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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.3 no.5 Lisboa jun. 2012

 

PROXIMIDADE

Kenji Ota: um olhar sobre a materialidade em processos fotográficos históricos

Kenji Ota: a look into the materiality of historical photographic processes

 

Andréa Brächer*

*Brasil, Artista visual. Professora Universitária e Pesquisadora da área de Fotografia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (FABICO), no Departamento de Comunicação Social, Área de Fotografia. Doutorado em Poéticas Visuais, Instituto de Artes, Universidade Federal de rio Grande do Sul (IA – UFRGS). Mestrado em História, Teoria e Crítica Artes Visuais (IA – UFRGS, 2000). Graduação em Publicidade e Propaganda (FABICO / UFRGS).

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO
Este artigo discorre sobre o trabalho do artista brasileiro Kenji Ota, que em seu mestrado, procurou, através dos processos fotográficos históricos, explorar e aprofundar questões processuais relacionadas à materialidade da imagem fotográfica. A partir dos escritos sobre a instauração das obras observamos a processualidade fotográfica não convencional, a exploração das reações químicas e resultados originais, dando caráter único ao seu trabalho.

Palavras chave: processos fotográficos históricos, fotografia expandida, materialidade fotográfica, instabilidade fotográfica.

 

 

ABSTRACT
This article discusses the work of Brazilian artist Kenji Ota, who in his master degree, sought, through historical photographic processes explore and deepen procedural issues related to the materiality of the photographic image. From writings about his photographic works observe the unconventional, the exploitation of chemical reactions, giving unique character to his work.

Keywords: historical photographic processes, expanded photography, photographic materials, photographic instability.

 

 

Introdução

O objetivo deste texto é apresentarmos o trabalho do artista brasileiro Kenji Ota (São Paulo, Brasil, 1952), que desde os anos 70 exerce atividades artísticas ligadas à fotografia. Suas pesquisas técnicas e estéticas versam sobre procedimentos não convencionais, recuperando processos fotográficos históricos como a calotipia, o cianótipo, marrom vandycke, papel albuminado e papel salgado.

Abordar-se-á uma determinada parte de sua produção nestes processos, quais sejam, os desenvolvidos durante sua dissertação de mestrado na Escola de Comunicação e Artes da USP (Universidade de São Paulo), denominada "Derivações: a errância da imagem fotográfica" (2001). Seus trabalhos desenvolvidos durante o mestrado procuravam, através dos processos fotográficos históricos, propor "um percurso de exploração estética e ao mesmo tempo técnica que aponta para o aprofundamento de formas processuais que enfatizam a materialidade da imagem fotográfica" (Ota, 2001: 16). Pretendemos com o artigo problematizar a questão da materialidade fotográfica nos processos históricos fotográficos neste artista e também abrir espaço para a reflexão à outros artistas que produzem de igual modo com estas técnicas. Para tanto usaremos documentos escritos, a dissertação de Kenji Ota e uma entrevista realizada por Rubens Fernandes Júnior em sua tese de doutorado com o mesmo. Nos dois textos há depoimentos sobre a instauração das obras e sobre seu processo de trabalho.

Como aponta Elizabeth Edwards em relação à fotografia e sua evocação à memória, a fotografia também pode ser vista não só como contendo uma imagem, foco de contemplação, mas também através de sua formas de apresentação e materiais; estas formas de existir dialogam com a imagem criando significado, ambas são fruto de intenção. "Que escolhas que afetam o sentido visual foram feitas pensando de acordo com o processo, papéis de impressão ou acabamentos?" se pergunta a autora (1999: 222-3). Neste sentido, nos apropriamos do pensamento de Edwards para também refletir sobre a materialidade no trabalho do artista.

 

1. Experimentações Laboratoriais

Na contramão da indústria fotográfica, neste momento de descontinuidade da produção de filmes clássicos fotográficos, como o Kodachrome, em detrimento de um mercado "digital", Kenji Ota, em sua trajetória, optou pela produção artesanal de suas fotografias – através do uso do papel artesanal e do emulsionamento manual dos materiais fotossensíveis. Segundo o artista, tanto um, quanto outro proporcionam "sobredeterminação de irregularidades…constituindo-se um dispositivo – em si – produtor de alteridades gráficas: campo instável de enformação fotográfica" (2001: 17).

Seus procedimentos artísticos alinham-se a que Rubens Fernandes Júnior chama de "Fotografia Expandida ou fotografia experimental, construída, contaminada, manipulada, criativa, híbrida, precária,…" (2006: 16). Tais intervenções oferecem à imagem final um caráter perturbador, preocupando-se com os contextos de produção e intervenções da fotografia, antes, durante e/ou após a realização de uma imagem. No caso de Kenji Ota, sua intervenção se dá na etapa após a captura da imagem, combinando diferentes processos/procedimentos, alterando os processos químicos e utilizando-se de processos primitivos ou históricos ou também conhecidos como alternativos.

Como outros artistas que trabalham com emulsionamentos fotográficos manuais, tal escolha material contrapõe-se aos papéis fotográficos industrializados ou convencionais, que são produzidos de modo homogêneo e regular. Nos papéis fotográficos tradicionais uma das camadas do papel é isolada de seu suporte. Já em seu trabalho, as contaminações químicas, indesejáveis do processo dito tradicional, são exploradas de forma a que apareçam as ´qualidades de um suporte ativo´, "repercutindo todas as irregularidades de sua formatação manual (distribuição variável da polpa) para o processamento da imagem" (Ota, 2001: 17).

Katy Barron e Anna Douglas (2006: 8) usam a expressão "alquimia" para traduzir o desejo de alguns artistas em explorar a "percepção". Noções de tempo, luz, reações químicas, o trabalho da matéria e as transformações das substâncias (ao longo do processamento e do tempo), são colocados em oposição aos tempos controlados e etapas padronizadas do fazer preto-e-branco tradicional e sua durabilidade. É também o caso das obras produzidas durante o mestrado do artista, Figura 1.

 

 

O tempo e a luz são os agentes desse trabalho alquímico (idem: 9), já que são responsáveis por uma metamorfose material no suporte fotográfico. O artista não só capta fotograficamente o mundo externo, mas interfere e colabora na transmutação de objetos comuns em imagem.

A fotografia nesses processos, pode ser entendida de acordo com a definição de Roland Barthes: como um organismo vivo. "Nasce dos próprios grãos de prata que germinaram, desabrocha por um instante, depois envelhece. Atacada pela luz, pela umidade, ela empalidece, extenua-se, desaparece" (1984: 139). Os trabalhos são "revelatórios", uma vez que deixam traços da qualidade viva das metamorfoses químicas.

Já para Barthes, ao pensar na permanência, aponta para o caráter perecível da fotografia e cujo destino ou é a gaveta ou pior, o cesto de lixo: sua natureza é mortal. Para o artista, este apelo mortal transparece em suas experimentações laboratoriais; e quando perguntado sobre a durabilidade do mesmo, pensa que o mais interessante é a possível mutação da imagem no tempo e não sua 'durabilidade' (Fernandes Júnior, 2002: 221).

As imagens realizadas incorporam as ocorrências aleatórias ou provocadas pela quebra dos procedimentos que pretendem esta dita longevidade: causando manchas, variações tonais, apagamentos da imagem e metalizações. No ponto de vista do artista a instabilidade do processo acentua a sua materialidade.

Como aponta Arlindo Machado, quanto mais o artista se distancia das normas, das regras rígidas da prática laboratorial, mais introduz imprecisão e descontinuidade (2001: 137-8).

Defendo que a materialidade fotográfica presente em obras como as decorrentes dos processos históricos não pode ser reduzida à experiência somente com a imagem (Edwards & Hart, 2004: 3). Fotografias são depósitos de químicos em papel: ao mesmo tempo imagem e objeto físico; "existem no tempo e no espaço, na experiência social e cultural. Elas têm 'volume, opacidade, tactilidade e uma presença física no mundo'" (Edwards & Hart, 2004: 1). E assim são as imagens de Kenji Ota.

 

Conclusão

A partir da análise dos escritos do artista Kenji Ota e do processo de instauração de seus trabalhos, onde são utilizados processos fotográficos históricos, podemos levantar algumas questões ligadas a materialidade no seu processo.

Seu trabalho aparece em oposição ao processo fotográfico convencional, seja ele analógico ou digital. O uso de diferentes processos alternativos, valendo-se das contaminações químicas, em suas experimentações, questionam a permanência e longevidade da imagem, bem como a pureza dos procedimentos mais tradicionais.

A mutação das imagens: a instabilidade, as contaminações, as reações químicas, a metamorfose material no suporte fotográfico nos leva ao entendimento que a fotografia é um organismo vivo nestes tipos de processos e processamentos, e que o fotógrafo é o alquimista responsável pelas mutações dos materiais fotossensíveis.

As ocorrências aleatórias como: manchas, variações tonais, apagamentos da imagem e metalizações são características do processo de trabalho explorado por Kenji Ota, que o torna único.

A processualidade, a serendipicidade, a irrepetibilidade, a instabilidade e uma certa incontrolabilidade são palavras-chaves para entender o trabalho de Kenji Ota em "Derivações."

 

Referências

Barthes, Roland (1984) A Câmara Clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. ISBN: 84-0549         [ Links ]

Barron, Katy & Douglas, Anna (2006) Alchemy: twelve contemporary artists exploring the essence of photography. Londres: Purdy Hicks. ISBN: 1-873184-78-6         [ Links ]

Edwards, Elizabeth (1999) Photographs as objects of Memory. In: Aynsley, Jeremy; Breward, Christopher; Kwint, Marius. Material Memories. Oxford: Berg. ISBN: 1-85973-252-6         [ Links ]

Edwards, Elizabeth, & Hart, Janice (2004). Photographs Objects Histories: on the materiality of images. Nova Iorque: Routledge. ISBN: 0-415-25442-6         [ Links ]

Fernandes Júnior, Rubens (2002) A Fotografia Expandida. São Paulo: Tese em Comunicação e Semiótica – PUCSP.         [ Links ]

Fernandes Júnior, Rubens (2006) Processos de Criação na Fotografia: apontamentos para o entendimento dos vetores e das variáveis da produção fotográfica. In: FACOM, São Paulo, FAAP, n. 16, p. 10-19.         [ Links ]

Machado, Arlindo (2001) A Fotografia como expressão do Conceito. In: O Quarto Iconoclasmo e outros ensaios hereges. Rio de Janeiro: Marca D´água Livraria e Editora. ISBN:85-87184-17-2         [ Links ]

Ota, Kenji (2001) Derivações: a errância da imagem fotográfica. São Paulo: Dissertação Escola de Comunicação e Artes – USP.         [ Links ]

 

 

Artigo completo submetido em 20 de janeiro e aprovado em 8 de fevereiro de 2012.

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico: andrea.bracher@terra.com.br (Andrea Brächer).

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