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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.4 no.7 Lisboa jun. 2013

 

DOSSIER EDITORIAL

EDITORIAL SECTION

Lívio Abramo: anotações sobre vida e obra

Lívio Abramo: notes of life and work

 

Maristela Salvatori*

*Conselho editorial; Instituto das Artes, Universidade Federal de Rio Grande do Sul, Brasil.

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO
O brasileiro Lívio Abramo deixou uma imensa e rica obra, especialmente em xilogravura, e influenciou toda uma geração de artistas brasileiros. Autodidata, teve o expressionismo alemão como forte referência, dedicando-se inicialmente à temática dos subúrbios de São Paulo e temas sociais, posteriormente buscou caminhos próprios, desenvolvendo e aperfeiçoando uma linguagem pessoal.

Palavras-chave: gravura, Lívio Abramo, arte brasileira

 

 

ABSTRACT
The Brazilian Lívio Abramo legacy is an immense and rich work, especially in woodcut, and has influenced a generation of Brazilian artists. Self-taught, Lívio had German expressionism as reference, dedicating to the theme of the suburbs of São Paulo and other social issues, and afterwords following his own path, developing and perfecting a personal language.

Keywords: printmaking, Lívio Abramo, brazilian art

 

 

Artista seminal na arte brasileira, Lívio Abramo impulsionou o desenvolvimento da gravura de arte no país. Paulista e autodidata, teve o expressionismo alemão como forte referência, dedicando-se inicialmente à temática dos subúrbios de São Paulo e temas sociais, paulatinamente elaborou novas formas ao manifestar suas diferentes vivências. Desempenhando em São Paulo um papel semelhante ao de Goeldi no Rio de Janeiro, Lívio, além de deixar uma imensa e rica obra, sobretudo em xilogravura, influenciou toda uma importante geração de artistas.  

No território brasileiro as expressões gráficas apresentaram um desenvolvimento tardio por conta da proibição da imprensa até 1808, ano da chegada da Família Real, e instalação, no Rio de Janeiro, da Imprensa Régia, marcando o início oficial da tipografia nesta colônia do além-mar. Após experiências pioneiras e isoladas, a gravura de arte propriamente dita começa a ser difundida no Brasil a partir do trabalho de artistas como Carlos Oswald (1882-1969), Oswaldo Goeldi (1895-1961) e Lívio Abramo (1903-1992), o foco deste estudo.  

Nascido em Araraquara, São Paulo em 1903, oriundo de família de imigrantes, liberal por parte de pai e anarquista por parte de mãe, Lívio Abramo cresceu apreciando clássicos da literatura, panfletos e jornais clandestinos. Desenvolveu um espírito internacionalista e uma "atitude inconformada ante os fatos sociais que o induziram à luta sindical e à atividade política" (Abramo, 1976: 34).  

Na sua juventude sofreu as consequências da crise econômica que iniciou no final dos anos 20 e estourou em 30. Sua ambição de ser arquiteto, foi frustrada pelas dificuldades financeiras. Buscando trabalho, deparou um dia, pelos anos 20, com uma exposição de gravuras expressionistas alemãs. Ficou fortemente impressionado com as imagens de Käthe Kollwitz, Lyonel Feininger, Schmidt-Rottluff, Erich Heckel, Emil Nolde, Barlach, Kirchner... até então seus desconhecidos. Segundo Lívio, esta arte: "cheia de gritos de cor, cólera, de paixão, expressavam a mesma revolta humana, a mesma ânsia de renovação que eu provava e que ressoou em minha consciência e em meus sentidos. Era essa a forma de expressão artística que eu procurava definir para mim mesmo" (Abramo, 1983: 7). Seu gosto pela gravura já havia despontado cedo, na admiração de vinhetas xilográficas que ilustravam os poemas de um clássico italiano, mas o encontro com estes expressionistas foi uma revelação. Nesta época conhece o tropicalismo de Tarsila do Amaral e também o trabalho de Osvaldo Goeldi que se popularizava através de publicação semanal n'O Jornal'.  

 

Primeiras Imagens  

Realizou suas primeiras gravuras em 1926, aos 23 anos, usando inicialmente gilete e goiva de entalhe, e sem qualquer orientação. Pouco depois conseguiu equipamentos mais adequados. Autodidata por falta de opção, Lívio mais tarde contou com o assessoramento de Goeldi. As influências, ora de Lasar Segall (1891-1957), ora da antropofagia e de formas tropicais, exuberantes e cheias de vida, se fazem sentir nas suas primeiras obras.  

Vivia em São Paulo, atuava como pintor de painéis comerciais e ilustrador. Em 1931 iniciou sua carreira como jornalista no Diário da Noite, inicialmente como chargista, mas considerado excessivamente crítico foi deslocado para outras funções. A postura crítica marcou toda a sua vida, foi um dos fundadores do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, militou no Partido Comunista até 1932 quando foi expulso acusado de trotskismo, participou do movimento socialista e trotskista de 32 à 35.  

Suas primeiras séries de gravuras têm como inspiração a luta contra o fascismo, greves, brigadas internacionais. Estes acontecimentos se revestiam de formas e símbolos. Depois aparece a recriação da vida e costumes populares, com seus dramas e necessidades, destacando-se Operário (1933), Vila Operária (1935), Meninas de Fábrica (1935) e Espanha (1935/8). O Brasil vivia os difíceis anos de 34, 35, do Estado Novo. A significativa conotação de protesto social destas imagens não suplantou seu valor artístico, conforme Teixeira Leite: "essas gravuras, despidas já de sua circunstância, resistem como obras de arte, mercê de uma força expressiva que os anos só parecem ter sublinhado" (Leite, 1974: 27).  

Para Lívio o expressionismo, mais que um estilo, é um modo de sentir próprio dos momentos de profunda crise. A angústia humana é revelada em todos os momentos da história da arte, e teve sempre "a mesma forma de manifestação sensível: a expressão forte e dramática dos sentimentos humanos". Homem e natureza são suas eternas fontes de inspiração (Abramo, 1983: 8).  

Utilizando fortes contrastes, os trabalhos apresentam forte carga dramática. Gradualmente a temática diversifica-se, aparecendo paisagens e temáticas folclórica exibindo uma exploração maior no ritmo e movimento de linhas paralelas e cruzadas, perdendo um tanto da dramaticidade que o caracterizava.  

Com a derrota da Espanha, Polônia e França, esfacela-se o sonho de sua geração deixando em seu lugar sensação de vazio. Lívio relevaria a atividade artística até 47, dedicando-se à atividade política (Beccari, 1983: 16-8).  

 

Maturidade  

Ao término da Guerra Civil Espanhola o trabalho de Lívio Abramo modifica-se. Recebeu a proposta de ilustração para o livro Pelo Sertão, de Affonso Arinos. Para realização destas imagens buscou referências iconográficas da região e época. Sentiu que o expressionismo não proporcionaria a aura que desejava às imagens. Percebeu que o Brasil apresentava outras soluções formais. Lívio começou a explorar o corte com diferentes instrumentos, na madeira de topo, procurando uma forma mais despojada, de síntese e estilização. Entre 46 e 47 iniciou a série Pelo Sertão, realizou dezenas de xilogravuras e inúmeras vinhetas, onde procurou mudar sua linguagem (Beccari, 1983: 18).  

Para Radha Abramo, sua arte floresce com a utilização de novos instrumentos, aparecendo a elaboração de formas abstratas na construção do espaço. Com uma visão intimista Lívio procura "entender a paisagem brasileira. Troca a agressividade da goiva sobre a madeira pela docilidade do linóleo e abandona o expressionismo para gravar horizontes paulistas, com traços livres. (...) Apropria-se da linha essencial da natureza" (Abramo, 1983: 35).  

Em 1948 se muda para o Rio de Janeiro, onde vai trabalhar n'O Jornal'. Através de Bruno Giorgi, Lívio conhece a macumba e torna-se assíduo frequentador. Desenha incessantemente buscando captar "o movimento da dança sincrética brasileira". Transpõe o ritmo musical para seus trabalhos. "A dramaticidade dos contrastes do Rio, cidade/favela (...) são o suporte para pesquisa da linha" (Abramo, 1983: 35). Grava as primeiras imagens da série Rio (51). Sua modificação é cada vez mais acentuada, no contato com tipos populares e espetáculos religiosos, o ritmo ganha força em seu trabalho desdobrando-se em "variações formais, dosadas no impulso vital que as produziu, para o enquadramento das composições, na contensão silenciosa da madeira escavada", depurada "até o abstrato, na limpeza extrema em que a forma se contrai a ritmos e linhas" (Ferraz, 1983: 32).  

No panorama nacional há grande a polêmica pró e contra o abstracionismo. O concretismo trazido por Max Bill na primeira Bienal de São Paulo influencia inúmeros artistas. Lívio Abramo segue sua pesquisa poética, de forma independente. Como observa Sérgio Milliet, 1951 é um ano marcante em seu trabalho, Lívio "chega à abstração sem preocupar-se, porém, em abolir o tema: sua arte agora afirma-se em toda sua plenitude." (Milliet, Apud Barata et. al.: 19).  

Com a série feita para o livro Pelo Sertão Lívio conquistou, no Salão Nacional de Belas Artes de 1951, o prêmio Viagem ao Exterior. Vai à Europa, fica dois anos viajando e desenhando intensamente, frequenta o Atelier 17, em Paris. As rosáceas das catedrais góticas deixam a marca de seu impacto nas obras posteriores. No retorno ao Brasil, em 53, volta a residir em São Paulo e a trabalhar no 'Diário da Noite'. Na série Rio, os movimentos ganham verticalidade, as luzes são enfatizadas. Realiza a série Festas (54), baseada nos fogos de artifício das festas de São João. Leciona gravura no Museu de Arte Moderna. Com forte caráter de alegria e de lirismo, a série Rio lhe proporcionou o prêmio de Melhor Gravador Nacional na II Bienal de São Paulo, em 1953.  

Em 56 faz mostra individual no Paraguai, e em 57 abre, em Assunção, o 'Taller de Grabado Julián la Herrería'. É agora motivado pela paisagem social da América Indo-Hispânica que ele encontra no Paraguai. A série Paraguai (57) evoca em sua trama as rendas daquele país, aparecem estruturas simétricas e elementos sintetizados. Aparecem as chuvas paraguaias em toda sua violência, a calmaria dos povoados missioneiros, suas praças e casas ganham linhas e ritmos que abstraem a temática.  

Segundo Radha Abramo:

O artesanato paraguaio, como o ñanduti, a natureza e a arte índio-espanhola acrescentam uma nova dimensão à sua linguagem. O traço livre e essencial da forma já se move em espaços amplos e abertos. E traduz a visão do distanciamento do autor, debruçado na janela do mundo, ainda tentando agarrar a realidade com suas mãos poéticas (Abramo, 1983: 36).
 

Lívio afirmou não ter pretendido fazer 'paisagens', mas sim interpretar a significação e a problemática da natureza, com a força dos sentimentos que ela lhe desperta, conforme suas palavras: "quanto mais ela está de acordo com minha própria natureza, mais rapidamente surge a interpretação visual. Prá mim... esta realidade adquire um caráter verdadeiramente mágico, sobrenatural e metafísico" (Abramo Apud Neistein, 1983: 12).  

Em 60 abre, em São Paulo, o Estúdio Gravura, juntamente com Maria Bonomi (1935), sua ex-aluna. Migra para Assunção em 62, e a partir desta data dirige o setor de Artes Plásticas e Visuais da Missão Cultural Brasileira no Paraguai. Atua como jornalista até 65, quando se aposenta. Em suas últimas décadas de vida criou muitas imagens em litografia. Morreu em Assunção, Paraguai, em 1992.  

Apresentando uma postura moderna, Lívio Abramo buscou caminhos próprios, desenvolvendo e aperfeiçoando uma linguagem pessoal. Sua contribuição, como professor e artista, foi fundamental para o desenvolvimento da gravura de arte no Brasil.  

 

Referências

Abramo, Lívio (1983) Lívio Abramo – Xilogravuras. S. Paulo: Centro Cultural de São Paulo.         [ Links ]  

Abramo, Lívio (1976) Retrospectiva, 1976. Fundação Bienal de São Paulo. Catálogo. São Paulo.         [ Links ]  

Abramo, Radha (1976) "Lívio, a pesquisa e a criatividade." In Lívio Abramo: Retrospectiva. Catálogo. Fundação Bienal de São Paulo. São Paulo.         [ Links ]  

Acha, Juan (1989) Nuestra Realidad Estetica. São Paulo: Apostila de curso no MAC/USP.         [ Links ]  

Beccari, Vera d'Horta (1983) "A busca de uma nova linguagem para a gravura." In Lívio Abramo – Xilogravuras. São Paulo: Centro Cultural de São Paulo.         [ Links ]  

Costella, Antonio (1984) Introdução à Gravura e História da Xilogravura. Campos do Jordão: Mantiqueira.         [ Links ]  

Dasilva, Orlando (1976) A Arte Maior da Gravura. São Paulo: Espade.         [ Links ]  

Ferraz, Geraldo (1976) "Lívio Abramo" In: Lívio Abramo: Retrospectiva, 1976. Fundação Bienal de São Paulo. Catálogo.         [ Links ]  

Ferraz, Geraldo (1983) "Lívio Abramo: Xilogravuras." In Lívio Abramo – Xilogravuras. São Paulo: Centro Cultural de São Paulo.         [ Links ]  

Leite, José R. Teixeira (1974) "De Goeldi ao Abstracionismo." In Mostra da Gravura Brasileira. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo.         [ Links ]  

Neistein, José (1983) "Quarenta anos de gravuras e desenhos" In Lívio Abramo – Xilogravuras. São Paulo: Centro Cultural de São Paulo.         [ Links ]  

Ostrower, Fayga (1983) "Homenagem a Lívio Abramo." In Lívio Abramo – Xilogravuras. São Paulo: Centro Cultural de São Paulo.         [ Links ]  

Barata, Mário et. al. (1974) Mostra da Gravura Brasileira. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo.         [ Links ]

 

Agradecimentos

Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq (Auxílio à Participação em Eventos Científicos – AVG)

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico: maris@ufrgs.br (Maristela Salvatori).

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