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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.3 no.6 Lisboa dez. 2012

 

EXPANSÕES

EXPANSIONS

http://www.rogerionunocosta.com/projeto+documentação=livrodeartista

http://www.rogerionunocosta.com/projeto+documentação=livrodeartista

 

Maria Leonor de Almeida Pereira*

*Portugal, artista visual. Universidade de Vigo (estudante de doutoramento); Bolseira da FCT. Graduação: DEA, Universidade de Vigo; Licenciatura em Artes Plásticas, Universidade de Évora.

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO:
Em Vou a tua Casa – Projeto de Documentação, Rogério Nuno Costa apresenta-nos dois objetos editoriais: um em formato de livro com edição e acessibilidade limitadas, e o outro em páginas virtuais de acesso livre e generalizado. Justapostas, estas opções realçam, no que as distingue, o potencial das páginas eletrónicas enquanto suporte das narrativas cujas linhas teceram e tecem os Livros de Artista.

Palavras chave: projeto, documentação, virtual, acessibilidade, participação, compromisso.

 

ABSTRACT:
Going to your Place – Documentation Project, by Rogério Nuno Costa, presents us two editorial objects: a hardback book of limited edition, and a net of virtual pages of widespread and free accessibility. Placed side by side, differences are highlighted pointing out the potential of electronic pages as carriers of narratives which lines create Artist’s Books.

Keywords: project, documentation, virtual, accessibility, participation, commitment.

 

 

Folha de Rosto

Sobre Rogério Nuno Costa, também conhecido como Chef RØ:
Amares, 1978. Lisboa, 1996. S. Pedro do Estoril, 2007. Amadora, 2009. Lisboa, 2010. Amares, 2011. Peças: "A Leitura Encenada É Um Género Que Não Faz O Meu Género" (2002), "Vou A Tua Casa (trilogia)" (2003-2006), "Saudades Do Tempo Em Que Se Dizia Texto" (2003), "ACTOR" (2004), "FUI (esboços)" (2005-2006), "Projeto de Documentação" (2006-2007), "A Oportunidade do Espectador" (2007-2008), "Espetáculo de Teatro" (2008), "MASHUP" (2009), "Seleção Nacional" (2010), "Big Curator Is Watching You!" (2010) e "Vou À Tua Mesa" (2010-2011). Quer ir para a Lapónia e fazer performances para as renas. Quer ser chef de cozinha num restaurante com uma mesa só. Quer ser uma estrela do happy hardcore. É feliz. (Perfil online)

 

Projeto e Documentação

Numa espécie de ‘simultaneologia’ – "ideologia do que acontece agora, já, em tempo real,… durante, entretanto e enquanto" (2012: parte III) – Rogério Nuno Costa é reitor da Universidade/Yliopisto (2012), cujo Regulamento Interno, Dogma 2005 (2006, online) – título ‘confiscado sem autorização ao cinema escandinavo da câmara ao ombro,’ numa referência a Dogme 95 Manifesto e ao Vow of Chastity dos diretores Lars von Trier e Thomas Vinterberg – teve a sua primeira versão tornada pública em 2005 no Teatro Taborda (Lisboa) aquando da apresentação de FUI, esboço #7, espetáculo-tese sobre a trilogia Vou A Tua Casa. No texto, que não é um manifesto mas isso mesmo que diz ser, é referido que ‘contexto’ e ‘projeto’ "querem dizer a mesma coisa, ou então são uma e a mesma realidade discursiva," o que é o mesmo que dizer que "a matéria sobre a qual o projeto deverá versar é o próprio projeto em si, assim como o contexto social, político e institucional que lhe dá a razão de existir" (parte III, ponto 5). Esta razão conduz-nos de um objeto ‘problemático’ e ‘problematizado,’ o que compreende a ‘investigação profunda dentro do âmbito das matérias com que se constroem os trabalhos’ (parte III, ponto 3). Sobre esta investigação, Boris Groys, em The Loneliness of the Project (2010), diz-nos que:

These days, regardless of what one sets out to do in the economy, in politics, or in culture, one has first to formulate a project for official approval or funding from one or several public authorities. […] this mode of project formulation is gradually advancing to become an art form in its own right – one whose significance for our society remains little acknowledged (2010: 72).

Groys chama a atenção para a informação acumulada mas esquecida na quantidade crescente de projetos adiados, rejeitados ou desconhecidos, esquecimento que negligencia a amostragem talvez mais representativa das intenções e aspirações de uma sociedade. O que pode ser entendido como mais um resíduo descartável das sociedades atuais deve, pelo contrário, merecer a atenção de um arquivo vivo. Entre outras coisas, este arquivo diz-nos de uma particular experiência de compromisso com o tempo: um tempo ‘heterogéneo,’ ‘dessincronizado,’ que é sempre já futuro, aquele futuro que o projeto antecipa porque ambiciona. O autor é projetado para este tempo que o tem absorto e mantém recluso. Groys fala de uma ‘licença de ausência’ a cuja censura o autor escapa na condição de devolver, após o período estipulado, um produto acabado. E no entanto,

…he or she sees no need to justify the project to the present, but it is rather the present that should justify itself to the future that has been proclaimed in the project. It is precisely this precious opportunity to view the present from the future that makes the life lived in the project so enticing to its author – and that ultimately makes the project’s completion so upsetting (2010: 76).

Talvez por isso, a um projeto segue-se outro, e depois outro, desdobramento apenas aparente daquele projeto de fundo que decorre ininterruptamente e de preferência sem prazo à vista: o projeto transforma-se numa forma de vida. "One could even claim that art is nothing other than the documentation and representation of such project-based heterogeneous time." (Groys, 2010: 77)

R. N. Costa manifesta os sintomas. Fiel à ideologia do que acontece agora, o artista apela à participação e ao ‘compromisso’ do público para com um modo de ‘ver o presente a partir do futuro.’

A arte transformou-se, claramente, numa forma de pensamento. Quem quiser diversão, que vá à feira popular; quem quiser passar um bom bocado, que ligue aos amigos; quem quiser esquecer os problemas lá fora, que consulte um psiquiatra (Dogma, parte II, pontos 4 e 5).

Como contrariar o esquecimento e a solidão do projeto integrando o espectador nesta vivência heterogénea do tempo cuja perceção sabemos não ser linear? O artista responde: – Vou a tua Casa! E vem igualmente na forma documentada.

 

Entre a Capa e a Contracapa, a conexão em Banda Larga

R. N. Costa diz-nos que, "no início do século XXI, ‘artista’ que mereça a denominação tem o dever de fazer a síntese das décadas que o precedem, propondo alternativas que respondam ao pós-histórico air du temps" (Dogma, parte II, ponto 1). Ao apresentar-nos Vou a tua casa – Projeto de documentação na forma de ‘objeto editorial’ encadernado (Figura 1) – a ‘Sebenta,’ como o próprio refere – e também em edição online (Figura 2), o artista faz a síntese do passado e propõe alternativas que navegam no ar virtual dos tempos. Justapostas, a edição encadernada, de número e acesso limitado, e a edição virtual, de acesso quotidiano e generalizado, realçam, no que as distingue, o potencial das páginas eletrónicas enquanto suporte das narrativas cujas linhas teceram e tecem os Livros de Artista.

 

 

Em The Artist’s Book Goes Public (1985: 45-48), Lucy Lippard fala do Livro de Artista como sendo um objeto concebido especificamente na forma de livro e frequentemente publicado pelo próprio artista. Mas a ‘forma de livro’ foi e continua sendo questionada, subvertida e transformada dentro e fora do âmbito artístico. Com o ebook – exemplo de fronteira para um conjunto muito alargado de possibilidades disponíveis online – antecipa-se a nostalgia do Livro tradicional e abre-se a discussão sobre a virtuosidade das folhas de papel encadernadas vs. a das folhas eletrónicas com os seus mecanismos próprios de ‘encadernação.’ Nesta discussão, que remete para aquela outra que problematiza a desmaterialização da arte, releva-se que o essencial é precisamente o que os une: estabelecer a ligação entre a escrita e a leitura. E no ecrã surgem novos formatos (que não são a imitação de um Livro, como no caso do ebook, ou a compilação online de imagens de um Livro de Artista) que integram e atualizam a cada virar de página a dinâmica inicialmente explorada pelo Livro de Artista. Lippard aponta, entre outros aspetos, o facto de não ser caro, contornar intermediários (em particular os do sistema comercial), ser ‘modesto no formato’ e ‘ambicioso no alcance,’ ou, dito de outra forma: ser um ‘veículo frágil para pesadas cargas de ideias’ permitindo de modo fácil ‘alcançar o coração de uma maior audiência.’ (1985: 45-48). Referindo-se à edição em ‘formato de livro,’ estas palavras parecem agora mais adequadas às edições virtuais, podendo mesmo ser dito que, pelo facto de circular num espaço público aberto e de uso quotidiano, de fácil acessibilidade e baixo custo, este novo formato restaura o carácter de Livro de Artista prévio ao estatuto de objeto colecionável ou museográfico entretanto conquistado.

Este é o enquadramento que subjaz à criação de um objeto único proposto e aceite como uma obra de arte sem sair do espaço virtual. Em A Manifesto for the Book, Sarah Bodman (ed.) refere que:

If it is to be argued that a book has to be a sequence of pages inside a container, and if a container is considered as a physical entity – then as well as covers, a container must also be able to be a computer monitor, a mobile phone screen, a room, a box, the Internet. A series of pages can exist on paper or on a screen (2010: 1).

A ‘total democratização da prática artística’ (Dogma, parte II, ponto 3) aponta no sentido destes novos formatos que reafirmam e reforçam aquela mesma vontade que a Imprensa veio concretizar ao dividir o custo na multiplicação dos números, produzindo a mutação do livro até ao formato de bolso. Este é o formato a que R. N. Costa dá primazia. A recusa dos ‘artificialismos’ da ‘postura burguesa e individualista de se ser e de se fazer arte’ manifesta-se no poder concedido ao público para, ‘a qualquer momento da sua participação e compromisso, mudar o rumo do trabalho’ (parte II, ponto 4). Neste sentido, a versatilidade e abertura que a variedade de ferramentas disponíveis online imprimem à escrita e à leitura, contaminando-as, permite a fusão dos procedimentos de arquivo e documentação no processo de trabalho, não à priori ou à posteriori, mas durante, outro modo de dizer ‘formato de bolso,’ dimensão que se adequa à desejada participação direta do público. A integração do público é igualmente explorada ao nível da consulta. Nos ‘não lugares’ onde, no simples gesto de um clique e à velocidade de um salto, simplesmente se entra, acedemos ao desdobrar do projeto na forma de um mapa-percurso cujas coordenadas – "o ponto 'A' é a tua casa, o ponto 'C' é a minha, o ponto 'B' é aquele sítio impossível onde por ti sou apanhado no meio" – remetem para tantos outros pontos (outros projetos daquele projeto de fundo que é já forma de vida) cujas ligações criam a cada leitura uma nova geografia de livro.

Bourriaud diz-nos que o desejo do artista do século XXI é transformar-se numa rede; em vez de produzir um objeto, a sua ambição é ‘desenvolver uma corrente de significações, propagar uma onda, modular uma frequência…’ (2009: 134). R. N. Costa com/projeto+documentação=livrodeartista tradu-lo numa ‘autêntica (e não camuflada) aglutinação do trabalho artístico com a vida’ (Dogma, parte III, ponto 4). Numa espécie de ‘simultaneologia,’ a cada clique ou virar de página ‘the artist’s book goes public’ para que a solidão seja menor e o compromisso maior. Confirma-o o sabor da contradição neste desejo de materialização, não em livro mas no prato, do projeto #20.1 do Chef RØ em Vou à Tua Mesa (‘para elevar a Arte à categoria de Gastronomia, pois o contrário já foi feito’):

PRESENTE ENVENENADO

[aka "Arte Contemporânea", a de Agora]

Preparação:

Molho de soja, hastes de cebolinho, limão, framboesas, mirtilos, rúcula, creme de chocolate, meloa, hortelã, ovas de peixe, chèvre, ovo de codorniz, alga nori, vinagre de arroz, ou então o que houver no frigorífico…

Confeção:

Molhar quadrados de nori em vinagre de arroz. Colocar no centro 1 exemplar de cada fruto, 1 colher de ovas, 1 folha de rúcula e outra de hortelã e 1 rodela de chèvre. Temperar com chocolate, limão e ovo levemente batido. Fechar a alga com cuidado na forma de presente, embrulhando todos os ingredientes. Laçar com haste de cebolinho. Guardar no frigorífico (1 hora).

Deglutição:

Colocar o presente no centro de um prato. Olhar para ele com atenção, cedendo à sensualidade absoluta da sua tecno-estética emocional. Com o auxílio de dois pauzinhos, molhar com molho de soja e comer de um só trago, ou seja, mastigar sem pensar. Rejeição:

Regurgitar a arte contemporânea, expelindo cada um dos seus elementos tecno-estéticos…

(2006-2007)

 

Referências:

Bodman, Sarah & Sowden, Tom (ed.) (2010), A Manifesto for the Book, Bristol: Impact Press.         [ Links ]

Bourriaud, Nicolas (2009), The radicant, N.Y.: Lukas & Sternberg.         [ Links ]

Costa, R. N. (2006), "Regulamento Interno – Dogma 2005," pub. 29 de Janeiro de 2006. [Consult. 2012-08-01] Disponível em http://dogma05.blogspot.be        [ Links ]

Costa, R. N. (2006-2007a), Vou à Tua Casa – Projeto de documentação. [Consult. 2012-08-01] Disponível em http://vouatuacasa.wordpress.com        [ Links ]

Costa, R. N. (2006-2007b), Vou à Tua Casa – Projeto de documentação. [Consult. 2012-08-01] Disponível em http://www.facebook.com/vouatuacasa        [ Links ]

Costa, R. N. (2006-2007c), Vou à Tua Casa – Projeto de documentação. [Consult. 2012-08-01] Disponível em http://www.youtube.com/vouatuacasa        [ Links ]

Costa, R. N. (2007-2012), Chef RØ – Vou à Tua Mesa. [Consult. 2012-08-01] Disponível em http://vouatuamesa.blogspot.pt/        [ Links ]

Costa, R. N. (2012), Universidade/Yliopisto, pub. 06 de Julho de 2012. [Consult. 2012-08-01] Disponível em http://universidadyliopisto.blogspot.be/        [ Links ]

Costa, R. N., Perfil online. [Consult. 2012-08-01] Disponível em https://profiles.google.com/111364644343081425925/about        [ Links ]

Groys, Boris (2010), "The Loneliness of the Project," in Going public, N.Y.: Sternberg Press.         [ Links ]

Lippard, Lucy (1985), "The Artist's Book Goes Public," in Joan Lyons (ed.), Artists' Books: A Critical Anthology and SourcebookN.Y.: Visual Studies Workshop.         [ Links ]

 

Artigo completo recebido a 8 de setembro e aprovado a 23 de setembro de 2012.

 

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico: leonor.almeida.pereira@gmail.com (Leonor Pereira).

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