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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.3 no.5 Lisboa jun. 2012

 

PROXIMIDADE

Enquadramento: Proximidade

Context: Closeness

 

Artur Ramos*

*Conselho editorial; Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas-Artes, Portugal.

Endereço para correspondência

 

 

A profundidade do espaço de um desenho, de uma pintura ou imagem também pode ser uma questão moral. A proximidade ou distância a que nos sentimos condicionados determina um conluio perante a identidade da personagem representada. Ora pelo sentir do que está à mão, ora pelo mergulho na profundidade da sombra, é uma estética da distância que acorda o espírito para a sua responsabilidade.

Maria Manuela Rocha explica como as pinturas de António Bronze em torno da Obra de Lewis Carrol, Alice no País das Maravilhas e Alice do Outro Lado do Espelho enchem as suas personagens de uma dignidade dramática mundana mas teatral. É a cor e a materialidade que as tornam dramaticamente mais verdadeiras e próximas de nós. Elas evocam o teatro, o palco e o instante suspenso, sem o vazio do proscénio, e ao alcance da nossa contemplação.

A possibilidade de dar uma certa luz e cor ao fundo e às figuras, a tateabilidade e fragilidade da materialidade do meio da tinta torna as figuras ou os personagens mais reais porque sentimo-las perto de nós sem qualquer protocolo de apresentação. E é inesperadamente pela cor que as personagens e o espaço são representados numa dimensão que lhes dá a personalidade do que é temporal.

Os desenhos de Jaime Silva demonstram, segundo Luís Filipe Rodrigues, como os fundos podem adquirir uma profundidade ilimitada e uma alma ausente sobretudo quando as sombras, os espaços ou atmosferas misteriosamente escurecidas, envolvem as figuras e as retiram da luz. E não é esta luz que as salva mas sim a sombra que as guarda num mistério ontológico que nos convida ao desvendamento. Nos seus desenhos as figuras lutam por uma identidade reprimida onde racionalmente a linha elimina o sentimento face a uma realidade que da qual só vemos através da profundidade da sombra.

A cor das formas, a sombra das manchas os limites e os esbatimento constroem uma imagem que se destaca pelo controlo da sua construção que mistura a emoção e a razão num compromisso material. Racionalmente trabalham os elementos estruturantes da linguagem visual. Por outro lado, a ausência de controlo envia para o domínio do acaso o sentido pelo qual podemos também questionar a responsabilidade pela autoridade do nosso próprio domínio enquanto artistas. O material usado e o processo laboratorial seguido na fotografia por Kenji Ota, como Andréa Brächer defende, permite a construção de fundos com base em formas algo aleatórias. O equilíbrio entre o predefinido e o controlado por um lado, e o incerto e indefinido por outro, dá-se numa vaga luta possível pelo que queremos dar a ver sem no entanto o querermos ser responsáveis.

A contrastar com a consciência da imprecisão e da descontinuidade de pensamento das imagens de Kenji Ota, encontramos as claras imagens da animação de Walter Tournier. Segundo Eliane Gordeeff, este mundo animado cria uma atmosfera nítida e otimista onde é ausente qualquer dúvida e receio. Tudo está dado no seu lugar certo, com a tangibilidade que nos convida o olhar ao toque e a felicidade da sua posse. A luz é o elemento primordial e permite distinguir exatamente o que nos emociona. Só o tema, só a narrativa poderá quebrar a apática responsabilidade da sua contemplação.

Por fim encontramos a mesma imagem, clara, estável e bem definida, como a calma que reina no Olimpo dos Gregos, nos desenhos dos cadernos de viagem pela Europa de Vieira Portuense. Como constatamos através das palavras de Maria Dilar Pereira a linha domina todo o desenho e vincula-o ao papel da razão. De facto, fala-nos de um registo escorreito que geometriza, esquematiza, ondula, traceja e dinamiza. E de um autor que opta conscientemente pelo estudo detalhado das obras dos mestres, para a procura do Belo e onde o desenho como pensamento assume a sua responsabilidade vital.

Este vínculo à razão não é encontrado só em Vieira Portuense pois ele atravessa todos estes artistas embora em graus diferentes. Na verdade é, em todos estes autores, a variação da intensidade e da nitidez da imagem que tanto nos afasta como nos aproxima, o que mais complica com a nossa serenidade contemplativa. Nesta estética do distanciamento reside uma responsabilidade de envolver, de inquietar ou de sossegar que determina a nossa reconciliação com o mundo.

 

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico: artur.ramos@fba.ul.pt(Artur Ramos)

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