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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

versão impressa ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.spe7 Porto out. 2020

https://doi.org/10.19131/rpesm.0241 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Stress e estratégias de coping em profissionais de saúde

 

Stress and coping strategies in health professionals

 

Estrés y estrategias de afrontamiento para profesionales de la salud

 

Raúl Cordeiro*, António Calha**, Cláudia Mourão***, & Fátima Camões ****

*Doutor; Professor na Escola Superior de Saúde de Portalegre, Avenida de Santo António, 23, 7300-074 Portalegre, Portugal. E-mail: raulcordeiro@ipportalegre.pt

**Doutor; Professor na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais de Portalegre, 7300-109 Portalegre, Portugal. E-mail: antoniocalha@ipportalegre.pt

***Mestre; Enfermeira especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica no ACeS Médio Tejo, Unidade de Cuidados na Comunidade Almourol, 2260-400 Vila Nova da Barquinha, Portugal. E-mail: claudiamourao1972@gmail.com

****Licenciada; Assistente Social no ACeS Médio Tejo – Unidade de Recursos Assistenciais Partilhados, 2260-400 Vila Nova da Barquinha, Portugal. E-mail: fatimacp.1@hotmail.com

 

RESUMO

CONTEXTO:

As especificidades do trabalho nas organizações de saúde e, em particular, os níveis de stress a que estão sujeitos os profissionais têm reflexos na sua condição de saúde. As medidas de redução do stress profissional inscrevem-se nas estratégias de governação clínica enquanto processo de melhoria da qualidade envolvendo princípios fundamentais da excelência, como a orientação para os resultados, melhoria contínua, responsabilidade social, focalização na saúde e bem-estar das pessoas/colaboradores.

OBJETIVO: Avaliar principais fontes de stress e estratégias de coping utilizadas pelos profissionais de saúde no desenvolvimento da sua atividade profissional.

MÉTODOS: Trata-se de um estudo descritivo exploratório com amostra por conveniência a diferentes profissionais de saúde. Para a recolha de dados foram utilizados dois instrumentos: Questionário de Stress nos Profissionais de Saúde; e Brief COPE. O questionário foi enviado por e-mail decorrendo a recolha entre os meses de maio e junho de 2018. Os dados foram tratados e analisados com recurso ao SPSS. Todos os procedimentos éticos foram assegurados.

RESULTADOS: As dimensões de stress mais críticas referidas pelos profissionais de saúde foram: carreira, remuneração, excesso de trabalho e lidar com os clientes. As estratégias de coping mais referidas foram: coping ativo, planear e reinterpretação positiva. O uso de substâncias foi a menos utilizada.

CONCLUSÕES: Os resultados obtidos permitem identificar uma vulnerabilidade particular dos profissionais de saúde a fatores de stress profissional associados à carreira e às condições de exercício profissional. Apurou-se uma resposta relativamente consensual face ao stress: o impacto negativo na saúde, em particular na saúde mental, com as consequências adversas alusivas a todo o processo de governação clínica.

Palavras-Chave:StressCoping; Profissionais de saúde

 

ABSTRACT

BACKGROUND: The specificities of work in health organizations and, in particular, the levels of stress to which professionals are subjected have consequences for their health condition. Occupational stress reduction measures are part of clinical governance strategies as a quality improvement process involving fundamental principles of excellence, such as results orientation, continuous improvement and social responsibility, and focus on the health and well-being of people / contributors.

AIM: To evaluate the main sources of stress and coping strategies used by health professionals in the development of their professional activity.

METHODS: This is a descriptive and exploratory study with convenience sample to different health professionals. Two instruments were used to collect data: Stress Questionnaire for Health Professionals; and Brief COPE. The questionnaire was sent by e-mail after the collection between the months of May and June of 2018. The data were treated and analyzed using SPSS. All ethical procedures were ensured during the process.

RESULTS: The most critical stress dimensions reported by health professionals were: career, remuneration, overwork and dealing with clients. The most mentioned coping strategies were: active coping, planning and positive reinterpretation. Substance use was the least referred.

CONCLUSIONS: The results obtained allow the identification of a particular vulnerability of health professionals to professional stress factors associated with career and working conditions. It was also possible to establish a relatively consensual response to stress in health professionals: the negative impact on health, in particular on mental health, with adverse consequences for the entire clinical governance process.

Keywords: Stress; Coping; Health professionals

 

RESUMEN

CONTEXTO: Las especificidades del trabajo en las organizaciones de salud y, en particular, los niveles de estrés a que están sujetos los profesionales tienen reflejos en su condición de salud. Las medidas de reducción del estrés profesional se inscriben en las estrategias de gobernanza clínica como proceso de mejora de la calidad que involucra principios fundamentales de la excelencia, como la orientación hacia los resultados, la mejora continua y la responsabilidad social y la focalización en la salud y el bienestar de las personas / empleados.

OBJETIVO(S): Evaluar las principales fuentes de estrés y estrategias de coping utilizadas por los profesionales de la salud en el desarrollo de su actividad profesional

METODOLOGÍA: Se trata de un estudio descriptivo y exploratorio con muestra por conveniencia a diferentes profesionales de la salud. Para la recogida de datos se utilizaron dos instrumentos: i) Cuestionario de estrés en los profesionales de la salud; y ii) Brief COPE. El cuestionario fue enviado por correo electrónico a través de la recogida entre los meses de mayo y junio de 2018.Los datos del fueron tratados y analizados con recurso al SPSS. Todos los procedimientos éticos se garantizaron durante el proceso.

RESULTADOS: Las dimensiones de estrés más críticas referidas por los profesionales de salud fueron: carrera, remuneración, exceso de trabajo y lidiar con los clientes. Las estrategias de coping más mencionadas fueron: coping activo, planeamiento y reinterpretación positiva. El uso de sustancias fue la menos utilizada.

CONCLUSIONES: Los resultados obtenidos permiten identificar una vulnerabilidad particular de los profesionales de la salud a factores de estrés profesional asociados a la carrera ya las condiciones de ejercicio profesional. También es posible determinar una respuesta relativamente consensuada frente al estrés en los profesionales de la salud: el impacto negativo en la salud mental, con las consecuencias adversas en lo que se refiere a todo el proceso de gobernanza clínica.

Palabras Clave: Estrés; Afrontamiento; Profesionales de la salud

 

Introdução

A especificidade de trabalho no contexto das organizações de saúde representa fator primordial das condições de saúde alteradas nos seus profissionais no domínio físico e mental, derivadas da componente de stress profissional ou burnout associado ao desempenho de várias profissões, nomeadamente enfermeiros e médicos (Costa e Pinto, 2017; Friganovic et al., 2017; Gomes, 2014; Khamisa, Oldenburg, Peltzer & Ilie, 2015; Marôco, Leite, Bastos, Vazão e Campos, 2016), sendo os enfermeiros os mais suscetíveis a tais vicissitudes (Friganovic et al., 2017).

A temática do stress profissional integra-se nas estratégias de governação clínica como um processo de melhoria de qualidade envolvendo princípios fundamentais da excelência, como a orientação para os resultados, melhoria contínua e responsabilidade social e focalização na saúde e bem-estar das pessoas (Pisanti et al., 2015; Rodrigues e Felício, 2017; Silva, Cunha, Macedo e Nunes, 2017).

O stress é considerado um fenómeno inerente à vida, tornando-se particularmente intenso e inevitável em contextos profissionais ligados à saúde (Costa e Pinto, 2017; Gomes, 2014; Khamisa et al., 2015) podendo assumir caráter não adaptativo e não transitório, com contornos mais intensos, persistentes e de desgaste e exaustão dos recursos, energias ou forças disponíveis para desempenhar o seu papel profissional nas condições adequadas com a melhor eficácia e eficiência, visando os resultados de qualidade que se desejariam – resultados dos cuidados de qualidade, segurança, satisfação, alcance de indicadores de produtividade e consequente efetividade. “O stresse relacionado com o trabalho é a resposta que as pessoas podem ter quando apresentadas a exigências e pressões do trabalho que não são compatíveis com os seus conhecimentos e habilidades e que desafiam a sua capacidade de coping” (Pinho, 2015, p.4). “O stresse é o segundo problema de saúde relacionado com o trabalho reportado com mais frequência, afetando, em 2005, mais de 20% de todos os trabalhadores dos 25 Estados-Membros da União Europeia (UE)” (p.5).

A Direção Geral da Saúde ([DGS], 2013) tem evidenciado que a conjuntura atual tem “(…) conduzido à desmotivação dos trabalhadores, bem como à redução do estado de saúde e da realização pessoal e profissional, aspetos que se refletem e comprometem a eficácia no trabalho e potenciam o desencadear de situações, atitudes e comportamentos disfuncionais no trabalho (ex. quadros de ansiedade, desânimo e de depressão).” (p.33) e que “(…) são de destacar as questões de saúde mental no âmbito dos riscos psicossociais, frequentemente relacionadas com o absentismo, o desemprego, a precariedade, a incapacidade prolongada, os níveis de desempenho e produtividade reduzidos, pouca motivação e elevada rotatividade dos trabalhadores.” (p.33).

Friganovic et al. (2017), apuraram que em ambientes hospitalares, um alto nível de stress pode levar à depressão, ansiedade, diminuição da satisfação no trabalho e menor lealdade à organização. Ferreira, Medeiros e Carvalho (2017), encontraram em profissionais sofrimento psíquico e doença, como enxaqueca, stress, raiva, fadiga física, depressão, dor nas pernas, varizes, hipertensão arterial, problemas nas costas, insatisfação e insónia.

As principais fontes de stress profissional constituem-se, em horários longos de trabalho, excesso de trabalho, pressões de tempo, hábitos deficitários de sono, elevadas expetativas de rendimento que tornam a margem de erro mínima, lidar com os clientes, carreira e remuneração (Gomes, 2014); supervisão precária, conflitos com os pares e com os clientes, elevadas exigências, horas extra, recursos inadequados, ambientes/contextos organizacionais, riscos de segurança e falta de suporte (Khamisa et al., 2015); desequilíbrio entre as exigências do trabalho e a preparação e aptidão para um local de trabalho, falta de controlo, reconhecimento de desempenho insuficiente e exposição prolongada a stress, exclusão do processo de tomada de decisão, riscos de segurança, relação de confiança com os superiores, pares e subordinados (Friganovic et al., 2017); lidar com a dor, doenças e morte, competitividade, transformações económicas, sociais e políticas, pressão laboral e económica (Costa e Pinto, 2017); precariedade das condições de trabalho e menor tempo de exercício profissional (Marôco et al., 2017). Pinho (2015) referiu como fatores de risco psicossociais no trabalho: o seu conteúdo, a carga, ritmo e horário de trabalho, ambiente e equipamentos, cultura e função organizacional, as relações interpessoais, papel na organização, desenvolvimento da carreira, novas formas de contratação e insegurança no trabalho, intensificação do trabalho, bem como fortes exigências emocionais no trabalho. Quando confrontada com situações perturbadoras e ameaçadoras a pessoa tende a reagir e o seu corpo tenta adaptar-se e ajustar-se, conduzindo a um fenómeno denominado coping – mecanismos dinâmicos comportamentais, cognitivos e emocionais que as pessoas utilizam para mitigar as adversidades surgidas e responder às exigências sentidas (Costa e Pinto, 2017). As estratégias de coping identificadas reportam-se a vários níveis, como sendo o suporte social (o profissional tenta encontrar apoio para enfrentar as situações de stress), solução de problemas, autorregulação, evitamento/retraimento (procura o distanciamento das situações), confrontação, reavaliação positiva (o profissional reorganiza a situação para minimizar a carga emocional dos problemas) e a aceitação da responsabilidade. Estes mecanismos têm como objetivos alterar o problema que causa o stress e controlar a resposta emocional (Costa e Pinto, 2017). Torna-se importante o apoio entre chefes e subordinados para promover a competência, a auto estima e a realização do profissional.

Russo, Pires, Perelman, Gonçalves e Barros (2017), apontaram o suporte social (laços familiares e estilo de vida), autorregulação / resiliência e reavaliação positiva como estratégias para lidarem com as condições vivenciadas (carga horária, remuneração, migração). Pisanti et al., (2015) estudaram a auto eficácia laboral como influenciando a resposta dos profissionais aos acontecimentos stressantes, ou seja, como estratégia de coping. Fida et al., (2018) também afirmam a autoeficácia como estratégia de coping tendo concluído que a mesma é um fator protetor contra o comportamento negativo no trabalho. Segundo a Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho (2012), os empregadores são legitimamente obrigados a gerir todos os tipos de riscos para a segurança e saúde dos colaboradores, incluindo os riscos para a sua saúde mental.

O objetivo desta investigação consiste na avaliação das fontes de stress mais relevantes e das estratégias de coping usualmente utilizadas por profissionais de diversas áreas da saúde no desenvolvimento da sua atividade profissional. Pretende-se, assim, um melhor entendimento do problema do stress ocupacional em profissionais de saúde que constitui uma área de investigação de crescente interesse nos últimos anos.

 

Métodos

Trata-se de um estudo de natureza quantitativa, descritivo e exploratório, com recurso a uma amostra de 85 profissionais de saúde. A técnica de amostragem utilizada foi por conveniência tendo-se recorrido ao efeito de “bola de neve”, através dos contactos dos investigadores. A recolha de dados decorreu entre maio e junho de 2018 através de um questionário, disponibilizado on-line, que incluía questões de caracterização pessoal (sexo, idade, profissão e anos de experiência profissional) e questões incluídas em dois instrumentos previamente validados: i) o Questionário de Stress nos Profissionais de Saúde (QSPS), que inclui 25 itens que avaliam as potenciais fontes de stress no exercício da atividade profissional dos profissionais da saúde (Gomes, Cruz e Cabanelas, 2009; Gomes, Melo e Cruz, 2000); ii) e o Brief COPE (Carver et al., 1989; versão traduzida por Pais-Ribeiro e Rodrigues, 2004). O QSPS é constituído por duas partes destintas. Numa primeira parte é solicitado aos profissionais a avaliação do nível de stress sentido no exercício da sua atividades através de um único item, variando entre 0, correspondente a nenhum stress e 4, correspondente a elevado stress. A segunda parte é constituída por 25 itens (respondidos através de uma escala de cinco pontos de tipo Likert) referentes às fontes de stress a que os profissionais estão sujeitos. Os itens distribuem-se por seis subescalas: lidar com os clientes; relações profissionais; excesso de trabalho; carreira e remuneração; ações de formação e problemas familiares. O Brief COPE, na versão traduzida por Pais-Ribeiro e Rodrigues (2004), visa aferir as estratégias de coping, sendo composto por 28 questões distribuídas por 14 subescalas: coping ativo, planeamento, utilização de suporte instrumental, utilização de suporte social emocional, religião, reinterpretação positiva, auto-culpabilização, aceitação, expressão de sentimentos negação, auto-distração, desinvestimento comportamental, uso de substâncias e humor. As respostas são aferidas através de uma escala de quatro pontos de tipo Likert. Os dados recolhidos foram posteriormente tratados e analisados com recurso ao software SPSS.

Ao longo da realização da investigação os autores orientaram a sua conduta pelo escrupuloso cumprimento do Código de Ética do Instituto Politécnico de Portalegre que constitui a declaração ética formal e referência orientadora das ações para todas as partes integrantes desta Instituição. Ao longo da investigação forão seguidos os requisitos éticos que devem regular a prática científica, todos os participantes serão convidados a participar de forma voluntária, sendo previamente informados do propósito da investigação, e dando-lhes a possibilidade de abandonar a investigação em qualquer altura e sem qualquer prejuízo pessoal.

 

Resultados

A amostra foi constituída por 85 participantes (N=85, sendo 16,5% do género masculino e 83,5% do género feminino). O grupo etário com maior representatividade é o grupo entre os 40 e 49 anos de idade com 36,5% dos participantes, seguido do grupo etário ente os 30 e os 39 com 30,6%, do grupo com idade inferior a 30 anos com 17,9% dos resultados e por último a faixa etária entre os 50 e os 59 anos, com um valor de 15,3%. Do total da amostra, 68 são Enfermeiros (80,0%), 10 são Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica (11,8%), 4 são Assistentes Sociais (4,7%) e 3 são Médicos (3,5%). Relativamente aos anos de experiência profissional a maioria (40,0%) centrou-se entre os 20 e 29 anos, seguido dos profissionais com menos de 10 anos de experiência (29,4%).

No QSPS aponta para cinco itens que se destacam pelos valores médios elevados obtidos, apresentando-se por ordem crescente os mesmos: a falta de tempo para realizar adequadamente as minhas tarefas profissionais (M=2,67, d.p.=0,94); a sobrecarga ou excesso de trabalho (M=2,74; d.p.=0,94); tomar decisões onde os erros podem ter consequências graves para os meus clientes (M=2,84; d.p.=0,85); salário inadequado/insuficiente (M=2,85; d.p.=0,98) e receber um salário baixo (M=2,88; d.p.=0,91). Verifica-se que os itens associados ao excesso de trabalho e o lidar com os clientes, nomeadamente o que se associa ao erro na tomada de decisão e os da falta de tempo para realizar a tarefa adequadamente e sobrecarga, são os que desencadeiam mais stress, sendo apenas ultrapassados pelos aspetos remuneratórios. O item que apresenta menor valor médio face ao stress é a falta de apoio social e emocional fora do local de trabalho (família, amigos) (M=1,45; d.p.=1,05), depreendendo-se que, neste grupo de participantes, a falta de apoio fora do local de trabalho apresenta o menor contributo para desencadear stress nos profissionais de saúde.

Com base nas respostas obtidas às 25 questões incluídas no QSPS foram elaboradas 6 subescalas (Tabela 1) com o intuito de aferir o tipo de fontes de stress com maior expressividade na amostra. Os valores de Alpha de Cronbach, nas 6 subescalas de stress variaram entre 0,704 (Lidar com os clientes) e 0,876 (Carreira e remuneração), significando que existe um bom índice de confiabilidade na escala aplicada em todas as dimensões. Os resultados obtidos permitem constatar que as três dimensões mais associadas ao stress dos profissionais de saúde neste grupo de participantes são: a carreira e remuneração (M=2,62; d.p.=0,83), o excesso de trabalho (M=2,60; d.p.=0,78) e lidar com os clientes (M=2,49; d.p.=0,65). Nas restantes, as relações profissionais surgem de seguida (M=2,16; d.p.=0,81), depois a dimensão ações de formação (M=1,94; d.p.=0,88) e finalmente os problemas familiares (M=1,84; d.p.=0,87).

 

No que diz respeito às estratégias de coping, os resultados obtidos através da escala Brief COPE revelaram que as mais valorizadas pelos participantes foram: tomar medidas para tentar melhorar a situação (M=2,17; d.p.=0,60); tentar encontrar uma estratégia que ajude o inquirido no que tem que fazer (M=2,17; d.p.=0,46); tentar analisar a situação de maneira diferente, de forma a torná-la mais positiva (M=2,09; d.p.=0,55); concentrar os esforços para fazer alguma coisa que permita enfrentar a situação (M=2,05; d.p.=0,54) e pensar muito sobre a melhor forma de lidar com situação (M=2,01; d.p.=0,52). Quanto às estratégias de coping menos utilizadas, destacam-se: refugiar-se no álcool ou noutras drogas (comprimidos, etc.) para se sentir melhor (M=0,05; d.p.=0,28) e o uso álcool ou outras drogas (comprimidos) para ajudar a ultrapassar os problemas (M=0,04; d.p.=0,26).

Na Tabela 2 são apresentados os resultados das 14 dimensões relativas às formas de lidar com o stress que decorrem da escala Brief COPE. De entre as diferentes formas de coping destacam-se: o coping ativo (M=2,11; d.p.=0,44); o planear (M=2,09; d.p.=0,39) e a reinterpretação positiva (M=2,04; d.p.=0,48).

Na estratégia de coping relacionada com o planeamento registaram-se diferenças estatisticamente significativas entre homens (M=1,85) e mulheres (M=2,14) (U=345,0; p=0,040). Também ao nível da utilização do suporte emocional como estratégia de coping se registaram diferenças estaticamente significativas (U=303,6; p=0,017) entre homens (M=1,35) e mulheres (M=1,85).

Relativamente à idade verificou-se uma correlação estatisticamente significativa relativamente ao recurso à religião (r=0,244; n=84; p=0,025) e ao suporte instrumental (r=-0,252; n=85; p=0,0,20).

Os valores apresentados na Tabela 3 , relativos aos coeficientes de correlação entre as as fontes de stress e as estratégias de coping, permitem identificar correlações entre as várias das variáveis consideradas.

Os resultados obtidos revelam associações, estatisticamente significativas, de baixa intensidade e de sentido negativo entre a estratégia de coping reinterpretação positiva e as fontes de stress lidar com os clientes (r=-0,233) e as relações profissionais (r=-0,350). Segue a mesma tendência a relação entre a estratégia de coping aceitação com as fontes de stress carreira e remuneração (r=-0,258), relações profissionais (r=-0,267). Foi possível identificar associações, estatisticamente significativas, de sentido positivo entre a fonte de stress relacionada com ações de formação e as estratégias de coping aceitação (r=0,227) e uso de substâncias (r=0,235). De igual modo, o stress relacionado com o lidar com os clientes surge associado à estratégia de coping auto culpabilização (r=0,270). De entre as várias tendências identificadas destaca-se o modo como o desinvestimento comportamental apresenta associação estatisticamente significativa, de sentido positivo, com todas as fontes de stress consideradas no estudo.

 

Discussão

Horários longos de trabalho, excesso de trabalho, sobrecarga, pressões de tempo, falta de tempo para realizar a tarefa adequadamente, elevadas expetativas de rendimento que tornam a margem de erro mínima, lidar com os clientes e carreira e remuneração, foram identificadas como fontes de stress pelos participantes envolvidos no estudo, corroborando a evidência apresentada (Costa e Pinto, 2017; Gomes, 2014; Khamisa et al., 2015; Pinho, 2015).

Entre os resultados obtidos nesta investigação, destaca-se a forma como os profissionais de saúde incluídos na amostra identificam a carreira e a remuneração como os principais fatores geradores de stress que os afetam. Numa outra investigação Silva et al. (2017) salientam o forte impacto que um cenário desfavorável relativamente ao plano de carreira e ao salário tem na desmotivação dos profissionais. Em sentido contrário, os problemas familiares foram considerados, pelos participantes, como a fonte de stress com menor impacto no desempenho profissional. Apesar de em outras investigações (Khamisa et al., 2015) se salientar a importância da esfera doméstica como um fator a considerar em estudos sobre o stress profissional, os resultados obtidos nesta amostra revelam que a sua importância é relativizada quando comparada com os fatores intrínsecos ao trabalho. Uma análise atenta sobre as fontes de stress que afetam a população em estudo permite observar a existência de uma diversidade de potenciais fontes de tensão. Os dados obtidos corroboram as conclusões de outros estudos que evidenciam a particular vulnerabilidade dos profissionais de saúde ao stress ocupacional. A diversidade e especificidade de problemas que afetam estes profissionais, como a sobrecarga de trabalho e os aspetos associados à carreira e remuneração, contribuem para a ocorrência de situações de stress que, quando não avaliadas e diagnosticadas, podem repercutir-se na qualidade da prestação de cuidados.

Quanto às estratégias de coping mais valorizadas pelos participantes destacam-se o coping ativo; o planear; a reinterpretação positiva; a aceitação e o suporte emocional e instrumental, de um total de 14 dimensões, apontando para o que foi evidenciado por Costa e Pinto (2017) e Russo et al. (2017). O uso de substâncias foi a dimensão menos referida. Na estratégia de coping relacionada com o planeamento e a utilização do suporte emocional, registaram-se diferenças estatisticamente significativas entre homens e mulheres, evidenciando que as mulheres apresentam maior tendência para planear e necessitam de mais suporte emocional comparativamente aos homens. A estratégia de coping encontrada na literatura que faz alusão à questão de auto eficácia não foi avaliada pelo instrumento em causa apesar de surgir como fator protetor para os profissionais de saúde (Costa e Pinto, 2017; Fallatah et al., 2017; Fida et al., 2018; Pisanti et al., 2015). Tal pode ser considerado como uma limitação mas também uma oportunidade de melhoria no futuro em outros estudos de investigação.

As estratégias de enfrentamento mais referidas pelos inquiridos são reveladoras de um comportamento tendencialmente proactivo perante as situações de stress. Os resultados obtidos salientam, assim, a predominância entre os profissionais de saúde de estratégias de natureza resolutiva e com potencial adaptativo positivo perante as situações críticas.

 

Conclusão

Identificaram-se como fontes principais de stress: carreira e remuneração, excesso de trabalho e lidar com os clientes e como estratégias de coping: o coping ativo, planear e reinterpretação positiva, acompanhando a evidência. O desinvestimento comportamental foi a estratégia de coping com maior associação às fontes de stress.Concluímos que, do exposto, deriva uma resposta relativamente consensual face ao stress em profissionais de saúde: o impacto negativo nesta, em particular na saúde mental, com as consequências adversas no que concerne a todo o processo de governação clínica, sendo premente a operacionalização de programas/intervenções organizacionais individuais e/ou grupais dirigidas ao desenvolvimento de estratégias de coping segundo várias abordagens, visando o diagnóstico de situação particular de acordo com a especificidade de cada organização/contexto.

 

Implicações Para a Prática Clínica

Apontam-se como benefícios que podem derivar do estudo a aplicação prática da avaliação diagnóstica no sentido de criar projetos de atuação junto dos profissionais de saúde dando resposta às necessidades identificadas/avaliadas e o contributo para a divulgação de evidência e reforço de dados, com vista à melhoria de práticas de qualidade, e o apostar no bem-estar dos profissionais de saúde. Seria interessante replicar o estudo com amostra maior e em diferentes contextos, de forma a concretizar o referido atrás. Também a hipótese de aplicar diferentes instrumentos relacionados com as estratégias de coping explorando a questão da auto eficácia, dado que surge como fator protetor.

 

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Recebido em 30 de dezembro de 2018

Aceite para publicação em 29 de março de 2019

 

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