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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.4 no.7 Lisboa jun. 2013

 

ARTIGOS ORIGINAIS

ORIGINAL ARTICLES

Mais que papagaios à sombra das bananeiras

More than parrots in the shade of banana trees

 

Luciano Vinhosa Simão*

*Brasil, artista visual. Doutor em Estudos e práticas artísticas pela Université du Québec à Montréal, UQÀM, Canadá. Mestre em História e Crítica da Arte pela EBA/UFRJ. Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Estudos Contemporâneos da Artes da (UFF) Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro.

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO
Este artigo traz uma reflexão crítica sobre alguns trabalhos do artista português Rodrigo Oliveira, artista cuja carreira, iniciando-se no início deste milênio, apresenta-se ainda em formação. O recorte que se seguirá coloca ênfase em certos aspectos de uma crítica centrada por um lado na cultura moderna revista a partir de suas concepções racionalistas do espaço e, por outro, na idéia mesmo de cultura como campo fluido de significados.

Palavras chave: Rodrigo Oliveira, arte contemporânea, crítica cultural.

 

 

ABSTRACT
This paper provides a critical reflection about some work of the Portuguese artist Rodrigo Oliveira, an artist whose career, starting early this millennium, presents still in training. The crop that will follow puts emphasis on certain aspects of a critique centered on the one hand in modern culture revised from their rationalist conceptions of space and secondly, the same idea of culture as fluid field of meanings.

Keywords: Rodrigo Oliveira, contemporary art, cultural criticism.

 

 

Introdução

Rodrigo Oliveira, apesar de ser um jovem artista português, cuja obra se processa a partir deste milênio, apresenta extensa produção, muito diversa em formulações artísticas e conceituais, rica nas lacunas que se insinuam no deficit entre a intenção e a realização, portanto, para falar como Duchamp, no coeficiente de arte: “relação aritmética entre o que permanece inexpresso, embora intencionado, e o que é expresso não intencionado.” (Duchamp apud Battock, 1965: 73). É justamente nesse intervalo que o espectador pode incluir-se na obra e ver-se como agente no “ato criador” ao tentar atravessá-la, às vezes com seu próprio corpo — sobretudo em suas intervenções em ambientes específicos, considerando as hipóteses que levantam sobre a cultura moderna, em particular a arquitetura. Precisamente no comentário cultural que inspiram é que me situo como sujeito diante da experiência que seus trabalhos promovem. A princípio, colocando o acento no racionalismo moderno expresso nos conteúdos ideológicos que tanto a arquitetura de um Le Corbusier como o neoplasticismo de um Mondrian, por exemplo, veiculam em seus ideais democráticos, seus trabalhos revelam como esse ato ingênuo de fé no progresso pôde de fato converter-se, ainda que inesperadamente, em medidas autoritárias, tendo em vista o desprezo com que encaram as singularidades a favor da universalidade abstrata das culturas.

Não posso deixar de remarcar aqui minha primeira visita a Lisboa — cidade em que mora o artista —, chegando do aeroporto e dando conta de uma periferia toda nova, não muito diferente da que vemos por toda parte do mundo. Ali se adensa uma série de prédios modernos e outros, ainda mais espalhafatosos, pós-modernos, evidenciando o esforço de uma nação em se modernizar e se afirmar finalmente no mercado comum europeu, mesmo à custa de uma economia moribunda, que nos deixa entrever Portugal como um dos países mais problemáticos da zona do euro. Por todo canto a mesma linguagem impessoal em contraste com o Centro de uma cidade histórica, com suas poéticas ladeiras e casario que, não fosse o fado no lugar do samba, em muito lembram certas áreas do Rio de Janeiro — cidade em que moro.

Entendo portanto os sítios específicos do artista, suas intervenções na arquitetura, também pelo ângulo crítico que deles se relevam. Nesse caso, sua criticidade não se alinha apenas ao veio institucional quando este normalmente se debruça sobre a desconstrução dos dispositivos da arte e se endereça sobretudo a seu contexto de exibição e produção de discurso — o campo da arte — como vemos no artista belga Marcel Broodthaers. De fato, com Rodrigo, ela se amplia muito para o terreno da cultura como um todo... ideologias artísticas aí incluídas.

 

1. Por uma crítica ao racionalismo estético

A variedade de trabalhos que têm como ponto de partida a redução da forma à ortogonalidade e das cores a seus valores saturados é reveladora desse princípio crítico. O pressuposto modernista de que o plano deduzido do ângulo reto é o elemento gerador de todo espaço tridimensional ou que os tons absolutos poderiam gerar uma paleta precisa e impessoal, adaptou, para não dizer reduziu, muito bem a metodologia artística à metodologia industrial, criando uma espécie de estética da racionalidade. Certamente, esse novo racionalismo das vanguardas pretendeu resolver a tensão dialética que se colocou, desde o início do século XIX, entre arte e técnica, tornando seus respectivos métodos, se não incompatíveis, pelo menos de difícil conciliação. É, portanto, com humor que diviso certos trabalhos do artista, como, por exemplo, sua série Construções Complexas (Geografia da Casa), em que plantas esquemáticas com indicativos para evacuação de emergência sofreram intervenções gráficas, alterando seus conteúdos informativos. Na representação resultante, os planos horizontais são rebatidos nos verticais, o interior e o exterior do “prédio” se confundem, criando um espaço de ambiguidades que contraria as pretendidas clareza e transparência da informação — metáfora, talvez, da perigosa monotonia estética que a arquitetura moderna nos oferece quando o plano e o ângulo reto se tornam diretrizes do volume. Os espaços gerados, independente dos usos e funções, tornam-se de fato indiferenciados visualmente (figura 1).

 

 

O que dizer dos grandes condomínios habitacionais de baixa renda que povoam as periferias dos diferentes países ocidentais e não ocidentais, modelo para toda autoconstrução ligeira e de baixa qualidade, muito familiar às paisagens urbanas e suburbanas brasileiras? Tudo se passa como se pobreza econômica implicasse necessariamente pobreza estética, justificando os baixos investimentos sociais. Diante dessa constatação, as obras Cada Casa é um Caso (Arquivo Geral), Ca(u)sas e La Cité Radieuse nos parecem no mínimo irônicas quando apresentam condomínios em miniatura — construções-tipo, todas feitas com pequenas caixas de fósforos revestidas por uma miríade de esticadores multicoloridos (figura 2).

 

 

Chamo atenção também para a obra inaugural do artista, a instalação Cubo Branco, realizada para exposição ocorrida em galeria do Welcome Centre, em Lisboa (figura 3). Nesse trabalho, Rodrigo constrói, dentro de uma estrutura histórica — uma galeria de arte cujas paredes, inadequadas para exibir arte moderna, são abobadadas desde o teto —, outro espaço ortogonal, um cubo branco, agora mais adequado à experiência da arte. Ao entrar no novo ambiente, o espectador pode ler em suas paredes trecho de uma entrevista conferida pelos administradores do centro em que afirmam:

Um dos muitos objetivos do Lisbon’s Welcome Centre é oferecer à cidade novas infraestruturas culturais. Consequentemente, será criada uma nova galeria de arte, a Galeria da Cidade, que será suficientemente espaçosa para receber, de forma digna, exposições nacionais e internacionais. Esta galeria pretende tornar-se uma das melhores do país (Carr, in Oliveira 2008: 16).

 

 

Se acompanharmos as reflexões surgidas no final da século XVIII relativas à existência de uma experiência específica, diferente da ordinária, a que chamamos de estética, os conceitos que desenvolvem se ajustam a uma paulatina forma de exibir objetos culturais que dará origem ao cubo branco ideal da arte moderna. Em geral, a experiência estética foi descrita a partir da noção de “desinteresse” — uma atitude do sujeito quando, diante do objeto, se coloca à distância do mundo. Esse recuo garantiria o afastamento necessário dos usos, práticos e/ou morais, eventuais do objeto, ressaltando para o sujeito apenas as qualidades intrinsecamente estéticas: formas, linhas, cores, texturas, volume, temperatura, peso. A criação de um ambiente asséptico e neutro para esse fim foi necessária. Tudo que pudesse de alguma forma comprometer esse estado de distanciamento foi sendo excluído do espaço expositivo. O ambiente tornou-se neutro em suas cores e seus acessórios, as paredes discretas em suas presenças, a iluminação focada, porém suave a fim de que o objeto de atenção pudesse existir para o sujeito em uma espécie de limbo contemplativo. Essa depuração do espaço foi acompanhada de perto por uma forma reduzida de fazer arte: abstrata, econômica em seus meios e distante da promiscuidade do mundo. Reivindicar o cubo branco no centro de um espaço expositivo inadequado, como fez Rodrigo, se por um lado chama a atenção para o oportunismo de um empreendimento comercial, quando mesquinhamente se enverniza com a alta cultura, por outro evidencia a própria incapacidade da arte moderna de conviver com a promiscuidade do mundo, exigindo sempre outro espaço, mais adequado a sua manifestação. Talvez não por acaso o artista opte frequentemente por realizar seus trabalhos em espaços do cotidiano de natureza confusa, como garagens de prédios ou halls de edifícios comerciais, por exemplo.
Intervenções como Sem Título (Puro Sangue) instaladas na entrada de um condomínio, constituindo-se como simples obstáculos que impedem o livre acesso de qualquer indivíduo, também sinalizam uma sociedade em que o controle e a exclusão são formas constitutivas do “bem viver”. O regime de desigualdade social em que se fundamentam as sociedades capitalistas modernas tem corroborado a difusão de uma cultura da violência e do medo, gerando distorções no uso do espaço público. Os condomínios residenciais — esse estilo contemporâneo de morar — representam, de outro modo, nova forma de medievalização dos modos de vida, ao instaurar no seio do espaço urbano uma zona de uso privado, com acesso restrito, protegido por guarita e segurança 24 horas por dia. Um “lugar de felicidade” protegida, longe da promiscuidade do mundo e do qual o “outro” é ostensivamente excluído.

 

2. Trânsito entre culturas

Em 2011 Rodrigo inaugurou uma exposição na Cosmocopa, no Rio de Janeiro. É curioso observar como o artista fez a transposição de sua poética para outro contexto cultural. De algum modo, os trabalhos apresentados pareciam encontrar sempre um elo entre a cultura local e a de Portugal, mas agora de uma forma leve, humorada e mais adaptada, digamos, às adversidades. Por exemplo, Lá no Morro (Carmen a portrait), alusão a Carmem Miranda, portuguesa de origem, mas que fez sucesso internacional travestida de baiana. O artista apresenta o retrato da cantora como natureza-morta, uma colagem sobre quadro- -negro, por sua vez apoiado em estrutura de madeira, idêntica à dos tabuleiros em que as baianas comercializam nas ruas quitutes típicos da Bahia e hoje usados por camelôs cariocas (figura 4). Abre Espaço (Relato) é outro trabalho que faz ponte entre as duas culturas ao apresentar caixa de som em forma de bola de futebol, em que se pode ouvir uma colagem musical reunindo músicas de carnaval e narrações de futebol.

 

 

Embora não tenha sido apresentada na exposição em tela, Capanema — instalação em que o artista conjuga uma megaestrutura de metal presa ao teto, espécie de brise-soleil multicolorido executado com cadeirinhas de praia seriadas, com quadros mostruários, típicos de repartições públicas, que em seu interior, ao invés de avisos, apresentam plantas de jardins moles desenhadas pelo inconfundível Burle Marx — é talvez o exemplo mais contundente desse encontro de culturas. Nessa instalação, cujo título alude ao famoso prédio esboçado por Corbusier e posteriormente desenvolvido pela primeira geração de modernistas brasileiros, o rigor da geometria uni-se à ligeireza da gambiarra. Se por um lado o trabalho aponta para crítica a uma cultura sempre condenada ao improviso, porque movida pelas soluções de última hora; por outro, a inflexão que as curvas locais imprimiram à dureza da arquitetura moderna é indício de um vigor criativo que soube muito bem tirar proveito da docilidade dos trópicos, transformando-a em qualidade plástica. Ouso dizer que em nenhum lugar do mundo a arquitetura moderna foi tão vigorosa quanto a que se praticou no Brasil, adaptada com inteligência às condições locais não só da paisagem, mas também das tradições técnicas.
Nessa seara merece ser mencionada a escultura Uma pedra no sapato, composta por inúmeras réplicas das clássicas sandálias havaianas realizadas em diferentes tipos de mármores e granitos — material nobre e clássico — e cujas tiras são as mesmas das originais, em borracha — material ordinário. O incômodo sensorial que experimentamos — digo sensorial porque, apesar do estímulo primeiro ser visual, a sensação que provocam é mais abrangente, tátil, talvez — está certamente relacionado com o desconforto que a inflexibilidade de pedra associada à moleza da borracha nos evocam. O mesmo embaraço provavelmente que as sandálias originais nos causam, um acessório prático, no entanto, deselegante, clichê da vulgaridade e do desmazelo dos trópicos que compromete nossa cultura como um todo (figura 5).

 

 

Conclusão

Pontuei aqui alguns trabalhos de Rodrigo Oliveira sobre o viés da crítica cultural, sua critica ao racionalismo moderno e o comentário que a faz transitar entre as culturas. Sua obra certamente permite outros recortes e outros pontos de vista, tamanha sua variedade e riqueza conceitual; deixo ao espectador a tarefa de compor outros caminhos e nuanças.

 

Referências

Battcock, G. (1975) A nova arte. São Paulo: Perspectiva.         [ Links ]

Oliveira, R. (2008) Rodrigo Oliveira Catálogo. Lisboa: Galeria Filomena Soares.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico:vinhosa@hotmail.com (Luciano Vinhosa).

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