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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.3 no.5 Lisboa jun. 2012

 

RISCO

Pinturas quentes; Imagens geladas. Sobre a Pintura de Simeón Saiz Ruiz

Hot paintings, cool images: on the paintings of Siméon Saiz Ruiz

 

Carlos Correia*

*Portugal, artista visual. Doutorando na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Mestre em Artes Visuais / Intermédia pela Universidade de Évora. Projecto Individual em Pintura no Ar.Co. Licenciado em Artes Plásticas pela Escola Superior de Artes e Design, Instituto Politécnico de Leiria (ESAD.CR).

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO
O presente texto irá abordar a obra do pintor espanhol Simeón Saiz Ruiz. Partindo de imagens difundidas pelos meios de comunicação social, o artista produziu pinturas, desenhos e gravuras. A nossa atenção irá recair apenas sobre algumas dessas pinturas. A obra do artista espanhol servirá como pretexto para falar sobre a pertinência da pintura de história nos nossos dias.

Palavras chave: Pintura, pintura de história, mass media, realidade, verdade

 

 

ABSTRACT
This paper will discuss the work of Spanish painter Simeon Saiz Ruiz. Starting from images broadcast by the mass media, the artist produced paintings, drawings and prints. Our attention will fall only on some of these paintings. The work of Spanish artist will serve as a pretext to talk about the relevance of history painting today.

Keywords: painting, history painting, media, reality, truth

 

 

Introdução

Simeón Saiz Ruiz (1956), é doutorado em Filosofia e professor de pintura na Universidade de Castilla-La Mancha. Ainda que a sua obra seja praticamente desconhecida em Portugal, o artista goza de um assinalável prestígio em Espanha, integrando as colecções do Museu Rainha Sofia ou da Caja Madrid, entre muitas outras.

Não pretendendo abarcar a totalidade do seu trabalho, iremos focar-nos na série J'est un je (Figura 1), um título que invoca uma frase de Rimbaud (Je suis un autre). Deste extenso e denso corpo de trabalho, decidimos eleger três aspectos que, a nosso ver, são constitutivos do mesmo: o confronto da pintura com as imagens massificadas; a possibilidade da pintura poder continuar a falar de modo consistente e relevante sobre a realidade; os pontos de contacto e dissemelhança entre Pintura de História e Arte Política.

 

 

 

Sensação pixilizada

Pinto el píxel de la television como Cezanne pintaba cilindros, conos e esferas, en definitive, porque los veo conformando las estructuras de lo que tengo delante de los ojos. Esas estruturas generaban imágenes, en el caso de Cezanne del monte Sainte Victoire, en micaso de víctimas de la guerra de los Balcanes, Y eso no se puede olvidar (Ruiz, 2008:173 – 174).

Simeón Saiz Ruiz não tem qualquer pudor em discutir abertamente a sua forma de trabalhar. Fá-lo nas aulas, em escritos ou em conferências. O seu processo de pintura tem vindo a tornar-se mais complexo, sobretudo desde que iniciou a série J'est un je. Parte desta complexidade fica a dever-se à tentativa de imitar o píxel televisivo tão fielmente quanto possível. É crucial para o artista que o observador não tenha dúvidas acerca da proveniência da imagem que lhe serviu como ponto de partida. Desta forma, o píxel surge como um símbolo da intrincada relação entre um médium orgânico (a pintura) e um médium acético (a imagem televisiva). Mas como representar um píxel? De que forma a presença física da pintura pode servir de veículo para a representação da virtualidade de um píxel? A resposta que o pintor encontrou para esta questão foi de natureza puramente pictórica: cruzando cores complementares. Detentor de um sólido conhecimento teórico e prático acerca das teorias da cor, Saiz Ruiz usou as cores complementares de forma a produzir uma mistura óptica:

[…] un verde mezclado en el cerebro es más verde que la misma cantidad de verde mezclada en la paleta. […] (Ruiz, 2008: 168).

A este respeito o artista diz-nos ainda que não é sua intenção criar uma cor nova, por exemplo esse verde, mas sim potenciar a sua intensidade, colocando-o entre várias manchas vermelhas. Este trabalho com a cor foi também experimentado em obras sobre papel (Figura 2).

 

 

Ainda acerca da sua técnica, Ruiz diz-nos que, contrariando as normas clássicas de representação pictórica (segundo as quais as diferentes zonas que compõem uma pintura devem receber diferentes tratamentos de cor, desenho e/ou acabamento), as suas pinturas são iguais em toda a parte; tal como acontece com a imagem televisiva, cuja superfície povoada por píxeis é idêntica em toda a sua extensão.

 

Pintura / Realidade / Verdade

Será ainda possível a pintura continuar a falar de modo consistente e relevante sobre a realidade? O artista parte de imagens difundidas pelos meios de comunicação social. Logo, volta a dar ao mundo uma imagem que antes recebera. Trata-se aqui de avaliar o que é acrescentado e o que é retirado à imagem original durante esta operação de resgate-devolução. O pintor não pega num pedaço do mundo para intervir sobre ele; retira sim um pedaço de um olhar que outro antes dele lançou sobre o mundo. A intenção do olhar do primeiro é dar conta de um determinado acontecimento; já a do artista é tecer um comentário não apenas ao acontecimento em causa, mas também ao olhar que o primeiro autor lançou sobre esse acontecimento; e isto não é tudo, pois o pintor pretende tecer esse comentário através de um meio que comporta uma série de outras implicações: a pintura pode ser muita coisa, mas não é com certeza um modo de comunicação neutro. O que quer que seja (falamos de pintura figurativa, obviamente; da representação de um modelo) que passe pelo filtro da pintura a fim de por esta ser representado, deixa de poder ser lido apenas enquanto "uma" representação. Passa a ser uma representação mediada pela pintura. Antes de ser uma representação de algo (seja uma maçã, seja uma imagem de guerra), é uma pintura que representa algo. Neste processo de transferência ou tradução de imagens perde-se, com certeza, alguma da objectividade necessária à representação da verdade.

Mas aqui é preciso ter atenção e perceber as armadilhas que esta afirmação pode conter. A saber: quando Ruiz realiza uma pintura usando como modelo uma imagem televisiva, ele estará eventualmente a ser menos objectivo (menos claro para com a realidade e, no limite, para com a verdade) que o jornalista que realizou essa imagem; mas está simultaneamente a ganhar em objectividade para com a representação da imagem televisiva em si. Quer isto dizer que antes de reflectir sobre a guerra dos Balcãs, a pintura de Ruiz reflecte sobre a imagem televisiva desse acontecimento.

Assim, talvez seja precipitado dizer que o pintor trabalha sobre a guerra dos Balcãs, pois essa será apenas uma das camadas de sentido que habita as suas obras. Não quer isto dizer que estas pinturas não promovam, também, uma reflexão sobre a guerra ou mesmo sobre a história e o modo como esta nos é contada. Um vestígio dessa reflexão reside no facto de nesta série não existirem imagens de vencedores (Figura 3).

 

 

Esta opção constitui um acto de reflexão sobre a realidade e sobre a história; é uma escolha que implica uma tomada de posição política que não deve ser relegada para um plano menor. Não pretendendo retirar-lhe importância, queremos apenas dizer que esta será uma tomada de posição de uma natureza diferente, pois encontra-se mediada por uma teia de relações estéticas que surgem, a nosso ver, em primeiro plano.

 

Pintura de História e Arte Política

Por pintura de história entendemos o género que existe sob essa denominação desde o século XVII e que desde então ocupou o topo hierárquico dos diversos géneros que foram constituindo a história da pintura ocidental. Já em 1435 Leon Battista Alberti havia afirmado no seu tratado De Pictura que a história seria a parte mais importante de toda a pintura.

A relação entre arte e eventos históricos de maior relevância tem desempenhado um papel fundamental nas sociedades ocidentais. Contudo, a Revolução Francesa veio alterar de forma substancial o modo como a arte e os artistas se relacionavam com a história e a sua representação. Foi por esta altura que começou a surgir uma arte com intenções políticas e sociais mais vincadas, quase uma arte de intervenção. As profundas alterações sociais que então se começavam a fazer sentir, encontraram na arte um eco inesperado. A arte ao serviço de causas sociais começava, então, a revelar-se como um instrumento poderoso, o que levou a que alguns artistas aliassem o seu trabalho aos revolucionários e intelectuais que lideraram esses processos revolucionários.

Evidentemente, antes desta época já o mundo havia assistido à produção de obras de cariz mais ou menos violento, obras que espelhavam o lado mais negro da história de modo directo. A série de gravuras da autoria de Jacques Callot, no século XVII, pode servir como exemplo. Já no século 34, os artistas ligados à revolução bolchevique, bem como os muralistas mexicanos, representam outros exemplos de arte e artistas social e politicamente empenhados (Febbraro; Schwetje, 2010: 7_8). Obras desta envergadura aproximam-se mais da ideia que hoje temos do que pode ser uma Arte Política. Associados a esta surgem nomes como os de Martha Rosler, Jeff Wall, Francis Alys, Alfredo Jaar, Thomas Hirscchorn ou Ai WeiWei, entre tantos outros.

Contudo, e ainda que a pintura não ocupe já a posição central que outrora lhe coube, podemos afirmar com segurança que a pintura de história continua a desempenhar um papel relevante no contexto da arte contemporânea. Sofrendo alterações de vária ordem, já sem a necessidade de responder a esta vetusta designação e comportando por vezes um entendimento alargado da ideia de pintura, continua a marcar lugar na produção artística dos nossos dias. A título de exemplo ficam os nomes sonantes de alguns dos seus actuais praticantes: Gerhard Richter, Luc Tuymans, Marlene Dumas, Dexter Dalwood ou Simeón Saiz Ruiz.

 

Conclusão

Num artigo desta natureza, não podemos fazer mais do que apenas aflorar as questões que nos propusemos trabalhar. Contudo, a actualidade e pertinência da Pintura de História constituem o tema central de uma investigação que presentemente desenvolvemos. Mais do que apresentar respostas, pretendemos com este breve artigo colocar questões e propor possíveis linhas de investigação.

A obra de Simeón Saiz Ruiz revelou-se, assim, portadora de muitas das interrogações que permeiam a pintura actual e, particularmente, a pintura que ainda tenta produzir discurso sobre a realidade.

 

Referências

Alberti, Leon Battista (2004) On Painting, ed. Penguin Classics, London, English Translation.         [ Links ]

Febbraro, Flavio; Schwetje, Burkhard; (2010) How to Read World History in Art, ed. Thames & Hudson, London.         [ Links ]

Ruiz, Simeón Saiz (Compilador) (2008) Realidad contra Identidad – Ensaios Sobre J'est un Je, Ediciones Universidad de Salamanca.         [ Links ]

Ruiz, Simeón Saiz; Persiva, Vicent Sanz I (2008) J'est_ un_ Je, Fundación General de la Universitat de València.         [ Links ]

 

 

Artigo completo submetido em 20 de janeiro e aprovado em 8 de fevereiro de 2012.

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico: corrcarlos@gmail.com (Carlos Correia).

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