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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

versão impressa ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.20 Porto dez. 2018

https://doi.org/10.19131/rpesm.0221 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Conflitos em contexto de saúde: Um instrumento de avaliação de estilos de gestão de conflito

 

Conflicts in health context: An instrument to evaluate conflict management styles

 

Conflictos en contexto de salud: Un instrumento de evaluación de estilos de gestión de conflicto

 

Pedro Cunha*, Ana Paula Monteiro**, Abílio Afonso Lourenço***, & Ricardo Bessa Moreira****

*Doutor; Professor Associado com Agregação na Universidade Fernando Pessoa, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Praça 9 de Abril, 349, 4249-004 Porto, Portugal. E-mail: pcunha@ufp.edu.pt

**Doutora; Professora Auxiliar na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Escola de Ciências Sociais e Humanas, 5001-801 Vila Real, Portugal. E-mail: apmonteiro@utad.pt

***Doutor em Psicologia da Educação; Professor do quadro do Agrupamento de Escolas Alexandre Herculano, 4300-096 Porto, Portugal. E-mail: privadoxy@gmail.com

****Doutor em Ciências Sociais; Professor Convidado Equiparado a Auxiliar na Universidade do Minho, Escola de Economia e Gestão; Professor Auxiliar na Universidade Lusófona do Porto, 4000-098 Porto, Portugal. E-mail: ricardo.m.b.moreira@gmail.com

 

RESUMO

INTRODUÇÃO: O conflito encontra-se subjacente a qualquer organização humana, não sendo as instituições de saúde exceção.

OBJETIVO: Adaptar e validar um instrumento de avaliação de estilos de gestão do conflito, o Dutch Test for Conflict Handling (DUTCH; De Dreu et al., 2001), para o contexto da saúde.

MÉTODOS: Depois da tradução para português, a escala foi aplicada a 364 sujeitos de ambos os sexos, estudantes e profissionais da saúde. Recolheu-se informação sobre dados sociodemográficos. Na administração dos questionários explicou-se aos participantes o objetivo do estudo e foi dada a garantia de anonimato.

RESULTADOS: A analise fatorial exploratória indicou, como na estrutura original, a existência de 5 fatores que apresentaram boa consistência interna (0,74 < α < 0,85). O DUTCH apresenta uma consistência interna robusta para a escala total (α = 0,82). Recorrendo a modelos de equações estruturais, o modelo apresentou coeficientes de ajustamento adequados [χ(160) = 298,9; p < 0,001; χ/gl = 1,87; GFI = 0,927; AGFI = 0,904; CFI = 0,942; TLI = 0,931; RMSEA = 0,049) e vai ao encontro dos pressupostos de base do inventario.

CONCLUSÕES: A versão portuguesa de DUTCH revela características psicométricas que o caracterizam como fiável para avaliar estilos de gestão de conflito. Pode ser um bom apoio à investigação, relacionando os resultados nele obtidos com outras variáveis da gestão de conflitos. O instrumento é composto por um pequeno número de itens e é de fácil aplicação na área da saúde.

Palavras-Chave:Conflito; Estilos de gestão de conflito; Saúde

 

ABSTRACT

INTRODUCTION: The conflict is underlain by any human organization, and health institutions are not an exception.

AIM: Adapt and validate an instrument of evaluation of conflict management styles, the Dutch Test for Conflict Handling (DUTCH; De Dreu et al., 2001), for the health context.

METHODS: After the translation to Portuguese, the scale was applied to 364 male and female individuals, students and health professionals. It was collected information about socio demographical data. In the administration of the questionnaires it was explained to the participants the objective of the study and it was given guarantee of anonymity.

RESULTS: The exploratory factor analysis has indicated, such as in the original structure, the existence of 5 factors that presented a good internal consistency (0,74 < α < 0,85). DUTCH presents a robust internal consistency to the total scale (α = 0,82). Using structural equation models, the model presented adequate adjustment coefficients [χ(160) = 298,9; p < 0,001; χ/gl = 1,87; GFI = 0,927; AGFI = 0,904; CFI = 0,942; TLI = 0,931; RMSEA = 0,049) and meets the basic assumptions of the inventory.

CONCLUSIONS: The Portuguese version of DUTCH reveals psychometric characteristics that characterize it as reliable to evaluate conflict management styles. It can be a good support to investigation, relating the results obtained in it with other variables of conflict management. The instrument is composed by a small number of items and is of easy application in health area.

Keywords: Conflict; Conflict management styles; Health

 

RESUMEN

INTRODUCCIÓN: El conflicto se encuentra subyacente a cualquier organización humana, no siendo las instituciones de salud excepción.

OBJETIVO: La presente investigación tuve como objetivo adaptar y validar un instrumento de evaluación de estilos de gestión de conflicto, el Dutch Test for Conflict Handling (DUTCH; De Dreu et al., 2001), para lo contexto de la salud.

METODOLOGÍA: Después de la traducción para portugués, la escala ha sido aplicada a 364 sujetos de ambos sexos, estudiantes y profesionales de la salud. Se ha también recogido información sobre datos sociodemográficos. En la administración de los cuestionarios se ha explicado a los participantes el objetivo de lo estudio y les fue dada garantiera de anonimato.

RESULTADOS: La análisis factorial exploratoria ha indicado, cómo en la estructura original, la existencia de 5 factores que presentaran buena consistencia interna (0,74 < α < 0,85). El DUTCH presenta una consistencia interna robusta para la escala total (α = 0,82). Recurriendo a modelos de ecuaciones estructurales, el modelo ha presentado coeficientes de ajuste adecuados [χ(160) = 298,9; p < 0,001; χ/gl = 1,87; GFI = 0,927; AGFI = 0,904; CFI = 0,942; TLI = 0,931; RMSEA = 0,049) e va al encuentro de los presupuestos de bases del inventario.

CONCLUSIONES: La versión portuguesa del DUTCH revela características psicométricas que lo caracterizan como fiable para evaluar estilos de gestión de conflicto. Puede ser un buen apoyo a la investigación, relacionando los resultados obtenidos en él con otras variables de la gestión de conflictos. El instrumento es compuesto por un pequeño número de ítems y es de fácil aplicación en el área de la salud.

Palabras-Clave: Conflicto; Estilos de gestión de conflicto; Salud

 

Introdução

O conflito encontra-se subjacente a qualquer organização humana. As organizações de saúde são sistemas complexos, nos quais a existência de diferentes interações entre profissionais de saúde, pacientes e familiares vai originar um elevado potencial para a ocorrência do conflito (Nayeri & Negarandeh, 2009; Scott & Gerardi, 2011).

A não existência de conflito no âmbito da saúde é uma ilusão (McKibben, 2017) e a sua existência num certo nível pode ser até benéfica, constituindo momentos de melhoria e evolução das organizações e dos indivíduos. Os cuidados de saúde requerem trabalho em equipa e uma elevada interdependência entre os diversos profissionais, o que poderá ocasionar conflitos, mas essa atuação interdependente permite assegurar a qualidade dos serviços e a satisfação dos pacientes (Cunha & Miguelote, 2015; Nierkens, Krumeich, De Ridder & Van Dongen, 2002).

Assim, a área da saúde traduz-se num campo em que são executados julgamentos éticos e morais, como esclarecimento, avaliação e tomada de decisões que envolvem situações onde as normas de conduta, valores e crenças podem entrar em conflito. Os profissionais de saúde procuram encontrar o equilíbrio entre os interesses do paciente e os interesses do hospital onde exercem, tendo sempre como base uma eficiência ética e prática (Claro & Cunha, 2017).

Ao refletir sobre qualidade na saúde é, portanto, fundamental considerar a gestão construtiva de conflitos numa área que, pela sua intrínseca natureza, é portadora de grandes tensões e ansiedades entre os diferentes atores que nela desenvolvem a sua atividade profissional (Nierkens et al., 2002).

Se o conflito não for gerido eficazmente terá implicações na qualidade do atendimento e na prestação de cuidados aos pacientes (Scott & Gerardi, 2011), tal desmotivará os profissionais e prejudicará o serviço de saúde como um todo (McKibben, 2017). A gestão de conflitos é um elemento fundamental para oferecer cuidados de saúde seguros e de elevada qualidade (Scott & Gerardi, 2011)

Uma gestão construtiva do conflito pressupõe estimar os riscos e potencialidades que a mesma comporta. A gestão de conflitos foi definida como "o comportamento orientado para a intensificação, redução, e a resolução da tensão "(De Dreu, Harinck & Van Vianen, 1999, p. 371). Os estilos de gestão de conflitos podem ser compreendidos como as intenções mais genéricas e habituais adotadas pelas partes no conflito. Os estilos de gestão de conflito são ainda relacionados com a qualidade do acordo alcançado durante a negociação (Pruitt & Carnevale, 1993) e são considerados uma das variáveis fundamentais a analisar na gestão construtiva e eficaz do conflito.

Entre as diversas tipologias de estilos de gestão de conflito presentes na literatura, ao longo deste trabalho destacaremos o modelo bidimensional de cinco estilos proposto por Rahim e Bonoma (1979), dado este constituir o modelo teórico de base para o instrumento de medida que utilizámos na presente investigação. Este modelo descreve cinco estilos de gestão de conflitos que resultam da combinação de duas preocupações: a preocupação em atingir os interesses/objetivos próprios e a preocupação em satisfazer os interesses/objetivos da outra parte (Figura 1).

O estilo de gestão do conflito evitação caracteriza-se por um baixo interesse próprio e baixo interesse pelos outros. Igualmente designado de evasão estabelece-se na negação da situação. Apesar de não existir resolução do conflito, esta pode ser a estratégia mais adequada quando é necessária uma análise mais aprofundada da situação ou quando os indivíduos não são ainda detentores de toda a informação.

Quanto ao estilo anuência, centra-se na tentativa de satisfazer o interesse do outro em detrimento do interesse próprio. No emprego deste estilo são privilegiadas as relações sobre as pessoas e por isso existe cedência, mesmo que o resultado seja desfavorável para a parte que o utiliza. Este estilo é útil nas situações em que se acredita que o objetivo da outra parte é mais importante, mas por vezes é utilizado para se obter algo em troca.

O estilo dominação é descrito por um elevado interesse por si mesmo e um baixo interesse pelo outro, procurando-se alcançar os objetivos próprios sem ponderar os interesses da outra parte. Este estilo representa uma estratégia “ganhar-perder” (win-lose) em que a consecução dos objetivos de uma das partes é concebida com prioridade face aos interesses da outra parte. Este estilo pode ser eficaz quando são necessárias decisões rápidas, mas também quando ações impopulares precisam de ser efetuadas (Rahim, Garret & Buntzman, 1992).

O estilo solução de problemas corresponde a uma grande preocupação com interesses próprios e dos outros (Rahim, 2001), implica abertura, troca de informação e exame das diferenças, a fim de alcançar uma solução efetiva e aceite por ambos os lados. Este estilo é adequado quando os temas em discussão são complexos e importantes para ambas as partes, pressupondo na sua aplicação disponibilidade temporal e a implicação das partes no acordo final (Rahim, 2001; 2002).

O estilo compromisso posiciona-se no meio dos quatro mencionados, caracteriza-se por um interesse intermédio por si mesmo e pela outra parte, implicando um intercâmbio de concessões, na medida em que cada parte cede algo na sua posição, de forma a tomarem uma decisão intermédia e aceitável para ambos (Rahim, 2002). Este estilo é útil quando ambas as partes têm igual poder e pretendem minimizar as diferenças ou quando não é possível chegar a um consenso e é necessário encontrar uma solução temporária sem pressão de tempo (Rahim, 2002).

É de ressaltar que não existe um estilo considerado melhor ou pior, cada um tem as suas vantagens e desvantagens e está sujeito às características próprias de cada contexto. No caso da saúde, a conflitualidade está sempre presente devido também a fatores como, entre outros, elevada tensão intra e interpessoal, excessiva competitividade profissional, horários de trabalho por turnos, natureza intrínseca do trabalho, complexidade das personalidades envolvidas nas tarefas e vulnerabilidade constante entre paciente e profissional de saúde (Cunha & Miguelote, 2015). A este propósito, De Dreu e Beersma (2005) mencionam que a preocupação em atingir os interesses próprios e em satisfazer os interesses da outra parte é importante e dependem tanto da pessoa como da situação, e, por conseguinte, a utilização dos estilos provêm, também, destes dois fatores.

Devemos ainda atender que para se gerir positivamente uma situação de conflito é necessário compreender a sua natureza, a sua dinâmica e as suas variáveis, bem como conseguir que as partes envolvidas tenham consciência dos objetivos e motivações de todos (Rahim et al.,1992). Para além disto, é fundamental que a comunicação seja precisa e adequada para que ocorra um entendimento, que se transmita uma atitude de confiança e que as partes partilhem a ideia de que o conflito é um problema recíproco (Rahim et al., 1992).

Os modelos bidimensionais têm recebido forte apoio empírico na investigação, em contexto das organizações, e a abordagem de cinco estilos proporciona uma consistente fundamentação teórica para o desenvolvimento de instrumentos de avaliação do grau de utilização dos estilos de gestão de conflito na realidade organizacional (De Dreu, Evers, Beersma, Kluwer, & Nauta, 2001). Entre os instrumentos mais utilizados encontramos o Management Of Differences (MODE) de Thomas e Kilmann (1974) e o Rahim Organizational Conflict Inventory – II (ROCI-II) de Rahim (1983). O Dutch Test for Conflict Handling – DUTCH (De Dreu et al., 2001) foi desenhado segundo os autores para minimizar a escassa descriminação de outros questionários, por um lado, entre a evitação e a anuência e, por outro, entre a integração e o compromisso. Foi também construído com o propósito de ser utilizado quer por investigadores interessados pelos estilos de gestão do conflito e variáveis a estes associados, quer por gestores preocupados em conhecer quais os estilos mais utilizados na sua organização (De Dreu et al., 2001).

Da revisão da literatura relativa a esta problemática, coloca-se, cada vez mais, a premência e a necessidade dos seus profissionais possuírem instrumentos eficazes para lidar com contendas, de forma a responderem à cada vez maior pluralidade de personalidades e de situações de divergência interpessoal e à necessidade imperiosa de construção da paz nos diferentes contextos que constituem a saúde.

 

Métodos

O objetivo principal do presente trabalho consistiu em adaptar um instrumento de avaliação de estilos de gestão de conflito e validar as qualidades psicométricas do mesmo, de forma a fundamentar empiricamente a sua utilização a nível prático e teórico na realidade nacional, assim como da sua aplicação no contexto da saúde.

Amostra

A amostra foi constituída por 364 sujeitos (28.6% do sexo masculino e 71.4% do sexo feminino), com média de idades de 26.4 anos e o intervalo das mesmas variou entre os 17 a 62 anos. Relativamente ao estado civil, 81.3% dos sujeitos são solteiros, 13.5% casados e 5.2% divorciados. As habilitações literárias dos participantes são: 45.6% possuem o Ensino Secundário; 2.2% têm um Bacharelato; 43.4% são detentores de uma Licenciatura; 6.9% possuem Pós-graduação e 1.9% têm um Mestrado. Quanto à profissão 57.7% dos sujeitos são estudantes, 9.6% são profissionais de saúde e 32.7% dos sujeitos ocupam diversas profissões. Dos inquiridos, 27.2% dos indivíduos referem possuir experiência negocial e 72.8% mencionam não a possuir.

Relativamente à importância do cálculo do tamanho da amostra, que permita conferir validade interna aos estudos, os cânones das ciências da saúde destacam-se por se nortearem por teorias, métodos e técnicas de investigação, onde as ciências exatas ocupam posição de destaque, com particular ênfase na estatística aplicada. Desta forma, existe a preocupação de se utilizar um tamanho de amostra adequado que, por um lado, evite obter resultados a partir de amostras subdimensionadas, que confluam para conclusões equivocadas a erros de medida. Por outro lado, impeça uma seleção de respondentes que exceda o quantitativo lógico, evitando desperdício desnecessário de recursos e conduta ética inadequada (Nayak, 2010).

Nesta investigação foi utilizado o Critical N (CN) (Hoelter, 1983), também chamado índice de Hoelter .05 e .01 (níveis de significância), que refere a adequação do tamanho da amostra ao modelo postulado com 95% de confiança e 99%, respetivamente. Este critério verifica a adequação do tamanho da amostra, e não o ajustamento do modelo. A proposta deste índice é uma estimativa do tamanho da amostra que seja suficientemente adequado ao ajuste o modelo para o teste χ2. Um valor que exceda 200 é indicativo que o modelo representa adequadamente os dados amostrais. No presente estudo, os dados de significância são respetivamente 221 (.05) e 237 (.01), confirmando, assim, o adequado tamanho da amostra.

Instrumento e Procedimentos

O DUTCH (De Dreu et al., 2001) constitui um instrumento de medida dos estilos de gestão de conflito acima apresentados e é formado por 20 itens, distribuídos por cinco dimensões, nomeadamente: anuência (e.g., “Adapto-me aos objetivos e interesses das outras partes“); compromisso (e.g., “Enfatizo que temos de encontrar uma solução de compromisso“); dominação (e.g., “Forço o meu ponto de vista “); solução de problemas (e.g., “Examino os assuntos até encontrar uma solução que realmente me satisfaça e também à outra parte“); e evitação (e.g., “Evito um confronto sobre as nossas diferenças “). Utiliza uma escala do tipo Likert com alternativas de resposta que variam de 1 (Nunca) a 5 (Habitualmente). Cada estilo de gestão é mensurado através de 4 itens.

Para a adaptação do DUTCH, o mesmo foi traduzido e submetido a uma retroversão por um especialista da língua inglesa e, posteriormente sujeito a uma triagem por um psicólogo. Neste seguimento, foram realizados pré-testes em amostras mais reduzidas equivalentes à atual, cujos resultados serviram para aprimorar os inventários, tendo por base a compreensão semântica dos itens.

Após a autorização prévia das respetivas instituições, os instrumentos foram aplicados em pequenos grupos, entre seis e dez indivíduos, de acordo com uma programação com os respondentes. Participaram apenas as pessoas que anteriormente assinaram o consentimento informado, descrito na declaração de Helsínquia para estudos com humanos.

Com o propósito de recolher informação que possibilitasse a caracterização da amostra, foram apresentadas algumas questões sobre dados individuais, designadamente sexo, idade, estado civil, habilitações literárias, profissão e experiência negocial.

Na administração dos questionários explicou-se aos participantes o objetivo do estudo no sentido de os motivar para o seu preenchimento. Para tal, as instruções proporcionadas aos inquiridos foram as descritas no cabeçalho de cada questionário. Durante este processo foram garantidos, ainda os procedimentos éticos e deontológicos convencionais, designadamente a confidencialidade das respostas e a voluntariedade na participação, assim como referida a importância da sinceridade das respostas. A recolha de dados foi individual e os questionários foram preenchidos na presença de um dos investigadores para esclarecimento de eventuais dúvidas. A amostra foi obtida de uma forma aleatória no decurso de 2017. A opção por este tipo de amostra prende-se, por um lado, com o facto de um subconjunto de inquiridos, a amostra, ao ser selecionado totalmente ao acaso a partir de um conjunto maior, a população, possa garantir que todos os indivíduos da população têm a mesma probabilidade de serem escolhidos para constituir a amostra. Por outro lado, garantir que cada subconjunto possível de indivíduos (amostra) tem a mesma probabilidade de ser selecionado que qualquer outro subconjunto de indivíduos.

 

Resultados

Para a validação da análise preditiva da relação das variáveis em estudo, foi utilizada a técnica de modelação equações estruturais (MEE), tendo como suporte o programa informático SPSS/AMOS24. Se o ajustamento global do modelo testado for apropriado, aprovam-se as relações ou efeitos apresentados pelas variáveis latentes (fatores) sobre as observadas (itens).

Foi verificado, ainda, se havia valores em falta e a presença de outliers, de linearidades e de normalidade, pois esta metodologia requer que as variáveis em estudo devem seguir uma distribuição normal. Devido à máxima verossimilhança (ML) poder produzir uma distorção quando a suposição de normalidade é violada, de forma preliminar foi examinada a distribuição das variáveis (assimetrias e curtoses). Os coeficientes de assimetria e curtose são utilizados para verificar se um conjunto de dados pode ter sido gerado a partir de uma distribuição normal. Considerando o critério de Finney e DiStefano (2013), em que 2 e 7 são identificados como valores máximos admissíveis para assimetria e curtose, respetivamente.

Uma vez delineado o modelo, é testada a veracidade de todas as relações definidas entre as variáveis, de forma total, naquilo que se denomina “ajustamento global do modelo”, ou seja, é verificada a adequação do modelo à matriz dos dados. Este ajustamento global é inferido com base num conjunto de índices, designados de índices de ajustamento global do modelo, nomeadamente: O ajuste do modelo foi estimado tendo como suporte os índices estatísticos mais frequentemente utilizados: Qui-quadrado (χ2); χ2/graus de liberdade; goodness-of-fit index (GFI), adjusted goodness-of-fit index (AGFI), comparative fit index (CFI), Tucker-Lewis index (TLI) e root mean square error of aproximation (RMSEA). Num sentido mais restrito, o modelo hipotetizado não é significativamente diferente no contido na matriz dos dados empíricos quando o valor do χ2 tem uma probabilidade associada menor que .05. Assim, os investigadores desta área desenvolveram índices de ajuste complementares com os quais avaliam a verosimilhança de um dado modelo, entre os quais o GFI, AGFI, CFI, TLI e RMSEA. Os dois primeiros indicam a quantidade de variância/covariância explicada no modelo, estimando-se que valores iguais ou superiores a .90 são usualmente avaliados como indicadores de ajustamento do modelo e anunciam um ajuste aceitável, enquanto que os superiores a .95 referem um bom ajuste. O CFI é um índice que nos informa do ajuste do nosso modelo comparando-o com um modelo independente, considerando-se que valores iguais ou superiores a .95 indiciam um bom ajuste do modelo hipotetizado (Byrne (2001)). O TLI permite comparar o modelo estimado com um modelo teórico nulo, ou seja, tem como objectivo determinar se todos os indicadores são associados a um único factor latente. Valores iguais ou superiores a .95 revelam um ajuste robusto. Por sua vez, o índice RMSEA é um valor indicativo que aponta o erro de aproximação à população. Esta diferença é indicada em graus de liberdade, o que torna este índice sensível ao número de parâmetros estimados, dando, desta forma, complexidade ao modelo. Segundo Byrne (2001) os valores que variam entre .08 e .05 denunciam um ajuste razoável e quando se apresentam inferiores a .05 indicam um bom ajuste.

 

Discussão

Análise Exploratória

Após a necessária tradução do DUTCH original e cumpridos todos os procedimentos relativos a este processo, foi realizada a análise estatística ao agora denominado DUTCH-PV (Dutch Test for Conflict Handling - Portuguese Version). Foi utilizada uma amostra de 364 respondentes, a qual revelou valores de adequação para o índice de KMO de .82, apresentando o teste de esfericidade de Bartlett valores muito adequados (χ2(190)=2533.330; p=.000), o que indica que a análise de componentes principais pode ser feita e que as variáveis são correlacionáveis.

Os scores obtidos em cada uma das dimensões que constituem a escala estão todos acima da média, mais especificamente: na dimensão anuência variam entre 3,19 e 3,58; no compromisso entre 3,98 e 4,21; na dominação entre 3,60 e 3,81; na solução de problemas entre 4,21 e 4,30; e na dimensão evitação os valores variam entre 3,41 e 3,90.

 Assim, para testar a validade interna do DUTCH-PV, procedemos à análise fatorial das subescalas e ao estudo da consistência interna. A análise fatorial possibilita fazer a avaliação da validade das variáveis que constituem os fatores, revelando de que forma dizem respeito aos mesmos conceitos a partir da correlação que existe entre elas. Na análise da estrutura fatorial dos resultados, optou-se pela análise do DUTCH-PV em componentes principais com rotação varimax. Foram considerados todos os fatores isolados que apresentassem um valor-próprio (eigen-value) igual ou superior à unidade. Os resultados apontam para a existência de cinco fatores, referentes à Anuência, Compromisso, Dominação, Solução de Problemas e Evitação, conforme os valores indicados na Tabela 1.

 

 

Pela leitura da Tabela 1, podemos verificar que os 20 itens da escala são explicados em 62.2% pelos cinco fatores do DUTCH-PV. O primeiro fator que explica 11.7% da variância é saturado pelos itens 1, 6, 11 e 16 referente à Anuência (anu), o segundo fator que explica 11.3% da variância é saturado pelos itens 2, 7, 12 e 17, relativo ao Compromisso (comp), o terceiro fator que explica 14.2% da variância é definido pelos itens 3, 8, 13 e 18 alusivos à Dominação (dom), o quarto fator, que explica 12.6% da variância, é saturado pelos itens 4, 9, 14 e 19 relativos à Solução de Problemas (sp) e o quinto fator, saturado pelos itens 5, 10, 15 e 20, refere-se à Evitação (evit) sendo explicado em 12.4%. Na Anuência, Compromisso, Dominação, Solução de Problemas e Evitação os itens referentes saturam com pesos fatoriais entre: .65 e .79; .57 e .77; .75 e .86; .67 e .80; e .68 e .82, respetivamente.

Para o cálculo da consistência interna que procura analisar em que medida os itens que compõem o teste se apresentam como um todo homogéneo, devido ao formato Likert dos itens, foi realizado a partir da determinação do índice Alpha de Cronbach, cujos valores podem ser observados na Tabela 2.

 

 

Da análise da tabela 2, podemos verificar que aos fatores Anuência, Compromisso, Dominação, Solução de Problemas e Evitação correspondem os Alphas de .74, .76, 85, .78, e .78, respetivamente, o que indica que têm uma boa consistência interna. Em suma, considerando a totalidade dos itens da escala, o DUTCH-PV apresenta um coeficiente de Alpha robusto (α=.82).

Análise Confirmatória

Para dar consecução aos objetivos delineados, foi realizada uma análise recorrendo modelos de equações estruturais (MEE). Esta técnica pode ser entendida como uma extensão da regressão múltipla, se for considerado que na aplicação da regressão o investigador está interessado em prever uma única variável dependente, enquanto nos MEE há mais do que uma variável dependente, assim como permite testar uma teoria de ordem causal entre um conjunto de variáveis.

A partir da base de dados debruçamo-nos novamente sobre a questão da dimensionalidade e estrutura do DUTCH-PV testando um modelo que será apresentado de seguida. Assim, analisaremos as características metrológicas dos itens em função das médias (M), desvio-padrão (DP), distribuição dos resultados (valores mínimos e máximos), indicadores de assimetria e curtose, conforme se pode observar na Tabela 3.

Da observação da especificação pictórica da Figura 2, hipotetizamos que: (i) As respostas dadas pelos inquiridos da amostra podem ser explicadas por cinco fatores de primeira ordem (Anuência, Compromisso, Dominação, Solução de Problemas e Evitação); (ii) A carga fatorial mostrada por cada um dos itens está relacionada, somente, com o respetivo fator que é suposto medir; (iii) Não existe correlação entre os erros de estimativa relacionados com cada um dos itens.

Este modelo multifatorial descreve adequadamente a matriz de covariância dos dados, apresentando os seguintes índices de ajustamento: χ2(160)=298,901; p=.000; χ2/gl=1,868; GFI=.927; AGFI=.904; CFI=.942; TLI=.931; RMSEA=.049 (.040-.057). Estes valores estão em conformidade com os índices indicados por Byrne (2001). Na Tabela 4 são apresentados os valores não estandardizados e estandardizados, erros de estimativa e significância para o modelo multifatorial.

 

 

Podemos constatar, da leitura conjugada das Tabelas 3 e 4, que os parâmetros estimados para o modelo multifatorial (Fig. 2) apresentam valores adequados e estatisticamente significativos, conforme já referido anteriormente, assim como podemos também verificar a ausência de desvios-padrão demasiado elevados ou pequenos, indicadores de que os parâmetros respetivos não podem ser estimados com precisão.

Observando a tabela 5, relativa às correlações de Pearson (r) entre as dimensões do DUTCH-PV, os valores das associações poderão ser considerados baixos. De realçar a associação moderada entre o compromisso e a solução de problemas (r=.526; p<.01). Todos estes valores são estatisticamente significativos, com exceção das associações entre a dominação e a evitação (r=.071; p=n.s.) e anuência com a evitação (r=.072; p=n.s.).

Conclusões

O objetivo deste estudo foi a adaptação portuguesa de um instrumento de avaliação de estilos de gestão de conflito. As análises fatoriais exploratórias e confirmatórias permitiram confirmar a presença de cinco fatores: Anuência, Compromisso, Dominação, Solução de Problemas e Evitação. Os coeficientes estatísticos ao nível das análises exploratórias, confirmatórias e consistência interna obtidos validam a utilização da escala servindo um primeiro nível de avaliação dos estilos de gestão de conflito.

O presente estudo apresenta algumas limitações. A primeira é que os estilos de gestão foram mensurados através de medidas de autoavaliação, podendo não representar uma observância de atuação idêntica ao que os indivíduos responderam, pois, os sujeitos são questionados quanto aos comportamentos adotados num conflito, contudo não se observam in loco os comportamentos no momento particular da situação conflitual. Acresce que o emprego dos estilos de gestão de conflitos não depende apenas da atitude pessoal, ou seja, não é simples assegurar que um sujeito adota um determinado estilo, pois num conflito é fundamental ter em consideração a atitude de ambas a partes.

Em segundo lugar, embora o tamanho da amostra seja adequado, em futuros estudos, é essencial a replicação do DUTCH-PV noutras amostras independentes, mais numerosas e diversificadas, que nos permitam, simultaneamente, fazer testes de calibração e validação dos resultados obtidos.

Não obstante as limitações apresentadas, este estudo anuncia que o DUTCH-PV revela características psicométricas que o caracterizam como um instrumento fiável para avaliar os estilos de gestão de conflito. Esta importância é tanto mais significativa se atendermos ao facto de que não existe, no contexto português, um instrumento desenhado para avaliar o constructo em estudo, bem como a constatação de que os processos que nos levam à avaliação de estilos de gestão de conflitos são profundos e complexos e compreendem um vasto conjunto de componentes que se desenvolvem em contextos diversificados. Deste modo, um aspeto positivo deste instrumento pode residir no facto de dar um significativo apoio à investigação, podendo relacionar-se os resultados que os sujeitos obtêm no DUTCH-PV com outras variáveis relevantes no domínio da gestão de conflitos. Saliente-se que este instrumento é composto por um relativo pequeno número de itens, o que o torna de fácil aplicação em grandes grupos, nomeadamente em contextos de saúde.

Outra vantagem relevante é considerarmos que a sucessiva aplicação do DUTCH-PV proporcionará uma vasta e diversificada recolha de dados facilitadora da compreensão do funcionamento deste instrumento, assim como dos processos que concorrem para uma gestão construtiva de conflitos na área da saúde.

 

Implicações para a Prática Clínica

Verificam-se várias implicações práticas da aplicação do instrumento em diferentes contextos dentro do vasto sector da saúde, como por exemplo gestão de conflitos no bloco operatório, entre distintos grupos de profissionais no âmbito de uma mesma organização hospitalar, entre profissionais de um mesmo grupo no interior de uma unidade de saúde, avaliação de competências de resolução de conflitos aquando de entrevistas de recrutamento e seleção de profissionais para determinadas equipas de trabalho, avaliação psicológica da utilização dos diferentes estilos de gestão de conflitos para planeamento de intervenção subsequente, entre outros aspetos a contemplar em ações de formação para profissionais de saúde.

 

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Recebido em 31 de março de 2018

Aceite para publicação em 25 de julho de 2018

 

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