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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.3 no.5 Lisboa jun. 2012

 

PALAVRA

Sense & sensibility

Sense & sensibility

 

Margarida P. Prieto*

*Portugal, pintora. Doutoranda na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO
Este artigo trata a relação visível/legível proposta no pintar/inscrever que caracteriza a pintura de Mónica Capucho. Aponta ainda os jogos criativos do seu trabalho: as possibilidades pictóricas da sobreposição e o mise-en-abyme da grelha, visível nas instalações site-specific.

Palavras-chave: pintura, visível/legível, instalação, grelha, jogo

 

 

ABSTRACT
This paper is about the relation visible/legible implied in the painting/in-scripture gesture, characteristic of paintings by Mónica Capucho. It also indicates the creativity games underlying all possibilities of pictorial accumulation by layers, and the mise-en-abyme made visible throughout site-specific installations.

Keywords: painting, visible/legible, installation, grid, game

 

 

Introdução

Este artigo incide sobre a pintura de Mónica Capucho. Nascida em Lisboa em 1971, está representada nas galerias Quadrado Azul e CC – Arte contemporânea. O seu percurso de aprendizagem artística inicia-se na escola ARCO em 1988. Entre 1990-1993 reside em Bruxelas onde faz o curso intensivo de pintura na Escola de Artes Plásticas ALPACA e um estágio com o escultor Francis Tondeur. Em 1998, licencia-se em Pintura pela FBA-UL.

 

1. Marca d'água

A aplicação de vernizes (brilhantes/baços) sobre o mesmo pigmento garante-lhe plasticidades distintas, nomeadamente a sensação ocular de profundidade e/ou superfície que abre o espaço da perspetiva na pintura. Este método pode ser pensado como "marca d'água" – termo originalmente aplicado à folha de papel para designar o desenho visível à transparência, que resulta das diferentes densidades e espessuras dessa folha. É "marca" pela aplicação sistematizada tornada estratégia plástica expressiva (Telles de Menezes, 2009: 8). É "d'água" pela associação ao molhado, à tinta fresca que o brilho convoca, por oposição e contraste com a tinta mate, seca e opaca. O brilhante é reflexivo, luminoso, profundo. O mate tem características de superfície, de primeiro plano. Justapostos iludem profundidade. "Marca d'água" é, ainda, metáfora para as relações finura/espessura, bi/tri dimensionais, plano/saliência, postas em constante diálogo na sua pintura. Nos caracteres – cujo corpo da letra é corpo de tinta, corpo em espessura conseguido pela densidade pastosa do médium – cada letra, termo, frase salienta-se na superfície de representação (Figura 6) e, paralelamente, também a espessura da grade acrescenta uma dimensão escultural ao pintado.

 

 

 

2. "The right combination of different elements can provoke a feeling of completeness"

Sense & sensibility (título tomado a Jane Austin) indica as duas características definidoras deste jogo criativo. A articulação entre a sensibilidade, propriamente sensitiva, dos sentidos da perceção, e o sentir enquanto pathos (das paixões, dos gostos, dos desejos) é doseada e reflexiva. É doseada a capacidade interferencial da inscrição na perceção do pictural, pela introdução de um enunciado na superfície pictórica, que sublinha ou desvia sentidos e influência, indica, dirige e manipula o observador. É reflexiva porque joga com os campos imagéticos próprios de cada uma das suas componentes, numa contaminação essencial que faz reverberar o visível no legível, e vice-versa. A linguagem abre o seu campo imagético: articulando-o na e como pintura, amplia a experiência de fruição.

 

3. "In my mind the idea of an organizational structure is continually growing"

Em Objective paintings (Figura 1 e Figura 2) os enunciados – irrepetíveis – obedecem à fórmula da dupla adjetivação. Inscrição/fundo são articulados segundo os contrastes fundamentados da teoria das cores.

 

 

 

Esta instalação implica uma organização espacial ortogonal – opção recorrente – e releva de uma outra figura geométrica: a grelha. Construída no afastamento que individua e demarca cada peça, no desenho branco da parede/suporte, passa de esquema de organização (criado na manutenção das distâncias entre as peças) a figuração pictural, propondo-se como mise-en-abyme. Contudo, Reason from within recusa múltiplos enquadramentos: dá a ver-se simplesmente, ou antes, infinitamente (Figura 3).

 

 

 

A inscrição pintada congrega funções de enunciado, legenda e título. Ao contrário de outros trabalhos (onde ocupa a posição central e destacada como figura principal, assunto da pintura), aqui coloca-se no limite: afasta-se do protagonismo, desloca-se discretamente em direção ao invisível. A elaboração cuidadosa desta composição (posição, linguagem, idioma) atua diretamente na perceção visual: o olhar oscila entre ver e ler.

4. "Geometric patterns can evoke a rational need to escape from the reality"

A figuração geometrizada da superfície espessa-se por camadas sucessivas de tinta, que se sobrepõem sem se cobrir totalmente. O corpus pictórico constrói-se pelo excesso deste fazer, nesta acumulação por layers. A máscara (dispositivo técnico) possibilita o jogo (estrutural) mostrar/esconder. Paralelo à própria lógica do desejo, do jogo erótico (ocultar/exibir), e como estrutura de manifestação da verdade, este jogo é o de toda a criação, na medida em que entre guardar e revelar, entre esconder e pôr em evidência, cria-se expectativa e curiosidade no observador.

O tempo é imprescindível neste fazer pintura, neste escrever pictórico. Um último gesto processual inscreve: a pasta preenche cada traço exigindo precisão e rigor na aplicação. Acresce ao fundo geometrizado e faz crescer "qualquer coisa" na pintura. Este "qualquer coisa" é o ampliar da pintura pela articulação cores/palavras: vai exigir um tempo para ver que inclui o tempo de ler. Isoladas, as frases são statments. Como pintura surpreendem: cada pintura parece dizer o mesmo mas mínimas alterações garantem um dizer outro.

A repetição é, aqui, da ordem da alteração: repete-se para ficar diferente, para individuar. Na aparente similitude apreende-se a fórmula e, simultaneamente, perceciona-se o que individua: um jogo de estratégias subtis altera o mesmo em direção ao diferente. Declinações, variações, desvios, repetições introduzem-se na regra como estratégia criativa e/ou de representação desta encenação da ordem.

 

5. "Emotions follow a complex set of tensions between concept versus image"

O re-dobrar / des-dobrar do real é uma problemática antiga. A série original / copy (Figura 4), paradigmática do jogo das aparências, ficciona a cópia pela repetição. Da ordem da alusão (eco da oralidade, reflexo da visibilidade), a cópia é pensada como re-figuração – como repetição da representação primeira – como captura da aparência do que é autêntico.

 

 

Todas as pinturas têm igual presença, importância e cuidado na representação. Contudo, a inscrição remete-as para planos distintos, planos que são critérios de avaliação, de julgamento (múltiplo / original, ilusório / real, falso / verdadeiro, repetido / singular, enganador / autêntico, representação / presentação, cópia/modelo). Este envio perverso é uma artimanha da linguagem. O espaçamento horizontal separa as "original" (em cima) das "copy" (em baixo); acentua o jogo de antónimos: por cima significa superiormente colocado em relação a, que evidencia metáforas. Por cima é o espaço celestial, o mundo elevado das ideias. Alude a Platão, que coloca o modelo e a cópia nos antípodas um do outro. Por baixo, num jogo sinonímico, estão os enunciados que duplicam, repetem, ecoam, refletem o modelo como outro.

 

6. "Different sensibility comes from an intuitiveness founded in the imperfections of our mind"

Duas fórmulas dividem a representação dos enunciados: Monocromática (Figura 1, Figura 4 e Figura 5) – cada termo transparece num apagamento que dá lugar ao sentido: a leitura é fácil – Ou policromática (Figura 5) – a plasticidade sobrepõe-se à legibilidade (Lyotard, 1971: 79). No monocromatismo absoluto (Figura 6), a letra camufla-se, os enunciados dão-se a ver/ler pelos jogos transparente/opaco das tintas e reflexão/absorção da luz/sombra (própria e projetada) dos relevos.

 

 

 

Conclusão

Na pintura de Mónica Capucho perpassa um sentido objetual que reside no rigor de um fazer táctil que dá a ver, e a sentir pelo olhar, o jogo das texturas, dos relevos, dos brilhos. Equaciona figuração geometrizada e inscrição pintada na representação / apresentação da pintura. À morfologia das letras (direções, curvas, distâncias e relações-entre, que as individuam) a artista aplica uma fórmula: o quadrado enforma o desenho numa nova tipo-grafia. No primeiro plano, cada termo transparece em direção ao visível para logo desaparecer no lugar do significado. Do tratamento plástico destes caracteres depende a facilidade / dificuldade da leitura: quando a escrita se encena pintura, o enunciado dilui-se na sua morfologia pintada, no corpo espesso da tinta, no irreconhecível.

 

Referências

Capucho, Mónica (s.d.) [Consult. 2012-01-20]. Disponível en www.monicacapucho.com         [ Links ]

Lyotard, Jean-François (1971) Discours Figure, Paris, ed. Klincksieck, coll. d'esthétique, 1971 (1ª edição). ISBN : 2 252 03368 2.         [ Links ]

Telles de Menezes, Salvato, Introdução, in Under deconstruction: Mónica Capucho / De la expresíon al contenido: Ana Sério, Valência, Edições IVAM, 2009. ISBN: 978 8448253431         [ Links ]

 

 

Artigo completo submetido em 20 de janeiro e aprovado em 8 de fevereiro de 2012.

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico: emam.margaridaprieto@gmail.com (Margarida P. Prieto).

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