como uma de suas características a ausência de limites relativos a materiais, temas ou suportes. Esta multiplicidade de possibilidades já posiciona a obra de Mário Zavagli em relação a outros artistas em produção. Em grande medida, a paisagem é um tema estranho e até mesmo surpreendente, em relação ao conjunto da produção artística em voga, a exemplo das obras de arte de base eletrônica ou tecnológica. Mas é justamente neste território das manifestações digitais que encontramos a confluência entre dois universos tão distintos: os jogos digitiais. Diversos jogos incorporam a paisagem como elemento fundamental de seus cenários. Neste sentido, as aquarelas de Mário Zavagli apontam para um movimento maior de renovação e recondução da figuração na arte contemporânea, que a exemplo dos jogos, acontece em diversas formas de manifestação estética.

 

Conclusão

Buscamos neste artigo compreender como as paisagens de Mário Zavagli se inserem na produção visual contemporanea. Entre nossas constatações, salientamos [a] a convicção da importância da figuração no contexto da arte contemporãnea, como afirma De Franceschi (IMS, 2002). Seu posicionamento quanto ao tema a paisagem reflete as razões e anseios de muitos outros artistas contemporâneos que adotaram a paisagem, na intenção de identificar no mundo lugares que precisam, de alguma forma, serem entendidos e eternizados; [b] sua obra como um ponto referencial acerca da recondução da paisagem, como gênero pictórico, ao centro da produção contemporânea.

 

Referências

Cauquelin, Anne (2007). A invenção da paisagem. São Paulo: Martin Fontes.         [ Links ]

Chipp, Herschel Browning (1996). Teorias da arte moderna. Tradução de Waltensir Dutra et al. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Eco, Humberto (2005). Obra Aberta. 9ª ed. Tradução de Giovanni Cutolo. São Paulo: Ed. Perspectiva (Estética, 4).         [ Links ]

Didi-Huberman, Georges (1997). L'Empreinte. Catalogue Centre George Pompidou, Paris.         [ Links ]

Gombrich, E. H. (2008) A história da arte. Rio de Janeiro: LTC.         [ Links ]

Martius, Carl Friedrich Philipp Von & Spix, Johann Baptist Von (1938). Através da Bahia: excertos da obra Reise in Brasilien. Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1938. Disponível em http://www.brasiliana.com.br/        [ Links ]

Valéry, Paul (2003). Degas Dança Desenho. São Paulo: Cosac & Naify.         [ Links ]

IMS – Instituto Moreira Salles (2002). Mario Zavagli – Paisagens Mineiras.         [ Links ]

 

Artigo completo recebido a 9 de setembro e aprovado a 24 de setembro de 2013

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: carlosmurilos@gmail.com(Carlos Murilo Valadares*)

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