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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.3 no.6 Lisboa dez. 2012

 

MÃOS

HANDS

Acaso as Avessas

Inside out Chance

 

Juliana Cristina Pereira*

*Brasil, artista visual. Professora na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Bacharel em Artes Plásticas, UDESC, Licenciada em Artes Visuais, UDESC, Mestre em Artes Visuais na linha de Processos Artísticos Contemporâneos, UDESC, doutoranda em Educação e Comunicação, Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC.

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO:
Este artigo tem por objetivo apresentar três livros de artista que foram gerados a partir de estampas de xilogravuras e gravuras em metal. O que os caracteriza é a peculiar – em se tratando de gravura – utilização de partes de estampas tiradas de matrizes antigas, aparentemente abstratas, mas que encontram-se conectadas através da memória e da relação da artista Sandra Correia Favero com o mar.

Palavras chave: livro de artista, memória, gravura em metal, xilogravura.

 

ABSTRACT:
This article has the purpose of presenting three artists’ books that were generated from woodcut and intaglio. What characterizes them is the peculiar – when it comes to engraving – utilization of parts of patterns taken from ancient matrices, apparently abstract, but which are connected in the memory and the relation of the artist, Sandra Correia Favero, to the sea.

Keywords: artists’book, memory, intaglio, woodcut.

 

 

Introdução

Sandra Correia Favero nasceu em 1957, em Curitiba, capital do estado de Paraná, no Brasil. Formou-se em Bacharelado em Pintura na Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Atualmente é Doutoranda em Poéticas Visuais no Programa de Pós-Graduação Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. é professora efetiva da cadeira de Gravura da Universidade do Estado de Santa Catarina.

Os livros de artista aparecem na produção de Sandra Correia Favero desde 2002, desdobram-se em proposições num contínuo que se estabelece cada vez mais na sua produção, como depositário de memórias, com registro de ações, como espaço para um ‘olhar de outra forma’[Silveira, 2001: 72], um mergulhar. Paulo Silveira é o primeiro e grande pesquisador brasileiro a pesquisar livro de artista, escreve:

Cada vez que viramos uma página, temos um lapso e o início de uma nova onda impressiva. Essa nova impressão (e intelecção) conta com a memória das impressões passadas e com a expectativa das impressões futuras (Silveira, 2001: 72).

É neste movimento, de um retorno ao passado em prospecção ao futuro, que os livros de artista de Sandra Correia Favero se apresentam. As imagens de suas gravuras feitas em tempos passados retornam e se atualizam, trazendo novas camadas através de reimpressões das estampas que ganham por meio do livro de artista: movimentos, transparências, novas sensações; tanto para a artista, quanto para o espectador que tem a possibilidade de tocar e mergulhar em seus livros.

 

1. Livros como depositários de memória

Livros como depositários de memória. O primeiro, Sem título e o segundo intitulado Tempestade, (Figura 1 e Figura 2)confeccionados com voal de algodão estampados por matrizes de xilogravuras, costurados à mão, valorizando o toque, acentuando o lado artesanal tão pré-conceituado e esquecido na arte contemporânea, porém, aqui, o artesanal caminha de mãos dadas com a contemporaneidade, mostrando que, dependendo do que se quer para a obra, é necessário explorar os materiais e sempre recorrer as técnicas.

 

 

 

Transparências que se desdobram e modificam a cada movimento a forma tradicional de livro, transformando-se em objeto escultórico que pede a interferência e participação do espectador. Um espaço aberto a caminhos com muitas possibilidades onde o tocar se faz necessário.

Segundo a pesquisadora brasileira Márcia Sousa:

Os livros de artista, portanto, têm de ser compreendidos a partir de seu interior revelado pelo tocar. Se num livro tradicional a propriedade tátil é inconteste, num livro de artista esse aspecto pode ser multiplicado e amplificado, por meio da escolha de materiais, da constituição física do livro, das decisões envolvidas na feitura da obra, etc (Sousa, 2011: 94).

Dois meios fundamentais, a gravura em metal e a xilogravura foram utilizados para o mais recente livro, Equilíbrio (2012) (Figura 3 e Figura 4).

 

 

Partindo da gravura em metal exatamente do avesso de matrizes já gravadas, ao trabalhar à exaustão, a artista teve como intenção, extrair possibilidades oferecidas pelas corrosões geradas pelo acaso. Valendo-se de um diálogo contínuo entre seu pensamento, seu gesto, o metal/matéria e o mordente, apropria-se dos resultados imagéticos que a ação do ácido e do tempo provoca, como se cada matriz condensasse no seu verso um tempo/ação/memória incontrolável, porém passível de invasão. Ao gerar imagens gravadas ao acaso, fica presente neste livro a imprecisão que temos sobre a gravura, revelando nesta técnica toda sua magia, seu mistério, não apenas nos avessos das matrízes como no próprio processo do gravar. Por mais que o gravador domine a técnica, a estampa sempre se torna uma surpresa.

Invasão essa que faz com que as profundezas da matéria sejam motivo de busca, alcance e encontro com os movimentos internos e externos na sua condição de ser humano. Xilogravuras de grandes proporções ganham novos enquadramentos em pequenos formatos, desdobradas nas páginas do livro, sobrepostas a outras estampas, ganham movimentos, ondas, marés… um ir e vir, sempre posto a um novo, a uma descoberta ao olhar atento.

Junto com as estampas antigas, a novas estampas geradas nos remetem ao mar, lugar em que a artista visita não apenas pela contemplação do olhar da vista do quintal de sua casa como também em caminhadas semanais, nas quais retirando desse espaço objetos devolvidos pelas marés, muitas vezes, utiliza-se dessa matéria em seus trabalhos. Ao colecionar objetos do mar, impregnados com corais, conchas, etc, novamente o acaso torna-se fator importante para a construção do trabalho.

O mar e seu entorno, paisagem móvel de transformação da natureza, movimentos que a instigam na busca por paisagens interiores na sua memória e objetos afetivos. Como também, despertam seu olhar para o seu contexto diário, seu convívio com a paisagem marinha e observações do que se forma e do que se encontra nos limites entre a água e a borda litorânea, deles extraindo impressões, sejam da própria natureza, ou, da reação dela para com as péssimas contribuições diariamente depositadas pelos homens nesse espaço.

O papel ou o tecido é rompido com a estampa, ganhando dimensão poética, espaços móveis da memória dos trabalhos e da experiência da artista como gravadora, cada estampa traz representações que podem servir como dispositivo para acionar diversas relações. O aparente abstrato das imagens, carrega em si a proximidade com o mar, com a natureza, com a vida; nestes livros de artista não há só a passagem do tempo, como também o retorno a ele e o sempre novo de nossas lembranças a partir das relações com o tempo de agora.

 

Conclusão

A intenção é evidenciar neste meta-artigo a produção de livros de artista a partir de um olhar singular de uma artista que se permite experimentar novos espaços para a gravura. Sandra Correia Favero extrai como potência para novas investidas o livro como linguagem para seus trabalhos, rompendo ao tradicionalismo posto à gravura, gerando imagens que registram passagem de vida, contando com o próprio acaso que é nossas vidas, como na canção do grupo português Madredeus: ‘é tão bonita a onda que vem como a outra que vejo ao fundo, a espuma branca que cada tem é a vida de todo o mundo’. Viver, sentir, expressar através da matéria, interagir, refletir. A sensibilidade que redefine constantemente as nossas percepções e profundidades, que nos leva a penetrar em espaços e tempos, que exigem simplicidade na complexidade dos contextos.

 

 

Referências        [ Links ]

Sousa, Márcia Regina (2011) O livro de artista como lugar tátil. Florianópolis: Editora da UDESC.         [ Links ]

 

 

Artigo completo recebido a 9 de setembro e aprovado a 23 de setembro de 2012.

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico: ju_ceart@yahoo.com.br (Juliana Pereira).

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