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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.4 no.7 Lisboa jun. 2013

 

ARTIGOS ORIGINAIS

ORIGINAL ARTICLES

Maciez, pressuposto aglutinador da pintura-objeto de Leda Catunda

Softness, bonding presumption of the painting-object of Leda Catunda

 

Teresinha Barachini*

*Brasil, artista visual e escultora. Bacharel em Escultura, Instituto das Artes da Universidade federal de Rio Grande do Sul (IA – UFRGS) Porto Alegre. Mestre em Artes, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Frequenta o doutoramento em Poéticas Visuais (IA-UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Professora no Centro de Artes e Letras da Universidade Federal de Santa Maria (CAL-UFSM) Rio Grande do Sul.

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO
Este artigo trata da busca de um entendimento sobre a maciez como qualidade aglutinadora na obra da artista Leda Catunda (São Paulo, 1961). Foram escolhidos alguns trabalhos do período de 1991 a 2002, que tensionam os limites tênues entre sua pintura e objetos moles, independentemente dos mesmos serem apropriados do cotidiano ou construídos pela artista.

Palavras-chave: Catunda, pintura-objeto, maciez, mole.

 

 

ABSTRACT
This article tries to seek an understanding of softness as bonding quality in the oeuvre of the artist Leda Catunda (São Paulo, 1961). Some works from 1991 to 2002 were chosen for they work on the thin edge between painting and soft objects, independently of being taken from daily life or made by the artist herself.

Keywords: Catunda, painting-object, softness, soft.

 

 

Introdução  

Ao participar da exposição polêmica Como vai você, geração 80, no Rio de Janeiro, em 1984, a artista Leda Catunda (São Paulo, 1961), que já fazia parte do mercado de arte nacional desde 1981, firma-se como pintora, representando uma nova geração de artistas brasileiros. Em 1983, 1985 e 2000, marca presença nas Bienais de São Paulo e, em 2003, defende sua tese de doutorado em Artes na ECA-USP – São Paulo, sob a orientação de Julio Plaza, com o memorial descritivo: Poética da Maciez: Pinturas e Objetos Poéticos.  

Através de procedimentos que associam tecidos com estampas prontas como propulsores de suas criações e matérias moles como suporte e como estrutura de suas pinturas, a artista constrói e defende sua Poética da Maciez. A reflexão aqui posta busca o entendimento das conexões possíveis entre pintura e objeto, entre moleza e maciez na produção de Leda Catunda durante a década de 90, pois a utilização de materialidade amolecida sugere uma pintura que se transmuta em objeto, sem no entanto, deixar de se pontencializar como tal.

 

Maciez tridimensional na pintura de Leda Catunda

A ênfase dada pela pintora na escolha de tecidos de procedência industrial, com estampas figurativas de estilizações grotescas, de baixa resolução, considerado estilisticamente de gosto duvidoso, evidencia o acesso visual de grande parte da população brasileira para compor suas vestimentas e ambientes decorativos. Na apropriação dessas imagens, Leda Catunda (2003: 8) cria 'associações entre a função original do objeto e o conteúdo reelaborado através da ação da pintura', e desta forma aproxima os diferentes públicos ao passar pela memória cotidiana compartilhada por todos. E, ao somar-se a esta iconografia exuberante, a utilização de materiais e objetos de características moles, Leda Catunda, mesmo sem transpor o espaço bidimensional, segundo Cochiaralli (1998: 27) trabalha em uma 'região limítrofe entre pintura e escultura' e, assim sendo, segundo ele, 'é possível afirmar que os trabalhos de Leda são na verdade, relevos pintados.'  

Se no primeiro momento, os materiais e objetos amolecidos eram utilizados como suporte para reforçar a ideia de uma estamparia narrativa, a partir da década de 90, eles passam a propor o amolecimento como ideia de maciez, e o relevo pintado passa a ser denominado pela artista como pintura-objeto. Tendo, portanto, a pintura como ponto de partida e de chegada, Leda Catunda encontra na 'maciez' o sensível que atravessa e age como elemento aglutinador de sua poética. A maciez passa a incorporar os seus discursos plásticos pela materialidade dos tecidos, ou dos objetos escolhidos como elementos potencializadores de reconhecimento visual-tátil de suas pinturas objetualizadas.  

Considero que existam três momentos em que o trabalho de Leda Catunda se direciona mais fortemente para tridimensionalidade, são eles compostos por: trabalhos com características de relevo, trabalhos que tendem a se aproximar efetivamente do discurso do objeto e os trabalhos que se aproximam de uma inserção mais efetiva no espaço de exposição.  

Entre as pinturas-relevos, encontramos Almofadas Amarelas (1991) e Almofadas Azuis (1992), que tem suas estruturas definidas por um plano ortogonal e pelo jogo compositivo das almofadas que recheiam a suas superfícies. Diferentemente, o trabalho Pequena Almofada Amarela (1991) (Figura1) de formato ovaloide, disforme, firma-se pela leveza e delicadeza despretensiosa. Convida o nosso olhar a tatear entre o desenho das costuras que insistem na limitação dos gomos semicheios e as estampas que tentam se esconder abaixo da vedação transparente de tinta amarela, em uma insinuante precariedade construtiva.

 

 

Três almofadas, três montanhas, pintura com contornos irregulares fixos na superfície vertical da parede formula uma paisagem macia e áspera que beira a uma colagem abstrata volumétrica sobre um fundo plano recortado. Três Montanhas (1993) (Figura 2) sistematiza a repetição de uma ideia sobre uma mesma superfície, deflagrando uma pintura-relevo penetrável pelo olhar feito da individualidade texturizada dos tecidos de cada parte que compõe o todo. Estes dois trabalhos – Pequena Almofada Amarela (1991) e Três Montanhas (1993) rompem com o lugar ortogonal da pintura, desviando nossa percepção para uma tridimensionalidade extrínseca aos mesmos.

 

 

Em entrevista cedida a Lilian Tone (2009), Leda Catunda diz que seus trabalhos com maior volume são como inchaços e barriguinhas, e que eles, 'são prisioneiros da parede...Trabalho espesso, que passa a existir como objeto' e afirma que o seu raciocínio 'depende do plano vertical, e da força da gravidade". São como um 'corpo mole que pende da parede'(Catunda, 2003: 72) transformando as pinturas em barrigas, insetos, línguas e gotas.  

Sem tecidos estampados ou texturizados, com um único volume exagerado, protuberante, saliente, Barriga (1993) (Figura 3) exacerba as qualidades da maciez e reafirma o pictórico, dramatizando a forma através do tratamento de superfície. Para Catunda, Barriga (1993) representa o início da sua poética da maciez, porque além de ser construída de forma simplificada, o que permite o reconhecimento do tema de pronto, este trabalho representa uma 'ideia de preguiça, do que está relaxado, solto, em repouso' (Catunda, 2003: 48). A maciez pesa e dilacera a superfície tensionada, tornando-a reminissiva ao que representa.

 

 

Barriga (1993) é um hiato formal em meio à abundante produção de superfícies figurativas. O volume deste trabalho é reencontrado em representações imagéticas de trabalhos como Mosca III (1994), Inseto II e Mosca IV (1996). Com seus filetes de tecidos dobrados, em sobreposições contínuas assimétricas, Casca (1997) (Figura 4), mesmo lembrando o volume de Barriga, traz à tona a ambiguidade em se definir como algo que protege o mole interno ou ser o próprio objeto macio e frágil. Ao ser um objeto devorador do volume construído pela superfície pictórica, não pressupõe gravidade, mas ausências.

Quando nos deparamos com planos amolecidos, recortados, entrelaçados e/ou sobrepostos uns aos outros em obras como Capas com Lago (1998), Siameses (1998) (Figura 5) e Derretido (2002) (Figura 6), percebemos que o volume perde força e dá lugar à potência líquida sugerida pelas formas e pelos materiais. Se Siameses invade o chão, demarcando um território de passagem e de fluxo entre as suas partes, Derretido escorre da parede para o chão, invadindo o espaço do espectador de maneira contumaz. Nele, as camadas amolecidas sedem à gravidade e mesmo que represente 'um espalhamento, aspira à ordem e à concentração' (Catunda, 2003: 100). A maciez aqui se torna novamente pesada, verticalizada e previsível.

 

 

 

 

Conclusão  

A extravagância, o exagero das imagens que carregam em si a maciez que a pintora defende em suas obras, vem da vontade do tátil visual que suas pinturas suscitam no outro. Segundo Jacopo Crivelli Visconti (2011), o desejo que o observador tem, de 'tocar, apalpar as superfícies, comprovar com a mão o que o olho sugere, mas não se atreve a garantir, isto é a maciez dessas obras' de Leda Catunda.  

Cabe aqui ressaltar, que volumes ou planos de materialidade mole ou que tenham a representatividade do amolecimento, não são sinônimo de maciez. E, volumes transformados em massas ou indicativos de peso em relação direta com a gravidade, não determinam que este ou aquele trabalho possa ser então considerado um objeto. As pinturas-objetos de Leda Catunda são essencialmente pinturas. Pinturas quase em sua totalidade amolecidas, por vezes, volumosas, com contornos nem sempre ortogonais, mas todas macias, mesmo quando negam a sua própria maciez.

 

Referências  

Catunda, Leda (1991). Pequena Almofada Amarela [Consult. 2013-01-07] Fotografia. Disp. em URL: http://www.ledacatunda.com.br/portu/comercio.asp?flg_Lingua=1&cod_ Artista=91&cod_Serie=9           [ Links ]

Catunda, Leda (1993a). Três Montanhas. [Consult. 2013-01-07] Fotografia. Disponível em URL: http://www.ledacatunda.com.br/portu/comercio.asp?flg_Lingua=1&cod_ Artista=91&cod_Serie=11  

Catunda, Leda (1993b). Barriga. [Consult. 2013-01-07] Fotografia. Disponível em URL: http://www.ledacatunda.com.br/portu/comercio.asp?flg_Lingua=1&cod_Artista=91&cod_Serie=11  

Catunda, Leda (1997). Casca. [Consult. 2013-01-07] Fotografia. Disponível em URL: http://www.ledacatunda.com.br/portu/comercio.asp?flg_Lingua=1&cod_Artista=91&cod_Serie=15           [ Links ]

Catunda, Leda (1998). Siameses. [Consult. 2013-01-07] Fotografia. Disponível em URL: http://www.ledacatunda.com.br/portu/comercio.asp?flg_Lingua=1&cod_Artista=91&cod_Serie=16           [ Links ]

Catunda, Leda (2002). Derretido [Consult. 2013-01-07] Fotografia. Disponível em URL: http://www.ledacatunda.com.br/portu/comercio.asp?flg_Lingua=1&cod_Artista=92&cod_Serie=20           [ Links ]

Catunda, Leda (2003) Poética da Maciez: Pinturas e Objetos. Tese (Doutorado em Artes) Orientador Prof. Dr. Julio Plaza. Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo.         [ Links ]  

Chiarelli, Tadeu. (Org.) (1998). Leda Catunda. São Paulo: Editora Cosac & Naif. ISBN:8586374199           [ Links ]

Tone, Lilian (2009) Lilian Tone – Leda Catunda: Entrevista Comentada. São Paulo, Exposição Pinacoteca do Estado, (01-01-2009) [Consult. 2012-12-10] Disponível em URL: http://www.ledacatunda.com.br/portu/depo2.asp?flg_Lingua=1&cod_Depoimento=37           [ Links ]

Visconti, Jacopo Crivelli (2011) O circo pegou fogo, in Leda Catunda (catálogo). Paulo Darzé, Galeria de Arte, Salvador. [Consult. 2012-12-11] Disponível em URL: http://www.ledacatunda.com.br/portu/depo2.asp?flg_Lingua=1&cod_Depoimento=32         [ Links ]

 

 

Artigo completo recebido a 13 de janeiro e aprovado a 30 de janeiro de 2013.

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico: ttbarachini@gmail.com (Teresinha Barachini).

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