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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

versão impressa ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.spe6 Porto nov. 2018

https://doi.org/10.19131/rpesm.0218 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Exploração da autocompaixão no contexto de um programa de mindfulness-based cognitive therapy

 

Exploration of self-compassion in the context of a mindfulness-based cognitive therapy

 

Exploración de la autocompasión en el contexto de un programa de mindfulness-based cognitive therapy

 

Carla Serrão*, & Sílvia Alves**

*Doutora; Professora Adjunta no Instituto Politécnico do Porto, Escola Superior de Educação, Unidade Técnico-Científica de Psicologia, Rua Dr. Roberto Frias, 4050 Porto, Portugal. E-mail: carlaserrao@ese.ipp.pt

**Doutora; Assistente de Investigação no Instituto Politécnico do Porto, Escola Superior de Educação, Centro de Inovação & Investigação em Educação - inED, Porto, Portugal, silviaalves@ese.ipp.pt

 

RESUMO

CONTEXTO: Os profissionais de saúde e da área social estão diariamente expostos a situações de sofrimento que podem gerar stresse e burnout e afetar a tarefa de cuidar. Desenvolvidos sobretudo em populações clínicas, os programas de intervenção baseados em Mindfulness – especificamente o Mindfulness-Based Cognitive Therapy (MBCT) – têm demonstrado resultados promissores na redução da depressão, do stresse e da ansiedade.

OBJETIVO(S): Avaliar o efeito do MBCT, desenvolvido junto de profissionais de saúde e da área social, nos níveis de Mindfulness, autocompaixão, stresse, ansiedade e depressão e explorar a relação entre a autocompaixão e as restantes variáveis em estudo.

METODOLOGIA: 26 profissionais/futuros profissionais de saúde e da área social que participaram no programa MBCT completaram a avaliação pré e pós-intervenção; Instrumentos: Escala de Autocompaixão, Questionário Cinco Facetas Mindfulness, Escala de Stresse Percebido, Inventário de Depressão de Beck e Inventário de Ansiedade de Beck.

RESULTADOS: Os participantes aumentaram nos níveis de Mindfulness e de autocompaixão e reduziram nos sintomas de depressão e de ansiedade. Os resultados indicam ainda uma associação, entre moderada e forte, entre as diferentes componentes da autocompaixão e o Mindfulness e o stresse antes e após o programa.

CONCLUSÕES: Os resultados positivos do programa de MBCT sugerem o seu potencial para desenvolver nos profissionais competências essenciais à intervenção terapêutica, designadamente uma maior compreensão e aceitação da pessoa e do seu sofrimento.

Palavras-Chave: Atenção plena; Meditação; Empatia

 

ABSTRACT

BACKGROUND: Health and social workers are daily exposed to suffering situations that can generate stress and burnout and affect the task of caring. Developed primarily in clinical settings, Mindfulness-Based intervention programs - specifically Mindfulness-Based Cognitive Therapy (MBCT) - have shown promising results in reducing depression, stress, and anxiety.

AIM: To evaluate the effect of MBCT on health and social professionals in the Mindfulness, self-compassion, stress, anxiety and depression levels, and explore the relationship between self-compassion and the remaining variables under study.

METHODOLOGY: 26 professionals/future health and social workers who participated in the MBCT program completed the pre and post-intervention evaluation; Instruments: Self-compassion Scale, Five Facet Mindfulness Questionnaire, Perceived Stress Scale, Beck Depression Inventory, and Beck Anxiety Inventory.

RESULTS: Participants increased levels of Mindfulness and self-compassion and reduced symptoms of depression and anxiety. Results also indicate an association, between moderate and strong, between the components of self-compassion and Mindfulness and stress before and after the program.

CONCLUSIONS: The positive effects of the MBCT program suggest its potential to foster in professionals the development of essential skills for therapeutic intervention, namely a greater understanding and acceptance of the person and the suffering experience.

Keywords: Mindfulness; Meditation; Empathy

 

RESUMEN

CONTEXTO: Los profesionales de salud y del área social están diariamente expuestos a situaciones de sufrimiento que pueden generar estrés y burnout y afectar la tarea de cuidar. Desarrollados sobre todo en las poblaciones clínicas, los programas de intervención basados ​​en Mindfulness, especialmente el Mindfulness-Based Cognitive Therapy (MBCT), han demostrado resultados prometedores en la reducción de la depresión, el estrés y la ansiedad.

OBJETIVO(S): Evaluar el efecto del MBCT, desarrollado junto a profesionales de la salud y del área social, en los niveles de Mindfulness, autocompasión, estrés, ansiedad y depresión y explorar la relación entre la autocompasión y las restantes variables en estudio.

MÉTODOLOGÍA: 26 profesionales/futuros profesionales de salud y del área social que participaron en el programa MBCT completaron la evaluación pre y post-intervención. Instrumentos: Self-compasión Scale, Cinco Facet Mindfulness Cuestionario, Perceived Stress Scale, Beck Depression Inventory, y Beck Anxiety Inventory.

RESULTADOS: Participantes aumentaron en los niveles de Mindfulness y de autocompasión y redujeron en los síntomas de depresión y de ansiedad. Hay una asociación, entre moderado y fuerte, entre los componentes de la autocompasión y el Mindfulness y el estrés antes y después del programa.

CONCLUSIONES: Los resultados positivos obtenidos con el MBCT sugieren su potencial para desarrollar en los profesionales competencias esenciales para la intervención terapéutica, en particular una mayor comprensión y aceptación de la persona y de su sufrimiento.

Palabras Clave: Atención plena; Meditación; Empatía

 

Introdução

O conceito de mindfulness tem sido descrito como a qualidade da consciência para prestar atenção, de forma intencional e com uma atitude de não julgamento, às experiências (pensamentos, sensações e emoções) do momento presente (Kabat-Zinn, 2003). Muitas vezes traduzido para português como “atenção plena”, o mindfulness inclui uma “qualidade afetuosa e compassiva no ato de estar presente e atento, um sentido de abertura, presença amigável e interesse” (Kabat-Zinn, 2003, p. 145). Embora a sua origem remonte a mais de 2000 anos, foi durante a década de 90 do século passado que o mindfulness ganhou atenção enquanto instrumento de intervenção terapêutica para tratar problemas psicológicos comuns como o stresse, a ansiedade e a depressão (Keng, Smoski, & Robins, 2011).

Neste contexto, Teasdale, Segal e Williams (1995) desenvolveram o Mindfulness-Based Cognitive Therapy (MBCT) com o objetivo, inicial, de intervir em pacientes com depressão major. O MBCT habilitava os pacientes a tornarem-se mais conscientes dos seus padrões automáticos de pensamentos, sentimentos e sensações corporais e através de práticas de mindfulness, os mesmos estariam em condições de reconhecer os pensamentos intrusivos e ruminativos associados a estes quadros clínicos (Teasdale et al., 1995). De facto, o MBCT promove o treino de atitudes de atenção plena, de não julgamento, de compaixão e de curiosidade (Segal, Williams, & Teasdale, 2002), possibilitando aos sujeitos a ampliação da capacidade de relação com os seus pensamentos e sentimentos como meros eventos mentais transitórios e não como elementos fixos e inalteráveis da mente. Os participantes aprendem a estar conscientes das reações cognitivas automáticas ao stresse ou humor negativo e a observar essas reações com curiosidade e gentileza (Raab, 2014; Segal et al., 2002). Este reconhecimento dos padrões da mente é possibilitado pela aceitação de tudo o que emerge na mente, agradável ou desagradável, sem a necessidade de fugir ou de lutar.

Embora o MBCT tenha sido originalmente utilizado em populações clínicas, existem evidências do sucesso da sua aplicação junto de profissionais de saúde na redução de stresse e de burnout (Luberto et al., 2017; Shapiro, Brown, & Biegel, 2007; Sinclair, Kondejewski, Raffin-Bouchal, King-Shier, & Singh, 2017). Surpreendentemente, são poucos os estudos que analisam o efeito destes programas em variáveis positivas, como a autocompaixão. 

A autocompaixão é uma atitude que envolve sentimentos de bondade, de compreensão e de autoaceitação de si próprio, assim como o reconhecimento do seu próprio sofrimento/dor e a aceitação das falhas e erros enquanto parte da condição humana (Neff, 2003). Compreende três componentes interligadas: calor/compreensão (ser amável e compreensivo em relação a si mesmo, em vez de se culpabilizar ou criticar); condição humana (reconhecer que as experiências dolorosas fazem parte da vida, em vez de se sentir isolado e desconectado de outras pessoas ou do mundo); mindfulness (tomar consciência e estar atento às emoções e pensamentos dolorosos, em vez de os evitar, suprimir ou reagir emocionalmente aos mesmos). A capacidade de mindfulness integra assim a autocompaixão, distinguindo-se do conceito geral de mindfulness (Neff & Germer, 2013), pelo foco no sofrimento e nas experiências negativas. Em contraste, o mindfulness enfatiza a atenção a todas as experiências (incluindo o alerta aos estímulos sensoriais e a consciência dos sentimentos e sofrimento), independentemente de serem positivas ou negativas.

Este estudo teve como objetivo avaliar o efeito do MBCT, desenvolvido junto de profissionais de saúde e da área social, nos níveis de mindfulness, autocompaixão, stresse, ansiedade e depressão. Para além disso, pretendemos explorar a relação entre a autocompaixão e as restantes variáveis em estudo.

 

Metodologia

Participantes

Participaram no programa MBCT 41 estudantes portugueses do Curso de Pós-graduação Internacional em Terapias Cognitivo-comportamentais de Terceira Geração - Mindfulness. Contudo, apenas 26 estudantes completaram a avaliação pré (T1) e pós-intervenção (T2). A amostra incluiu psicólogos e futuros psicólogos (84.6%, n = 22), médicos (7.7%, n=2) e assistentes sociais (7.7%, n=22), com idades entre os 23 anos e 54 anos (M = 34.5; DP = 9.1). Vinte e cinco estudantes eram mulheres e a maioria era solteira (n = 18; 69.2%).

Programa Mindfulness-Based Cognitive Therapy (MBCT)

Foi desenvolvido o programa MBCT de Segal et al. (2002), em regime de retiro e com a duração de 5 dias, 10 sessões de cerca de 2h30 cada, na Universidade de Bangor (País de Gales, Reino Unido) e teve como objetivo desenvolver nos estudantes a capacidade para analisar os padrões da mente, independentemente do seu conteúdo e carga emocional. Para o efeito foram utilizadas técnicas de body scan, meditação sentado, deitado e em movimento, hatha yoga.

Instrumentos

Escala de Autocompaixão [EAC] (Self-Compassion Scale, Neff, 2003; versão portuguesa de Castilho & Pinto-Gouveia, 2011), constituída por 26 itens pontuados numa escala tipo Likert (1=“nunca” a 5=“quase sempre”). Os itens distribuem-se por 6 subescalas: calor/compreensão (capacidade para ser amável e compreensível para consigo próprio); autocrítica (tendência para ser intolerante e autocrítico com as suas experiências difíceis ou erros); condição humana (entendimento das próprias experiências como parte de uma experiência humana maior); isolamento (sentimentos de desconexão e de separação em momentos desafiantes); mindfulness (consciência equilibrada e aceitação dos próprios sentimentos, sem uma excessiva sobre identificação com os mesmos); e sobre identificação (tendência para estar excessivamente imerso e consumido por sentimentos negativos). Obtiveram-se os seguintes alphas de Cronbach: .93 para o calor/compreensão, .79 para autocrítica, .85 para condição humana, .83 para isolamento, .71 para mindfulness e .78 para sobre identificação. No que se refere à escala global, obtivemos um alpha de Cronbach de .94.

Questionário Cinco Facetas Mindfulness [QCFM] (Five Facet Mindfulness Questionnaire; Baer, Smith, Hopkins, Krietemeyer, & Toney, 2006; versão portuguesa Gregório & Gouveia, 2011), constituído por 39 itens organizados em cinco subescalas: observar (capacidade de observar experiências e reações internas); descrever (habilidade de colocar palavras em sentimentos); agir com consciência (capacidade de fazer ações conscientes e deliberadas); não julgar (aceitação do estado interior, ao invés de julgar pensamentos ou emoções como boas ou más); e não Reagir (processamento de estímulos emocionais sem reagir). A escala é de tipo Likert (entre 1= “nunca ou muito raramente verdadeiro”) e 5 pontos (“muito frequentemente ou sempre verdadeiro”). Os valores da consistência interna foram os seguintes: Observar, α = .70; Descrever, α =.92; Agir com Consciência, α = .89; Não Julgar, α = .96; Não Reagir, α = .76; e um alpha da escala total de .85.

Escala de Stresse Percebido [ESP] (Perceived Stress Scale; Cohen, Kamarch, & Mermelstein, 1983; versão portuguesa de Moreira, 2002), constituída por 10 itens, avaliados numa escala tipo Likert com 5 pontos (0=“nunca” a 4=”muito frequentemente”). O coeficiente alpha de Cronbach, evidenciou uma fiabilidade adequada de .90.

Inventário de Ansiedade de Beck [IAB] (Beck Anxiety Inventory; Beck, Epstein, Brown, & Steer, 1988; versão portuguesa de Ponciano, Cardoso, & Pereira, 2005), constituída por 21 itens permite medir a intensidade da ansiedade auto reportada pelos indivíduos, consistindo em afirmações descritivas de sintomas de ansiedade classificados numa escala de 4 pontos (0=“nunca”; 1=“suavemente, mas não me incomodou”; 2=“moderadamente, por vezes foi desagradável”; 3=“severamente, aborreceu-me muito”). O valor alpha de Cronbach foi de .88.

Inventário da Depressão de Beck [IDB] (Beck Depression Inventory; Beck,Ward, Mendelson, Mock, & Erbaugh, 1961; versão portuguesa de Vaz Serra & Pio Abreu, 1973), instrumento de autorresposta com 21 itens, que avalia a intensidade de sintomas depressivos numa escala de 0 (ausência de sintomatologia) a 3 pontos (sintomatologia severa). No presente estudo, o valor de alpha de Cronbach foi de .90. Foi ainda ministrado um questionário sociodemográfico (e.g., idade, profissão, género).

Procedimento

Aos participantes foram apresentados os objetivos do estudo, garantida a confidencialidade dos dados e pedido o seu consentimento informado. A primeira fase de recolha de dados (T1) ocorreu no dia anterior ao início do programa MBCT (26 de fevereiro) e a segunda fase de recolha (T2) foi realizada no final do programa MBCT (5 de março). Os dados recolhidos foram introduzidos e tratados estatisticamente com recurso ao SPSS. Utilizaram-se análises descritivas (média, desvio-padrão) para proceder à caracterização das variáveis em análise antes (T1) e após (T2) a intervenção MBCT. Recorremos ao teste não-paramétrico de Wilcoxon para avaliar os efeitos do programa MBCT e ao Coeficiente de Correlação de Spearman para analisar as correlações entre as variáveis em estudo.

 

Resultados

A comparação das médias entre o momento pré (T1) e pós-intervenção (T2) MBCT encontra-se na Tabela 1 e evidencia uma redução da perceção de stresse, dos sintomas de depressão e de ansiedade e um aumento da autocompaixão e do mindfulness no momento T2. Com efeito, verificaram-se diferenças estatisticamente significativas entre T1 e T2, ao nível global da autocompaixão (Z = -1.969, p = .049), dos sintomas de ansiedade (Z = 2.042, p = .041), dos sintomas de depressão (Z = 3.350, p = .001) e do mindfulness (Z = -2.832, p = .005). Os valores de r indicaram efeitos modestos a moderados.

Foram também analisadas as diferenças entre T1 e T2, ao nível dos diferentes constructos avaliados na EAC e no QCFM. Os resultados do teste de Wilcoxon evidenciaram diferenças estatisticamente significativas ao nível da capacidade de observar (Z = -3.612, p < .001), da capacidade de não reagir (Z = -2.106, p = .035), e da capacidade de descrever (Z = -2.178, p = .029). Relativamente às diferentes subescalas da EAC, foi apenas na subescala isolamento que se verificaram alterações próximas da significância estatística, com um efeito modesto.

 

 

As correlações entre as variáveis em estudo nos momentos pré (T1) e pós (T2) MBCT encontram-se na Tabela 2. Os níveis iniciais de autocompaixão estão positivamente correlacionados com os níveis de mindfulness (QCFM) (rho = .819, p < .001) e negativamente correlacionados com os níveis de stresse (rho = -.764, p < .001) e sintomas de depressão (rho = -.636, p < .001). Após a participação no MBCT, verificamos que os níveis de autocompaixão estão significativa e positivamente corelacionados com o mindfulness (QCFM) (rho =.655, p < .001) e negativamente correlacionados com a perceção de stress (rho = -.644, p < .001) e com os sintomas de ansiedade (rho = -.411, p < .005).

Estes resultados indicam que os indivíduos com maior autocompaixão tendem a exibir níveis mais elevados de mindfulness e níveis mais reduzidos de stresse. A par disto verificou-se que todas as componentes da autocompaixão apresentam uma correlação, moderada a forte, com o mindfulness em T1 e T2. 

 

Discussão

Este estudo revelou benefícios do treino MBCT. Os participantes aumentaram nos níveis de mindfulness e de autocompaixão e reduziram nos sintomas de depressão e de ansiedade. A ausência de efeitos nas subescalas da autocompaixão poderá explicar-se pelo facto dos participantes apresentarem, antes da frequência do MBCT, um elevado grau de autoaceitação face às suas falhas (calor/compreensão), reconhecendo que os sentimentos de dor e de falha constituem experiências universais (condição humana), assim como uma elevada consciência das suas experiências dolorosas (mindfulness).

Os resultados obtidos corroboram estudos prévios que descrevem uma associação entre a autocompaixão e o mindfulness (Baer, Lykins, & Peters, 2012; Shapiro et al., 2007). Especificamente, os dados sugerem que o aumento de mindfulness ao longo do programa está relacionado com o aumento da autocompaixão, na pontuação global e em todas as subescalas, apoiando investigações onde foi reportado o papel essencial do mindfulness na efetivação das mudanças provocadas pelo MBCT, bem como o argumento de Neff (2003) de que o mindfulness é um pré-requisito da autocompaixão.

O conceito de mindfulness foi neste estudo tratado como uma experiência abrangente que envolve a consciência do corpo, dos estímulos envolventes (i.e., som, luz,…), bem com dos pensamentos e emoções que ocorrem a cada momento. Neste sentido, os resultados obtidos sugerem que intervenções baseadas em mindfulness, enquanto conceito geral, afetam também a capacidade de mindfulness enquanto componente da autocompaixão que remete para a forma como os sujeitos experienciam e aceitam as suas experiências de sofrimento. A compaixão face às experiências internas é descrita como um aspeto essencial ao desenvolvimento de compaixão em relação a outras pessoas (Birnie, Speca, & Carlson, 2010; Neff, 2003; Raab, 2014). Os profissionais com níveis mais baixos de autocompaixão e mais elevados de autocrítica e sobre identificação, tendem a ser mais críticos na relação de ajuda com os sujeitos com quem intervém e a obter resultados menos positivos da sua intervenção (Rimes & Wingrove, 2011; Shapiro et al., 2007; Sinclair et al., 2017).

 

Conclusão

Face aos resultados deste estudo verificamos que a participação no programa de MBCT resultou em efeitos positivos no desenvolvimento das capacidades de mindfulness e de autocompaixão em profissionais/futuros profissionais de saúde e da área social. Estes profissionais, por estarem particularmente vulneráveis a desenvolverem estados de stresse e de burnout, fruto da constante exposição a situações de sofrimento e dificuldades emocionais, beneficiariam com a participação em programas de MBCT, especificamente com o desenvolvimento de competências essenciais inerentes à relação de ajuda.

Este estudo de carácter essencialmente exploratório apresenta como limitações o número reduzido de participantes, o facto de não ter um grupo de controlo e de a intervenção ter sido implementada de forma intensiva em cinco dias. Investigações futuras deverão utilizar um método de recrutamento e distribuição aleatória de sujeitos pelos grupos experimental e de controlo. Para além disso, a reprodução deste estudo com amostras mais alargadas possibilitará um estudo mais aprofundado da influência das variáveis sociodemográficas na autocompaixão e no mindfulness.

 

Implicações para a Prática Clínica

Os efeitos positivos do programa MBCT obtidos neste estudo sugerem a sua relevância no desenvolvimento de uma maior compreensão e aceitação da pessoa e do seu sofrimento. Neste sentido, a implementação deste tipo de programas junto de profissionais de saúde e da área social poderá auxiliar no desenvolvimento de mecanismos de autorregulação emocional e de autocompaixão, imprescindíveis à intervenção terapêutica.

 

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Recebido em 30 de dezembro de 2017

Aceite para publicação em 2 de abril de 2018

 

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