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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.3 no.5 Lisboa jun. 2012

 

ARTIGOS ORIGINAIS POR CONVITE

A gestualidade em Iberê Camargo: obra gráfica de 58 a 69

The gesture at Iberê Camargo: print works from 58 to 69

 

Maristela Salvatori*

*Conselho editorial. Universidade Federal de Rio Grande do Sul, Instituto das Artes, Brasil.

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO
Este texto comenta parte da obra gráfica do artista brasileiro Iberê Camargo, enfocando sobretudo a vigorosa produção realizada entre 1958 e 1969 e os possíveis traços desta experiência na prática deste grande artista.

Palavras chave: Iberê Camargo, gravura, gestualidade.

 

 

ABSTRACT
This text notes part of the graphic work of Brazilian artist Iberê Camargo, focusing especially the vigorous production undertaken between 1958 and 1969 and possible traces of this experience in this great artist's practice

Keywords: Iberê Camargo, printmaking, gestuality.

 

 

Gozando de crescente reconhecimento em seu país e de projeção internacional, o artista brasileiro Iberê Camargo (1914-1994) iniciou sua produção gráfica na década de quarenta. Esta prática, exercida até o final de sua vida, foi especialmente intensa entre o final dos anos cinquenta e o final dos anos sessenta, e revelou-se bastante vigorosa, transformou-se em uma experiência seminal no percurso deste artista.

Nascido no sul do país, onde se iniciou nas artes antes de se radicar no Rio de Janeiro (em 1942), Iberê Camargo viajou à Europa em 1948, através do prêmio de Viagem ao Exterior do Salão Nacional de Belas Artes. Na Europa teve oportunidade de estudar pintura e gravura com Giorgio De Chirico, Carlo Alberto Petrucci e André Lhote. Retornou ao Brasil em 1950, tendo recebido muitas distinções e participado de inúmeros eventos nacionais e internacionais, como Bienais de São Paulo, de Veneza, de Gravura em Tóquio, de Arte Hispano-Americana em Madrid.

 

Um artista independente

A linguagem gráfica o atraiu pelo caráter essencial dos valores do preto e branco. Mesmo em um momento de extrema precariedade de informações, materiais e equipamentos para o exercício da gravura, o artista trabalhou com persistência. Gravava e imprimia sozinho suas imagens, eventualmente contava com o auxílio de colegas. Nem sempre completava suas edições devido à precariedade e custo do material e à inexistência de mercado para as gravuras.

Suas primeiras gravuras são documentos da aprendizagem nas diversas técnicas. Emprega com grande expressividade os procedimentos da água-forte e água-tinta. Manchas em tonalidades diversas ocupam o espaço e o gesto já se apresenta vigoroso.

Nos anos cinquenta seu trabalho sofre modificação, deixa de trabalhar "o ambiente, passa a expressar sua própria interioridade" (Berg, 1985: 21). Aparecem os carretéis (Figura 1), reminiscências da infância, os trabalhos se apresentam mais sombrios e com carga dramática (Berg, 1985: 22).

 

 

No Brasil, o concretismo se mostrava hegemônico até a Bienal de 1959, que traz a pintura tachista e informal. Conforme Mário Pedrosa, Iberê Camargo continuava 'a ser, no nosso panorama, uma individualidade solitária e cativante' e que se fazia 'pintura da moda,' o fazia de 'sua maneira insólita, egocêntrica e para a qual o único ingrediente consciente que entra é uma deliberada vontade, mas sem medida, de inortodoxia' (Pedrosa apud Berg, 1985: 23).

O próprio artista teria declarado: 'estou filiado a mim mesmo' (Berg, 1985: 23), postura que manteve até o final de sua vida. Conforme afirmou, 'a ética da história está sempre mudando, não há porque se ligar às regras do momento' (Declarado em encontro em sua casa, em Porto Alegre, em 04.11.91).

Os carretéis, inicialmente, figuraram em naturezas mortas que foram paulatinamente reduzidas a elementos gráficos. Essa temática fez-se presente em pinturas e gravuras, mas foi na gravura que o desenho se desenvolveu com mais força, construindo imagens com grande riqueza gestual. A fase dos carretéis o consagra definitivamente no panorama artístico brasileiro. É com gravuras deste período que o artista participa da Bienal de Veneza (Figura 2), contribuindo para a divulgação da arte brasileira no exterior.

 

 

Se as gravuras inicialmente apresentavam elementos e organização espacial geometrizada, logo se percebe uma crescente expansão do gesto em composições mais orgânicas, tal qual observado em sua pintura. Finalmente, apresenta os elementos como signos e formas gestuais de grande dinamismo.

Iberê usa diversos recursos na busca da expressão, explorando diferentes tonalidades em lavis (procedimento técnico de resultado assemelhado ao efeito da aquarela), até à água-forte. Joga com a grande densidade dos cinzas escuros e com variadas texturas.

A gestualidade permeia todo o seu trabalho. Conforme declarou:

Eu trabalho com impetuosidade… Eu busco a dinâmica e o equilíbrio em figuras que se abrem e se dispersam. Sinto-as fisicamente, com todo meu corpo (Camargo apud Courthion, 1985: 67).

Foi grande amigo e admirador de Oswaldo Goeldi, um dos pioneiros da gravura no Brasil, de quem apreciava a rudeza, a concisão, o traço seco, despido de ornamentos (Declarado em mesa do III Encontro Gaúcho de Gravura, Centro Municipal de Cultura, Porto Alegre, 1991). Assim como Goeldi, Iberê se interessa pela angústia do homem. Seus trabalhos refletem sua preocupação com a condição humana.

A gravura o atraiu pela natureza 'mais enxuta, mais essencial' (Declarado em mesa do III Encontro Gaúcho de Gravura, Centro Municipal de Cultura, Porto Alegre, 1991), do preto e branco, valor fundamental em toda obra. E este sentido encontramos em sua intensa produção gráfica de 1959 a 1968, onde se revela sua identificação com a linguagem direta, sem artifícios.

Segundo Paulo Herkenhoff:

Para Iberê gravador, o momento tenso de relação agressiva com a matéria se concentra no ato de gravar: a oposição entre instrumento e chapa. A força visual de sua obra gravada parece estar na fixação do movimento de dança e expansão ou no estabelecimento de equilíbrios, na valorização do branco e na dramaticidade do negro, dos cinzas-escuros (Herkenhoff, 1985: 59).

 

O pictórico e o gráfico

Iberê Camargo explora com maestria a linguagem gráfica, com a respiração do papel que, aparente, joga com as formas criadas pela tinta, as linhas decididas das águas-fortes, a densidade de sulcos profundos. Apresenta uma linguagem concisa e direta.

A partir dos anos setenta, em especial, sua pintura apresenta recursos identificados com princípios da gravura, como os sulcos feitos com o cabo do pincel que abrem linhas na tinta da tela de maneira semelhantes ao procedimento usado na água-forte, onde o gravador raspa o verniz que recobre a chapa de metal revelando a matriz.

Tendo voltado a residir em Porto Alegre em 1982, onde retomou a prática da gravura, o artista lá permaneceu até sua morte (em 1994, aos 79 anos). Em obras pictóricas dos anos oitenta também encontramos linhas mais evidentes, possivelmente uma influência da prática da gravura.

Embora seja mais conhecido como pintor, a gravura de Iberê Camargo forma um conjunto coeso, no qual encontramos todos os elementos de sua poética, e que, certamente, enriqueceu seu percurso artístico constituindo uma obra de grande significação para o artista e seu público.

Conforme Carlos Scarinci,

a gravura foi para Iberê, como para outros, aquele momento de reflexão, a mediação necessária para amadurecer muitas das suas decisões pictóricas, quando não foi ela mesma a decisão mais significativa (Scarinci, 1982: 184).

Iberê Camargo esteve sempre ativo na luta por melhores materiais artísticos como possibilidade de preservação do patrimônio cultural. Favorável à divulgação do conhecimento, por diversas vezes atuou como professor. Escreveu poemas, publicou livros, entre eles um importante manual sobre a gravura em metal. Manteve uma postura coerente e íntegra como artista e cidadão.

Em seus últimos anos se dedicou a concretizar o projeto de criação de uma fundação para preservação de seu acervo e memória, a Fundação Iberê Camargo, hoje consolidada em imponente prédio projetado por Álvaro Siza e que promove exposições de envergadura internacional.

 

Referências

A gravura de Iberê Camargo: Uma Retrospectiva (1990) Catálogo da exposição. Porto Alegre: Banco Francês e Brasileiro S. A.         [ Links ].

Berg, Evelyn (1985). "Iberê: Medida de Espessura. " In: Berg, Evelyn et alii. Iberê Camargo.; R J: MARGS /Funarte. (Coleção Contemporânea 1) ISBN: 8524600136         [ Links ]

Courthion, Pierre (1985). "Nascimento de um Artista". In: Berg, Evelyn et alii. Iberê Camargo.; R J: MARGS /Funarte. (Coleção Contemporânea 1) ISBN: 8524600136         [ Links ]

Fundação Iberê Camargo [Consult. 2011-10-13] Disponível em http://www.iberecamargo.org.br/         [ Links ]

Herkenhoff, Paulo (1985). Alguns do Múltiplo Iberê. In: Berg, Evelyn et alii. "Iberê Camargo." R J: MARGS /Funarte (Coleção Contemporânea 1) ISBN: 8524600136         [ Links ]

Iberê Camargo – Ano 70. (1984) Catálogo da exposição. Claudio Gil/RJ, Luisa Strina/RJ, Tina Presser/RS, Thomas Cohn/RJ e MARGS/RS.         [ Links ]

Scarinci, Carlos (1982) A Gravura no Rio Grande do Sul. 1900 – 1980. Porto Alegre: Mercado Aberto. ISBN: 8528006484         [ Links ]

Zielinsky, Mônica (org.) (2006) Iberê Camargo – Catálogo raisonné (gravuras) . São Paulo: Cosac Naify. ISBN: 8575035282.         [ Links ]

 

 

Artigo completo submetido em 20 de janeiro e aprovado em 8 de fevereiro de 2012.

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico: maris@ufrgs.br(Maristela Salvatori).

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