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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

versão impressa ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.spe6 Porto nov. 2018

https://doi.org/10.19131/rpesm.0219 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Evolução temporal do suicídio na Península Ibérica: 1971-2013

 

Evolución temporal del suicidio en la Península Ibérica: 1971-2013

 

Suicide trends in Iberian Peninsula: 1971-2013

 

Celeste Antão*, Cristina Teixeira**, Filomena Sousa***,Maria Augusta Veiga Branco****, & Eugénia Maria Anes*****

*Doutora; Professora Adjunta no Instituto Politécnico de Bragança, Escola Superior de Saúde, Campus de Santa Apolónia, 5300-253 Bragança, Portugal. E-mail: celeste@ipb.pt

**Doutora; Membro da Universidade do Porto, Instituto de Saúde Pública, Epidemiology Research Unit; Professora Adjunta no Instituto Politécnico de Bragança, Escola Superior de Saúde, 5300-253 Bragança, Portugal. E-mail: cistina.teixeira@ipb.pt

***Mestre; Professora Adjunta no Instituto Politécnico de Bragança, Escola Superior de Saúde, 5300-253 Bragança, Portugal. E-mail: filomena@ipb.pt

****Doutora; Professora Coordenadora no Instituto Politécnico de Bragança, Escola Superior de Saúde, 5300-253 Bragança, Portugal. E-mail: aubra@ipb.pt

*****Doutora; Professora Adjunta no Instituto Politécnico de Bragança, Escola Superior de Saúde, 5300-253 Bragança, Portugal. E-mail: eugenia@ipb.pt

 

RESUMO

CONTEXTO: O suicídio é um problema de saúde pública, associado a muito sofrimento e milhares de mortes em todo mundo.

OBJETIVO: Avaliar tendências da taxa de suicídio (TS) na Península Ibérica nas últimas quatro décadas.

METODOLOGIA: Estudo descritivo de tendências. A TS anual foi obtida através da OCDE. Modelos de regressão segmentada estimaram a variação anual percentual (%VA) e respetivo intervalo de confiança a 95% (IC95%), estratificando por país e género.

RESULTADOS: Em homens portugueses, a TS reduziu significativamente 1,3% ao ano (IC95%:-1,8;-0,7) para 1971-1993 e de 10,3% ao ano (IC95%:-16,0;-4,5) para 1993-1999 e, após tendência crescente (%VA=30,2;IC95%: -2,9;74,9) até 2002, reduziu significativamente (%VA=-1,7:IC95%:-3,2;-0,2) atingindo 13,1/100.000 em 2013. Em homens espanhóis, houve aumento significativo de 14% ao ano (IC95%:0,5;29,3) para 1981-1984 e de 0,9% ao ano (IC95%:0,3;1,6) para 1984-1997, inverteu a tendência (%VA=-1,7;IC95%:-2,3;-1,2) entre 1997 e 2011, mostrando depois tendência crescente até 2013 quando atingiu 10,8/100.000. Nas mulheres portuguesas, houve aumento significativo de 2,8% ao ano (IC95%:1,1;4,5) até1984, reverteu a tendência (%VA=-5,7: IC95%:-7,0;-4,2) entre 1984 e 2000 e, após tendência crescente, houve decréscimo significativo (%VA=-3,5; IC95%:-5,9;-1,1) até 2013 quando atingiu 3,4/100.000. Em Espanha a TS em mulheres aumentou significativamente 7,7% ao ano (IC95%:5,5;9,8) para 1979-1987, reverteu até 1992 (%VA=-4,4; IC95%:-8,2;-0,4), após uma tendência crescente até 1996, diminuiu 2,1% ao ano (IC95%:-8,2; -0,4) para1996-2011, apresentando tendência crescente (%VA=13,2;IC95%:-0,29;28,5) para 2011-2013 quando atingiu 3,4/100.000.

CONCLUSÃO: Em Portugal a TS observada nos últimos anos mostra uma tendência decrescente, este trabalho salienta a magnitude da problemática que não deve ser ignorada.

Palavras-Chave: Suicídio; Tendências; Taxas; Portugal; Espanha

 

ABSTRACT

BACKGROUND: Suicide is a public health problem, associated with much suffering and thousands of deaths worldwide

AIM: To evaluate time-trends in suicide rates (SR) in Iberian Peninsula over four decades.

METHODOLOGY: Descriptive study of trends. The SR (1971-2013) was obtained from OECD database. Annual percent change (APC) in SR and respective 95% confidence interval (95%CI) were obtained by using joinpoint regression models, stratified by gender and country.

RESULTS: Among Portuguese males, SR reduced by 1.3% (95%CI: -1.8; -0.7) and by 10.3% (CI95 %: -16.0; -4.5) per year for time-periods 1971-1993 and 1993-1999, respectively. After an increasing trend (%VA=30.2; CI95%:-2.9;74.9) between 1999 and 2002, SR decreased (%VA=-1.7; IC95%:-3.2;-0.2) up to 2013 and reached 13.1/100,000.  Among Spanish men there was an increase in SR by 14% (95%CI:0.5;29.3) and 0.9% (95%CI:0.3;1.6) per year, for time-periods 1981-1984 and 1984-1997, respectively, which reverted up to 2011 (%VA=-1.7;95%CI:-2.3;-1.2). An increasing trend was observed up to 2013 when SR reached 10.8/100,000. Among Portuguese women, SR significantly increased (%VA=2.8;95%CI:1.1;4.5) up to 1984 which reverted (%VA=-5.7;95%CI:-7.0;-4.2) between 1984 and 2000. After an increasing trend up to 2003, SR significantly decreased (%VA=3.5;95%CI:- 5.9,-1.1), reaching 3.4/100,000 in 2013. Among Spanish women, SR increased (%VA=7.7;95%CI:5.5;9.8) between 1979 and 1987, which reverted up to1992 (%VA=-4.4;95%CI:-8.2;-0.4). After an upward trend between 1992 and 1996, SR decreased by 2.1% per year (95%CI:-8.2;-0.4) up to 2011, however an increasing trend (%VA=13.2 95% CI:-0.29 to 28.5) up to 2013 when SR reached 3.4/100,000.

CONCLUSION: Although SR in Portugal presented a decreasing trend, results highlighted the magnitude of SR which should be addressed by stakeholders.

Keywords: Suicide; Trends; Rates; Portugal; Spain

 

RESUMEN

CONTEXTO: El suicidio es un problema de salud pública, asociado a mucho sufrimiento y miles de muertes en todo el mundo.

OBJECTIVO: Evaluar tendencias de la tasa de suicidio (TS) en la Península Ibérica en las últimas cuatro décadas.

METODOLOGÍA: Estudio descriptivo de tendencias. La TS anual fue obtenida a través de la OCDE. Los modelos de regresión segmentada estimaron la variación anual porcentual (% VA) y su intervalo de confianza al 95% (IC95%), estratificando por país y género.

RESULTADOS: En los hombres portugueses, TS reduce significativamente el 1,3% (IC del 95%: - 1,8; -0,7) para 1971-1993 y el 10,3% por año (95% intervalo de confianza: - 16,0, - (4,5) para 1993-1999 y, tras una tendencia creciente (% VA = 30,2, IC95%: - 2,9; 74,9) hasta 2002, se redujo significativamente (% VA = -1,7: IC95%: En los hombres españoles, hubo un aumento significativo del 14% al año (IC95%: 0,5, 29,3) para 1981-1984 y de 0,3 , El 9% al año (IC95%: 0,3, 1,6) para 1984-1997, se ha invertido la tendencia (% VA = -1,7, IC95%: - 2,3, -1,2) entre 1997 y En el año 2011, mostrando una tendencia creciente hasta 2013 cuando alcanzó los 10,8 / 100.000. En mujeres portuguesas, un aumento significativo de 2,8% por año (95% CI: 1,1; 4,5) hasta 1984, la tendencia se invirtió (VA = -5,7%: 95%:- 7,0,-(4) entre 1984 y 2000 y, tras una tendencia creciente, hubo un descenso significativo (% VA = -3,5, IC95%: - 5,9, -1,1) hasta 2013 cuando alcanzó 3,4 / 100.000. En España, la TS en mujeres aumentó significativamente un 7,7% al año (IC95%:5,5; 9,8) para 1979-1987, se volvió a 1992 (% VA=-4,4; IC95%: - 8,2 (0,4), después de una tendencia creciente hasta 1996, disminuyó un 2,1% al año (IC95%: - 8,2, -0,4) para el año 1996, con tendencia creciente (% VA = 13,2; IC95%: - 0,29, 28,5) para 2011-2013 cuando alcanzó 3,4 / 100.000.

CONCLUSIÓN: A pesar de que en Portugal TS observa en los últimos años muestran una tendencia decreciente, este trabajo pone de manifiesto la magnitud de los problemas no debe ser ignorada.

Palabras Clave: Suicidio; Tendencias; Tasas; Portugal; España

 

Introdução

O suicídio e a tentativa de suicídio são apontados como importantes problemas de saúde pública em todo o mundo (Purebl et al., 2015). É uma importante causa de morte em muitos países da Europa. Em 2013, registaram-se 60 000 mortes por suicídio nos estados membros da União. O suicídio é um fenómeno complexo, com causas múltiplas, resultante da interação de fatores de natureza filosófica, antropológica, psicológica, biológica e social. Está reconhecidamente subdeclarado na medida em que a morte por suicídio é uma morte fortemente estigmatizada, por um lado e por outro, a atribuição da etiologia suicida nem sempre é evidente (DGS, 2016).

De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, o risco de suicídio tende a aumentar com idade (OECD,2016). Além disso, há diferenças na taxa de suicídio (TS) de acordo com o género. Na união europeia a TS é quatro vezes superior nos homens em comparação com as mulheres sendo que estas tendem a usar métodos menos fatais que homens (OECD/EU, 2016).

A depressão surge como a entidade que mais contribui para as mortes por suicídio, (Santana, Costa, Cardoso, Loureiro, & Ferrão, 2015; Purebl et al., 2015), no entanto, comportamentos de risco, como consumo excessivo de álcool, uso de drogas ilegais, tabagismo, horas de sono reduzidas e uso elevado da internet podem estar associados (Purebl et al., 2015; OECD, 2014). Embora exista evidência científica a referir os problemas graves de saúde mental na esmagadora maioria das pessoas que se suicidam ou se tentam suicidar, as crises económicas, enquanto geradoras de desemprego, empobrecimento e insegurança, surgem como risco acrescido de suicídio (Wahlbeck & Mcdaid, 2012; DGS, 2016).

Além destas componentes, o fenómeno do suicídio, seus contextos e consequências, vertem para a grande área da saúde mental, um conjunto de problemáticas e constrangimentos, com os quais é necessário lidar. Desde os apoios e orientação psico afetiva dos elementos familiares, tentando dar sentido à perda, bem como o acompanhamento dos respetivos lutos, até à gestão da perturbação que se desencadeia no seio da comunidade onde o suicídio ocorre. Este conjunto de consequências, mobiliza técnicos e instituições, que de uma forma ou de outra dizem respeito à saúde mental. Eis porque, a nível global, o suicídio é uma prioridade plasmada no WHO Mental Health Action Plan (2013-2020), onde os estados membros se comprometem reduzir as taxas de incidência deste fenómeno para os 10% até 2020 (WHO, 2013).

Assim, fazer a análise da variação temporal e geográfica deste problema de saúde pública ajuda a compreender o fenómeno, permitindo não só a implementação de estratégias preventivas, mas também prever a necessária disponibilidade de profissionais e serviços de apoio, quer ao conjunto de sentimentos difíceis de gerir, quer ao processo, quase sempre doloroso, do luto. Partindo dos pressupostos atrás assumidos, foi desenvolvido um trabalho com o objetivo de conhecer e avaliar a variação temporal da TS nos dois países da Península Ibérica.

 

Metodologia

Trata-se de um estudo descritivo de tendências temporais baseado em dados secundários de vigilância epidemiológica. Recorreu-se à base de dados da OCDE (OCDE, 2017) disponível online ao público e que contém informação sobre indicadores de saúde, recolhidos de forma sistemática em cada ano civil, nos diferentes países membros da OCDE. Desta base de dados obtiveram-se as estimativas (taxas de mortalidade e número de óbitos por suicidio) para cada ano entre 1971 e 2013 reportadas em Portugal e Espanha, estratificando de acordo com o género. Com base nestas estimativas obtiveram-se os valores da população para cada ano, país e género. Para avaliar a tendência do suicídio ao longo do tempo, utilizaram-se modelos de regressão linear segmentada (joinpoint regression models) aplicados a cada grupo (homens e mulheres) e em cada país (Portugal e Espanha). Esta abordagem estatística permite obter segmentos de reta separados por pontos de inflexão (joinpoints) que indicam os anos em que houve mudança significativa na evolução temporal da mortalidade. A partir do declive de cada segmento de reta é possível obter a percentagem de variação anual (%VA) da taxa. Desta forma, obtiveram-se medidas de tendência ao longo do tempo expressas em %VA negativa (se houve diminuição durante o período) ou positiva (se houve aumento durante o período) e respetivo intervalo de confiança a 95% (IC95%). Para esta análise, utilizou-se o programa Joinpoint versão 4.3.1.0. As taxas de mortalidade observadas e previstas pelo modelo de regressão apresentam-se como sendo o número de óbitos por 100.000 indivíduos do respetivo género. O nível de significância considerado foi de 0,05. Utilizaram-se dados disponibilizados ao público em geral pela OCDE, por isso, não houve necessidade de aprovação pela Comissão de Ética.

 

Resultados

Com exceção do período entre 1995-2001 a TS nos homens é mais elevada em Portugal do que em Espanha. Em Portugal a TS nos homens variou de 17,7 a 18,8 entre 1971 e 1979, atingindo o valor mínimo de 7,5 em 2000, e aumentando depois, para atingir 13,1 em 2013. Em Espanha a TS nos homens variou de 7,5 a 10,8 ao longo do período em estudo (Gráfico 1).

 

 

O Quadro 1, mostra a %VA para a tendência temporal de TS em homens de acordo com o país. Em Portugal, observaram-se grandes flutuações na TS mas, de acordo com o modelo de regressão houve descidas estatisticamente significativas de 1,3% ao ano (IC95%: -1,8 a -0,7) entre 1971 e 1993 e de 10,3% ao ano (IC95%: -16,0 a -4,5) entre 1993 e 1999. Um aumento súbito de 30,2% ao ano (IC95%: -2,9 a 74,9) (embora sem significância estatística) observou-se nos três anos subsequentes, verificando-se uma reversão, com descida da TS de 1,6% ao ano (IC95%: -3,2; - 0,15) entre 2002 e 2013.

 

 

Em Espanha, e diferentemente do ocorrido em Portugal, foram constatados aumentos significativos da TS em homens de 14% ao ano (IC95%: 0,5 a 29,3) entre 1981 e 1984 e de 0,9% ao ano (IC95%: 0,3 a 1,6) entre 1984 e 1997, depois esta tendência reverteu para descida significativa entre 1997 e 2011 (%VA=-1,7; IC95%: -2,3; -1,2), voltando a observar-se uma tendência crescente embora não significativa nos últimos 3 anos (%VA=6,7; IC95%: -3,7; 18,4).

As tendências da TS observadas em mulheres de Portugal e Espanha são muito semelhantes às observadas no grupo de homens do respetivo país, embora com valores notoriamente mais baixos.

Em Portugal, a TS em mulheres variou de 3,5 para 6,0 entre 1971 e 1984, atingiu o valor mínimo de 1,6 em 2000 e após algumas flutuações ficou em 3,4 em 2013.

Em Espanha, esta taxa variou de 2,3 a 3,8 entre 1971 e 1996 e com várias flutuações atingiu o valor 3,4 em 2013 (Gráfico 2).

 

 

Analisando as tendências temporais da TS em mulheres (Quadro 2), em Portugal, destaca-se uma tendência decrescente significativa entre 1984 e 2000, (%VA=-5,7 IC95%: -7,0 a -4,2). No período de 2000 a 2003, verifica-se um aumento de 26% ao ano (IC95%: -10,6 a 77,4), embora sem significância estatística. Desde 2003, observou-se em Portugal uma redução significativa da TS de 3,5% ao ano (IC95%: -5,9; -1,1).

 

 

Em Espanha, houve um aumento significativo da TS em mulheres (%VA=7,7 IC95%: 5,5 a 9,8) entre 1979 e 1987 que reverteu até 1992 (%VA=-4,4 IC95%: -8,2 a -0,4).

Observou-se um novo aumento seguido de redução da TS na população feminina espanhola, respetivamente entre 1992 e 1996 (%VA=3,7 IC95%: 3,0 a 11,0) e entre 1996 e 2011 (%VA=-2,1 IC95%: -2,7 a -1,5). No último período (2011-2013), observou-se uma tendência crescente, embora não estatisticamente significativa (%VA=13,2 IC95%: -0,29 a 28,5).

 

Discussão

De uma forma geral a TS tanto em homens como em mulheres são mais elevadas em Portugal do que em Espanha. Os pontos de inflexão e a variação da TS são em cada país muito semelhantes entre homens e mulheres, no entanto a TS é mais elevada nos homens que nas mulheres em ambos os países, corroborando o reportado por outros autores (Santana et al., 2015).

Embora Portugal apresente valores de TS mais elevados, o decréscimo ocorrido até 1999 em homens e no ano de 2000 em mulheres, esta evidência colocou Portugal numa posição mais favorável em relação a Espanha, mas apenas nos últimos anos da década de 90.

 A partir de 2002, Portugal volta a apresentar valores de TS mais elevados comparativamente a Espanha, e, embora a tendência temporal da TS observada em Portugal nos últimos anos da série, seja decrescente, para ambos os géneros, em Espanha verifica-se algo diferente: os dados registam uma tendência crescente de 2011a 2013 em homens, e de 2010 a 2013, esta tendência ocorre em mulheres.

O desemprego é um fator que tem sido associado ao suicídio pela vulnerabilidade social e económica que gera (Wahlbeck & Mcdaid, 2012; DGS, 2016).Todavia, Espanha apresenta desde 1986, as taxas de desemprego mais elevadas que Portugal, mas curiosamente, os dados relativos a Espanha, apresentam valores de TS mais baixos (INE, 2017). Esta evidência, não só expõe o fenómeno do suicídio como um fenómeno multifatorial, como sugere que, há outros fatores – eventualmente protetores – que de facto podem contrariar a tendência para o suicídio em contextos económicos adversos.

Sendo a doença mental o principal fator associado ao suicídio, a maior prevalência de problemas mentais na população portuguesa, em relação a outros países europeus o que pode explicar os valores mais elevados observados em Portugal (Santana et al., 2015). Em Portugal, salienta-se a tendência decrescente de casos de suicídio observada desde 2003. Esta tendência pode ser parcialmente explicada por algumas melhorias, embora aquém do desejado, que se têm observado no contexto português. De facto, em Portugal, ao longo da última década, o número de consultas de saúde mental duplicou (DGS, 2015).

A realidade encontrada sugere uma reflexão de toda a comunidade e profissionais no sentido de um maior investimento na Saúde Mental Positiva, integrada numa lógica de Promoção da Saúde Mental que deve ser uma prioridade (Cortez, 2016). A preocupação com os resultados é maior, se considerarmos que por cada suicídio, há muitas mais tentativas que deixam sequelas graves nos indivíduos (DGS, 2015). Estimativas dizem-nos que para cada adulto que morreu de suicídio, podem ter ocorrido mais de 20 outras tentativas de suicídio (Sher, 2004; World Health Organization, 2014).

Apesar do suicídio ser mais prevalente em idades mais avançadas, emerge a reflexão e um acutilante esforço na promoção da saúde mental em todos os grupos etários e consequentemente no bem-estar das populações em geral. Com o agravamento das doenças mentais a nível mundial, prevê-se um agravamento da TS, quiçá proporcional ao aumento de incidência, nas respetivas zonas geográficas onde estas patologias se verificarem. Em Portugal, e segundo a DGS (2017), é espectável a ocorrência de um aumento da prevalência de algumas doenças mentais, assim como o aumento da taxa de suicídio em alguns setores da população (DGS, 2017), razão porque faz todo o sentido conhecer com critério as oscilações cronológicas tanto de TS, como de ocorrências de patologia mental. A monitorização deste problema deve ser uma prioridade dos governos, de modo a proporcionar respostas antecipadas e investir na promoção da saúde mental em geral e dos idosos em particular. Cada vez mais, o investimento nesta área deverá passar pelo aumento de competências sociais e emocionais ao longo do ciclo vital para ajudar a lidar com a adversidade.

Esta perspetiva, juntamente com outras evidências que vão surgindo a partir de investigações e estudos realizados poderá ser um fator mobilizador de profissionais, de gestores institucionais, e sobretudo de decisores políticos. A implementação de políticas de apoio à família, permitindo uma maior estabilidade familiar, a promoção da coesão social e do desenvolvimento sustentado das comunidades poderá ser importante na valorização da saúde mental (Alves & Rodrigues, 2010), das mesmas, porque apesar de o comportamento suicida decorrer de uma tragédia pessoal e familiar, acaba por emergir como uma problemática mais alargada, não só da responsabilidade e competência da saúde mental em particular, como também da saúde pública em geral.

 

Conclusão

Embora Portugal apresente uma tendência decrescente para a TS em homens e mulheres nos últimos anos, os seus valores são superiores aos observados no país vizinho. Os resultados encontrados enfatizam o recomendado no Plano Nacional de Prevenção do Suicídio Português (PNPS) 2013-2017, onde a prevenção, é uma necessidade premente, tanto mais que reconhece que a subnotificação dos suicídios, oculta a verdadeira dimensão do fenómeno (DGS, 2016).

 

Implicações para a Prática Clínica

Tendo em conta, que tanto Espanha como Portugal vivenciaram contextos socioeconómicos adversos, a posição desfavorável de Portugal comparativamente a Espanha no que respeita à TS requer uma maior consciência desta realidade por parte dos decisores em matéria de planeamento serviços de saúde em geral, e da saúde mental em particular. Do ponto de vista da práxis clínica, torna-se pertinente a aquisição de uma consciência, baseada na evidência, em matéria da ideação suicida bem como da sua consecução. É essencial que gestores, decisores e especialistas da área da saúde mental, reconheçam a necessidade deste conhecimento e dessa consciência. Não só para promoverem a desaceleração da tendência de suicídio nos contextos onde as suas variáveis promotoras se verificam, mas também e sobretudo, para se organizarem enquanto corpo formativo e cuidativo nesta matéria, para atingir o objetivo prioritário consignado pelo WHO Mental Health Action Plan (2013-2020), na redução das taxas de incidência da TS e, não menos importante, na redução económica em recursos e técnicos, quase sempre de caráter multiprofissional - para tratarem as respetivas consequências.

 

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Recebido em 30 de dezembro de 2017

Aceite para publicação em 9 de abril de 2018

 

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