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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

versão impressa ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.spe7 Porto out. 2020

https://doi.org/10.19131/rpesm.0249 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

O que sabem e pensam os enfermeiros sobre a doença mental: Estudo do conhecimento e atitudes estigmatizantes em saúde mental

 

What nurses know and think about a mental illness: Study of knowledge and stigmatizing attitudes in mental health

 

Lo que saben y piensan los enfermeros sobre una enfermedad mental: Estudio del conocimiento y actitudes estigmatizantes en salud mental

Daniel Carvalho*, Ana Querido**, Catarina Tomás***, João Gomes****, & Marina Cordeiro*****

*Mestre em Enfermagem de Saúde Mental; Investigador no CINTESIS – Nurs-ID; Assistente Convidado no Instituto Politécnico de Leiria, Escola Superior de Saúde; Enfermeiro especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica no Centro Hospitalar de Leiria, Hospital de Santo André, Rua Central nº 72, 2495-183 Santa Catarina da Serra, Portugal. E-mail:drscarvalho@gmail.com

**Enfermeira especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica; Doutora em Enfermagem; Investigadora no CINTESIS – Nurs-ID; Professora Adjunta no Instituto Politécnico de Leiria, Escola Superior de Saúde, 2411-901 Leiria, Portugal. E-mail: ana.querido@ipleiria.pt

***Enfermeira especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica; Doutora em Enfermagem; Investigadora no CINTESIS – Nurs-ID; Professora Adjunta no Instituto Politécnico de Leiria, Escola Superior de Saúde, 2411-901 Leiria, Portugal. E-mail: catarina.tomas@ipleiria.pt

****Enfermeiro especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica; Mestre em Enfermagem de Saúde Mental; Assistente Convidado no Instituto Politécnico de Leiria, Escola Superior de Saúde; Enfermeiro com Funções de Chefia no Centro Hospitalar de Leiria, Hospital de Santo André, 2495-183 Santa Catarina da Serra, Portugal. E-mail:joaomfg@gmail.com

*****Enfermeira especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica; Mestre em Enfermagem de Saúde Mental; Assistente Convidada no Instituto Politécnico de Leiria, Escola Superior de Saúde; Enfermeira no ACeS Pinhal Litoral, 2400-137 Leiria, Portugal. E-mail:marinasscordeiro@gmail.com>

 

RESUMO

CONTEXTO: O estigma em saúde mental continua a ser uma realidade.Devido ao papel que desempenham, as atitudes estigmatizantes dos enfermeiros são muitas vezes mais prejudiciais. Fatores formativos e o conhecimento são responsáveis por alterações nos níveis de estigma.

OBJETIVO(S): Descrever o conhecimento sobre saúde mental e os níveis de atitudes estigmatizantes dos enfermeiros de um Centro Hospitalar da região centro de Portugal; Analisar em que medida as atitudes estigmatizantes se relacionam com os conhecimentos sobre saúde mental.

MÉTODOS: Realizou-se um estudo quantitativo, descritivo-correlacional, transversal. A amostra, do tipo não probabilístico por conveniência, foi constituída por 83 enfermeiros. O questionário, para além da caraterização sociodemográfica dos participantes, integrava uma questão sobre a perceção do conhecimento e outra sobre a perceção do estigma em saúde mental; a versão portuguesa da Mental Health Knowledge Schedule; e a versão portuguesa da Mental Illness Clinician’s Attitudes Scale.

RESULTADOS: Os enfermeiros consideram o seu estigma em saúde mental muito baixo e o nível de conhecimento mediano. Os níveis de atitudes estigmatizantes da amostra são baixos e o nível de conhecimento é elevado. Existe uma correlação negativa entre os níveis de atitudes estigmatizantes e a perceção do conhecimento, e positiva com o nível de estigma percebido. Os enfermeiros que exercem funções em serviços não psiquiátricos apresentam mais atitudes estigmatizantes.

CONCLUSÕES: Os enfermeiros revelaram conhecimento razoável em saúde mental e níveis de atitudes estigmatizantes baixos, contudo estes valores pioram nos enfermeiros que não exercem funções em serviços de psiquiatria.

Palavras-Chave: Profissionais de enfermagem; Conhecimento; Estigma social

 

ABSTRACT

BACKGROUND:Stigma in mental health continues to be a reality. Because of their role, nurses’ stigmatizing attitudes are often more harmful. Learning factors and knowledge are responsible for changes in stigma levels.

AIM:To describe the knowledge about mental health and the levels of stigmatizing attitudes of nurses working in a Hospital in the central region of Portugal; To analyze the extent to which stigmatizing attitudes correlate to mental health knowledge.

METHODS:The sample is non-probabilistic for convenience, being constituted by 83 nurses. The questionnaire, besides the sociodemographic characterization of the participants, integrates a question about the perception of knowledge and another about the perception of stigma in mental health; the Portuguese version of the Mental Health Knowledge Schedule; and the Portuguese version of the Mental Illness Clinician’s Attitudes Scale.

RESULTS: Nurses consider their stigma in mental health too low and their level of knowledge medium.The levels of stigmatizing attitudes of the sample are low and the level of knowledge is high. There is a negative relationship between the levels of stigmatizing attitudes and the perception of knowledge and a positive relationship with the level of perceived stigma. Nurses who work in non-psychiatric wards have more stigmatizing attitudes.

CONCLUSIONS:Nurses showed reasonable knowledge of mental health and low levels of stigma, but these values ??worsen in nurses who do not work in psychiatry wards.

Keywords:Nurse practitioners; Knowledge; Social stigma

 

RESUMEN

CONTEXTO:El estigma en salud mental sigue siendo una realidad. Debido al papel que desempeñan, las actitudes estigmatizantes de los enfermeros son a menudo más perjudiciales. Los factores formativos y el conocimiento son responsables de cambios en los niveles de estigma.

OBJETIVO(S): Describir el conocimiento acerca de la salud mental y los niveles de actitudes estigmatizantes de los profesionales de enfermería en un centro hospitalario de la región central de Portugal; Analizar en qué medida las actitudes estigmatizantes se relacionan con los conocimientos sobre salud mental.

METODOLOGÍA:studio cuantitativo, descriptivo correlacional, transversal. La muestra, del tipo no probabilístico por conveniencia, fue constituida por 83 enfermeros. El cuestionario, además de la caracterización sociodemográfica de los participantes, integra una cuestión sobre la percepción del conocimiento y otra sobre la percepción del estigma en salud mental sentido; la versión portuguesa de la Mental Health Knowledge Schedule y la versión en portugués de la Mental Illness Clinician’s Attitudes Scale.

RESULTADOS:Los enfermeros consideran su estigma en salud mental muy bajo y el nivel de conocimiento mediano. Los niveles de actitudes estigmatizantes de la muestra son bajos y el nivel de conocimiento es elevado. Hay relación negativa entre los niveles de actitudes estigmatizantes con la percepción del conocimiento y relación positiva con el nivel de estigma percibido. Los enfermeros que ejercen funciones en servicios no psiquiátricos presentan más actitudes estigmatizantes.

CONCLUSIONES:Los enfermeros revelaron conocimiento razonable en salud mental y niveles de actitudes estigmatizantes bajos, sin embargo, estos valores empeoran en los enfermeros que no ejercen funciones en servicios de psiquiatría.

Palabras Clave: Enfermeras practicantes; Conocimiento; Estigma social

 

Introdução

O estigma pode ser definido como um conjunto de atitudes, crenças e pensamentos negativos que levam a rotular uma pessoa ou conjunto de pessoas e consequentemente influenciam a opinião do outro, originando comportamentos de medo, rejeição, evitamento, preconceito e discriminação e que resultam geralmente de medos, falsas crenças, desconhecimento e falta de compreensão (Mikolon, Kreiner, & Wieseke, 2016; Ordem dos Enfermeiros, 2011; Pinto-Foltz, & Logsdon, 2009). No caso da doença mental, a estigmatização leva à discriminação de doentes/familiares/profissionais, podendo ter consequências ao nível do acesso aos cuidados de saúde, educação, emprego, habitação e oportunidades de vida (Mikolon et al., 2016), ou ainda ao comprometimento da autoestima, autoconceito, qualidade de vida, suporte social, empoderamento, e ao aumento dos índices de ansiedade e stress (Fonseca, 2018; Mikolon et al., 2016; Xavier, Klut, Neto, Ponte, & Melo, 2013).

No caso dos profissionais de saúde, a problemática é mais complexa, uma vez que estes podem ser estigmatizantes,alvo do estigma ou agentes de desestigmatização (Schulze, 2017). Devido ao papel que desempenham e ao contacto próximo com o doente/família, as atitudes e comportamentos estigmatizantes dos enfermeiros são por vezes mais prejudiciais (Reavley & Jorm, 2011), podendo provocar sentimentos de rejeição e o estabelecimento de uma barreira aos cuidados de saúde, tendo como consequências dificuldades de acesso aos cuidados, sub-tratamento e o comprometimento da relação entre o doente/família e o profissional (Corrigan, 2004;Modgill, Patten, Knaak, Kassam, & Szeto, 2014).

Profissionais mais especializados e com maiores conhecimentos na área da saúde mental demonstraram menores níveis de estigma comparativamente com os restantes, percebendo-se que os fatores formativos poderão ser responsáveis por estas diferenças nos níveis de estigma (Batista, 2013; Ihalainen Tamlander, Vähäniemi, Löyttyniemi, Suominen,Välimäki, 2016; Lammie,Harrison, Macmahon & Knifton, 2012), até porque um dos principais motivos que levam os profissionais a demonstrar atitudes estigmatizantes para com a pessoa com doença mental é precisamente a falta de treino e preparação para lidar com este tipo de população (Batista, 2013). É ainda consensual que a educação e consequente promoção da literacia em saúde mental (LSM) é uma das estratégias eficazes de combate ao estigma, sendo geralmente o ponto de partida de qualquer programa de intervenção sobre esta temática (Arboleda-Florez, & Stuart, 2012; Fonseca, 2018).Assim, a partir do problema resumidamente enunciado, pretende-se desenvolver uma investigação cujos objetivos são: descrever o conhecimento sobre saúde mental e os níveis de atitudes estigmatizantes dos enfermeiros de um Centro Hospitalar da região centro de Portugal; analisar em que medida as atitudes estigmatizantes se relacionam com os conhecimentos sobre saúde mental.

 

Métodos

Participantes

Para a concretização dos objetivos propostos realizou-se um estudo quantitativo, descritivo-correlacional e transversal.

A amostra do estudo é do tipo não probabilístico por conveniência, sendo constituída por 83 enfermeiros a exercer funções numa Unidade Hospitalar da Região Centro de Portugal, nos serviços de Urgência, Psiquiatria, Medicina Interna, Gastroenterologia, Pneumologia, Cardiologia e Urologia.

Como critérios de inclusão definiram-se: participação voluntária no estudo, trabalhar há mais de 2 anos e saber ler e escrever em português.

Instrumento de colheita de dados

Utilizou-se um questionário de autopreenchimento, constituído por três secções: a primeira de caraterização sociodemográfica dos participantes (género, idade, tempo de exercício profissional, habilitações académicas e profissionais, história de perturbação mental e contacto com pessoas portadoras de perturbação mental); a segunda constituída por duas questões para avaliar a perceção do conhecimento e estigma sobre saúde mental, ambas pontuadas numa escala ordinal de 0 (nenhum) a 10 (excelente/total). A terceira secção integra a versão portuguesa da Mental Health Knowledge Schedule (MAKS) (elaborada na sua versão original por Evans-Lako et al. (2010), traduzida e validada para a população portuguesa por Tomás, Querido, Gomes, Carvalho, Cordeiro e Gomes, atualmente a aguardar publicação), e a versão portuguesa da Mental Illness Clinician’s Attitudes Scale (MICA-4) (elaborada na sua versão original por Gabbidon et al. (2013), traduzida e validada para a população portuguesa por Tomás, Querido, Carvalho, Cordeiro e Gomes, atualmente a aguardar publicação).

A MAKS é um instrumento que permite avaliar o conhecimento em saúde mental. É constituída por duas partes, integrando 12 itens, cotados numa escala tipo Likert de 5 pontos (1 – discordo fortemente; 5 – concordo fortemente), onde valores mais elevados de pontuação correspondem a maiores níveis de conhecimento. A primeira parte é composta por 6 itens e avalia os conhecimentos relacionados com o estigma nas áreas da procura de ajuda, reconhecimento, apoio/suporte, emprego, tratamento e recuperação. A segunda parte integra os restantes 6 itens e avalia o conhecimento acerca das doenças mentais. A MICA-4, cujo objetivo é a avaliação das atitudes estigmatizantes perante as pessoas portadoras de perturbação mental, é constituída por 16 itens, avaliados numa escala tipo Likert de 6 pontos, (Concordo plenamente a Discordo plenamente), permitindo pontuações de 16 a 96 pontos (pontuações mais elevadas indicam perceções mais estigmatizantes).

Aprovação ética

Todos os princípios éticos e formais inerentes à investigação foram assegurados. Foi obtida previamente a autorização da Comissão de Ética e do Conselho de Administração da Unidade Hospitalar onde se realizou o estudo, bem como de todos os enfermeiros chefes dos serviços envolvidos. A participação foi voluntária e a confidencialidade foi assegurada em todo o processo, sendo garantida tanto ao nível das respostas como do anonimato dos participantes.

Análise estatística

Para análise estatística dos dados recorreu-se ao SPSS, versão 24, com recurso a testes paramétricos. Considerando o tamanho da amostra do estudo, assumiu-se a adesão das distribuições à normalidade. Em termos descritivos analisaram-se as frequências absolutas (n) e relativas (%), média, moda, mediana, desvio padrão (DP), máximos e mínimos. Para análise inferencial utilizaram-se o teste One Way-Anova (diferenças entre mais de dois grupos ou amostras independentes), Coeficiente de correlação de Pearson e o teste t-student (diferenças entre duas amostras independentes) e One Way-Anova (análise de regressão).

Assumiu-se como nível de significância, p<0,05 para resultados significativos e p<0,01 para resultados muito significativos. A probabilidade máxima aceitável para a ocorrência de Erro Tipo I foi definida em 0,05.

Resultados

Os 83 enfermeiros que participaram no estudo pertenciam na sua maioria ao género feminino (n=62; 74,7%), apresentando uma idade média de 41,27 anos (DP=10,15). Dos enfermeiros inquiridos, 62 (74,7%) exercem funções em serviços não psiquiátricos, enquanto 21 (25,3%) trabalham em serviços de psiquiatria. Considerando a sua formação, 64 (77,1%) eram licenciados, 18 (21,75%) mestres e apenas um tem o bacharelato. A maioria dos enfermeiros da amostra não tem especialidade profissional (n=63; 75,9%). Dos restantes, 9 são especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica, 8 especialistas em Enfermagem Médico-cirúrgica e 3 especialistas em Enfermagem de Reabilitação. A maioria dos enfermeiros (98,8%) exerce há mais de 6 anos.

Quando questionados acerca de sofrerem ou já terem sofrido de alguma perturbação mental, 9 (10,8%) responderam afirmativamente, sendo que destes, 7 referem a depressão e 1 a ansiedade. Também 40 (48,2%) enfermeiros referem ter alguém da família ou próximo com perturbação diagnosticada, nomeadamente mãe (n=9) e pai (n=6), primos (n=6) e tios (n=6). A maioria dos enfermeiros (n=63; 75,9%) referem também ter tido contacto recente com colegas colaboradores da mesma instituição com perturbação mental diagnosticada.

Relativamente à questão “Como considera o seu nível de conhecimentos acerca da Saúde/doença Mental”, as respostas obtidas traduzem pontuações que variaram entre 3 e 10 pontos (M = 6,1; DP=1,858). Quando questionados acerca de “Como consideram o seu nível de estigma em relação ao doente e doença mental”, as respostas variaram de 0 a 9 pontos, com média de 2,69 (DP=2,311).

Como forma de avaliar os conhecimentos acerca da saúde mental foi aplicada a MAKS e para avaliar as atitudes estigmatizantes dos profissionais de saúde utilizou-se a MICA-4, obtendo-se os resultados indicados na Tabela 1 .

Quando avaliada a correlação entre o conhecimento em saúde mental e a perceção dos enfermeiros sobre o seu nível de conhecimento, de estigma ou a sua idade, não se encontraram correlações estatisticamente significativas. Considerando as atitudes estigmatizantes e a sua correlação com a perceção dos enfermeiros inquiridos acerca do seu conhecimento e do seu estigma, as correlações são as indicadas na Tabela 2 . Podemos verificar que uma menor perceção de conhecimento está relacionada com aumento das atitudes estigmatizantes (correlação negativa fraca), e que o nível de atitudes estigmatizantes está positivamente correlacionado com a auto perceção do nível de estigma.

Verificou-se também a influência das variáveis ‘grau académico’, ‘estado civil’, ‘detenção do título de especialista’, área de especialização’, ‘presença de diagnóstico de perturbação mental’ e ‘contacto próximo ou profissional com pessoas com perturbação mental’, nos níveis de conhecimento e de atitudes estigmatizantes dos enfermeiros. A análise dos dados amostrais não revelou a existência de diferenças com significado estatístico nos níveis de conhecimento em saúde mental e nas atitudes estigmatizantes perante a pessoa com perturbação mental.

Parece, contudo, haver diferença em função das áreas de atuação dos enfermeiros, considerando o serviço onde exercem funções, nomeadamente se é ou não da área psiquiátrica. Assim,tal como se verifica na Tabela 3 , os enfermeiros a exercer funções em serviços de Psiquiatria apresentam níveis inferiores de atitudes estigmatizantes.

A análise dos resultados apresentados na Tabela 4 , referentes ao teste One Way-Anova para análise de regressão linear simples, revela que o serviço onde os enfermeiros exercem funções é um preditor do nível de atitudes estigmatizantes perante a pessoa com perturbação mental, explicando 5,7% da sua variância.

Procurando a relação entre o nível de conhecimento em saúde mental e de atitudes estigmatizantes perante pessoas com perturbação mental não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas, bem como qualquer predição significativa da primeira em relação à segunda.

 

Discussão

A amostra do estudo revela um bom nível de conhecimento relacionado com o estigma face à doença mental, embora relativamente aos conhecimentos percebidos acerca da Saúde/doença Mental tenha sido obtido um score médio de 6,01, que será um valor razoável.

Seria expectável que os enfermeiros a desempenhar funções em serviços de psiquiatria revelassem maiores níveis de conhecimento face aos que trabalham em serviços não psiquiátricos. Não obstante a maior cotação nas áreas de conhecimento face à doença mental e na capacidade de reconhecimento e de suporte da pessoa com doença mental, as pontuações finais mais baixas dos enfermeiros dos serviços de psiquiatria nas áreas respeitantes ao tratamento e recuperação são reveladoras de conhecimento associado ao estigma que pode ser alvo de intervenção.

No geral os níveis de estigma são relativamente baixos, tanto nas respostas à escala de atitudes face à doença mental como nos resultados obtidos na autoperceção do estigma através da pergunta “Como considera o seu nível de estigma em relação ao doente e doença mental?”. Estes níveis baixos de estigma poderão estar relacionados com as caraterísticas da amostra nomeadamente o facto de a maioria dos enfermeiros exercer há mais de 6 anos (98,8%). Estudos têm demonstrado que um maior tempo de experiência profissional parece influenciar de forma positiva as atitudes dos profissionais de enfermagem face à doença mental (Chambers et al, 2010). A existência de enfermeiros que têm ou já tiveram alguma perturbação mental também contribui para níveis inferiores de estigma dado que estes profissionais podem não querer ver também eles a sua própria liberdade limitada enquanto doentes (Covarrubias & Han, 2011), contudo, os dados deste estudo não corroboram esta evidência. O contacto e a proximidade com pessoas com doença mental são aspetos referidos por diversos autores como fatores que favorece a adoção de atitudes mais positivas face às pessoas com doença mental, (Corrigan, Green, Lundin, Kubiak, & Penn, 2001; Dessoki, & Hifnawy, 2009). Também a este nível, os resultados deste estudo não corroboram esta evidência. Por outro lado, grande parte da amostra (48,2%) referiu ter alguém da família ou próximo com perturbação mental diagnosticada, ou ter tido contacto recente com colegas colaboradores da mesma instituição com perturbação mental diagnosticada (75,9%). Ainda que não tenha sido observada diferença significativa no estigma, o contacto e a proximidade com as pessoas com doença mental por parte da maioria dos enfermeiros pode justificar os baixos níveis de estigma no global.

Os resultados demonstram ainda a relação entre a perceção do conhecimento e do estigma em saúde mental, e as atitudes estigmatizantes perante a pessoa com perturbação mental. Segundo os resultados encontrados, a perceção do estigma por parte dos enfermeiros está positivamente correlacionada com as atitudes estigmatizantes. Por outro lado, quanto maior o nível de conhecimento percebido, menos atitudes estigmatizantes serão demonstradas face à pessoa com doença mental. O nível elevado de conhecimento dos participantes poderá explicar esta relação uma vez que o conhecimento influencia a formulação de atitudes mais positivas perante as pessoas com doença mental (Arboleda-Flórez & Stuart, 2012; Barrantes, Violante, Graça, & Amorim, 2017; Batista, 2013; Ihalainen - Tamlander et al., 2016).

O estudo revelou ainda diferenças no estigma entre os enfermeiros de diferentes áreas de atuação considerando o serviço onde exercem funções, sendo que os enfermeiros da área da psiquiatria apresentam níveis mais baixos de atitudes estigmatizantes face aos restantes. Este facto é corroborado por estudos anteriores que indicam que profissionais mais especializados na área da saúde mental demonstram graus menores de estigma comparativamente aos restantes (Batista, 2013; Smith & Cashwell, 2010).

Conclusões

Os enfermeiros revelaram um bom conhecimento em saúde mental relativo ao estigma nas áreas de procura de ajuda, reconhecimento, apoio/suporte, emprego, tratamento e recuperação e níveis de atitudes estigmatizantes baixos. Contudo, as atitudes estigmatizantes são mais evidentes nos enfermeiros que não exercem funções em serviços de psiquiatria. Percebe-se a necessidade de intervenção com vista à melhoria da LSM, e consequente melhoria de atitudes, parecendo positivo o envolvimento dos enfermeiros que exercem nos serviços de psiquiatria na mudança de atitudes dos colegas dos restantes serviços.

 

Implicações para a Prática Clínica

A evidência da relação entre o conhecimento percebido, o estigma e as atitudes estigmatizantes, salienta a necessidade de aumentar o conhecimento e a LSM, bem como aumentar o autoconhecimento dos enfermeiros face ao estigma. Os resultados obtidos com este estudo são um importante contributo para a prática clínica, em especial na área da enfermagem de saúde mental. É necessário desenvolver junto dos profissionais de enfermagem ações de sensibilização e a implementação de programas anti estigma que possibilitem a mudança de atitudes, de forma a diminuir os níveis de estigma face à doença mental. Além disso, parece ainda ser importante o desenvolvimento de estratégias e ações que permitam a melhoria da LSM de todos os enfermeiros da instituição hospitalar onde foi desenvolvido o estudo. Os resultados parecem também indicar que o conhecimento e as atitudes dos enfermeiros que trabalham nos serviços de psiquiatria podem ser uma mais-valia se colocadas ao dispor em todo este processo a implementar.

 

Referências Bibliográficas

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Recebido em 30 de dezembro de 2018

Aceite para publicação em 9 de abril de 2019

 

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