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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.3 no.5 Lisboa jun. 2012

 

AVANT

O Desenho impossível ou os limites da comunicação em Jorge Pinheiro

Jorge Pinheiro: the impossible drawing or the limits in communication

 

Raquel Pelayo*

*Portugal, artista visual. Licenciada em Artes Plásticas – Pintura pela Escola Superior de Belas Artes do Porto (ESBAP), Mestre em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (UP) e Doutorada em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, UP. Professora na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto.

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO
A série Mapas do artista português Jorge Pinheiro fornece o ponto de partida deste artigo que discute os sistemas visuais de representação de informação como variações de uma tecnologia humana única; o desenho, tido como matriz de toda a representação e codificação de informação na comunicação. Na relação forma-conteúdo verifica-se que quanto mais o sistema representacional se codifica mais fortemente se autorrepresenta.

Palavras chave: desenho, sistemas de representação, codificação, Jorge Pinheiro.

 

 

ABSTRACT
The "Mapas" series of the Portuguese artist Jorge Pinheiro provides the starting point of this article that discusses the information representation visual systems as variations on a single human technology: drawing, considered as a matrix of all representation and information encoding in communication. It is verifiable in the form-content relation that as strongly the representational system encodes, as strongly it represents itself.

Keywords: drawing, representational systems, codification, Jorge Pinheiro.

 

 

Introdução

Jorge Pinheiro é um artista português nascido em Coimbra em 1931, autor de uma obra plástica iniciada nos anos cinquenta pela prática de uma pintura figurativa de influência neorrealista que cessa, em meados dos anos sessenta, a favor de uma incursão na abstração pós-pictórica que, por sua vez, evoluiu cerca de 1970 para trabalhos mais enquadráveis numa arte ótica de cariz para-concetual (série "Álbum") que se viu duas vezes interrompida por incursões figurativas em 1973-1974 (série "Reis") e depois em 1976 (série "Mapas") e se manteve até 1980, data a partir da qual Pinheiro abandona definitivamente a abstração a favor de uma figuração genericamente enquadrável na chamada nova-figuração e dentro desta na figuração fantástica. Em paralelo à atividade artística Jorge Pinheiro foi docente, primeiro e durante cerca de treze anos, na Escola de Belas Artes da Universidade do Porto e depois na Escola de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e também por fim na de Évora, tendo sempre nutrido um profundo interesse pela semiótica.

 

1. Percurso e contexto histórico de Jorge Pinheiro

A multiplicidade de tendências presente no percurso artístico de Jorge Pinheiro (neorrealismo, abstração pós-pictórica, arte ótica para-concetual e figuração fantástica) é estonteante não só pelas inflexões entre figuração e abstração (Figura 1 e Figura 2) mas também pela natureza das diversas tendências muito díspares em termos estéticos, formais, culturais, sociais e até ideológicas. No entanto, esta descontinuidade é em certa medida aparente, no sentido em que, curiosamente, não afeta a coerência da obra. E isto porque, em primeiro lugar tal característica é o resultado do contexto histórico português dos anos sessenta e setenta durante o qual se assistiu precisamente ao predomínio de três destas tendências a saber; nova abstração, arte ótica e nova figuração. E também, em segundo lugar, porque facilmente se descobre um forte fio condutor na sua obra que consiste no questionamento constante dos mecanismos comunicantes do Desenho.

 

 

 

De facto, a cena artística portuguesa deste período – política, económica e socialmente conturbado – estrutura-se num quadro mental em mutação cujos intervenientes se dividem entre posições opostas de defesa de uma identidade nacional versus recuperação de uma identidade europeia e ocidental, assim como entre a defesa de técnicas tradicionais mercantilizáveis e a reação a essa condição pelo alargamento do campo de intervenção artística. Na sua generalidade, as produções artísticas portuguesas frequentemente se revestiram de grande superficialidade, de incoerências e até de contradições internas, sendo frequentes repentinas inflexões noutros sentidos estéticos, por vezes até regressivos. E isto num contexto de produções artísticas referenciadas a correntes europeias e americanas mas desviantes dos impulsos originais, que se caracterizam pelo alto nível de hibridismo resultante da promiscuidade entre correntes de matriz diferente e por vezes inconciliáveis ideologicamente, como é característico de desenvolvimentos culturais fronteiriços.

Fruto destas circunstâncias históricas, a obra de Jorge Pinheiro foi mais fustigada pelas inflexões do que pelo hibridismo, que se verifica apenas no caso da fase abstrata após o abandono das shaped canvas, que mistura preocupações para-conceptuais com preocupações da arte ótica sem oposição significativa da parte das duas tendências, o que demonstra um artista profundamente informado no contexto português da época.

 

2. O desenho (in) comunicante

Em desenho, abstração e figuração estão intimamente ligadas no sentido em que o desenho se faz sempre com abstrações (linhas, traços, manchas) seja ele figurativo ou abstrato. De resto daí provêm o seu carácter "mágico". Qualquer desenhador experiente sabe que a produção de uma imagem abstrata exige evitar as possibilidades de leitura tridimensional e objetual que a cada passo se insinuam num desenho, tal como assinalou Leonardo da Vinci acontecer na visualização das nuvens ou das manchas de humidade de uma parede. Este facto parece indicar que a nossa mente visual está programada, por defeito e automaticamente, para interpretar como tridimensional toda a informação sensorial proveniente do meio ambiente visual multidimensional, com o qual estamos em permanente interação. Pode-se dizer que, a nossa mente interpreta por defeito toda a informação visual como sendo tridimensional e só caso essa interpretação falhe deduz tratar-se de informação bidimensional e passa a interpretá-la nesse outro contexto.

Ora, as questões percetivas da imagem conduziram sempre toda a obra abstrata de Pinheiro sendo que as shaped canvas colocam precisamente questões de bidimensionalidade (realidade da superfície pictórica) e tridimensionalidade da leitura do objeto tela que os trabalhos da fase abstrata seguinte ótica e para-concetual confirmam. De facto, Jorge Pinheiro na série "Álbum" (Álbum Quinze ensaios sobre um tema ou Pitágoras jogando xadrez com Marcel Duchamp – 1970/74) substitui o jogo geométrico, usualmente de formas repetidas, por uma regra diretamente trazida da matemática usando para tal progressões numéricas que resolvem a disposição de pontos e traços no desenho ao longo de linhas horizontais, criando uma escrita assémica algorítmica. É neste contexto que surge a série de desenhos "Mapas" (1976) que corresponde à terceira incursão figurativa de Pinheiro (Figura 3), e que faz uma ponte com a abstração permitindo explicar a relação de continuidade da abstração para a figuração na sua obra.

 

 

Nestes desenhos Pinheiro usa, em simultâneo numa imagem, vários sistemas visuais de representação de informação visual provenientes do uso rigoroso do desenho nos campos da geometria e da matemática. Sendo os primeiros de leitura tridimensional e os segundos de leitura bidimensional. Tal procedimento implica e propõe uma reflexão sobre o desenho como sistema "multicodificável" que não é estranha ao interesse pela semiótica que sempre acompanhou Jorge Pinheiro.

 

3. Os mecanismos do Desenho

Os desenhos da série "Mapas" são hiper-realistas no sentido em que usam sistemas altamente rigorosos de representação de informação como a perspetiva linear com projeção de sombras, gráficos de união de pontos, mapas, alçados, plantas, cortes, axonometrias e retângulos com escritas assémicas fundadas em algoritmos matemáticos inúteis desenvolvidas no "Álbum" (Figura 4) organizados num aparente fluxograma que liga todas as representações e cuja composição é plástica como Pinheiro esclarece referindo que "os Mapas foram criados como quem escreve poemas".

 

 

Pinheiro escreveu sobre estes trabalhos enfatizando uma oposição relativamente à forma como as imagens se compõem num e noutro trabalho, já que no "Álbum" são algoritmos matemáticos que distribuem os signos mínimos habituais do Desenho (os traços e pontos) e nos mapas é a sensibilidade plástica do artista, como é usual nas artes plásticas, que resolve a distribuição dos elementos do Desenho, mas estes são desenhos complexos altamente codificados pela geometria no sentido de representação da terceira dimensão e pela matemática nos desenhos a duas dimensões. Em ambos os casos atinge-se a mesma falta de conteúdo semântico, ou seja, uma negação da comunicação ou incomunicabilidade. Nas palavras do autor ambos são `uma espécie de embuste arquitetado com o rigor de uma miríade de fingimentos travestidos de verdades inequívocas` (Pinheiro, 2008).

Verifica-se portanto que a relação entre forma e conteúdo não é de todo pacífica pois se considerarmos que em ambos as séries se procedeu a uma enfatização da codificação dos sistemas representacionais se verifica – ao contrário das expectativas – que quanto mais o sistema representacional se codifica mais fortemente se autorrepresenta e menos espaço é deixado à função semântica.

Willats distingue dois sistemas transformadores operantes no Desenho: os "sistemas do desenho", ou seja as geometrias usadas, que dizem respeito à transformação das relações espaciais da cena na superfície pictórica, e os "sistemas denotativos" que transformam os primitivos da cena em primitivos da imagem, definidos os primitivos como unidades mínimas abstratas de informação (na cena arestas, superfícies e esquinas e no desenho as marcas gráficas). Assim, num qualquer desenho, o "sistema de desenho" dita para onde vão os primitivos do desenho enquanto simultaneamente o "sistema denotativo" usado dita o que é que os primitivos representam (Willats, 1997).

O questionamento dos processos comunicacionais do desenho presente nestes trabalhos de Jorge Pinheiro reside precisamente na manipulação destes dois níveis fundamentais do desenho. Assim, o "sistema de desenho" na série "Álbum" é substituído por um qualquer algoritmo matemático destituído de qualquer relação significante, mantendo-se o "sistema denotativo" habitual do desenho (traços e pontos) e na série "Mapas" (Figura 5) tal inverte-se e complexifica-se: é o "sistema do desenho" que se mantém ao nível do todo da imagem mas o "sistema denotativo" é substituído por fragmentos de "sistemas do desenho" introduzindo aqui um nível de redundância. Em ambos os casos tais manipulações resultam na inibição da semântica da imagem.

 

 

Conclusão

O que estas experiências de Pinheiro revelam, e em especial a série "Mapas" é que o desenho, de forma muito diversa da escrita, adota um grande leque de possíveis codificações – escrita e numeração inclusive – e validam a hipótese teórica dos níveis de funcionamento do Desenho colocada por Willats dado que se verifica que o embotamento de qualquer um dos seus dois níveis funcionais leva à inoperância comunicacional do desenho mesmo quando se trata de representações altamente rigorosas, como é o caso da série "Mapas" aqui analisada.

 

Referências

Pinheiro, Jorge (2008) Comentário do autor [Consult. 2011-12-07] Texto. Disponível em http://www.fundacaoip.pt/coleccao/pt/a/76/aw/217/t/65/?from=texts         [ Links ]

Willats, John (1997) Art and Representation. New Principles in the Analysis of Pictures. New Jersey: Princeton University Press. ISBN: 0-691-08737-7.         [ Links ]

 

 

Artigo completo submetido em 20 de janeiro e aprovado em 8 de fevereiro de 2012.

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico: mpelayo@arq.up.pt (Raquel Pelayo).

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