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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

versión impresa ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.20 Porto dic. 2018

https://doi.org/10.19131/rpesm.0227 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Qualidade de vida, engagement, ansiedade e depressão entre gestores de Unidades da Atenção Primária à Saúde

 

Quality of life, engagement, anxiety and depression among health unit managers of Primary Care Units

 

Calidad de vida, engagement, ansiedad y depresión entre gerentes de Unidades de Atención Primaria

 

Luciano Garcia Lourenção*

*Enfermeiro; Doutor em Ciências da Saúde; Professor Titular-Livre na Universidade Federal do Rio Grande, Escola de Enfermagem, Av. Itália - Carreiros, 96203-900 Rio Grande – RS, Brasil. E-mail: luciano.famerp@gmail.com

 

RESUMO

CONTEXTO: Os profissionais que gerenciam serviços de saúde precisam ter conhecimento e equilíbrio emocional. No entanto, a falta de investimentos em infraestrutura e políticas públicas pode tornar as condições de trabalho precárias e favorecer o adoecimento do trabalhador, comprometendo o funcionamento e a efetividade dos serviços de saúde brasileiros.

OBJETIVO: Avaliar qualidade de vida, engagement, ansiedade e depressão entre gestores das Unidades de Saúde da Família.

MÉTODOS: Estudo transversal com 15 gestores de Unidades de Saúde da Família. Dados coletados com Whoqol-bref (Fleck et al., 2000); Escalas de Ansiedade (BAI) (Gomes-Oliveira et al., 2012) e Depressão de Beck (BDI-II) (Beck et al., 1988); Utrech Work Engagement Scale (UWES) (Vazquez et al., 2015).

RESULTADOS: Idade variou entre 24 e 55 anos. Houve prevalência do sexo feminino (80,0%), sobrepeso ou algum grau de obesidade (20,0%) e casados (53,3%). Tempo médio de atuação na Estratégia Saúde da Família de 2,9 anos. Os escores de qualidade de vida foram superiores a 58,0. O maior escore foi para o domínio Físico (60,8) e o menor escore para o domínio Meio Ambiente (58,4). Observado algum grau de ansiedade em 33,3% e depressão leve em 26,7%. Os profissionais apresentaram nível médio de engagement em todas as dimensões da UWES.

CONCLUSÃO: Os gestores apresentam bom nível de qualidade de vida, com diminuição no domínio Meio Ambiente; os escores de engagement estão no nível médio. Os índices de ansiedade e depressão presentes podem ser decorrentes do desgaste profissional gerado pelo processo de trabalho gerencial.

Palavras-Chave: Qualidade de vida; Saúde mental; Trabalhadores; Atenção primária à saúde

 

ABSTRACT

INTRODUCTION: Professionals that manage health services need to have knowledge and emotional balance. However, lack of investments in infrastructure and public policies can make working conditions precarious and favors sickness of workers, jeopardizing the functioning and effectiveness of Brazilian health services.

AIM: To evaluate quality of life, engagement, anxiety and depression among managers of the Family Health Units.

METHODS: Cross-sectional study with 15 managers of Family Health Units. Data collected with Whoqol-bref (Fleck et al., 2000); Beck Anxiety (BAI) (BAI) (Gomes-Oliveira et al., 2012) and Beck Depression Scales (BDI-II) (Beck et al., 1988); Utrech Work Engagement Scale (UWES) (Vazquez et al., 2015).

RESULTS: Age varied between 24 and 55 years. There was a prevalence of female (80.0%), overweight or some degree of obesity (20.0%) and married (53.3%). Average time in the Family Health Strategy of 2.9 years. The quality of life scores was higher than 58.0. The highest score was for Physical domain (60.8) and the lowest score for Environment domain (58.4). Some degree of anxiety was observed in 33.3% and mild depression in 26.7%. The professionals presented average level of engagement in all dimensions of UWES.

CONCLUSION: Managers have good quality of life, with decline in the Environment domain; the engagement scores are in the mid-level. The rates of anxiety and depression present may be due to the professional burnout generated by the managerial work process.

Keywords: Quality of life; Mental health; Workers; Primary health care

 

RESUMEN

INTRODUCCIÓN: Profesionales que administran servicios de salud necesitan tener conocimiento y equilibrio emocional. Sin embargo, la falta de inversiones en estructura y la creación de políticas públicas pueden hacer las condiciones de trabajo precarias y favorecer la enfermedad del trabajador, comprometiendo el funcionamiento y la efectividad de los servicios de salud brasileños.

OBJETIVO: Evaluar calidad de vida, engagement, ansiedad y depresión entre gerentes de Unidades de Salud de la Familia.

METODOLOGÍA: Estudio transversal con 15 gerentes de Unidades de Salud de la Familia. Los datos fueron recolectados con Whoqol-bref (Fleck et al., 2000); Escala de Ansiedad (BAI) (Gomes-Oliveira et al., 2012) y Depresión de Beck (BDI-II) (Beck et al., 1988); Utrech Work Engagement Scale (UWES) (Vazquez et al., 2015).

RESULTADOS: La edad varía entre 24 y 55 años. La prevalencia del sexo femenino (80,0%), sobrepeso o algún grado de obesidad (20,0%) y casados ​​(53,3%). Tiempo medio de actuación en la Salud de la Familia de 2,9 años. Los escores de calidad de vida fueron superiores a 58,0. El mayor puntaje fue para el dominio Físico (60,8) y el menor puntaje para el dominio Medio Ambiente (58,4). Se observó algún grado de ansiedad en el 33,3% y la depresión leve en el 26,7%. Los profesionales presentaron nivel medio de engagement en todas las dimensiones de la UWES.

CONCLUSIÓN: Los gerentes presentan buen nivel de calidad de vida, con disminución en el dominio Medio Ambiente; los puntajes de engagement están en el nivel medio. Los índices de ansiedad y depresión presentes pueden ser consecuencia del desgaste profesional generado por el proceso de trabajo gerencial.

Palabras Clave: Calidad de vida; Salud mental; Trabajadores; Atención primaria de salud

 

Introdução

Com a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS), no Brasil e a expansão da Estratégia Saúde da Família (ESF), como porta de entrada das pessoas no sistema de saúde, a atuação do gestor da unidade ou serviço de saúde se tornou primordial para a organização dos serviços e das ações de atenção à saúde, assim como para a efetivação das políticas públicas de saúde (Fernandes & Cordeiro, 2018).

Para gerenciar o serviço, o profissional precisa ter conhecimento e equilíbrio emocional. No entanto, a falta de investimentos no sistema de saúde brasileiro torna as condições de trabalho cada vez mais precárias e favorece o adoecimento do trabalhador, comprometendo o funcionamento e a efetividade dos serviços de saúde (Santos, Pestana, Guerrero, Meirelles, & Erdmann, 2013).

O cenário complexo de responsabilidades, sobrecarga de trabalho, novas exigências, fragilidades na infraestrutura e no perfil socioeconômico e sanitário das áreas atendidas repercute na motivação dos gestores (Fernandes & Cordeiro, 2018), e pode causar insatisfação ocupacional, sofrimento emocional e redução na qualidade dos serviços prestados (Morelli, Sapede & Silva, 2015). O que deveria trazer prazer e satisfação ao profissional origina desprazer, sentimento de insignificância, impotência e outros estressores para a saúde e o bem-estar, levando ao adoecimento dos profissionais (Bezerra, 2015).

O trabalho do gestor na Atenção Primária à Saúde (APS) sofre impactos da falta de profissionais qualificados, baixa remuneração, desvalorização profissional e formação desarticulada da APS. Com isso, sinais de cansaço e estresse físico e emocional são comuns entre estes profissionais. O desgaste causa sentimento de incompetência e pode fazer com que o profissional deixe o cargo. Este estresse reflete, ainda, na vida pessoal do profissional, compromete atividades de lazer com a família e amigos, e pode aumentar a agressividade, irritabilidade, fadiga e tristeza, comprometendo a qualidade de vida (Porciuncula, 2015).

Nesse contexto, compreender as condições de saúde mental, qualidade de vida e engagement dos profissionais que gerenciam os serviços de Atenção Primária à Saúde, pode direcionar a reorganização do sistema e auxiliar na prevenção dos problemas de saúde destes profissionais, além de favorecer a criação de estratégias para reestruturação do processo de trabalho, que poderão repercutir positivamente no aumento da produtividade e na qualidade da assistência prestada aos utentes.

Assim, este estudo objetivou avaliar a qualidade de vida e os níveis de engagement, ansiedade e depressão entre gestores das Unidades de Saúde da Família de um município do interior do Estado de São Paulo, Brasil.

 

Métodos

Estudo quantitativo, descritivo, correlacional e transversal, realizado com amostra não probabilística, de conveniência, que incluiu todos os gestores das 15 Unidades de Saúde da Família de um município do interior do Estado de São Paulo, Brasil, que consentiram em participar da pesquisa. Optou-se por esta amostra por tratar-se de profissionais de um município de referência que possui, em seu quadro funcional, o cargo de gestores das unidades de saúde. Embora o tamanho amostral seja limitado, estes profissionais desempenham exclusivamente atividades gerenciais, foco deste estudo.

Para a coleta de dados foram utilizados cinco instrumentos autoaplicáveis: um instrumento elaborado pelo autor, contendo variáveis sociodemográficas e profissionais; a versão abreviada do Instrumento de Avaliação de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde - Whoqol-bref, escolhida por seu caráter transcultural e por ser um instrumento curto, de rápida aplicação, que pode ser utilizado tanto em populações com algum tipo de doença como em populações saudáveis (Fleck et al., 2000); a Escala de Depressão de Beck ou Inventário de Depressão de Beck (BDI-II), por sua capacidade de medir a intensidade da depressão na população geral (Paranhos, Argimon & Werlang, 2010); a Escala de Ansiedade de Beck ou Inventário de Ansiedade de Beck (BAI), por ser capaz de medir a intensidade dos sintomas de ansiedade (Karino & Laros, 2014); e a versão brasileira da Utrech Work Engagement Scale (UWES), capaz de medir a relação positiva do trabalhador com o ambiente laboral (Agnst, Benevides-Pereira & Porto-Martins, 2009).

O Whoqol-bref é formado por 26 questões, com respostas de múltipla escolha em escala Likert. Foi validado para a população brasileira por Fleck et al. (2000), é multidimensional e avalia a qualidade de vida em quatro domínios (24 questões): Físico, Psicológico, Relações Sociais e Ambiente (Fleck et al., 2000). As características psicométricas da versão em português do Whoqol-bref são semelhantes às da amostra do estudo multicêntrico que deu origem ao instrumento. Os dados do teste de campo da versão abreviada em português do Whoqol-bref mostraram que o instrumento apresenta características satisfatórias de consistência interna, validade discriminante, validade de critério, validade concorrente e fidedignidade teste-reteste (Fleck et al., 2000).

A Escala de Depressão de Beck ou Inventário de Depressão de Beck (BDI-II), composta por 21 questões que abordam diversos itens relacionados aos sintomas depressivos como desesperança, irritabilidade e cognições como culpa ou sentimentos de estar sendo punido, assim como sintomas físicos como fadiga, perda de peso e diminuição da libido. A BDI-II foi validada no Brasil por Gomes-Oliveira, Gorenstein, Lotufo Neto, Andrade e Wang (2012) e mostrou-se fidedigna e válida para mensurar sintomatologia depressiva na população brasileira não clínica. Apresentou consistência interna de 0,93; validade concorrente (correlação de 0,63-0,93 com escalas aplicadas simultaneamente) e capacidade preditiva de gravidade (mais de 65% de classificação correta de indivíduos deprimidos) aceitáveis (Gomes-Oliveira et al., 2012). A aplicação do BDI-II seguiu as recomendações do Manual de Escalas Beck (Cunha, 2001). Após leitura das instruções aos participantes do estudo, foi entregue o protocolo do teste para respostas. A correção foi realizada por uma psicóloga e a classificação dos níveis de depressão dos profissionais seguiu a seguinte classificação: 0 a 11 pontos = Nível Mínimo de Depressão; 12 a 19 pontos = Nível Leve de Depressão; 20 a 35 pontos = Nível Moderado de Depressão; 36 a 63 pontos = Nível Grave de Depressão.

A Escala de Ansiedade de Beck ou Inventário de Ansiedade de Beck (BAI), utilizada para medir a severidade da ansiedade de um indivíduo, a partir de 21 questões sobre como o indivíduo tem se sentido na última semana, expressas em sintomas comuns de ansiedade com quatro possíveis respostas (não; levemente; moderadamente; severamente). A BAI mostrou alta consistência interna (alfa de Cronbach = 0,92) e confiabilidade teste-reteste durante 1 semana, r (81) = 0,75. A aplicação do BAI seguiu as recomendações do Manual de Escalas Beck (Cunha, 2001). Após leitura das instruções aos participantes do estudo, foi entregue o protocolo do teste para respostas. A correção foi realizada por uma psicóloga e a classificação dos níveis de ansiedade dos profissionais seguiu a seguinte classificação: 0 a 10 pontos = Nível Mínimo de Ansiedade; 11 a 19 pontos = Nível Leve de Ansiedade; 20 a 30 pontos = Nível Moderado de Ansiedade; 31 a 63 pontos = Nível Grave de Ansiedade.

A Utrech Work Engagement Scale (UWES), validada no Brasil por Vazquez, Magnan, Pacico, Hutz e Schaufeli (2015), que permite identificar o nível de relação com o trabalho (Escore geral), através de 17 questões distribuídas nas dimensões Vigor (altos níveis de energia e resistência, vontade de investir esforço, não sendo facilmente fatigado, e persistência em face de dificuldades), Dedicação (sentimento de entusiasmo e orgulho sobre o emprego; sentir-se motivado e desafiado pelo trabalho) e Absorção (estar totalmente imerso no trabalho e ter dificuldades de se desligar, de modo que o tempo passa depressa e se esquece de tudo o que está ao redor) (Agnst et al., 2009). A UWES apresentou alta consistência interna na população brasileira (alfa de Cronbach = 0,95; correlações entre os fatores = 0,81 a 0,82; Índice de Ajuste Comparativo - CFI = 096; Índice TLI de Tucker-Lewis = 0,95) e mostrou boas evidências de validade de conteúdo e de construto para uso em nosso contexto cultural (Vazquez et al., 2015).

A análise foi realizada com o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 17.0. Os dados sociodemográficos foram utilizados para caracterizar a população do estudo. A distribuição da idade foi analisada com o teste de Kolmogorov-Srminov, que indicou distribuição normal dos dados.

Para a análise da qualidade de vida foram calculados os escores do whoqol-bref, conforme modelo estatístico disponibilizado pelo Grupo Whoqol e apresentados os escores médios e desvios-padrão, mediana, valores mínimo e máximo, intervalo de confiança de 99% para cada domínio.

Os níveis de ansiedade de depressão foram analisados por uma psicóloga, segundo orientações dos respectivos instrumentos e categorizados em ausência de depressão/ansiedade, depressão/ansiedade leve, depressão/ansiedade moderada e depressão/ansiedade grave (Cunha, 2001).

Para análise do engagement, os cálculos dos escores foram realizados conforme modelo estatístico proposto no Manual Preliminar UWES – Utrecht Work Engagement Scale (Agnst et al., 2009), apresentando-se valores mínimo, máximo, mediana, média (± desvio padrão) e intervalo de confiança de 95% para cada dimensão da UWES. Após o cálculo dos escores foi realizado a classificação dos valores obtidos, conforme decodificação do Manual Preliminar UWES: 0 a 0,99 = Muito Baixo; 1 a 1,99 = Baixo; 2 a 3,99 = Médio; 4 a 4,99 = Alto; 5 a 6 = Muito Alto.

A consistência dos dados foi testada por meio do Coeficiente Alfa de Cronbach, cujos valores maiores ou iguais a 0,7 foram considerados satisfatórios.

Respeitando os preceitos Éticos de Pesquisas envolvendo seres humanos, este projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, sob Protocolo CAAE 23948113.2.0000.5415 e aprovado em 12 de novembro de 2013, com o Parecer n. 460.331.

 

Resultados

Participaram do estudo 15 gestores das Unidades de Saúde da Família do município, sendo 12 (80,0%) do sexo feminino. A faixa etária variou de 24 a 55 anos, com idade média de 36,5 anos (dp: ±9,7 anos) (K-S = 0,799; p=0,546).  Em relação ao IMC, apenas oito (53,2%) profissionais estavam na faixa de normalidade, enquanto três (20,1%) apresentavam sobrepeso ou algum grau de obesidade.

Oito (53,3%) profissionais eram casados e sete (46,7%), solteiros; onze (73,3%) profissionais tinham renda familiar de seis a 10 salários mínimos. O tempo de atuação na ESF variou de 10 meses a cinco anos, com média de 2,9 anos (dp: ±1,2 anos).

A Tabela 1 apresenta a distribuição das caraterísticas sociodemográficas dos gestores das unidades de Saúde da Família.

 

 

A Tabela 2 apresenta a distribuição dos escores médios e desvios-padrão, coeficiente de variação, valores mínimo e máximo, e amplitude para os domínios do Whoqol-bref, segundo a avaliação dos gestores das Unidades de Saúde da Família. Os valores dos escores de qualidade de vida observados foram superiores a 58,0, indicando bom nível de qualidade de vida dos profissionais em todos os domínios do whoqol-bref. O maior escore foi para o domínio físico (60,8) e o menor escore para o domínio meio ambiente (58,4).

 

 

A Tabela 3 apresenta os resultados da avaliação do engagement, a partir da distribuição dos escores médios e desvios-padrão, valores mínimo, máximo e intervalo de confiança de 95%, segundo as dimensões da UWES. Os profissionais obtiveram escore médio 3,6 em todas as dimensões e, portanto, apresentaram nível médio de engagement.

 

 

A Tabela 4 apresenta a distribuição dos níveis de ansiedade e depressão dos gestores das Unidades de Saúde da Família. Conforme observado, 33,3% dos profissionais estudados apresentaram algum grau de ansiedade e 26,7% apresentaram depressão leve.

 

 

Discussão

O processo de descentralização do sistema de saúde desencadeado pelo SUS levou à responsabilização dos municípios pelo gerenciamento de todas as ações e serviços de saúde. Com o objetivo de dar autonomia e responsabilidades a um profissional das unidades/serviços de saúde, muitos municípios criaram o cargo de gestores das unidades. No entanto, em alguns municípios não houve clareza do papel dos gestores das unidades, causando conflitos de relacionamentos (Ramires, Lourenção & Santos, 2004).

Apesar das dificuldades inerentes ao processo ou ao ambiente de trabalho dos gestores das Unidades de Saúde da Família, os resultados deste estudo mostraram grande satisfação dos profissionais com a função que exercem. Estes resultados são importantes, pois o trabalho dos gestores dos serviços de saúde é fundamental para a efetivação das políticas públicas, afinal, estes profissionais respondem pela forma como a produção dos serviços está organizada e pelo modelo tecno-assistencial vigente (Santos et al., 2013).

Um estudo com gestores de unidades de saúde brasileiras aponta como atividades mais importantes da atuação gerencial aquelas relacionadas à gestão de pessoas, gestão de processos e as centradas no utente. Para os profissionais, o relacionamento com a equipe, utentes e comunidade, a identificação com o trabalho e o comprometimento da equipe favorecem o trabalho gerencial. Por outro lado, a falta de profissionais nas equipes, falta de capacitação profissional e de recursos materiais, financeiros e equipamentos dificultam a atuação dos profissionais (Fernandes et al., 2010).

Os resultados desse estudo apontaram bons índices de qualidade de vida dos profissionais, em todos os aspectos avaliados e evidenciam que o ambiente de trabalho é o aspecto que mais interfere na qualidade de vida dos profissionais. Estes resultados discordam da literatura, que aponta o ambiente laboral dos serviços de saúde desgastante, capaz de comprometer a qualidade de vida dos profissionais (Fernandes & Cordeiro, 2018; Bezerra, 2015; Morelli et al., 2015).

Tanto o ambiente quanto o processo de trabalho dos gestores dos serviços de saúde estão cercados de fatores que comprometem a saúde e a qualidade de vida dos profissionais. A exigência de habilidades como autonomia, liderança, relacionamento interpessoal e comunicação interferem psicologicamente no profissional e na sua produtividade (Risso, 2017). Porém, a capacidade analítica do profissional e sua conexão com a atividade exercida pode levar a resultados pessoais e laborais positivos, mesmo frente a estados psicológicos críticos.

Acredita-se que esta discordância e os resultados positivos evidenciados neste estudo estejam relacionados às condições de trabalhos dos profissionais no município estudado. E, embora se trate de uma especificidade, contribuem para mostrar a relevância de os gestores municipais investirem na carreira dos profissionais que exercem a função de gestores das unidades de saúde, pois estes profissionais são os responsáveis pela organização do processo de trabalho, liderança da equipe e o elo de comunicação com os demais níveis hierárquicos no sistema de saúde.

Embora os gestores dos serviços estudados tenham apresentado níveis médios de engagement em todas as dimensões da UWES, os resultados são inferiores aos obtidos em estudos com profissionais de saúde brasileiros (Gonsalez et al., 2017) e colombianos (Ortiz, & Jaramillo, 2013).

O percentual de profissionais que apresentaram algum nível de ansiedade e depressão (33,33% e 26,67%, respectivamente) é inferior ao observado em um estudo com gestores de Unidades de Saúde da Família da região nordeste do Brasil. Entretanto, são percentuais que merecem atenção e implementação de ações de promoção de saúde destes trabalhadores, pois a presença destes sintomas pode prejudicar a capacidade de liderança, gestão e relacionamento com a equipe e com os utentes (Martins, Silva, & Nunes, 2015).

Medidas de promoção da saúde laboral dos gestores são importantes para evitar os aspectos negativos e promover os aspectos positivos do contexto ocupacional.

As organizações precisam entender a saúde como um valor estratégico e incrementar os recursos laborais para prevenir riscos psicossociais e amplificar a qualidade do trabalho (Ortiz, & Jaramillo, 2013), porque há um contínuo desafio para os trabalhadores se adaptarem às novas contingências de trabalho e se manterem saudáveis (Agnst et al., 2009).

Destaca-se, no entanto, que os trabalhadores são corresponsáveis no reconhecimento dos riscos profissionais e na adoção de medidas que garantam qualidade de vida no trabalho (Baptista et al., 2018). Portanto, os gestores precisam ser capacitados para atuarem na organização e estruturação de um ambiente de trabalho saudável, que promova a saúde e a qualidade de vida de todos os profissionais da equipe. Além disso, ações de empoderamento dos gestores, como clareza das atribuições, autonomia administrativa, criação e implementação de planos de carreiras e valorização profissional são fundamentais para que estes profissionais estejam aptos para contribuir na implementação de programas e projetos que promovam um ambiente laboral saudável (Gomes & Queirós, 2018). A realização de estudos mais aprofundados sobre as possíveis causas desses resultados, poderão ajudar na proposição de medidas de intervenção que contribuam para a melhoria do processo de trabalho dos gestores das unidades da atenção primária, e garantir que gestores cumpram a função de gestores dos serviços de saúde com qualidade, contribuindo para a gestão do SUS.

A amostra do estudo, limitada a um único município, representa uma limitação, por não permitir generalizar os resultados a toda a população de gestores dos serviços de saúde. Outra limitação do estudo é o delineamento transversal, que não possibilita o estabelecimento de relações causais. Aponta-se, assim, a necessidade de novos estudos, com amostra ampliada, incluindo profissionais de diferentes municípios, nas várias regiões do Brasil e delineamento capaz de verificar a relação de causa e efeito entre os transtornos avaliados, as características comportamentais, ambientais e as condições de trabalho dos gestores das unidades da atenção primária à saúde.

 

Conclusões

O estudo mostrou que os gestores das Unidades de Saúde da Família apresentaram bom nível de qualidade de vida, com um leve declínio no domínio Meio Ambiente. Há um percentual importante de profissionais com algum nível de ansiedade e depressão. Estes índices podem ser resultantes do desgaste profissional gerado pela complexidade do processo de trabalho e das responsabilidades inerentes ao processo de gestão do serviço de saúde. Os níveis de engagement estão acima da média em todas as dimensões da UWES.

O estudo demonstra que, mesmo com bons níveis de engagement e qualidade de vida, os gestores das unidades de saúde podem apresentar ansiedade e depressão. Estes resultados apontam a necessidade de ações de promoção de saúde e bem-estar dos trabalhadores. A implementação de medidas que identifiquem precocemente sintomas de ansiedade e estresse e promovam controle das causas de ansiedade e estresse, prevenindo incapacidades individuais decorrentes destes transtornos.

Assim, sugere-se a realização de novos que investiguem as causas e fatores de risco de ansiedade e depressão em gestores de unidades de saúde, bem como os aspectos que fortaleçam o engagement destes profissionais. Além disso, estudos com amostras maiores de profissionais, em diferentes regiões do Brasil, permitirão identificar aspectos culturais e organizacionais que interfiram na relação destes profissionais com o ambiente laboral, aprofundando o conhecimento sobre este problema e contribuindo para o direcionamento de ações de promoção da saúde e qualidade de vida destes trabalhadores.

 

Implicações para a Prática Clínica

O estudo contribui para a discussão e implementação de políticas de atenção à saúde dos profissionais gestores, em sua maioria, enfermeiros; colabora para a reflexão dos gestores sobre a importância da criação de ações e políticas de incentivo à carreira dos gestores, com melhorias das condições de trabalho e fortalecimento do processo de gestão das equipes, favorecendo a oferta de assistência mais eficaz e resolutiva.

Embora não permita verificar a existência de relações causais, ao descrever o problema, o estudo contribui para o entendimento dos níveis de qualidade de vida, engagement, ansiedade e depressão entre os gestores das unidades de saúde, permitindo o direcionamento de ações de promoção de saúde destes trabalhadores. Além disso, evidencia a necessidade de processos de ensino-aprendizagem que garantam formação adequada e qualificação permanente destes profissionais, assegurando o avanço das ações de saúde no sistema público de saúde.

 

Referências Bibliográficas

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Recebido em 31 de março de 2018

Aceite para publicação em 23 de julho de 2018

 

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