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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.3 no.6 Lisboa dez. 2012

 

EXPANSÕES

EXPANSIONS

Livro de artista: o olhar colecionador no universo de Frederico Merij

Artist’s Book: The collector look in the universe of Frederick Merij

 

Cláudia Matos Pereira*

*Brasil, artista plástica, doutoranda em Artes Visuais pela UFRJ, Universidade Federal do Rio de Janeiro e professora de artes. Professora de Artes há mais de 17 anos nos 1º, 2º, 3º graus e Pós Graduação Lato Sensu. Mestre em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de fora, Minas Gerais, Brasil (UFJF-2007). Especialista em Gestão de Recursos Humanos pela Universidade Machado Sobrinho – Juiz de Fora – Minas Gerais- (2004). Brasil. Graduada em Artes pela Universidade Federal de Juiz de Fora, em Licenciatura Plena e Bacharelado. (UFJF – 1987).

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO:
O objetivo deste artigo é acompanhar o exercício conceitual do artista plástico brasileiro Frederico Merij na elaboração de um livro de lâminas soltas que se tornou ponto central – o foco da exposição – "Del clássico gusto español," realizada no Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, (MAMM), no ano de 2012, na cidade de Juiz de Fora, estado de Minas Gerais, Brasil. Verificar ‘desconstruções – deslocamentos e des-colamentos’ no processo criativo do artista conduzirá à seguinte análise: este livro de artista pode ser considerado uma obra não orgânica, sob a perspectiva de Peter Bürger? Qual a importância do olhar colecionador neste processo artístico? Estas lâminas – páginas soltas – se emancipam do todo que é o livro?

Palavras-chave: Livro de artista, Frederico Merij, arte brasileira.

 

ABSTRACT:
The aim of this paper is to follow, the conceptual exercise of Brazilian artist, Frederico Merij in developing of a book of loose sheets which became the central point- the focus of the exhibition – "Del classic gusto español," held at the Museum of Modern Art Murilo Mendes, (MAMM) in the year of 2012, in Juiz de Fora city, Minas Gerais state, Brazil. Verify ‘deconstructions – displacements and dis-placements’ in the artist’s creative process will lead to the following analysis: This artist’s book can be considered a not organic work, from the perspective of Peter Burger? What is the importance of the collector look in the artistic process? These slides – loose pages – emancipate themselves from the whole that is the book?

Keywords: Book’s artist, Frederico Merij, Brasilian art.

 

 

1. Introdução – o artista

Frederico Merij, nascido na cidade de Recreio, Minas Gerais, a 19 de setembro de 1951, dedica a sua vida às artes plásticas. Participação em exposições de destaque marcam sua trajetória: a mostra individual ‘Marat’- no Espaço Cultural Bernardo Mascarenhas, Juiz de Fora, ano de 2000; as coletivas ‘Latinas’- Mercado de arte Mercoarte, Mar del Plata, Argentina, 1999 e "Muestra abierta internacional de arte – 500 años de represión," Buenos Aires, Argentina, 1992.

1.1 A exposição – Del clássico gusto español

Mostra individual realizada na Galeria Poliedro do MAMM, 2012, revela o raciocínio estético do artista que segue o percurso: pintura – objeto – livro. Parte da re-elaboração de uma obra orgânica da pintura de Velázquez e transpõe elementos pictóricos, táteis e visuais para novos contextos, reorganizados de forma tal que percepção e memória são acrescidas por objetos achados e reconfigurados. Há ênfase na pesquisa de detalhes, que somados a outros formam um conjunto onde nada se subordina a nada e onde todos os fatos mantém a mesma importância (Halbwachs, 2004: 89).

Merij não é um historiador, mas seu processo artístico engloba a pesquisa, o olhar colecionador e analítico. Ao revisitar obras arte, interfere e transpõe o espaço-temporal. Assim, trabalha com vestígios do passado por meio de elementos e objetos que coleciona ao longo do tempo. Uma visão lúdica de caráter pop apresenta-se na conjugação entre passado e futuro, na tentativa de se esgotar possibilidades de uma mesma imagem.

1.2. O ideário do artista

A inspiração para o tema – gosto – gustus, palavra latina, traz à lembrança as palavras saber e sabor, de mesma etimologia, que se mesclam ao conhecimento. Para Merij, desconstrução significa desmontagem, decomposição e recriação dos elementos da linguagem plástica. Sua proposta reformula partes do texto visual que é a obra de Velázquez. Telas como ‘As Meninas’ e ‘O Infante Felipe Próspero’ povoam seu imaginário. Explora diferentes técnicas ao deslocar ‘Infantas e Infantes’ para contextos atemporais. Infanta, cujo significado é – princesa que, mesmo filha do rei, não herda a coroa – assim infante, do latim in ‘não,’ mais fari ‘falar,’ desprovido de poder e de voz, trazem novas possibilidades de interpretação.

A dimensão reflexiva de Foucault (2002: 3-20) inspira o universo de criação de Merij na expressão da duplicidade de imagens da princesa Margherita, na configuração de um espelho subliminar, não físico; experimento aberto ao olhar. As revisitações conferem às imagens e objetos redes de novos significados em um estilo pop, (Figura 1, Figura 2). Caixas, amuletos, objetos e livros/álbuns: há um processo híbrido de construção neste espaço de criação poética que é o livro de artista.

 

 

2. Livro de Merij

Livro de artista, é um conceito ainda problemático e pode se apresentar tanto como obra ou como categoria artística; realizado pelo artista, "não precisa ser exatamente um livro, bastando ser a ele referente, mesmo que remotamente" (Silveira, 2008: 25). Não se pretende aqui elaborar a cronologia do livro de artista no Brasil desde seu surgimento, mas observar o processo criativo de Merij.

Há uma concepção sensorial na tessitura deste livro – sua essência vai além da simples ideia de álbum. Adquirido em um antiquário, o artista o analisou como suporte-objeto-proposta. A imagem da caravela na capa, (Figura 3, Figura 4), já arremete para a atmosfera de expedições e grandes navegações: o imaginário que decorre do mundo ibero americano. Há uma imersão no universo de Velázquez e busca daquilo que expressa o que é ‘ser espanhol.’ Não se trata de um álbum tradicional onde se coleciona fotos de família, mas de uma composição sequencial que trabalha as imagens do passado, transportando-as à contemporaneidade. Colagens, técnicas mistas, sobreposições, transparências, arte postal, tudo se mescla nas construções visuais.

As lâminas soltas (Figura 5, Figura 6, Figura 7), dispostas dentro do álbum, no expositor ao lado de objetos criados pelo artista, ou expostas na parede, formam a arquitetura visual, que parte do despojamento para leituras e envolvimento perceptivo do espectador.

 

 

 

 

Este conjunto se expande na multiplicidade de imagens criadas e estabelece uma unidade estética. O processo conceitual estabelece um jogo estético entre passado e atualidade. Traz à tona a feminilidade e a fragilidade da mulher ‘princesa sem voz e sem fala.’ Existem ainda no século XXI, mulheres com o paradigma do sentimento inconsciente de ‘ser Infanta’ e de se conservar sempre jovem?

 

Conclusão

A obra de arte orgânica é construída de maneira onde "as partes individuais e o todo formam uma unidade dialética" (Burgüer, 2008: 147). O círculo hermenêutico verifica que as partes são compreendidas a partir da totalidade da obra, e a totalidade, somente a partir destas. Esta concordância é o pressuposto que difere obra orgânica e não orgânica. O autor afirma que aí há uma ‘emancipação’ das partes em relação ao sentido do todo. O artista clássico respeita e manipula o material como algo vivo – já para o vanguardista, o material é apenas material.

As lâminas que compõem o livro de artista de Merij, assim como demais obras da exposição foram concebidas como material arrebatado da totalidade da vida, isolado e fragmentado. Ele reúne fragmentos com a intenção de lhes atribuir sentido, ou novos sentidos. Reside aí a importância de seu – olhar colecionador – somente através destas lentes visuais perceptivas do artista é que se torna possível verificar, selecionar, associar, criar e transportar aos materiais novas redes de significados. O olhar colecionador funciona como filtro identificador de possibilidades para novas atribuições de conteúdos semióticos aos signos.

Cada página solta emancipa-se do todo, torna-se uma montagem livre, unidade provocadora de questionamento aberto às outras conexões de sentido. Surge a questão: olhamos as páginas, ou somos olhados por elas?

 

Referências

Burguër, Peter (2008) Teoria da vanguarda. São Paulo: Cosac Naify.         [ Links ]

Foucault, Michel (2002) As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Halbwachs, Maurice (2004) A memória coletiva. São Paulo: Ed. Centauro.         [ Links ]

Silveira, Paulo (2008) A página violada: da ternura à injúria na construção do livro de artista. Porto Alegre: Editora da UFRGS.         [ Links ]

 

Artigo completo recebido a 8 de setembro e aprovado a 23 de setembro de 2012.

 

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico: claudiamatosp@hotmail.com (Cláudia Matos).

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