SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número21A psicoterapia como competência acrescida avançada em enfermagemSíndrome de burnout e estilo de vida em estudantes de ensino médio índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

versão impressa ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.21 Porto jun. 2019

https://doi.org/10.19131/rpesm.0232 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Adaptação da Escala de Avaliação da Espiritualidade em mulheres grávidas

 

Adaptation of the Spirituality Rating Scale for pregnant women

 

Adaptación de la Escala de Espiritualidad para mujeres embarazadas

 

Carolina Henriques*, Elisa Caceiro**, Maria Luísa Santos***, & Sónia Ramalho****

*Pós-doutorada em Ciências da Saúde; Professora Adjunta e Subdiretora no Instituto Politécnico de Leiria, Escola Superior de Saúde, Morro do Lena-Alto do Vieiro, Apartado 4137, 2411-901 Leiria, Portugal. E-mail: carolina.henriques@ipleiria.pt

** Especialista em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica; Professora Adjunta no Instituto Politécnico de Leiria, Escola Superior de Saúde, 2411-901 Leiria, Portugal. E-mail:elisa.caceiro@ipleiria.pt

***Especialista em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica; Professora Adjunta no Instituto Politécnico de Leiria, Escola Superior de Saúde, 2411-901 Leiria, Portugal. E-mail: lsantos@ipleiria.pt

****Doutorada em Psicologia; Professora Adjunta no Instituto Politécnico de Leiria, Escola Superior de Saúde, 2411-901 Leiria, Portugal. E-mail: sonia.ramalho@ipleiria.pt

 

RESUMO

INTRODUÇÃO: Cada vez mais a espiritualidade tem vindo a integrar os cuidados de saúde, pela crescente necessidade de compreender o Ser Humano na sua globalidade. A espiritualidade é vista como um mecanismo de coping, favorecendo o seu suporte social e emocional.

OBJETIVO: Conhecer as caraterísticas sociodemográficas e obstétricas das grávidas inscritas em instituições hospitalares portuguesas; avaliar o nível de espiritualidade das grávidas; proceder à adaptação da Escala de Avaliação da Espiritualidade em mulheres grávidas portuguesas.

MÉTODOS: Desenvolveu-se uma pesquisa descritiva, procedendo-se simultaneamente à adaptação da Escala de Avaliação da Espiritualidade dirigida a uma amostra de mulheres grávidas portuguesas.

RESULTADOS: Participaram 464 grávidas que possuíam uma média de idades 31,56 anos de idade (dp= 5,129), 74,5% eram casadas, 51,3% viviam em meio urbano, 38,4% tinham o ensino básico, 94,6% viviam com o pai do futuro filho, 80% referiram não ter dificuldades económicas e 89,6% eram católicas. Revelaram um nível de espiritualidade de 15,39 (dp= 2,88), acima do valor médio da escala (Xmed=12,5). Observou-se que o Kaiser-Meyer-Olkin indicou um índice de 0,683, e o teste de esfericidade de Bartlett's foi amplamente significante (p<0.001). Obtivemos melhores resultados com uma matriz de um fator, em que a mesma explica cerca de 55,58% do fenómeno em estudo. O instrumento apresenta uma boa consistência interna (a de Cronbach de 0,799).

CONCLUSÕES: O instrumento parece-nos fiável e válido para avaliar a dimensão espiritual numa população específica como as mulheres grávidas, sendo que estas revelam um nível de espiritualidade acima do valor médio da escala.

Palavras-Chave: Espiritualidade; Grávidas; Mulheres

 

ABSTRACT

BACKGROUND: Increasingly, spirituality has been integrating health care through the growing need to understand the Human Being as a whole. Spirituality is seen as a mechanism of coping, favoring their social and emotional support.

AIM: To know the sociodemographic and obstetric characteristics of pregnant women enrolled in Portuguese hospitals; Assess the level of spirituality of pregnant women; Adapt the Spirituality Assessment Scale in Portuguese pregnant women.

METHODS: A descriptive research was developed, simultaneously adapting the Spirituality Assessment Scale directed to a sample of Portuguese pregnant women.

RESULTS: 464 pregnant wome had a mean age of 31.56 years (dp = 5.129), 74.5% were married, 51.3% lived in an urban setting, 38.4% had basic education, 94, 6% lived with the father of the future child, 80% reported having no economic difficulties and 89.6% were Catholic. They revealed a level of spirituality of 15.39 (dp = 2.88), above the average value of the scale (Xmed = 12.5). It was observed that Kaiser-Meyer-Olkin indicated an index of 0.683, and Bartlett's sphericity test was largely significant (p <0.001). We obtained better results with a one-factor matrix, in which it explains about 55.58% of the phenomenon under study. The instrument has good internal consistency (Cronbach's of 0.799).

CONCLUSION: The questionnaire seems to be reliable and valid for assessing spirituality in a population as specific as pregnant women, which reveal a level of spirituality above the average value of the scale.

Keywords: Spirituality; Pregnant women; Women

 

RESUMEN

CONTEXTO: Cada vez más la espiritualidad ha venido a integrar la atención de salud, por la creciente necesidad de comprender al Ser Humano en su globalidad. La espiritualidad es vista como un mecanismo de coping, favoreciendo su apoyo social y emocional.

OBJETIVO: Conocer las características demográficas y obstétricas de las mujeres embarazadas inscritas en los hospitales portuguesas; Evaluar el nivel de espiritualidad de las embarazadas; Adaptar la Escala de Espiritualidad en mujeres embarazadas portuguesas.

MÉTODOS: Un estudio descriptivo se llevó a cabo, procediendo al mismo tiempo la adaptación de la Escala de Espiritualidad dirigida a una muestra de mujeres embarazadas portuguesas.

RESULTADOS: Participaron 464 embarazadas que poseían una media de edades 31,56 años de edad (dp = 5,129), el 74,5% estaban casadas, el 51,3% vivían en medio urbano, el 38,4% tenía la enseñanza básica, 94, El 6% vivía con el padre del futuro hijo, el 80% dijo que no tenía dificultades económicas y el 89,6% eran católicas. Revelaron un nivel de espiritualidad de 15,39 (dp = 2,88), por encima del valor medio de la escala (Xmed = 12,5). Se observó que el Kaiser-Meyer-Olkin indicó un índice de 0,683, y la prueba de esfericidad de Bartlett's fue ampliamente significante (p <0.001). Hemos obtenido mejores resultados con una matriz de un factor, en la que la misma explica alrededor del 55,58% del fenómeno en estudio. El instrumento presenta una buena consistencia interna (a de Cronbach de 0,799).

CONCLUSIÓN: El cuestionario nos parece fiable y válido para evaluar la espiritualidad en una población tan específica como las mujeres embarazadas, siendo que estas revelan un nivel de espiritualidad por encima del valor medio de la escala.

Palabras Clave: Espiritualidad; Embarazadas; Mujeres

 

Introdução

A espiritualidade está presente desde o período pré-natal (Burkhardt, 1991). É neste período que o indivíduo começa a formar a sua espiritualidade, desenvolvendo-a através da vida e da cultura em que está inserido. Assim sendo, a espiritualidade vai-se construindo consoante os contextos socioculturais e históricos, estruturando e atribuindo significado a valores, comportamentos e experiências humanas (Pinto & Pais-Ribeiro, 2007).

Uma vez que a definição de espiritualidade depende das experiências de cada um, é possível encontrar várias definições. Para Lucas (2011), a espiritualidade, sendo inerente ao ser humano, constitui um processo dinâmico que simboliza a relação do indivíduo com o mundo, com o outro e com ele próprio, influenciando assim, o modo como ele atribui significado aos eventos que ocorrem na sua vida. Já Pehler (1997), acerca da mesma temática, refere que ela envolve uma complexidade de sentimentos, pensamentos e atitudes acerca do lugar do indivíduo no mundo, incluindo a capacidade de ser responsável, compreender o significado de confiança, da existência, da possibilidade de ser melhor e de pensar nas consequências das ações.

Se para algumas mulheres a gravidez é entendida como uma situação normalizadora do seu desenvolvimento enquanto mulher, para outras, a gravidez carrega consigo eventos geradores de stress, provocando diminuição do bem-estar mental.

A depressão é um importante distúrbio de saúde mental, sendo que em mulheres grávidas a sintomatologia depressiva pode variar entre 5%-16% numa gravidez de baixo risco e entre 24%-27% nas mulheres com uma gravidez de alto risco (Dagklis et al., 2016).

Alguns estudos apontam que a dimensão espiritual é utilizada para ajudar a lidar com situações limitadoras da vida do ser humano (Lucero, Pargament, Mahoney, & DeMaris, 2013; Puente, Morales & Monge, 2015), podendo melhorar a saúde física, bem-estar psicológico e qualidade de vida, no entanto, relativamente ao processo gravídico os estudos escasseiam.

Panzini, Rocha, Bandeira e Fleck (2007), relativamente à espiritualidade, acrescentam que esta pode ser entendida como a busca do indivíduo por respostas compreensíveis para questões existenciais sobre a sua vida e o seu significado.

No estudo elaborado por Price et al. (2007) intitulado “A experiência espiritual das mulheres com gravidez de alto risco” realizado com doze mulheres com gravidez de alto risco de uma unidade de cuidados pré-natais, teve como objetivo descobrir as crenças espirituais e práticas religiosas das mulheres em situação de gravidez de alto risco. Ao longo do estudo os autores constataram que a gravidez de alto risco é um processo difícil de lidar, acarretando para a mulher e para a sua família sentimentos de angústia, desespero e medo. Price et al. (2007, p.66) refere “o que foi visto como uma experiência de reaproximação da família perante o nascimento de um filho tornou-se numa situação assustadora, fazendo-os sentir ansiosos e sozinhos”.

No estudo de Henriques (2013) centrado na temática “Vinculação Pré-Natal e Espiritualidade em Grávidas Toxicodependentes” desenvolvido com uma amostra de 103 grávidas toxicodependentes que frequentavam as consultas de vigilância da gravidez em maternidades centrais de Lisboa e Coimbra e em grupamentos de centro de saúde, procurou entender o processo de vinculação pré-natal da grávida toxicodependente nomeadamente no que diz respeito aos fatores facilitadores e/ou inibidores deste processo. Com os dados obtidos, a autora concluiu que os fatores favoráveis ao processo de vinculação pré-natal da grávida toxicodependente com o seu bebé são: “o estado civil, as pessoas com quem as grávidas coabitam, o número de consultas de vigilância pré-natal realizadas, o planeamento da gravidez, o desejo da gravidez, a frequência de aulas de preparação para o parto e, finalmente, a espiritualidade destas mulheres” (Henriques, 2013, p.4).

Vitorino et al. (2018) mostra-nos que poucos são os estudos que se debruçam sobre o papel das estratégias espirituais/religiosas no bem-estar das grávidas, sendo que, a dimensão espiritual pode estar associada a melhores condições físicas e mentais dos indivíduos em geral. Desta forma, estes investigadores procuraram investigar o papel da dimensão espiritual sobre os sintomas depressivos em grávidas de alto e baixo risco, através de um estudo comparativo transversal. O estudo desenvolvido por estes investigadores incluiu 160 grávidas, em que 80 grávidas tinham uma gestação de baixo risco e 80 uma gestão de alto risco, utilizando para a colheita de dados um questionário estruturado sobre aspetos sociodemográficos e obstétricos, o Inventário de depressão de Beck e a escala abreviada de espiritualidade. A análise de regressão linear foi utilizada para identificar os fatores associados às estratégias positivas (ajudar as pessoas a lidar com problemas através da ajuda uma figura religiosa ou outra entidade, literatura espiritual; música) e estratégias negativas da espiritualidade (pode manifestar-se pelo questionamento do poder de Deus, punição e dúvidas religiosas) em ambos os grupos de grávidas.

Alterações fisiológicas e psicossociais relacionadas à gravidez podem afetar o corpo e causar sintomas que podem afetar a qualidade de vida. O estudo realizado por Farideh, Fatemeh e Nourossadat (2017) teve como objetivo explorar os fatores que afetam a qualidade de vida de mulheres grávidas através de um descritivo qualitativo com recurso à análise de conteúdo numa amostra intencional de dezasseis mulheres iranianas grávidas em Hamadan, Irão, entre maio e dezembro de 2015. Da análise dos dados resultaram três categorias principais (Farideh et al., 2017), nomeadamente, os efeitos da gravidez em diferentes aspetos da saúde física (desempenho de atividades diárias, imagem corporal perturbada, alterações nas relações sexuais, distúrbios físicos, alterações hábitos alimentares e regimes de tratamento), preocupações relacionadas à gravidez (em relação ao feto, problemas financeiros, parto, saúde e futuro) e lidar com a gravidez (por meio de estratégias como a espiritualidade, atitude positiva em relação à gravidez, distração e imaginação e suporte). Desta forma, pela análise destes resultados, salientamos que para estas mulheres grávidas a espiritualidade, enquanto dimensão impulsionadora de um sentido para a vida, é um recurso para lidar e ultrapassar dificuldades associadas ao processo gravídico.

Sabendo que a espiritualidade sempre esteve presente na vida do ser humano, principalmente quando os indivíduos estão perante situações de vida complexas, tal como o processo de transição para a maternidade (Henriques, 2013), motivados pelo interesse neste domínio, pretendemos com a realização deste estudo, para além de conhecer as caraterísticas sociodemográficas e obstétricas das grávidas e avaliar o nível de espiritualidade destas, proceder à adaptação da Escala de Avaliação da Espiritualidade para uma população especifica como é o caso das mulheres grávidas.

 

Métodos

Este estudo, inserido num projeto de investigação mais amplo, designado ‘Espiritualidade na Mulher Grávida – Impacto de uma Intervenção Complexa de Enfermagem', procurou conhecer as caraterísticas sociodemográficas e obstétricas das grávidas inscritas em instituições hospitalares portuguesas, avaliar o nível de espiritualidade e proceder à adaptação da Escala de Avaliação da Espiritualidade em mulheres grávidas portuguesas, adaptando-a assim a um contexto diferente da versão original. No presente estudo recorremos a um instrumento de colheita de dados, composto por duas partes distintas. A primeira parte relativa a questões sociodemográficas e obstétricas e a segunda parte integra a Escala de Avaliação da Espiritualidade de Pinto e Pais Ribeiro (2007).

Segundo Pinto e Pais-Ribeiro (2007, p.47) “a espiritualidade constrói-se nos contextos socioculturais e históricos, estruturando e atribuindo significado a valores, comportamentos, experiências humanas e por vezes materializa-se na prática de um credo religioso específico”. Os mesmos autores referem que “a dimensão espiritual é uma dimensão importante da existência do ser humano, desde os primórdios da humanidade”. Estando a sua “relevância nos contextos de saúde relacionada com a preocupação crescente em compreender o Homem na sua globalidade” (Pinto e Pais-Ribeiro, 2007, p.47).

A escala é constituída por cinco itens e cada item tem quatro possibilidades de resposta. “As respostas são dadas numa escala de Likert com quatro alternativas (de “1” a “4”), entre “não concordo” a “plenamente de acordo”. A escala pontua de 5 (Xmin.) a 20 (Xmax.), onde scores mais altos correspondem a uma maior espiritualidade. Na versão original, após rotação, o 1º fator integra os itens que traduzem a valorização das crenças espirituais / religiosas na atribuição de sentido à vida (itens 1 e 2). O fator 2 integra itens que correspondem a um sentido positivo da vida norteado pela perspetiva do futuro com esperança (item 3), e numa redefinição de valores de vida (itens 4 e 5). Os fatores foram denominados do seguinte modo: o primeiro fator “crenças”; o segundo fator “esperança / otimismo”. A utilização da referida escala foi obtida através do contacto entre o investigador coordenador deste estudo e o autor da mesma. Foram tidos em conta todos os procedimentos formais e éticos, nomeadamente a autorização para o desenvolvimento do estudo pela comissão nacional de proteção de dados (CNPD) e de cinco comissões de ética das instituições de cuidados de saúde parceiras onde este se realizou. Foi ainda elaborado e aplicado a todas as mulheres o termo de consentimento de participação voluntária na investigação.

O estudo foi aplicado, numa amostra não probabilística de conveniência, a 464 mulheres grávidas nos diferentes trimestres de gravidez, que aceitaram participar voluntariamente na investigação, com uma faixa etária entre os 19 e os 45 anos de idade que soubessem ler e escrever em português, cumprindo assim os critérios de inclusão previamente definidos. O acesso a estas mulheres realizou-se em instituições hospitalares parceiras da região norte e centro de Portugal, através da recolha de dados nos serviços de urgência obstétrica, consulta externa de obstetrícia e cursos de preparação para o parto e parentalidade.

 

Resultados

No nosso estudo participaram 464 grávidas, com uma média de idade 31,56 anos (dp= 5,129), 74,5% eram casadas, 51,3% viviam em meio urbano e 38,4% tinham o ensino básico.

 

 

Quanto à religião, 89,2% eram católicas, 10,8% professavam outra religião e 2,4% referiram ser agnósticas. As grávidas eram 94,4% Portuguesas e 5,6% tinham outra nacionalidade (Guineense, Cabo Verdiana, Belga, Ucraniana, Moldava, Brasileira e Angolana), viviam com familiares 95,2% e 4,7% viviam sozinhas, 94,6% viviam com o pai do futuro filho, 80% referiram não ter dificuldades económicas e 2,6% usufruíam de subsídio social.

Quanto à situação profissional, 60,6% estavam ativas, 17,8% estavam de baixa por doença e 21,6% desempregadas.

Da amostra, 52,4% estiveram grávidas anteriormente e 16,8% apresentaram complicações na gravidez (pré-eclampsia, aborto, diabetes gestacional, hipertensão arterial e prematuridade), 4,7% fizeram tratamento de fertilidade e 76,5% planearam a gravidez. Realizaram a vigilância da gravidez 76,9% em contexto público, 9,9% em contexto privado e 13,2% em contexto público e privado.

Evidenciaram um nível de espiritualidade de 15,39 (dp= 2,88), acima do valor médio da escala (Xmed=12,5), 35,8% concordavam bastante que as crenças espirituais/religiosas dão sentido à vida, 39,9% concordavam bastante que a fé e crenças lhes dão forças nos momentos difíceis, 46,6 % viam o futuro com esperança, 48,1% concordavam bastante que a vida mudou para melhor e 54,3% concordavam plenamente que aprenderam a dar valor às pequenas coisas da vida.

 

 

No que concerne à Escala de Avaliação da Espiritualidade para avaliar as suas qualidades psicométricas efetuou-se o estudo de fidelidade e de validade. A fidelidade é avaliada através de um coeficiente de correlação (r) variando numa escala de 0,00 (ausência de correlação) para 1,00 (correlação perfeita), caso o coeficiente se aproximar de 1,00, podemos referir que o instrumento gera poucos erros e é considerado altamente fiel (Henriques, Pereira & Sousa, 2012). Procedemos à determinação dos valores dos coeficientes de fidelidade estandardizados para toda a escala, incluindo os 5 itens, tendo obtido um alfa estandardizado de 0,799.

Entendendo que a validade de um instrumento de medida diz respeito à possibilidade desse mesmo instrumento medir claramente o que se propõe medir, isto é, o grau de precisão desse instrumento (Henriques, Pereira & Sousa, 2012). Assim, procedemos à avaliação da validade de construto através da análise fatorial, identificando a existência de fatores no instrumento e de que forma cada um destes interfere para o todo do instrumento. Respeitados os critérios metodológicos, os 5 itens da escala foram incluídos na análise fatorial, determinando-se o Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o teste de esfericidade de Bartlett's, medindo o nível de adequação dos dados para a análise fatorial.

Tabela 3

Verifica-se que o Kaiser-Meyer-Olkin indicou um índice de 0.683, e o teste de esfericidade de Bartlett's foi amplamente significante (p <0.001). Face a estes resultados, procedeu-se à análise fatorial em componentes principais com rotação ortogonal pelo método de Varimax.

Pela análise efetuada, obtivemos melhores resultados com uma matriz de um fator, em que a mesma explica cerca de 55,58% do fenómeno em estudo.

 

Discussão

Este estudo teve como objetivos conhecer as caraterísticas sociodemográficas e obstétricas das grávidas inscritas em instituições hospitalares portuguesas, avaliar o nível de espiritualidade e proceder à adaptação da Escala de Avaliação da Espiritualidade em mulheres grávidas portuguesas, adaptando-a assim a um contexto diferente da versão original.

Participaram 464 mulheres grávidas nos diferentes trimestres de gravidez, com uma faixa etária entre os 19 e os 45 anos de idade inscritas nas instituições parceiras da região norte e centro de Portugal, dos serviços de urgência obstétrica, consulta externa de obstetrícia e cursos de preparação para o parto e parentalidade.

As grávidas tinham uma média de idades de 31,56 anos de idade (dp= 5,129), 51,3% viviam em meio urbano, 94,6% viviam com o pai do futuro filho, 80% referiram não ter dificuldades económicas. Relativamente ao estado civil, nível de escolaridade e religião, 74,5% eram casadas, 38,4% tinham o ensino básico e 89,2% eram católicas.

Vitorino et al. (2018), a média de idades das 80 participantes com uma gravidez de alto risco foi de 27,1 anos e de 25,7 anos para as mulheres com uma gravidez de baixo risco. No que concerne ao estado civil, em ambos os grupos de mulheres grávidas, a maioria eram casadas (63,8% nas mulheres com uma gravidez de alto risco e 76,3% nas mulheres com uma gravidez de baixo risco). Não existem dados neste estudo que nos permitam confrontar as variáveis relativas à escolaridade e religiosidade.

Face à questão que estes autores colocaram em relação à perceção do estatuto social, 107 das 160 participantes, consideraram o seu estatuto social como bom, indicando ainda que possuíam um grande apoio por parte do companheiro (97,5% nas mulheres com uma gravidez de risco e 91,3% nas mulheres com uma gravidez de baixo risco), já em relação ao suporte social, 27 mulheres com uma gravidez de alto risco indicaram que não tinham suporte de amigos, em semelhança a 23 mulheres com uma gravidez de baixo risco.

Na investigação de Puente, Morales e Monge (2015), participaram 285 mulheres espanholas, com idades compreendidas entre os 22 e 42 anos de idade (M = 31,31, DP = 4,09) anos, durante a primeira metade da gravidez (M = 14,41, DP = 2,08). 27,5% possuíam o ensino obrigatório e 27,1% ensino superior. A maioria das mulheres (65,1%) estava empregada no momento da colheita de dados. 50,5% eram primíparas, em 82,8% dos casos, a gravidez foi planeada e 27,7% das mulheres tiveram abortos prévios.

No nosso estudo, as mulheres evidenciaram um nível de espiritualidade de 15,39 (dp= 2,88), acima do valor médio da escala (Xmed=12,5). Relativamente as dimensões da Escala de Avaliação de Espiritualidade de Pinto e Pais-Ribeiro (2007), observámos que 35,8% das mulheres grávidas concordavam bastante que as crenças espirituais/religiosas dão sentido à vida, 39,9% concordavam bastante que a fé e crenças lhes dão forças nos momentos difíceis, 48,1% concordavam bastante que a vida mudou para melhor. Na nossa amostra, 46,6 % concordavam bastante que veem o futuro com esperança, e 54,3% concordavam plenamente que aprenderam a dar valor às pequenas coisas da vida.

Não nos é possível confrontar estes dados considerando o mesmo contexto específico que é o do processo gravídico, no entanto, no estudo de Vitorino et al. (2018) os resultados mostram que o uso de estratégias positivas da espiritualidade foi alto em mulheres grávidas, ao contrário da utilização de estratégias negativas, quer nas mulheres com uma gravidez de alto risco, quer de baixo risco, sendo que o uso de estratégias negativas

Para Puente, Morales e Monge (2015) parece que o coping espiritual não é uma estratégia comum na gravidez normal, pelo menos na amostra de grávidas espanhola estudada por estes autores, sendo que o locus de controle tem um papel mais influente na saúde mental das mulheres grávidas do que a espiritualidade.

Relativamente ao estudo por nós realizado, em virtude do instrumento utilizado ainda não ter sido submetido a nenhum estudo psicométrico no contexto específico da gravidez, não nos é possível fazer comparações, no entanto, é possível verificar que os resultados indicam que este apresenta boas caraterísticas psicométricas, parecendo-nos fiável (alfa Cronbach = 0,799), e válido (Kaiser-Meyer-Olkin indicou um índice de 0.683, e o teste de esfericidade de Bartlett's foi amplamente significante p <0.001), para avaliar a espiritualidade numa população tão específica como são as mulheres grávidas.

Pinto e Pais-Ribeiro (2007), no estudo da fidelidade do instrumento obtiveram uma consistência interna para a dimensão das crenças de 0,92 e da esperança/otimismo de 0,69. A consistência interna para a escala global foi de 0,74, ligeiramente inferior à por nós obtida.

Pela análise efetuada, obtivemos melhores resultados com uma matriz de um fator, em que a mesma explica cerca de 55,58% do fenómeno em estudo, ao contrário da versão original da escala, em que uma matriz de dois fatores (crenças; esperança/otimismo) explica 75,23 da variância total para os contextos de saúde.

 

Conclusões

Os estudos recentes salientam a importância da espiritualidade neste momento de transição na vida da mulher. Neste estudo, as mulheres revelaram um nível de espiritualidade acima do valor médio da escala. Observámos também que atribuíram um grande significado ‘às crenças espirituais/religiosas como dando sentido à vida', que a ‘fé e crenças lhes deram forças nos momentos difíceis', que ‘a vida mudou para melhor' e que ‘viram o futuro com esperança', concordando plenamente que aprenderam a dar valor às pequenas coisas da vida. Os resultados parecem indicar que o instrumento tem uma boa consistência interna, parecendo-nos fiável e válido para avaliar a espiritualidade em mulheres grávidas.

A gravidez, sendo uma fase de transição na vida da mulher e família, constituindo-se como um período de imprevisibilidade e vulnerabilidade, as mulheres grávidas tendem a procurar mecanismos internos para se ajustarem e adaptarem ao processo gravídico.

A avaliação dessas crenças e da dimensão espiritual pode ser útil para os enfermeiros obstetras e enfermeiros especialistas em saúde mental com vista ao desenvolvimento de intervenções de enfermagem integrativas do sentido positivo para a vida nestas mulheres.Por todas estas razões, pensamos que este instrumento poderá ser utilizado em novos estudos, já que a investigação neste domínio escasseia, enfatizando que a dimensão espiritual seja tida como foco de atenção da prática clínica em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica e de Saúde Mental.

 

Implicações para a Prática Clínica

Considerando estes aspetos, o cuidado de enfermagem surge voltado para uma maior sensibilização, consciencialização e humanização, identificando no cliente fatores que indiquem que a pessoa está a vivenciar um processo de transição, com a finalidade de facilitar estes eventos, para que esta seja mais saudável possível, emergindo assim, um cuidado de enfermagem transicional.

O cuidado transicional de enfermagem conduz à busca de um modelo mais humanista, de totalidade do ser, de integralidade, de interdisciplinaridade, e só pelo seu conhecimento teremos capacidade para definir focos específicos de atenção dos enfermeiros, tal como o desenvolvimento de intervenções de enfermagem a implementar.

 

Referências Bibliográficas

Burkhardt, M. A. (1991).Spirituality and Children: Nursing Considerations. Journal of holistic nursing, 9 (1), 31-40. Doi: 10.1177/089801019100900204        [ Links ]

Dagklis, T., Papazisis, G., Tsakiridis, I.,Chouliara, F., Mamopoulos, A., & Rousso, D. (2016). Prevalence of antenatal depression and associated factors among pregnant women hospitalized in a high-risk pregnancy unit in Greece. Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, 51(7), 1025–1031. Doi: 10.1007/s00127-016-1230-7.         [ Links ]

Farideh K., Fatemeh N.& Nourossadat. Exploring factors behind pregnant women's quality of life in Iran: a qualitative study. Electronic Physician 9(12), 5991-6001. Doi: 10.19082/5991.         [ Links ]

Henriques, C. (2013). Vinculação Pré-Natal e Espiritualidade em Mulheres Gravidas Toxicodependentes. Lisboa: Editora Bubok.         [ Links ]

Henriques, C., Pereira H. & Sousa J. (2012). Adaptação para a população portuguesa da escala - Perceptions of Empowerment in Midwifery Scale (PEMS). Medwave,12(9):e5532. Doi: 10.5867/medwave.2012.09.5532.         [ Links ]

Lucas, M.F. (2011).Cuidar da vertente espiritual em enfermagem: que sentido? Cadernos de Saúde, 4 (2), 15-24. Disponível em: http://www.cadernosdesaude.org/files/2011-CS4.2%282%29.pdf        [ Links ]

Lucero, S. M., Pargament, K. I., Mahoney, A., & DeMaris, A. (2013). Links between religious and spiritual coping and adjustment among fathers and mot hers during first pregnancy. Journal of Reproductive and Infant Psychology, 31(3), 309–322. Doi: 10.1080/02646838.2013.798864.         [ Links ]

Panzini, R., Rocha, N., Bandeira, D. & Fleck, M. (2007).Qualidade de vida e espiritualidade. Revista de Psiquiatria clínica, 34 (1), 105-115. Doi: 10.1590/S0101-60832007000700014.         [ Links ]

Pehler, S. (1997). Children's Spiritual Response: Validation of the Nursing Diagnosis Spiritual Distress. International Journal of Nursing Terminologies and Classifications, 8, 55–66. Doi: 10.1111/j.1744-618X.1997.tb00138.x.         [ Links ]

Pinto, C. & Pais-Ribeiro, J. (2007). Construção de uma escala de avaliação da espiritualidade em contextos de saúde. Arquivos de Medicina, 21 (2), 47-53. Disponível em: https://jvilelas.webnode.pt/_files/200000095-65ec16669e/Escala%20de%20Avalia%C3%A7%C3%A3o%20da%20Espiritualidade.pdf        [ Links ]

Price, S., Lake, M., Breen, G., Carson, G., Quinn, C. & O'Connor, T. (2007) The spiritual experience of high-risk pregnancy.Journal of obstetric, gynecologic, and neonatal nursing 36 (1), 63-70. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17238948.         [ Links ]

Puente, C. P., Morales, D. M., & Monge, F. J. C. (2015). Religious coping and locus of control in normal pregnancy: moderating effects between pregnancy worries and mental health. Journal of Religion and Health, 54(5), 1598–1611. Doi: 10.1007/s10943-014-9881-8.         [ Links ]

Vitorino, L. M., Chiaradia, R., Low, G., Preposi C. J., Pargament, K. I., Lucchetti, A. L. G. & Lucchetti, G. (2018). Association of spiritual/religious coping with depressive symptoms in high- and low risk pregnant women. Journal of Clinical Nursing, 27(3/4), 635-642. Doi: 10.1111/jocn.14113.         [ Links ]

 

Recebido em 31 de dezembro de 2017.

Aceite para publicação em 26 de novembro de 2018

 

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons