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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

versão impressa ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.spe4 Porto out. 2016

https://doi.org/10.19131/rpesm.0134 

EDITORIAL CONVIDADO

 

Tecnologias do cuidar destinadas a diminuir as disparidades em saúde mental

 

Care technologies aiming at the reduction of disparities in mental health

 

Tecnologías de cuidado destinadas a la reducción de disparidades en la salud mental

 

Iraci dos Santos*

*Professora Titular de Pesquisa em Enfermagem na Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Boulevard 28 de Setembro, 157, 20551-030 Rio de Janeiro - RJ, Brasil. E-mail: iraci.s@terra.com.br

 

Inicialmente, agradecemos o privilégio de poder contribuir através de um Número Especial da Revista Portuguesa de Saúde Mental. Tal contribuição se revela na disseminação do conhecimento descrito por professores e estudantes, em 11 trabalhos científicos, ocorrida no I encontro Internacional Inovação no Ensino na Saúde e Enfermagem, realizado na Universidade Federal Fluminense-Rio de Janeiro -Niterói, em 2016. Do mesmo modo, destacamos que este Editorial foi descrito focalizando a necessidade de um atendimento ao cliente com transtornos mentais, privilegiando sua integralidade e dignidade humana. Portanto, vale historiar um pouco do que se passa, atualmente, na qualidade do cuidado aos clientes com sofrimento psíquico.

Segundo a World Health Organization (WHO), as pessoas em sofrimento psíquico de um modo geral, ficam mais vulneráveis a violações dentro e fora de contextos institucionais. Existem registros de violência contra essa clientela em diferentes países, seja dentro de suas próprias comunidades e/ou no seio de suas famílias (WHO, 2005).

O relatório de projeção da mortalidade e da carga global de doenças 2002–2030 revelou através da Disability Adjusted Life-Year (DALY) a verdadeira dimensão das perturbações mentais. Vários determinantes sociais, tais como o baixo nível socioeconômico (pobreza), a baixa escolarização, dificuldades de acesso ao mundo do trabalho, e a falta de acesso ao tratamento, tem sido extensamente estudada como um forte fator para contribuir para o desenvolvimento dos transtornos mentais (Alves e Rodrigues, 2010).

A Carta das Nações Unidades (ONU) e os acordos internacionais tomam como base os direitos humanos, para fundamentar as legislações e políticas em saúde mental. A igualdade é uma condição sine qua non de direitos, afim de evitar a discriminação contra as pessoas com transtornos mentais. Geralmente a discriminação mimetiza-se em diferentes formas - abertas ou involuntárias - afetando diferentes áreas fundamentais da vida. Discriminar pode influir no acesso de uma pessoa ao tratamento e atenção adequada as suas necessidades de saúde. As disparidades em saúde podem aumentar o isolamento, e como consequência exacerbar os transtornos mentais (WHO, 2005).

As disparidades arvoram a vulnerabilidade, principalmente das pessoas em sofrimento psíquico. Para estas minorias historicamente há uma assimetria entre cuidados em saúde e direitos sociais. Alguns desses indivíduos possuem vínculos sociais esmaecidos, apresentam dificuldade para viverem sozinhos e gerenciar suas vidas em sociedade. A noção de vulnerabilidade supera a ideia clássica de risco e se apresenta como um conceito que solicita transformações nas práticas assistenciais, isto porque, em seu bojo, torna-se imprescindível pensar estas práticas como sociais e históricas, que requerem o trabalho de diferentes setores da sociedade, tornando a transdisciplinaridade como um fenômeno indispensável (Coa e Pettengill, 2011).

Apesar de adotarem estratégias distintas para realizarem as suas respectivas reformas psiquiátricas, Brasil e Portugal, possuem em comum a criticidade em relação ao modelo manicomial. Em Portugal desde a década de 1960, mais fortemente influenciada a partir da Lei 2118/63, quando através desta, foram apresentados os princípios reformadores da política destinada ao cuidar mais humanizado em saúde mental, alvo de diversa criticas (Filho et. al., 2015). A principal por conservar a característica hospitalar da assistência, o que gerou fortes críticas por parte dos atores envolvidos no processo de reforma, que ansiavam por mais dignidade, podendo-se assim gerar o cuidar.

Já no Brasil, o processo de reforma psiquiátrica avulta-se com o fim do período de ditadura militar, iniciando no final da década de 1970, motivado por grupos de trabalhadores em saúde mental inconformados com as condições desumanas, as quais pessoas em sofrimento psíquico se encontravam. No entanto, legislação específica, passou a existir somente na virada do milénio, em 2001, através da Lei 10.216, que incentivou a criação de serviços de base territorial, visando manter os indivíduos integrados aos seus contextos sociais (Filho et. al., 2015).

No Brasil, esse processo configura-se pela construção de uma rede de cuidados e de serviços substitutivos ao modelo hospitalocêntrico. Rompendo drasticamente com o modelo psiquiátrico tradicional. Um dos principais instrumentos dessa proposta humanitária de cuidar são os Centros de Atenção psicossocial (CAPS). Entendidos como uma estratégia de transformação da assistência que se concretiza numa ampla e complexa rede de cuidados, não se esgotando a implementação de um serviço (Yasui, 2010). “O CAPS é meio, é caminho, não o fim. É a possibilidade da tessitura, da trama, de um cuidado que não se faz em apenas um lugar, mas é tecido em uma ampla rede de alianças que inclui diferentes segmentos sociais, diversos serviços, distintos atores e cuidadores” (Yasui, 2010, p. 114).

Portanto, pensar sobre o cuidado ofertado em saúde mental se faz urgente para que ocorram transformações nos modelos de prática. Embora cuidar seja um atributo inerente a todos os seres humanos, na área da saúde. Especialmente, na enfermagem, o cuidado é algo genuíno e peculiar. Só se promove o cuidado integral, quando efetivamente é desenvolvido por quem está próximo, junto com o cliente, convivendo e interagindo nos seus movimentos de ser e de estar nessa situação ou condição do viver (Santos, 2012).

Alerta-se sobre a adoção histórica do modelo biomédico, este responde apenas às necessidades vitais do corpo físico, sem possibilitar a reflexão sobre a insuficiência de seu enfoque prioritário nas múltiplas dimensões corporais, nas causas físicas e psíquicas das doenças. A contradição dessa opção com o discurso do cuidado atendendo a integralidade do cliente, alvo da atenção humanista pretendida pela enfermagem, provoca conflitos naqueles que, efetivamente a praticam.

O I encontro Internacional Inovação no Ensino na saúde e Enfermagem, promovido pela Universidade Federal Fluminense possibilitou reunir diferentes investigadores voltados às inovações tecnológicas do cuidar e em saúde mental. A coletânea de estudos e pesquisas contidos nesta revista, reflete a multiplicidade de olhares sob o cuidar. Referente a necessidade de inovações no cuidar, ratificam Cotta, Castro e Botti (2010), que cotidianamente nesta área, as tecnologias emergem dos processos de trabalho, no qual se articulam os conjuntos de saberes, instrumentos e práticas. Então, com o advento da reforma psiquiátrica, novas tecnologias para cuidar de sujeitos em sofrimento psíquico surgiram.

Para esses autores, o componente ético é de suma importância para os profissionais dessa área. Há o desafio de integrar o conhecimento científico, as competências técnicas e principalmente, a sensibilidade humana e a ética numa abordagem transdisciplinar. Instrumentalizando a atuação, bem como a formação profissional, a fim de compreender o cliente com uma patologia psíquica crônica como uma pessoa, possibilitando assim, desconstruir a visão marginalizada existente sobre esta.

O cuidar qualificado remonta ao autoconhecimento do profissional e ao reconhecimento dos clientes, respeitando sua dignidade e necessidades humanas na integralidade de suas dimensões corporais física, mental e espiritual. Pois a enfermidade, em si, não se restringe apenas ao corpo físico e social. Na complexidade existencial, vivemos situações que nos permitem chorar de alegria, enlouquecer de felicidade, mentir para ser feliz, maltratar a quem se ama, ocultar a revolta, a solidão, a tristeza, a infelicidade e trabalhar sem descanso, usando a capa da reconhecida loucura (Santos, Silva, Clos, e Silva, 2015).

Aos leitores desta revista, sugere-se a leitura dos estudos que utilizaram a perspectiva estética sociopoética. Considerando a estética como um cuidado que respeita a dignidade humana de um cliente vivo, seja ele autônomo ou dependente saudável ou acometido por alguma moléstia, seja física ou psíquica. Portanto, o cuidar respeita o individuo em suas mais polimorfas dimensões, constituintes de um “eu” (Santos, 2012).

O cuidar na perspetiva estética e sociopoética apresenta algumas limitações, tais como, a responsabilidade ética do enfermeiro no ato de cuidar. Esta dependerá de sua inserção política na enfermagem - compreende-se o termo político no sentido oblativo da palavra – este profissional, deve compreender que seu ofício/profissão possui uma práxis, o qual não é um ato mecanicista, pautado no modelo biomédico. Além disto, deve haver uma parceria entre cliente/profissional, visto o cuidado não ser unidirecional e sim, uma ação conjunta, não se cuida de pessoas, se cuida junto com as pessoas (Santos, 2012).

Considerar o cuidar, é focar as ações nas necessidades dos sujeitos em sofrimento psíquico. Nos anos vindouros, novos desafios se colocarão aos profissionais de saúde mental, sendo necessária a utilização de outras tecnologias voltadas ao cuidar.

 

Referências Bibliográficas

Alves, A. A. M., e Rodrigues, N. F. R. (2010). Determinantes sociais e económicos da saúde mental. Revista Portuguesa de Saúde Pública, 28(2), 127-131. Disponível em http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-90252010000200003&lng=pt        [ Links ]

Coa, T. F., e Pettengill, M. A. M. (2011). A experiência de vulnerabilidade da família da criança hospitalizada em Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 45(4), 825-832. doi: dx.doi.org/10.1590/S0080-62342011000400005        [ Links ]

Cotta, E. M., Castro, A. C. H. O. A., e Botti, N. C. L. (2010). Oficina Bem Viver: Construção de tecnologias e significados de educação em saúde na área da saúde mental. SMAD. Revista Eletrônica Saúde Mental Álcool e Drogas, 6, 471-492. Disponível em http://www.revistas.usp.br/smad/article/view/3872

Filho, A. J. A., Fortes, F. L. S., Queirós, P. J. P., Peres, M. A. A., Vidinha, T. S. S., e Rodrigues, M. A. (2015). Trajetória histórica da reforma psiquiátrica em Portugal e no Brasil. Revista de Enfermagem Referência, IV(4), 117-125. doi: http://dx.doi.org/10.12707/RIV14074        [ Links ]

Santos, I., Silva, L. A., Clos, A. C., e Silva, A. V. (2015). Perspectiva estética e sociopoética do cuidar de pessoas com sofrimento psíquico: Apropriação do Tidal Model. Revista Enfermagem UERJ, 22(6). doi:http://dx.doi.org/10.12957/reuerj.2014.15663        [ Links ]

Santos, I. (2012). Perspectiva estética: Filosofia e apropriação para o cuidado de enfermagem. In N. M. A. Figueiredo e W. C. A. Machado, Tratado de cuidados de enfermagem médico-cirúrgico (pp. 93-103). São Paulo: Roca.         [ Links ]

World Health Organization. (2005). WHO resource book on mental health, human rights and legislation. Disponível em http://www.who.int/mental_health/policy/Livroderecursosrevisao_FINAL.pdf

Yasui, S. (2010). Rupturas e encontros: Desafios da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz.

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