SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número20Conflitos em contexto de saúde: Um instrumento de avaliação de estilos de gestão de conflito índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

versão impressa ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.20 Porto dez. 2018

https://doi.org/10.19131/rpesm.0220 

EDITORIAL CONVIDADO

 

Os novos desafios para a saúde mental na europa

 

Setting the scene: the panorama of mental health in europe

 

Raul Cordeiro*

*Doutor em Ciências e Tecnologias da Saúde; Enfermeiro especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica; Investigador no CINTESIS - Center for Health Technology and Services Research; Investigador no VALORIZA – Research Center for Endogenous Resource Valorization; Professor Adjunto no Polytechnic Institute of Portalegre, Nursing Research Unit for South and Islands, Praça do Município, 11, 7300-110 Portalegre, Portugal. E-mail: raulcordeiro@ipportalegre.pt

 

No dia em que escrevo este Editorial comemoram-se 70 anos desde que a Assembleia Geral da organização das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948.

Neste documento são enunciados os direitos considerados fundamentais para a vida do ser humano. São referidos os direitos individuais e coletivos, sem discriminação de raça, género, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição.

Sobre a saúde, a Declaração enuncia no seu Artigo 25.º:

“toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade”.

A luta pelos direitos humanos é, assim, por natureza, uma luta infindável na satisfação dos direitos de todos os homens.

Todos os direitos estabelecidos nos tratados internacionais de direitos humanos se aplicam a pessoas com problemas de saúde mental.

Os instrumentos internacionais de direitos humanos protegem os direitos das pessoas com transtorno mental e portador de deficiência seja física ou intelectual.

Este princípio de universalidade é reforçado pelos princípios de igualdade e não-discriminação, que estão incluídos nos instrumentos de direitos humanos.

Num relatório elaborado para a ONU sobre direitos humanos e deficiência, Bruce et al. (2002) observam que o processo de assegurar que as pessoas com deficiência desfrutam dos seus direitos é “lento e desigual” e por isso exige das sociedades um esforço acrescido e uma atenção mais dedicada.

Às pessoas portadoras de doença mental aplica-se um pressuposto de igual complexidade.

Se pensarmos na saúde mental, nos vários contextos da vida pessoal e social compreendemos bem o longo caminho a percorrer no sentido da universalidade dos direitos humanos e qual deverá ser o futuro dos cuidados de saúde mental, em especial na Europa.

Os transtornos da saúde mental são um dos maiores desafios de saúde pública na Europa. Um problema silencioso com grande carga de incapacidade associada. Problemas como a depressão, a ansiedade e a esquizofrenia reúnem uma parte significativa das causas de reforma antecipada por incapacidade na Europa com elevado peso económico e social.

O European Mental Health Action Plan 2013-2020 (2015) sintetiza de forma muito prática os objetivos, os valores e a visão que incorporam os grandes desafios para a saúde mental na Europa.

Desde logo manter as expetativas de bem-estar em tempos de novas realidades económicas, manter o comprometimento dos sistemas de saúde garantindo o acesso e a qualidade de cuidados de saúde ao mesmo tempo que se pensam reformas são desafios difíceis. Dois fatores emergem imediatamente desta realidade. o desemprego/estabilidade do emprego e o envelhecimento da população.

Ao nível da saúde mental, a Europa tem procurado proteger os seus cidadãos norteando os seus sistemas de saúde por valores fundamentais como a justiça, o empoderamento de doentes e famílias para lidar com a doença em contexto familiar e comunitário. Esse compromisso com a desinstitucionalização e o desenvolvimento de serviços de saúde mental baseados na comunidade mantem-se vivo, embora o progresso seja desigual em toda a Europa, com diferenças entre Norte e Sul e Este e Oeste.

O consenso é que cuidados e tratamento devem ser fornecidos em contextos locais, uma vez que grandes unidades hospitalares psiquiátricas conduzem, muitas vezes levam à negligência e à institucionalização sem retorno.

A realidade também demonstra que o estigma social associado à doença mental é um monstro de difícil combate e que a descriminação consequente diminui a procura de cuidados de saúde mental.

Um sistema de saúde integrando as respostas sem clivagens é essencial para o acesso das pessoas com doença mental. Um sistema mais comprometido com os resultados sociais da integração do que com os custos económicos do cuidado.

De uma forma sintética o European Mental Health Action Plan 2013-2020 (2015, p. 3) enumera quatro objetivos fundamentais para um plano de ação:

- Todas as pessoas têm iguais oportunidades para concretizar o seu bem-estar mental ao longo de sua vida, particularmente aqueles que estão mais vulneráveis ou em risco;

- As pessoas com problemas de saúde mental são cidadãos cujos direitos humanos são plenamente valorizados, protegidos e promovidos;

- Os serviços de saúde mental são acessíveis quer física quer financeiramente e estão disponíveis na comunidade de acordo com as necessidades;

- As pessoas têm direito a ser tratadas com respeito, segurança e eficácia.

No entanto realidade da Europa, nos últimos anos tem despertado desafios novos aos profissionais e à organização dos cuidados de saúde mental.

A Europa é hoje uma sociedade multicultural, multissocial, multirreligiosa e até multieconómica. Dela emergem novas realidades, novas interpretações e novos desafios para a intervenção em saúde mental.

Ao invés de uma população normatizada, existe hoje na Europa uma sociedade de modelos multiétnicos (Rosas, 2007) que exigem dos serviços de saúde abordagens diferenciadas.

Vejamos alguns ambientes com particular especificidade.

Desde logo o local de trabalho. Estão bem descritos no estudo de revisão conduzido por Lindberg et al. (2017) a lista de indicadores que caraterizam locais de trabalho saudáveis, promotores de saúde mental.

Outro local específico é a escola.

A infância e adolescência são etapas importantes para o desenvolvimento social e emocional. Ao mesmo tempo, ter boa saúde mental e física apoia os jovens na gestão dos desafios que enfrentam durante o seu desenvolvimento.

A saúde mental deve ser uma característica de todas as iniciativas de promoção da saúde na escola. Não só a fundação da saúde mental ao longo da vida é estabelecida nos primeiros anos, mas uma abordagem escolar completa também levará a uma maior ligação ao ambiente escolar como ambiente terapêutico.

As escolas podem desempenhar um papel importante na saúde mental e no bem-estar de seus estudantes e funcionários.

Outro desafio de âmbito cultural são as migrações.

Estudos já demonstram que as migrações estão muitas vezes associadas à falta de preparação social e cultural e consequente inadaptação ambiental causadores de sofrimento (Virupaksha, Kumar & Nirmala, 2014).

Deixo-vos com alguns dos desafios que recentemente apresentei em Bruxelas na AIM Conference – The future of mental health (Cordeiro, 2018):

- Mental health at school;

- Mental health at workplace;

- Mental health and transculturality / cultural competencies;

- Mental health and migrations and minorities;

- Mental health on continuity care;

- Mental health and new medications;

- Stigma and discrimination;

- “The black dog – Depression and suicide”.

Daqui irão certamente novas reflexões e novos estudos.

 

Referências Bibliográficas

Bruce, A., Quinn, G., Degener, T., Burke, C., Quinlivan, S., Castellino, J., ... & Quinlivan S. (2002). Human rights and disability: The current use and future potential of United Nations human rights instruments in the context of disability. Geneva: United Nations Press.         [ Links ]

Cordeiro, R. (2018). Setting the scene: The panorama of mental health in Europe.         [ Links ] Conference presented at AIM Conference – The future of mental health in Europe, 16 nov 2018, Brussels, Belgium.

Lindberg, P., Karlsson, T., & Vingård, E. (2016). Determinants for positive mental health and wellbeing at work – a literature review. Presented at the 4th Wellbeing at Work 2016, May 29th to June 1st, 2016, Amsterdam, Netherlands. Disponível em: http://urn.kb.se/resolve?urn=urn:nbn:se:hig:diva-23052

Rosas, J. (2007). Sociedade multicultural conceitos e modelos. Relações Internacionais, 14, 47-56.         [ Links ]

UN General Assembly, Universal Declaration of Human Rights, 10 December 1948, 217 A (III), Disponível em: https://www.refworld.org/docid/3ae6b3712c.html

Virupaksha, H. G., Kumar, A., & Nirmala, B. P. (2014). Migration and mental health: An interface. Journal of Natural Science, Biology, and Medicine, 5(2), 233-239.         [ Links ]

World Health Organization – Europe. (‎2015)‎. The European Mental Health Action Plan 2013–2020. WHO Regional Office for Europe. Disponível em http://www.who.int/iris/handle/10665/175672        [ Links ]

 

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons